Explorando Belém do Pará em uma jornada gastronômica pela cidade


Capital paraense é obcecada por comida, pratos doces e salgados são feitos com ingredientes frescos que são difíceis de encontrar em outros lugares do Brasil

Por Seth Kugel

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qualquer turista estrangeiro que caminhe pela arborizada Praça Brasil, em Belém, cidade portuária da Amazônia, pode pensar que o barulho dos liquidificadores em diversas barracas de comida nas proximidades indica a produção das tigelas de açaí mais autênticas do planeta – o que seria plausível, já que Belém é a capital do estado do Pará, o epicentro global do cultivo, da colheita e da exportação do fruto que se tornou a estrela entre as vitaminas e os smoothies em estabelecimentos do mundo inteiro.

Mas, em Belém, esse fruto de cor púrpura intensa é principalmente consumido como acompanhamento salgado para peixes e camarões, e a bebida vendida na Praça Brasil – chamada guaraná da Amazônia – é uma vitamina com alto teor de proteínas, cujos ingredientes incluem castanha de caju, amendoim e um xarope feito de sementes de guaraná, semelhantes a grãos de café, mas com muito mais cafeína.

Belém, capital do Pará, tem comidas e bebidas tão diferentes até da norma brasileira que o escritor sentiu que havia tropeçado em algum reino secreto da culinária. Foto: Alessandro Falco/The New York Times
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Essas vitaminas praticamente não existem fora da Amazônia, e o mesmo pode ser dito de muitos pratos populares desta cidade de um milhão e meio de habitantes, obcecada por comidas que são elaboradas com ingredientes frescos – e que têm nomes indígenas como tucupi, jambu, taperebá e pirarucu. As chances de encontrar essas iguarias no Rio de Janeiro são pequenas, e quase nulas fora do Brasil.

Neste outono setentrional, passei três dias em Belém – durante a primavera no Brasil – e me entreguei à gastronomia local; passei por mais de 20 restaurantes e barracas de rua, devorando alimentos e bebidas tão diferentes até mesmo da norma brasileira que parecia que eu tinha caído em algum reino culinário secreto.

Atrações em uma cidade portuária da Amazônia

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Um “guaraná da Amazônia” custa cerca de R$ 20, ou um pouco mais de US$ 4 – considerando R$ 4,90 por dólar –, e, sim, pode ser pedido com açaí. Mas as vitaminas são melhores com bacuri, fruta com notas que lembram maçã e que, aparentemente, todo mundo adora. Esta deve ser adicionada à lista de ingredientes que fora da região só podem ser encontrados congelados, e olhe lá. Isso porque o bacuri fresco, assim como muitos outros alimentos cultivados na região, não reage bem à viagem.

Na feira Ver-o-Peso o peixe frito é servido com açaí em seu acompanhamento aveludado e saboroso. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

O mesmo vale para muitos turistas, já que a única parada urbana na Amazônia brasileira é na cidade não tão requintada de Manaus, a cinco dias de barco, ou duas horas de avião, de Belém, que serve como a base mais acessível para aventuras nos complexos ecológicos da selva tropical ou para passeios em barcos de luxo. Mas isso vai mudar à medida que Belém melhora sua infraestrutura para receber dezenas de milhares de visitantes em 2025, quando sediará a COP30, a 30ª edição da Conferência da ONU sobre as mudanças climáticas.

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Na capital, os visitantes encontrarão um mercado movimentado que vende peixes, frutas e oleaginosas da Amazônia, chamado Ver-o-Peso; restaurantes e lojas de luxo na Estação das Docas, localizada em um armazém à beira-mar do século XIX reestruturado; e um centro histórico, que vai do encantador ao negligenciado, e que abriga o único hotel butique da cidade, o Atrium Quinta das Pedras. Existem também viagens curtas, desde passeios de um dia à ilha vizinha de Combu, para experimentar a vida ribeirinha, até excursões de dois dias à Ilha de Marajó, que tem aproximadamente 40 mil quilômetros quadrados e abriga inúmeros búfalos d’água – e sua carne e seu queijo.

