‘Fui explorada’: confira algumas constatações de ‘A Mulher em Mim’, livro de Britney Spears


Lançado recentemente pela cantora, livro faz uma leitura de sua vida e carreira, além da sua relação com a mídia, o controle paterno, os anos de tutela e como seus fãs te salvaram

Por Julia Jacobs e Joe Coscarelli

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Ao longo dos 13 anos em que uma tutela legal regeu minuciosamente a vida e a carreira de Britney Spears, chegou um ponto em que ela desistiu de lutar, como relata a cantora em seu livro de memórias intitulado A Mulher Em Mim, lançado na última terça-feira, 24.

Seu pai, James P. Spears, foi nomeado o responsável pelos negócios pessoais e profissionais dela em 2008, depois que foi hospitalizada duas vezes para avaliações psicológicas involuntárias. Nos anos seguintes, ela se opôs a essa situação, ainda que de maneira reservada, mas, por fim, a exaustão e o medo de perder o acesso a seus dois filhos pequenos prevaleceram, conforme ela relembra no livro: “Depois de ser imobilizada em uma maca, eu sabia que eles tinham o poder de restringir meu corpo a qualquer momento que quisessem. Por isso, acabei cedendo.” E acrescenta: “Abri mão da minha liberdade para tirar sonecas com meus filhos - eu estava disposta a fazer essa troca.”

Livro de memórias da cantora Britney Spears traz relato de como ela via a relação com a mídia, as cobranças sobre sua sexualidade e como a tutela de seu pai estragou sua carreira.  Foto: Guillermo Azábal/EFE
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No tão aguardado livro de memórias de 275 páginas, que o The New York Times adquiriu em uma loja de varejo antes de seu lançamento oficial, Spears detalha sua trajetória como ídolo adolescente, os desafios pessoais que se tornaram combustível para os tabloides, o período que passou sob tutela e a pressão para que esta fosse encerrada em 2021, quando a artista recuperou o direito de tomar as próprias decisões.

Ao longo do livro inteiro, ela descreve a sensação de constante exposição ao público, de total invasão - por parte dos pais, dos paparazzi ou até mesmo dos médicos, que, segundo ela, a afastaram dos filhos, dos cachorros e do lar. Mas a narrativa é, por natureza, incompleta, abordando de maneira positiva o casamento de Spears com Hesam Asghari, conhecido como Sam, depois do fim da tutela legal. No entanto, o marido pediu o divórcio em agosto, pouco depois de um ano de casamento.

Veja abaixo outros momentos marcantes do livro ‘A Mulher Em Mim’

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Ascensão à fama

Desde sua primeira apresentação solo - interpretando a canção de Natal What Child Is This? - na creche local de sua mãe até as audições em salas repletas de executivos de gravadoras, interpretando I Have Nothing, de Whitney Houston, Spears relata sua rápida ascensão à fama durante a infância e adolescência.

Ela relembra que tinha só dez anos quando se apresentou no programa Star Search, cujo apresentador, Ed McMahon, perguntou se ela já tinha namorado. Depois que ela respondeu que não, porque namorados eram “malvados”, McMahon replicou: “Não sou malvado! Que tal me dar uma chance?” Ela conta que foi capaz de manter a calma até deixar o palco, “mas depois comecei a chorar”.

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Spears relata que, depois de sua aparição em O Clube do Mickey, resolveu levar uma “vida normal” em Kentwood, na Louisiana, até que Larry Rudolph, advogado que sua mãe conhecera no circuito de audições, sugeriu que ela gravasse uma fita demo. A cantora acabou conseguindo fechar um contrato com uma gravadora aos 15 anos, e Rudolph assumiu a função de empresário, papel que desempenhou por um longo período.

Fama e atenção

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Spears passou rapidamente de uma adolescente que se apresentava em shopping centers para uma princesa do pop, fazendo sucesso com um single, ...Baby One More Time, já aos 16 anos. Durante uma turnê com a boy band ‘N Sync, teve um romance bastante público com Justin Timberlake.

Ela notou que os apresentadores de programas de entrevistas faziam a Timberlake perguntas diferentes das que faziam a ela. “Todo mundo fazia comentários estranhos sobre meus seios, querendo saber se eu tinha feito cirurgia plástica ou não”, escreve. A pressão só aumentou à medida que se tornava uma presença constante na MTV, e ela conta que as críticas do público a levaram a começar a tomar Prozac.

O fim do relacionamento com Timberlake

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Spears conta que sua conexão com Timberlake era magnética, e descreve que o fim do relacionamento - que, segundo ela, ele iniciou por mensagem de texto - a deixou arrasada. Nessa ocasião, pensou em abandonar a indústria do entretenimento.

Ela recorda sua reação ao lançamento do videoclipe de Timberlake, Cry Me a River, no qual, como descreve, “uma mulher que se parece comigo o trai e ele vagueia, triste, sob a chuva”. A mídia a retratou como “uma prostituta que partiu o coração do garoto de ouro da América”, quando na realidade “eu estava em coma na Louisiana enquanto ele vivia feliz em Hollywood”.