O taperebá, fruta de polpa amarelo-escura e sabor cremoso tropical, é a base do coquetel taperebá mule servido na Casa do Saulo. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Embora a região ofereça essas e outras aventuras na selva tropical, os três principais atrativos da cidade de Belém são o café da manhã, o almoço e o jantar. Como é de esperar, uma das influências mais identificáveis da cidade está relacionada à comida.

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Marcos Antônio Gonçalves Bastos, conhecido por seu apelido de infância, Medici, documentou a culinária local em sua conta no Instagram. Por sua maneira de preservar e proteger a tradição local, ele compara os habitantes de Belém aos italianos: “Eles afirmam que nunca se deve mudar algo feito de determinada maneira”, disse Medici ao se referir à indignação dos puristas quando, recentemente, algumas pessoas adicionaram beterraba ao indispensável caldo de camarão, chamado tacacá, para criar uma versão “Barbie”.

O verdadeiro tacacá é amarelo turvo, já que sua base é o tucupi – talvez o sabor mais característico e viciante da região, criado há vários séculos por indígenas a partir da raiz amarga da mandioca espremida, deixando o amido da tapioca assentar enquanto o líquido fermenta, e depois adicionando especiarias e cozinhando durante vários dias para remover o ácido cianídrico (cianeto) tóxico que se forma naturalmente. O resultado não é tão doce e amargo como amargo e doce, mas combina muito bem – quase magicamente – com arroz e peixe, e é o protagonista do prato local de pato, o “pato no tucupi”.

O guaraná da Amazônia é um shake rico em proteínas cujos ingredientes incluem castanha de caju, amendoim e um xarope feito com sementes de guaraná. Foto: Alessandro Falco/The New York Times
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Às vezes, o tucupi é usado como um caldo; outras, mais como um molho, e, quando é misturado com pimentas picantes e engarrafado, vira um condimento. Medici, que me acompanhou em parte da minha extravagância gastronômica, simplesmente o chama de “meu sangue”.

O tucupi se transforma em tacacá quando combinado com tapioca, pequenos camarões secos e outro ingrediente básico, indispensável e onipresente na gastronomia da Amazônia: o jambu, cujas folhas e às vezes as flores são adicionadas indiscriminadamente, mas deliciosamente, a quase tudo – até mesmo aos coquetéis. Essa planta contém um anestésico natural que causa um adormecimento agradável nos lábios e na língua, o que, embora pareça contraditório, realça outros sabores. “Tanto o tucupi quanto o jambu são como nosso presunto e queijo. Se pudéssemos colocar em tudo, faríamos isso”, comentou Medici.

O tacacá é uma comida de rua tão popular que muitas vezes empresta seu nome a barracas e restaurantes informais que servem uma grande variedade de outros pratos, assim como um estande de tacos pode oferecer quesadillas e burritos. Certa vez, almocei no Tacacá MJ, entre uma loja de conserto de relógios e uma de doces, administrado por um jovem chamado Diego Lublime, que mantém o local o mais organizado possível, considerando que a área para se sentar é uma fila única de cadeiras de plástico em uma calçada movimentada no centro da cidade, com pedestres passando rapidamente. “Senta aí! Come!”, disse ele, e pedi o prato combinado de vatapá, caruru e maniçoba, acompanhado da previsível adição de jambu.

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No mercado Ver-o-Peso e em outros lugares da zona urbana de Belém, as três principais atrações são o café da manhã, o almoço e o jantar. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

O vatapá é uma papa à base de camarão, o caruru é um cozido de camarão e quiabo engrossado com farinha de mandioca, e a maniçoba é um ensopado de porco cujo ingrediente principal é a maniva, folhas moídas da mandioca brava que são cozidas durante cerca de sete dias para remover o cianeto. Em outras regiões do Norte e do Nordeste do Brasil, existem pratos com o mesmo nome, mas com variações. No estado da Bahia, o vatapá é principalmente um acompanhamento à base de amendoim e castanhas, enquanto no Pará é um prato principal, sem castanhas.