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Conforme revelado pela primeira vez em trechos divulgados pela revista People, Spears detalha sua decisão de fazer um aborto depois de ter engravidado durante o relacionamento com Timberlake. Ela afirma que não via a gravidez como “uma tragédia”, mas que concordou em não ter o bebê porque ele achava que eram jovens demais.

Spears conta que, depois do fim do relacionamento, foi pressionada pelo pai e pela equipe administrativa para participar de uma entrevista com Diane Sawyer, durante a qual a jornalista a instigou a falar sobre o que fizera para causar “tanta dor” a Timberlake. (A cantora confirma no livro um antigo boato ao dizer que beijou o coreógrafo Wade Robson durante seu relacionamento com Timberlake, mas insinua que seu comportamento estava relacionado a rumores de infidelidade por parte de Timberlake.) Para Spears, essa entrevista se tornou um “ponto de ruptura”: “Tive a sensação de ser explorada, enganada diante do mundo inteiro.”

A relação com as drogas e o álcool

Abordando sua vida no auge da fama, constantemente alvo de paparazzi e tabloides, Spears descreve suas incursões na vida adulta em festas e na vida noturna, e destaca como estas eram frequentemente retratadas de maneira distorcida pela mídia.

Em relação à época em que era fotografada ao lado de celebridades como Paris Hilton e Lindsay Lohan, Spears observa que a realidade nunca foi tão tumultuada quanto a mídia a retratava, esclarecendo que não tinha interesse em drogas pesadas e que nunca enfrentou problemas com o álcool. Revela que sua “droga preferida” era o medicamento Adderall, indicado para tratar o TDAH: “Ele me deixava chapada sim, mas o que eu achava mais atraente era que ele me proporcionava um alívio temporário da depressão.”

Spears conta que, durante alguns de seus episódios mais notórios e públicos - como quando raspou a cabeça e atacou o carro de um paparazzo -, havia motivos por trás de seu comportamento. Diz que, respectivamente, estava “profundamente triste” com a morte de sua tia e emocionalmente abalada depois de uma disputa pela guarda dos filhos com seu ex-marido, Kevin Federline. “Com a cabeça raspada, todo mundo tinha medo de mim, até minha mãe. Ao passar aquelas semanas sem meus filhos, eu me descontrolei várias vezes. Não conseguia nem cuidar de mim mesma.”

E acrescenta: “Estou disposta a admitir que, em meio a uma grave depressão pós-parto, ao abandono do marido, à tortura de ser separada dos meus dois filhos, à morte da minha querida tia Sandra e à constante pressão dos paparazzi, eu estava de certa forma começando a pensar e agir como uma criança.”

Jamie Spears, pai da cantora, passou 13 anos comandando a vida dela após uma decisão da justiça, sendo afastado da tutela apenas em setembro de 2021. Foto: AP

A tutela

No início de 2008, em meio a suas dificuldades públicas, o pai da cantora, conhecido como Jamie, foi nomeado seu tutor legal pelo estado da Califórnia, assumindo o controle de suas finanças e de sua vida pessoal, acordo que, em muitos aspectos, persistiu até 2021. Spears escreve que, mesmo quando voltou a trabalhar como artista, todas as suas atividades eram cuidadosamente monitoradas, incluindo com quem podia sair ou conviver.

“Sei que estava agindo de maneira selvagem, mas eu não tinha feito nada que justificasse que me tratassem como uma criminosa, nada que justificasse a destruição da minha vida”, escreve. Diz que a decisão foi tomada por seu pai, com o apoio de sua mãe e de uma gerente de negócios chamada Louise Taylor, conhecida como Lou, que negou ter concebido o acordo de tutela. (Jamie Spears há muito tempo explica seu envolvimento como um esforço para proteger a filha de ser explorada financeiramente.)

“Debilitada demais para escolher meu namorado e ainda assim saudável o bastante para aparecer em seriados e programas matinais e me apresentar para milhares de pessoas em um lugar diferente do mundo a cada semana”, escreve Spears, acrescentando sobre o pai: “A partir desse ponto, comecei a sentir que ele me via como uma pessoa colocada na Terra só para torná-lo rico.” Em outro trecho, Spears se lembra de seu pai dizendo: “Agora sou a Britney Spears.”

“Eu me transformei de uma pessoa festeira em uma monja. Os seguranças me entregavam envelopes com remédios pré-dosados e vigiavam enquanto eu os tomava. Meu iPhone estava sob controle parental. Cada aspecto da minha vida era examinado e controlado, absolutamente tudo”, narra a cantora.

Qualquer reação sua era criticada, ignorada ou minimizada: “Cheguei a mencionar a tutela durante uma entrevista na televisão em 2016, mas essa parte da entrevista não foi ao ar. Que interessante.”

Fãs da estrela pop Britney Spears, empunhando faixas e cartazes, reunidos na porta do Tribunal Superior de Los Angeles em 2021. Foto: Chloe Pang/The New York Times

Reação e #FreeBritney

Durante o período de tutela, Spears ocasionalmente tentou resistir à situação, ainda que nos bastidores, mas sem sucesso. De acordo com ela, o acordo começou a se desfazer no fim de 2018, quando foi submetida a mais avaliações de saúde mental e forçada a passar mais de três meses em reabilitação, agravando as tensões com o pai. “Meu pai disse que, se eu não me internasse, teria de comparecer ao tribunal e passaria vergonha”, relata Spears, acrescentando que ele ameaçou retratá-la como uma “idiota”.