Um princípio básico para se aventurar na gastronomia é que, se tudo agrada, você está fazendo algo errado, e a maniçoba foi meu limite: achei-a muito amarga, e a cor e a textura me pareceram muito semelhantes às do esterco de vaca. Para ver se você discorda, recomendo comparar seus gostos e aversões no Amazônia na Cuia, espécie de restaurante que serve menus degustação, em que os pratos clássicos locais são servidos em pequenas cuias e custam entre R$ 18 e R$ 49. Eles incluem tudo que comi no Tacacá MJ, assim como o próprio tacacá e o famoso pato com tucupi. Quando terminar de comer, seus lábios estarão dormentes e você saberá o que quer comer de novo.

A polpa do filhote local é macia e macia, embora um pouco firme demais para ser chamada de cremosa. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Especialidades doces e salgadas

Depois de experimentar alguns pratos básicos, experimentei na Blaus – sorveteria local onde os sabores incluem taperebá, bacuri, tucumã e cupuaçu, parente apreciado do cacau que para mim tem um sabor medicinal desagradável – frutas das quais a maioria dos visitantes nunca ouviu falar.

Também provei o açaí como acompanhamento salgado e cremoso. As opções mais refinadas estão em lugares familiares e turísticos, como no Point do Açaí ou no Ver-o-Açaí, mas no mercado Ver-o-Peso os funcionários do balcão passam o fruto fresco por uma máquina que retira uma fina camada da polpa e adiciona água. Logo percebi que o açaí ao qual estou acostumado na verdade não é açaí, mas uma versão açucarada, muito semelhante a outro produto de exportação latino-americano que originalmente é consumido na forma líquida e amarga. “Eu gosto de comparar com o chocolate. O chocolate não é o bolo de chocolate. O bolo de chocolate contém chocolate”, comentou Medici.

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Vatapá é um ensopado cremoso de camarão, servido no restaurante Tacacá MJ com arroz. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Tudo é muito barato

Com tanta comida boa disponível nas ruas, parece quase desnecessário ir aos restaurantes de luxo de Belém, como o Restô da Villa. Mas, com o valor atual do real brasileiro, mesmo os lugares mais conceituados são muito acessíveis – para quem converte a partir do dólar – e fazem questão de destacar os ingredientes locais.

O Casa do Saulo, nomeado em homenagem ao chef Saulo Jennings, oferece pratos criativos, como o carpaccio de pirarucu defumado, que consiste em fatias finas desse peixe enorme untadas com pesto de jambu e geleia de cupuaçu, e polvilhadas com castanhas-do-pará picadas (R$ 58,90). No elegante Santa Chicória, o pirarucu é guarnecido com “três texturas” de mandioca (raspas, espuma e tucupi) e custa R$ 81.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qualquer turista estrangeiro que caminhe pela arborizada Praça Brasil, em Belém, cidade portuária da Amazônia, pode pensar que o barulho dos liquidificadores em diversas barracas de comida nas proximidades indica a produção das tigelas de açaí mais autênticas do planeta – o que seria plausível, já que Belém é a capital do estado do Pará, o epicentro global do cultivo, da colheita e da exportação do fruto que se tornou a estrela entre as vitaminas e os smoothies em estabelecimentos do mundo inteiro.

Mas, em Belém, esse fruto de cor púrpura intensa é principalmente consumido como acompanhamento salgado para peixes e camarões, e a bebida vendida na Praça Brasil – chamada guaraná da Amazônia – é uma vitamina com alto teor de proteínas, cujos ingredientes incluem castanha de caju, amendoim e um xarope feito de sementes de guaraná, semelhantes a grãos de café, mas com muito mais cafeína.

Belém, capital do Pará, tem comidas e bebidas tão diferentes até da norma brasileira que o escritor sentiu que havia tropeçado em algum reino secreto da culinária. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Essas vitaminas praticamente não existem fora da Amazônia, e o mesmo pode ser dito de muitos pratos populares desta cidade de um milhão e meio de habitantes, obcecada por comidas que são elaboradas com ingredientes frescos – e que têm nomes indígenas como tucupi, jambu, taperebá e pirarucu. As chances de encontrar essas iguarias no Rio de Janeiro são pequenas, e quase nulas fora do Brasil.

Neste outono setentrional, passei três dias em Belém – durante a primavera no Brasil – e me entreguei à gastronomia local; passei por mais de 20 restaurantes e barracas de rua, devorando alimentos e bebidas tão diferentes até mesmo da norma brasileira que parecia que eu tinha caído em algum reino culinário secreto.

Atrações em uma cidade portuária da Amazônia

Um “guaraná da Amazônia” custa cerca de R$ 20, ou um pouco mais de US$ 4 – considerando R$ 4,90 por dólar –, e, sim, pode ser pedido com açaí. Mas as vitaminas são melhores com bacuri, fruta com notas que lembram maçã e que, aparentemente, todo mundo adora. Esta deve ser adicionada à lista de ingredientes que fora da região só podem ser encontrados congelados, e olhe lá. Isso porque o bacuri fresco, assim como muitos outros alimentos cultivados na região, não reage bem à viagem.

Na feira Ver-o-Peso o peixe frito é servido com açaí em seu acompanhamento aveludado e saboroso. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

O mesmo vale para muitos turistas, já que a única parada urbana na Amazônia brasileira é na cidade não tão requintada de Manaus, a cinco dias de barco, ou duas horas de avião, de Belém, que serve como a base mais acessível para aventuras nos complexos ecológicos da selva tropical ou para passeios em barcos de luxo. Mas isso vai mudar à medida que Belém melhora sua infraestrutura para receber dezenas de milhares de visitantes em 2025, quando sediará a COP30, a 30ª edição da Conferência da ONU sobre as mudanças climáticas.

Na capital, os visitantes encontrarão um mercado movimentado que vende peixes, frutas e oleaginosas da Amazônia, chamado Ver-o-Peso; restaurantes e lojas de luxo na Estação das Docas, localizada em um armazém à beira-mar do século XIX reestruturado; e um centro histórico, que vai do encantador ao negligenciado, e que abriga o único hotel butique da cidade, o Atrium Quinta das Pedras. Existem também viagens curtas, desde passeios de um dia à ilha vizinha de Combu, para experimentar a vida ribeirinha, até excursões de dois dias à Ilha de Marajó, que tem aproximadamente 40 mil quilômetros quadrados e abriga inúmeros búfalos d’água – e sua carne e seu queijo.

O taperebá, fruta de polpa amarelo-escura e sabor cremoso tropical, é a base do coquetel taperebá mule servido na Casa do Saulo. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Embora a região ofereça essas e outras aventuras na selva tropical, os três principais atrativos da cidade de Belém são o café da manhã, o almoço e o jantar. Como é de esperar, uma das influências mais identificáveis da cidade está relacionada à comida.

Marcos Antônio Gonçalves Bastos, conhecido por seu apelido de infância, Medici, documentou a culinária local em sua conta no Instagram. Por sua maneira de preservar e proteger a tradição local, ele compara os habitantes de Belém aos italianos: “Eles afirmam que nunca se deve mudar algo feito de determinada maneira”, disse Medici ao se referir à indignação dos puristas quando, recentemente, algumas pessoas adicionaram beterraba ao indispensável caldo de camarão, chamado tacacá, para criar uma versão “Barbie”.

O verdadeiro tacacá é amarelo turvo, já que sua base é o tucupi – talvez o sabor mais característico e viciante da região, criado há vários séculos por indígenas a partir da raiz amarga da mandioca espremida, deixando o amido da tapioca assentar enquanto o líquido fermenta, e depois adicionando especiarias e cozinhando durante vários dias para remover o ácido cianídrico (cianeto) tóxico que se forma naturalmente. O resultado não é tão doce e amargo como amargo e doce, mas combina muito bem – quase magicamente – com arroz e peixe, e é o protagonista do prato local de pato, o “pato no tucupi”.