Ela conta que, na instituição, além de receber uma prescrição de lítio, tinha permissão para ver televisão por apenas uma hora antes do horário de dormir, às nove da noite. “Eles me mantiveram trancada contra minha vontade durante meses. Eu não podia sair de casa, não podia dirigir, tinha de fazer exame de sangue semanalmente. Não podia tomar banho sozinha. Não me deixavam nem fechar a porta do meu quarto.”

Spears diz que foi nessa clínica de reabilitação em Beverly Hills, que custava US$ 60 mil por mês, que uma enfermeira lhe mostrou vídeos de fãs envolvidos no movimento #FreeBritney, que questionava a necessidade da tutela da cantora. “Foi a coisa mais incrível que já vi na minha vida. Acho que as pessoas não compreendem quanto o movimento #FreeBritney significou para mim, especialmente no início.

Ela escreve que “parecia que todo dia havia um novo documentário sobre mim em algum serviço de streaming” (incluindo Framing Britney Spears: A Vida de Uma Estrela, produzido pelo The New York Times). “Foi difícil assistir àqueles documentários. Entendo que as pessoas tinham boas intenções, mas fiquei magoada quando algum amigo de longa data falava com os cineastas sem me consultar primeiro.” E acrescenta: “Muitas suposições eram feitas sobre o que eu deveria ter pensado ou sentido.”

Quando seu pai foi destituído do cargo de tutor, pouco antes que o acordo fosse totalmente encerrado, “um alívio tomou conta de mim”, ela escreve. “O homem que me aterrorizou na infância e me controlou na vida adulta, que mais do que ninguém minou profundamente minha autoconfiança, não estava mais no controle.” Spears conta que estava em um resort no Taiti quando recebeu a ligação de seu novo advogado, Mathew S. Rosengart, informando que a tutela havia sido oficialmente encerrada.

Mas a cantora mantém uma postura indiferente quanto às consequências da tutela, descrevendo seu distanciamento contínuo de boa parte de sua família: “As enxaquecas são apenas uma fração dos danos físicos e emocionais que enfrento desde que fiquei livre da tutela. Acho que minha família não compreende completamente o verdadeiro dano que me causou.”

Britney Spears fez uma bem sucedida temporada de shows em Las Vegas durante o período em que esteve sob tutela de seu pai. Foto: Mario Anzuoni/Reuters

Um retorno à música?

Embora alguns digam que a tutela salvou sua vida, Spears afirma: “Não, na verdade não. Minha música era minha vida, e a tutela a destruiu; esmagou minha alma.”

Ela conta que, durante todo o tempo em que ficou em cartaz em Las Vegas, não tinha permissão para atualizar o show. “Quando eu queria apresentar minhas músicas favoritas, como Change Your Mind ou Get Naked, eles não deixavam. Parecia que queriam me envergonhar, em vez de me permitir proporcionar aos meus fãs o melhor espetáculo possível.”

Spears escreve que, agora que tem a oportunidade de voltar a criar livremente, não se sente motivada a fazê-lo, embora mencione uma colaboração única com um de seus heróis musicais, Elton John, lançada no ano passado. “Dar impulso à minha carreira musical não é meu foco no momento. É hora de eu não ser alguém que os outros desejam; é hora de realmente me encontrar.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Ao longo dos 13 anos em que uma tutela legal regeu minuciosamente a vida e a carreira de Britney Spears, chegou um ponto em que ela desistiu de lutar, como relata a cantora em seu livro de memórias intitulado A Mulher Em Mim, lançado na última terça-feira, 24.

Seu pai, James P. Spears, foi nomeado o responsável pelos negócios pessoais e profissionais dela em 2008, depois que foi hospitalizada duas vezes para avaliações psicológicas involuntárias. Nos anos seguintes, ela se opôs a essa situação, ainda que de maneira reservada, mas, por fim, a exaustão e o medo de perder o acesso a seus dois filhos pequenos prevaleceram, conforme ela relembra no livro: “Depois de ser imobilizada em uma maca, eu sabia que eles tinham o poder de restringir meu corpo a qualquer momento que quisessem. Por isso, acabei cedendo.” E acrescenta: “Abri mão da minha liberdade para tirar sonecas com meus filhos - eu estava disposta a fazer essa troca.”

Livro de memórias da cantora Britney Spears traz relato de como ela via a relação com a mídia, as cobranças sobre sua sexualidade e como a tutela de seu pai estragou sua carreira.  Foto: Guillermo Azábal/EFE

No tão aguardado livro de memórias de 275 páginas, que o The New York Times adquiriu em uma loja de varejo antes de seu lançamento oficial, Spears detalha sua trajetória como ídolo adolescente, os desafios pessoais que se tornaram combustível para os tabloides, o período que passou sob tutela e a pressão para que esta fosse encerrada em 2021, quando a artista recuperou o direito de tomar as próprias decisões.

Ao longo do livro inteiro, ela descreve a sensação de constante exposição ao público, de total invasão - por parte dos pais, dos paparazzi ou até mesmo dos médicos, que, segundo ela, a afastaram dos filhos, dos cachorros e do lar. Mas a narrativa é, por natureza, incompleta, abordando de maneira positiva o casamento de Spears com Hesam Asghari, conhecido como Sam, depois do fim da tutela legal. No entanto, o marido pediu o divórcio em agosto, pouco depois de um ano de casamento.

Veja abaixo outros momentos marcantes do livro ‘A Mulher Em Mim’

Ascensão à fama

Desde sua primeira apresentação solo - interpretando a canção de Natal What Child Is This? - na creche local de sua mãe até as audições em salas repletas de executivos de gravadoras, interpretando I Have Nothing, de Whitney Houston, Spears relata sua rápida ascensão à fama durante a infância e adolescência.

Ela relembra que tinha só dez anos quando se apresentou no programa Star Search, cujo apresentador, Ed McMahon, perguntou se ela já tinha namorado. Depois que ela respondeu que não, porque namorados eram “malvados”, McMahon replicou: “Não sou malvado! Que tal me dar uma chance?” Ela conta que foi capaz de manter a calma até deixar o palco, “mas depois comecei a chorar”.

Spears relata que, depois de sua aparição em O Clube do Mickey, resolveu levar uma “vida normal” em Kentwood, na Louisiana, até que Larry Rudolph, advogado que sua mãe conhecera no circuito de audições, sugeriu que ela gravasse uma fita demo. A cantora acabou conseguindo fechar um contrato com uma gravadora aos 15 anos, e Rudolph assumiu a função de empresário, papel que desempenhou por um longo período.

Fama e atenção

Spears passou rapidamente de uma adolescente que se apresentava em shopping centers para uma princesa do pop, fazendo sucesso com um single, ...Baby One More Time, já aos 16 anos. Durante uma turnê com a boy band ‘N Sync, teve um romance bastante público com Justin Timberlake.

Ela notou que os apresentadores de programas de entrevistas faziam a Timberlake perguntas diferentes das que faziam a ela. “Todo mundo fazia comentários estranhos sobre meus seios, querendo saber se eu tinha feito cirurgia plástica ou não”, escreve. A pressão só aumentou à medida que se tornava uma presença constante na MTV, e ela conta que as críticas do público a levaram a começar a tomar Prozac.

O fim do relacionamento com Timberlake

Spears conta que sua conexão com Timberlake era magnética, e descreve que o fim do relacionamento - que, segundo ela, ele iniciou por mensagem de texto - a deixou arrasada. Nessa ocasião, pensou em abandonar a indústria do entretenimento.

Ela recorda sua reação ao lançamento do videoclipe de Timberlake, Cry Me a River, no qual, como descreve, “uma mulher que se parece comigo o trai e ele vagueia, triste, sob a chuva”. A mídia a retratou como “uma prostituta que partiu o coração do garoto de ouro da América”, quando na realidade “eu estava em coma na Louisiana enquanto ele vivia feliz em Hollywood”.

Conforme revelado pela primeira vez em trechos divulgados pela revista People, Spears detalha sua decisão de fazer um aborto depois de ter engravidado durante o relacionamento com Timberlake. Ela afirma que não via a gravidez como “uma tragédia”, mas que concordou em não ter o bebê porque ele achava que eram jovens demais.

Spears conta que, depois do fim do relacionamento, foi pressionada pelo pai e pela equipe administrativa para participar de uma entrevista com Diane Sawyer, durante a qual a jornalista a instigou a falar sobre o que fizera para causar “tanta dor” a Timberlake. (A cantora confirma no livro um antigo boato ao dizer que beijou o coreógrafo Wade Robson durante seu relacionamento com Timberlake, mas insinua que seu comportamento estava relacionado a rumores de infidelidade por parte de Timberlake.) Para Spears, essa entrevista se tornou um “ponto de ruptura”: “Tive a sensação de ser explorada, enganada diante do mundo inteiro.”

A relação com as drogas e o álcool

Abordando sua vida no auge da fama, constantemente alvo de paparazzi e tabloides, Spears descreve suas incursões na vida adulta em festas e na vida noturna, e destaca como estas eram frequentemente retratadas de maneira distorcida pela mídia.

Em relação à época em que era fotografada ao lado de celebridades como Paris Hilton e Lindsay Lohan, Spears observa que a realidade nunca foi tão tumultuada quanto a mídia a retratava, esclarecendo que não tinha interesse em drogas pesadas e que nunca enfrentou problemas com o álcool. Revela que sua “droga preferida” era o medicamento Adderall, indicado para tratar o TDAH: “Ele me deixava chapada sim, mas o que eu achava mais atraente era que ele me proporcionava um alívio temporário da depressão.”

Spears conta que, durante alguns de seus episódios mais notórios e públicos - como quando raspou a cabeça e atacou o carro de um paparazzo -, havia motivos por trás de seu comportamento. Diz que, respectivamente, estava “profundamente triste” com a morte de sua tia e emocionalmente abalada depois de uma disputa pela guarda dos filhos com seu ex-marido, Kevin Federline. “Com a cabeça raspada, todo mundo tinha medo de mim, até minha mãe. Ao passar aquelas semanas sem meus filhos, eu me descontrolei várias vezes. Não conseguia nem cuidar de mim mesma.”