O guaraná da Amazônia é um shake rico em proteínas cujos ingredientes incluem castanha de caju, amendoim e um xarope feito com sementes de guaraná. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Às vezes, o tucupi é usado como um caldo; outras, mais como um molho, e, quando é misturado com pimentas picantes e engarrafado, vira um condimento. Medici, que me acompanhou em parte da minha extravagância gastronômica, simplesmente o chama de “meu sangue”.

O tucupi se transforma em tacacá quando combinado com tapioca, pequenos camarões secos e outro ingrediente básico, indispensável e onipresente na gastronomia da Amazônia: o jambu, cujas folhas e às vezes as flores são adicionadas indiscriminadamente, mas deliciosamente, a quase tudo – até mesmo aos coquetéis. Essa planta contém um anestésico natural que causa um adormecimento agradável nos lábios e na língua, o que, embora pareça contraditório, realça outros sabores. “Tanto o tucupi quanto o jambu são como nosso presunto e queijo. Se pudéssemos colocar em tudo, faríamos isso”, comentou Medici.

O tacacá é uma comida de rua tão popular que muitas vezes empresta seu nome a barracas e restaurantes informais que servem uma grande variedade de outros pratos, assim como um estande de tacos pode oferecer quesadillas e burritos. Certa vez, almocei no Tacacá MJ, entre uma loja de conserto de relógios e uma de doces, administrado por um jovem chamado Diego Lublime, que mantém o local o mais organizado possível, considerando que a área para se sentar é uma fila única de cadeiras de plástico em uma calçada movimentada no centro da cidade, com pedestres passando rapidamente. “Senta aí! Come!”, disse ele, e pedi o prato combinado de vatapá, caruru e maniçoba, acompanhado da previsível adição de jambu.

No mercado Ver-o-Peso e em outros lugares da zona urbana de Belém, as três principais atrações são o café da manhã, o almoço e o jantar. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

O vatapá é uma papa à base de camarão, o caruru é um cozido de camarão e quiabo engrossado com farinha de mandioca, e a maniçoba é um ensopado de porco cujo ingrediente principal é a maniva, folhas moídas da mandioca brava que são cozidas durante cerca de sete dias para remover o cianeto. Em outras regiões do Norte e do Nordeste do Brasil, existem pratos com o mesmo nome, mas com variações. No estado da Bahia, o vatapá é principalmente um acompanhamento à base de amendoim e castanhas, enquanto no Pará é um prato principal, sem castanhas.

Um princípio básico para se aventurar na gastronomia é que, se tudo agrada, você está fazendo algo errado, e a maniçoba foi meu limite: achei-a muito amarga, e a cor e a textura me pareceram muito semelhantes às do esterco de vaca. Para ver se você discorda, recomendo comparar seus gostos e aversões no Amazônia na Cuia, espécie de restaurante que serve menus degustação, em que os pratos clássicos locais são servidos em pequenas cuias e custam entre R$ 18 e R$ 49. Eles incluem tudo que comi no Tacacá MJ, assim como o próprio tacacá e o famoso pato com tucupi. Quando terminar de comer, seus lábios estarão dormentes e você saberá o que quer comer de novo.

A polpa do filhote local é macia e macia, embora um pouco firme demais para ser chamada de cremosa. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Especialidades doces e salgadas

Depois de experimentar alguns pratos básicos, experimentei na Blaus – sorveteria local onde os sabores incluem taperebá, bacuri, tucumã e cupuaçu, parente apreciado do cacau que para mim tem um sabor medicinal desagradável – frutas das quais a maioria dos visitantes nunca ouviu falar.

Também provei o açaí como acompanhamento salgado e cremoso. As opções mais refinadas estão em lugares familiares e turísticos, como no Point do Açaí ou no Ver-o-Açaí, mas no mercado Ver-o-Peso os funcionários do balcão passam o fruto fresco por uma máquina que retira uma fina camada da polpa e adiciona água. Logo percebi que o açaí ao qual estou acostumado na verdade não é açaí, mas uma versão açucarada, muito semelhante a outro produto de exportação latino-americano que originalmente é consumido na forma líquida e amarga. “Eu gosto de comparar com o chocolate. O chocolate não é o bolo de chocolate. O bolo de chocolate contém chocolate”, comentou Medici.

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Vatapá é um ensopado cremoso de camarão, servido no restaurante Tacacá MJ com arroz. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Tudo é muito barato

Com tanta comida boa disponível nas ruas, parece quase desnecessário ir aos restaurantes de luxo de Belém, como o Restô da Villa. Mas, com o valor atual do real brasileiro, mesmo os lugares mais conceituados são muito acessíveis – para quem converte a partir do dólar – e fazem questão de destacar os ingredientes locais.

O Casa do Saulo, nomeado em homenagem ao chef Saulo Jennings, oferece pratos criativos, como o carpaccio de pirarucu defumado, que consiste em fatias finas desse peixe enorme untadas com pesto de jambu e geleia de cupuaçu, e polvilhadas com castanhas-do-pará picadas (R$ 58,90). No elegante Santa Chicória, o pirarucu é guarnecido com “três texturas” de mandioca (raspas, espuma e tucupi) e custa R$ 81.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qualquer turista estrangeiro que caminhe pela arborizada Praça Brasil, em Belém, cidade portuária da Amazônia, pode pensar que o barulho dos liquidificadores em diversas barracas de comida nas proximidades indica a produção das tigelas de açaí mais autênticas do planeta – o que seria plausível, já que Belém é a capital do estado do Pará, o epicentro global do cultivo, da colheita e da exportação do fruto que se tornou a estrela entre as vitaminas e os smoothies em estabelecimentos do mundo inteiro.

Mas, em Belém, esse fruto de cor púrpura intensa é principalmente consumido como acompanhamento salgado para peixes e camarões, e a bebida vendida na Praça Brasil – chamada guaraná da Amazônia – é uma vitamina com alto teor de proteínas, cujos ingredientes incluem castanha de caju, amendoim e um xarope feito de sementes de guaraná, semelhantes a grãos de café, mas com muito mais cafeína.

Belém, capital do Pará, tem comidas e bebidas tão diferentes até da norma brasileira que o escritor sentiu que havia tropeçado em algum reino secreto da culinária. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Essas vitaminas praticamente não existem fora da Amazônia, e o mesmo pode ser dito de muitos pratos populares desta cidade de um milhão e meio de habitantes, obcecada por comidas que são elaboradas com ingredientes frescos – e que têm nomes indígenas como tucupi, jambu, taperebá e pirarucu. As chances de encontrar essas iguarias no Rio de Janeiro são pequenas, e quase nulas fora do Brasil.

Neste outono setentrional, passei três dias em Belém – durante a primavera no Brasil – e me entreguei à gastronomia local; passei por mais de 20 restaurantes e barracas de rua, devorando alimentos e bebidas tão diferentes até mesmo da norma brasileira que parecia que eu tinha caído em algum reino culinário secreto.

Atrações em uma cidade portuária da Amazônia

Um “guaraná da Amazônia” custa cerca de R$ 20, ou um pouco mais de US$ 4 – considerando R$ 4,90 por dólar –, e, sim, pode ser pedido com açaí. Mas as vitaminas são melhores com bacuri, fruta com notas que lembram maçã e que, aparentemente, todo mundo adora. Esta deve ser adicionada à lista de ingredientes que fora da região só podem ser encontrados congelados, e olhe lá. Isso porque o bacuri fresco, assim como muitos outros alimentos cultivados na região, não reage bem à viagem.