E acrescenta: “Estou disposta a admitir que, em meio a uma grave depressão pós-parto, ao abandono do marido, à tortura de ser separada dos meus dois filhos, à morte da minha querida tia Sandra e à constante pressão dos paparazzi, eu estava de certa forma começando a pensar e agir como uma criança.”

Jamie Spears, pai da cantora, passou 13 anos comandando a vida dela após uma decisão da justiça, sendo afastado da tutela apenas em setembro de 2021. Foto: AP

A tutela

No início de 2008, em meio a suas dificuldades públicas, o pai da cantora, conhecido como Jamie, foi nomeado seu tutor legal pelo estado da Califórnia, assumindo o controle de suas finanças e de sua vida pessoal, acordo que, em muitos aspectos, persistiu até 2021. Spears escreve que, mesmo quando voltou a trabalhar como artista, todas as suas atividades eram cuidadosamente monitoradas, incluindo com quem podia sair ou conviver.

“Sei que estava agindo de maneira selvagem, mas eu não tinha feito nada que justificasse que me tratassem como uma criminosa, nada que justificasse a destruição da minha vida”, escreve. Diz que a decisão foi tomada por seu pai, com o apoio de sua mãe e de uma gerente de negócios chamada Louise Taylor, conhecida como Lou, que negou ter concebido o acordo de tutela. (Jamie Spears há muito tempo explica seu envolvimento como um esforço para proteger a filha de ser explorada financeiramente.)

“Debilitada demais para escolher meu namorado e ainda assim saudável o bastante para aparecer em seriados e programas matinais e me apresentar para milhares de pessoas em um lugar diferente do mundo a cada semana”, escreve Spears, acrescentando sobre o pai: “A partir desse ponto, comecei a sentir que ele me via como uma pessoa colocada na Terra só para torná-lo rico.” Em outro trecho, Spears se lembra de seu pai dizendo: “Agora sou a Britney Spears.”

“Eu me transformei de uma pessoa festeira em uma monja. Os seguranças me entregavam envelopes com remédios pré-dosados e vigiavam enquanto eu os tomava. Meu iPhone estava sob controle parental. Cada aspecto da minha vida era examinado e controlado, absolutamente tudo”, narra a cantora.

Qualquer reação sua era criticada, ignorada ou minimizada: “Cheguei a mencionar a tutela durante uma entrevista na televisão em 2016, mas essa parte da entrevista não foi ao ar. Que interessante.”

Fãs da estrela pop Britney Spears, empunhando faixas e cartazes, reunidos na porta do Tribunal Superior de Los Angeles em 2021. Foto: Chloe Pang/The New York Times

Reação e #FreeBritney

Durante o período de tutela, Spears ocasionalmente tentou resistir à situação, ainda que nos bastidores, mas sem sucesso. De acordo com ela, o acordo começou a se desfazer no fim de 2018, quando foi submetida a mais avaliações de saúde mental e forçada a passar mais de três meses em reabilitação, agravando as tensões com o pai. “Meu pai disse que, se eu não me internasse, teria de comparecer ao tribunal e passaria vergonha”, relata Spears, acrescentando que ele ameaçou retratá-la como uma “idiota”.

Ela conta que, na instituição, além de receber uma prescrição de lítio, tinha permissão para ver televisão por apenas uma hora antes do horário de dormir, às nove da noite. “Eles me mantiveram trancada contra minha vontade durante meses. Eu não podia sair de casa, não podia dirigir, tinha de fazer exame de sangue semanalmente. Não podia tomar banho sozinha. Não me deixavam nem fechar a porta do meu quarto.”

Spears diz que foi nessa clínica de reabilitação em Beverly Hills, que custava US$ 60 mil por mês, que uma enfermeira lhe mostrou vídeos de fãs envolvidos no movimento #FreeBritney, que questionava a necessidade da tutela da cantora. “Foi a coisa mais incrível que já vi na minha vida. Acho que as pessoas não compreendem quanto o movimento #FreeBritney significou para mim, especialmente no início.

Ela escreve que “parecia que todo dia havia um novo documentário sobre mim em algum serviço de streaming” (incluindo Framing Britney Spears: A Vida de Uma Estrela, produzido pelo The New York Times). “Foi difícil assistir àqueles documentários. Entendo que as pessoas tinham boas intenções, mas fiquei magoada quando algum amigo de longa data falava com os cineastas sem me consultar primeiro.” E acrescenta: “Muitas suposições eram feitas sobre o que eu deveria ter pensado ou sentido.”

Quando seu pai foi destituído do cargo de tutor, pouco antes que o acordo fosse totalmente encerrado, “um alívio tomou conta de mim”, ela escreve. “O homem que me aterrorizou na infância e me controlou na vida adulta, que mais do que ninguém minou profundamente minha autoconfiança, não estava mais no controle.” Spears conta que estava em um resort no Taiti quando recebeu a ligação de seu novo advogado, Mathew S. Rosengart, informando que a tutela havia sido oficialmente encerrada.

Mas a cantora mantém uma postura indiferente quanto às consequências da tutela, descrevendo seu distanciamento contínuo de boa parte de sua família: “As enxaquecas são apenas uma fração dos danos físicos e emocionais que enfrento desde que fiquei livre da tutela. Acho que minha família não compreende completamente o verdadeiro dano que me causou.”

Britney Spears fez uma bem sucedida temporada de shows em Las Vegas durante o período em que esteve sob tutela de seu pai. Foto: Mario Anzuoni/Reuters

Um retorno à música?

Embora alguns digam que a tutela salvou sua vida, Spears afirma: “Não, na verdade não. Minha música era minha vida, e a tutela a destruiu; esmagou minha alma.”

Ela conta que, durante todo o tempo em que ficou em cartaz em Las Vegas, não tinha permissão para atualizar o show. “Quando eu queria apresentar minhas músicas favoritas, como Change Your Mind ou Get Naked, eles não deixavam. Parecia que queriam me envergonhar, em vez de me permitir proporcionar aos meus fãs o melhor espetáculo possível.”

Spears escreve que, agora que tem a oportunidade de voltar a criar livremente, não se sente motivada a fazê-lo, embora mencione uma colaboração única com um de seus heróis musicais, Elton John, lançada no ano passado. “Dar impulso à minha carreira musical não é meu foco no momento. É hora de eu não ser alguém que os outros desejam; é hora de realmente me encontrar.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Ao longo dos 13 anos em que uma tutela legal regeu minuciosamente a vida e a carreira de Britney Spears, chegou um ponto em que ela desistiu de lutar, como relata a cantora em seu livro de memórias intitulado A Mulher Em Mim, lançado na última terça-feira, 24.

Seu pai, James P. Spears, foi nomeado o responsável pelos negócios pessoais e profissionais dela em 2008, depois que foi hospitalizada duas vezes para avaliações psicológicas involuntárias. Nos anos seguintes, ela se opôs a essa situação, ainda que de maneira reservada, mas, por fim, a exaustão e o medo de perder o acesso a seus dois filhos pequenos prevaleceram, conforme ela relembra no livro: “Depois de ser imobilizada em uma maca, eu sabia que eles tinham o poder de restringir meu corpo a qualquer momento que quisessem. Por isso, acabei cedendo.” E acrescenta: “Abri mão da minha liberdade para tirar sonecas com meus filhos - eu estava disposta a fazer essa troca.”

Livro de memórias da cantora Britney Spears traz relato de como ela via a relação com a mídia, as cobranças sobre sua sexualidade e como a tutela de seu pai estragou sua carreira.  Foto: Guillermo Azábal/EFE

No tão aguardado livro de memórias de 275 páginas, que o The New York Times adquiriu em uma loja de varejo antes de seu lançamento oficial, Spears detalha sua trajetória como ídolo adolescente, os desafios pessoais que se tornaram combustível para os tabloides, o período que passou sob tutela e a pressão para que esta fosse encerrada em 2021, quando a artista recuperou o direito de tomar as próprias decisões.

Ao longo do livro inteiro, ela descreve a sensação de constante exposição ao público, de total invasão - por parte dos pais, dos paparazzi ou até mesmo dos médicos, que, segundo ela, a afastaram dos filhos, dos cachorros e do lar. Mas a narrativa é, por natureza, incompleta, abordando de maneira positiva o casamento de Spears com Hesam Asghari, conhecido como Sam, depois do fim da tutela legal. No entanto, o marido pediu o divórcio em agosto, pouco depois de um ano de casamento.

Veja abaixo outros momentos marcantes do livro ‘A Mulher Em Mim’

Ascensão à fama

Desde sua primeira apresentação solo - interpretando a canção de Natal What Child Is This? - na creche local de sua mãe até as audições em salas repletas de executivos de gravadoras, interpretando I Have Nothing, de Whitney Houston, Spears relata sua rápida ascensão à fama durante a infância e adolescência.

Ela relembra que tinha só dez anos quando se apresentou no programa Star Search, cujo apresentador, Ed McMahon, perguntou se ela já tinha namorado. Depois que ela respondeu que não, porque namorados eram “malvados”, McMahon replicou: “Não sou malvado! Que tal me dar uma chance?” Ela conta que foi capaz de manter a calma até deixar o palco, “mas depois comecei a chorar”.

Spears relata que, depois de sua aparição em O Clube do Mickey, resolveu levar uma “vida normal” em Kentwood, na Louisiana, até que Larry Rudolph, advogado que sua mãe conhecera no circuito de audições, sugeriu que ela gravasse uma fita demo. A cantora acabou conseguindo fechar um contrato com uma gravadora aos 15 anos, e Rudolph assumiu a função de empresário, papel que desempenhou por um longo período.

Fama e atenção

Spears passou rapidamente de uma adolescente que se apresentava em shopping centers para uma princesa do pop, fazendo sucesso com um single, ...Baby One More Time, já aos 16 anos. Durante uma turnê com a boy band ‘N Sync, teve um romance bastante público com Justin Timberlake.