Na feira Ver-o-Peso o peixe frito é servido com açaí em seu acompanhamento aveludado e saboroso. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

O mesmo vale para muitos turistas, já que a única parada urbana na Amazônia brasileira é na cidade não tão requintada de Manaus, a cinco dias de barco, ou duas horas de avião, de Belém, que serve como a base mais acessível para aventuras nos complexos ecológicos da selva tropical ou para passeios em barcos de luxo. Mas isso vai mudar à medida que Belém melhora sua infraestrutura para receber dezenas de milhares de visitantes em 2025, quando sediará a COP30, a 30ª edição da Conferência da ONU sobre as mudanças climáticas.

Na capital, os visitantes encontrarão um mercado movimentado que vende peixes, frutas e oleaginosas da Amazônia, chamado Ver-o-Peso; restaurantes e lojas de luxo na Estação das Docas, localizada em um armazém à beira-mar do século XIX reestruturado; e um centro histórico, que vai do encantador ao negligenciado, e que abriga o único hotel butique da cidade, o Atrium Quinta das Pedras. Existem também viagens curtas, desde passeios de um dia à ilha vizinha de Combu, para experimentar a vida ribeirinha, até excursões de dois dias à Ilha de Marajó, que tem aproximadamente 40 mil quilômetros quadrados e abriga inúmeros búfalos d’água – e sua carne e seu queijo.

O taperebá, fruta de polpa amarelo-escura e sabor cremoso tropical, é a base do coquetel taperebá mule servido na Casa do Saulo. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Embora a região ofereça essas e outras aventuras na selva tropical, os três principais atrativos da cidade de Belém são o café da manhã, o almoço e o jantar. Como é de esperar, uma das influências mais identificáveis da cidade está relacionada à comida.

Marcos Antônio Gonçalves Bastos, conhecido por seu apelido de infância, Medici, documentou a culinária local em sua conta no Instagram. Por sua maneira de preservar e proteger a tradição local, ele compara os habitantes de Belém aos italianos: “Eles afirmam que nunca se deve mudar algo feito de determinada maneira”, disse Medici ao se referir à indignação dos puristas quando, recentemente, algumas pessoas adicionaram beterraba ao indispensável caldo de camarão, chamado tacacá, para criar uma versão “Barbie”.

O verdadeiro tacacá é amarelo turvo, já que sua base é o tucupi – talvez o sabor mais característico e viciante da região, criado há vários séculos por indígenas a partir da raiz amarga da mandioca espremida, deixando o amido da tapioca assentar enquanto o líquido fermenta, e depois adicionando especiarias e cozinhando durante vários dias para remover o ácido cianídrico (cianeto) tóxico que se forma naturalmente. O resultado não é tão doce e amargo como amargo e doce, mas combina muito bem – quase magicamente – com arroz e peixe, e é o protagonista do prato local de pato, o “pato no tucupi”.

O guaraná da Amazônia é um shake rico em proteínas cujos ingredientes incluem castanha de caju, amendoim e um xarope feito com sementes de guaraná. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Às vezes, o tucupi é usado como um caldo; outras, mais como um molho, e, quando é misturado com pimentas picantes e engarrafado, vira um condimento. Medici, que me acompanhou em parte da minha extravagância gastronômica, simplesmente o chama de “meu sangue”.

O tucupi se transforma em tacacá quando combinado com tapioca, pequenos camarões secos e outro ingrediente básico, indispensável e onipresente na gastronomia da Amazônia: o jambu, cujas folhas e às vezes as flores são adicionadas indiscriminadamente, mas deliciosamente, a quase tudo – até mesmo aos coquetéis. Essa planta contém um anestésico natural que causa um adormecimento agradável nos lábios e na língua, o que, embora pareça contraditório, realça outros sabores. “Tanto o tucupi quanto o jambu são como nosso presunto e queijo. Se pudéssemos colocar em tudo, faríamos isso”, comentou Medici.