Ela notou que os apresentadores de programas de entrevistas faziam a Timberlake perguntas diferentes das que faziam a ela. “Todo mundo fazia comentários estranhos sobre meus seios, querendo saber se eu tinha feito cirurgia plástica ou não”, escreve. A pressão só aumentou à medida que se tornava uma presença constante na MTV, e ela conta que as críticas do público a levaram a começar a tomar Prozac.

O fim do relacionamento com Timberlake

Spears conta que sua conexão com Timberlake era magnética, e descreve que o fim do relacionamento - que, segundo ela, ele iniciou por mensagem de texto - a deixou arrasada. Nessa ocasião, pensou em abandonar a indústria do entretenimento.

Ela recorda sua reação ao lançamento do videoclipe de Timberlake, Cry Me a River, no qual, como descreve, “uma mulher que se parece comigo o trai e ele vagueia, triste, sob a chuva”. A mídia a retratou como “uma prostituta que partiu o coração do garoto de ouro da América”, quando na realidade “eu estava em coma na Louisiana enquanto ele vivia feliz em Hollywood”.

Conforme revelado pela primeira vez em trechos divulgados pela revista People, Spears detalha sua decisão de fazer um aborto depois de ter engravidado durante o relacionamento com Timberlake. Ela afirma que não via a gravidez como “uma tragédia”, mas que concordou em não ter o bebê porque ele achava que eram jovens demais.

Spears conta que, depois do fim do relacionamento, foi pressionada pelo pai e pela equipe administrativa para participar de uma entrevista com Diane Sawyer, durante a qual a jornalista a instigou a falar sobre o que fizera para causar “tanta dor” a Timberlake. (A cantora confirma no livro um antigo boato ao dizer que beijou o coreógrafo Wade Robson durante seu relacionamento com Timberlake, mas insinua que seu comportamento estava relacionado a rumores de infidelidade por parte de Timberlake.) Para Spears, essa entrevista se tornou um “ponto de ruptura”: “Tive a sensação de ser explorada, enganada diante do mundo inteiro.”

A relação com as drogas e o álcool

Abordando sua vida no auge da fama, constantemente alvo de paparazzi e tabloides, Spears descreve suas incursões na vida adulta em festas e na vida noturna, e destaca como estas eram frequentemente retratadas de maneira distorcida pela mídia.

Em relação à época em que era fotografada ao lado de celebridades como Paris Hilton e Lindsay Lohan, Spears observa que a realidade nunca foi tão tumultuada quanto a mídia a retratava, esclarecendo que não tinha interesse em drogas pesadas e que nunca enfrentou problemas com o álcool. Revela que sua “droga preferida” era o medicamento Adderall, indicado para tratar o TDAH: “Ele me deixava chapada sim, mas o que eu achava mais atraente era que ele me proporcionava um alívio temporário da depressão.”

Spears conta que, durante alguns de seus episódios mais notórios e públicos - como quando raspou a cabeça e atacou o carro de um paparazzo -, havia motivos por trás de seu comportamento. Diz que, respectivamente, estava “profundamente triste” com a morte de sua tia e emocionalmente abalada depois de uma disputa pela guarda dos filhos com seu ex-marido, Kevin Federline. “Com a cabeça raspada, todo mundo tinha medo de mim, até minha mãe. Ao passar aquelas semanas sem meus filhos, eu me descontrolei várias vezes. Não conseguia nem cuidar de mim mesma.”

E acrescenta: “Estou disposta a admitir que, em meio a uma grave depressão pós-parto, ao abandono do marido, à tortura de ser separada dos meus dois filhos, à morte da minha querida tia Sandra e à constante pressão dos paparazzi, eu estava de certa forma começando a pensar e agir como uma criança.”

Jamie Spears, pai da cantora, passou 13 anos comandando a vida dela após uma decisão da justiça, sendo afastado da tutela apenas em setembro de 2021. Foto: AP

A tutela

No início de 2008, em meio a suas dificuldades públicas, o pai da cantora, conhecido como Jamie, foi nomeado seu tutor legal pelo estado da Califórnia, assumindo o controle de suas finanças e de sua vida pessoal, acordo que, em muitos aspectos, persistiu até 2021. Spears escreve que, mesmo quando voltou a trabalhar como artista, todas as suas atividades eram cuidadosamente monitoradas, incluindo com quem podia sair ou conviver.

“Sei que estava agindo de maneira selvagem, mas eu não tinha feito nada que justificasse que me tratassem como uma criminosa, nada que justificasse a destruição da minha vida”, escreve. Diz que a decisão foi tomada por seu pai, com o apoio de sua mãe e de uma gerente de negócios chamada Louise Taylor, conhecida como Lou, que negou ter concebido o acordo de tutela. (Jamie Spears há muito tempo explica seu envolvimento como um esforço para proteger a filha de ser explorada financeiramente.)

“Debilitada demais para escolher meu namorado e ainda assim saudável o bastante para aparecer em seriados e programas matinais e me apresentar para milhares de pessoas em um lugar diferente do mundo a cada semana”, escreve Spears, acrescentando sobre o pai: “A partir desse ponto, comecei a sentir que ele me via como uma pessoa colocada na Terra só para torná-lo rico.” Em outro trecho, Spears se lembra de seu pai dizendo: “Agora sou a Britney Spears.”