O tacacá é uma comida de rua tão popular que muitas vezes empresta seu nome a barracas e restaurantes informais que servem uma grande variedade de outros pratos, assim como um estande de tacos pode oferecer quesadillas e burritos. Certa vez, almocei no Tacacá MJ, entre uma loja de conserto de relógios e uma de doces, administrado por um jovem chamado Diego Lublime, que mantém o local o mais organizado possível, considerando que a área para se sentar é uma fila única de cadeiras de plástico em uma calçada movimentada no centro da cidade, com pedestres passando rapidamente. “Senta aí! Come!”, disse ele, e pedi o prato combinado de vatapá, caruru e maniçoba, acompanhado da previsível adição de jambu.

No mercado Ver-o-Peso e em outros lugares da zona urbana de Belém, as três principais atrações são o café da manhã, o almoço e o jantar. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

O vatapá é uma papa à base de camarão, o caruru é um cozido de camarão e quiabo engrossado com farinha de mandioca, e a maniçoba é um ensopado de porco cujo ingrediente principal é a maniva, folhas moídas da mandioca brava que são cozidas durante cerca de sete dias para remover o cianeto. Em outras regiões do Norte e do Nordeste do Brasil, existem pratos com o mesmo nome, mas com variações. No estado da Bahia, o vatapá é principalmente um acompanhamento à base de amendoim e castanhas, enquanto no Pará é um prato principal, sem castanhas.

Um princípio básico para se aventurar na gastronomia é que, se tudo agrada, você está fazendo algo errado, e a maniçoba foi meu limite: achei-a muito amarga, e a cor e a textura me pareceram muito semelhantes às do esterco de vaca. Para ver se você discorda, recomendo comparar seus gostos e aversões no Amazônia na Cuia, espécie de restaurante que serve menus degustação, em que os pratos clássicos locais são servidos em pequenas cuias e custam entre R$ 18 e R$ 49. Eles incluem tudo que comi no Tacacá MJ, assim como o próprio tacacá e o famoso pato com tucupi. Quando terminar de comer, seus lábios estarão dormentes e você saberá o que quer comer de novo.

A polpa do filhote local é macia e macia, embora um pouco firme demais para ser chamada de cremosa. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Especialidades doces e salgadas

Depois de experimentar alguns pratos básicos, experimentei na Blaus – sorveteria local onde os sabores incluem taperebá, bacuri, tucumã e cupuaçu, parente apreciado do cacau que para mim tem um sabor medicinal desagradável – frutas das quais a maioria dos visitantes nunca ouviu falar.

Também provei o açaí como acompanhamento salgado e cremoso. As opções mais refinadas estão em lugares familiares e turísticos, como no Point do Açaí ou no Ver-o-Açaí, mas no mercado Ver-o-Peso os funcionários do balcão passam o fruto fresco por uma máquina que retira uma fina camada da polpa e adiciona água. Logo percebi que o açaí ao qual estou acostumado na verdade não é açaí, mas uma versão açucarada, muito semelhante a outro produto de exportação latino-americano que originalmente é consumido na forma líquida e amarga. “Eu gosto de comparar com o chocolate. O chocolate não é o bolo de chocolate. O bolo de chocolate contém chocolate”, comentou Medici.

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Vatapá é um ensopado cremoso de camarão, servido no restaurante Tacacá MJ com arroz. Foto: Alessandro Falco/The New York Times

Tudo é muito barato

Com tanta comida boa disponível nas ruas, parece quase desnecessário ir aos restaurantes de luxo de Belém, como o Restô da Villa. Mas, com o valor atual do real brasileiro, mesmo os lugares mais conceituados são muito acessíveis – para quem converte a partir do dólar – e fazem questão de destacar os ingredientes locais.

O Casa do Saulo, nomeado em homenagem ao chef Saulo Jennings, oferece pratos criativos, como o carpaccio de pirarucu defumado, que consiste em fatias finas desse peixe enorme untadas com pesto de jambu e geleia de cupuaçu, e polvilhadas com castanhas-do-pará picadas (R$ 58,90). No elegante Santa Chicória, o pirarucu é guarnecido com “três texturas” de mandioca (raspas, espuma e tucupi) e custa R$ 81.

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