“Eu me transformei de uma pessoa festeira em uma monja. Os seguranças me entregavam envelopes com remédios pré-dosados e vigiavam enquanto eu os tomava. Meu iPhone estava sob controle parental. Cada aspecto da minha vida era examinado e controlado, absolutamente tudo”, narra a cantora.

Qualquer reação sua era criticada, ignorada ou minimizada: “Cheguei a mencionar a tutela durante uma entrevista na televisão em 2016, mas essa parte da entrevista não foi ao ar. Que interessante.”

Fãs da estrela pop Britney Spears, empunhando faixas e cartazes, reunidos na porta do Tribunal Superior de Los Angeles em 2021. Foto: Chloe Pang/The New York Times

Reação e #FreeBritney

Durante o período de tutela, Spears ocasionalmente tentou resistir à situação, ainda que nos bastidores, mas sem sucesso. De acordo com ela, o acordo começou a se desfazer no fim de 2018, quando foi submetida a mais avaliações de saúde mental e forçada a passar mais de três meses em reabilitação, agravando as tensões com o pai. “Meu pai disse que, se eu não me internasse, teria de comparecer ao tribunal e passaria vergonha”, relata Spears, acrescentando que ele ameaçou retratá-la como uma “idiota”.

Ela conta que, na instituição, além de receber uma prescrição de lítio, tinha permissão para ver televisão por apenas uma hora antes do horário de dormir, às nove da noite. “Eles me mantiveram trancada contra minha vontade durante meses. Eu não podia sair de casa, não podia dirigir, tinha de fazer exame de sangue semanalmente. Não podia tomar banho sozinha. Não me deixavam nem fechar a porta do meu quarto.”

Spears diz que foi nessa clínica de reabilitação em Beverly Hills, que custava US$ 60 mil por mês, que uma enfermeira lhe mostrou vídeos de fãs envolvidos no movimento #FreeBritney, que questionava a necessidade da tutela da cantora. “Foi a coisa mais incrível que já vi na minha vida. Acho que as pessoas não compreendem quanto o movimento #FreeBritney significou para mim, especialmente no início.

Ela escreve que “parecia que todo dia havia um novo documentário sobre mim em algum serviço de streaming” (incluindo Framing Britney Spears: A Vida de Uma Estrela, produzido pelo The New York Times). “Foi difícil assistir àqueles documentários. Entendo que as pessoas tinham boas intenções, mas fiquei magoada quando algum amigo de longa data falava com os cineastas sem me consultar primeiro.” E acrescenta: “Muitas suposições eram feitas sobre o que eu deveria ter pensado ou sentido.”

Quando seu pai foi destituído do cargo de tutor, pouco antes que o acordo fosse totalmente encerrado, “um alívio tomou conta de mim”, ela escreve. “O homem que me aterrorizou na infância e me controlou na vida adulta, que mais do que ninguém minou profundamente minha autoconfiança, não estava mais no controle.” Spears conta que estava em um resort no Taiti quando recebeu a ligação de seu novo advogado, Mathew S. Rosengart, informando que a tutela havia sido oficialmente encerrada.

Mas a cantora mantém uma postura indiferente quanto às consequências da tutela, descrevendo seu distanciamento contínuo de boa parte de sua família: “As enxaquecas são apenas uma fração dos danos físicos e emocionais que enfrento desde que fiquei livre da tutela. Acho que minha família não compreende completamente o verdadeiro dano que me causou.”

Britney Spears fez uma bem sucedida temporada de shows em Las Vegas durante o período em que esteve sob tutela de seu pai. Foto: Mario Anzuoni/Reuters

Um retorno à música?

Embora alguns digam que a tutela salvou sua vida, Spears afirma: “Não, na verdade não. Minha música era minha vida, e a tutela a destruiu; esmagou minha alma.”

Ela conta que, durante todo o tempo em que ficou em cartaz em Las Vegas, não tinha permissão para atualizar o show. “Quando eu queria apresentar minhas músicas favoritas, como Change Your Mind ou Get Naked, eles não deixavam. Parecia que queriam me envergonhar, em vez de me permitir proporcionar aos meus fãs o melhor espetáculo possível.”

Spears escreve que, agora que tem a oportunidade de voltar a criar livremente, não se sente motivada a fazê-lo, embora mencione uma colaboração única com um de seus heróis musicais, Elton John, lançada no ano passado. “Dar impulso à minha carreira musical não é meu foco no momento. É hora de eu não ser alguém que os outros desejam; é hora de realmente me encontrar.”

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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Ao longo dos 13 anos em que uma tutela legal regeu minuciosamente a vida e a carreira de Britney Spears, chegou um ponto em que ela desistiu de lutar, como relata a cantora em seu livro de memórias intitulado A Mulher Em Mim, lançado na última terça-feira, 24.

Seu pai, James P. Spears, foi nomeado o responsável pelos negócios pessoais e profissionais dela em 2008, depois que foi hospitalizada duas vezes para avaliações psicológicas involuntárias. Nos anos seguintes, ela se opôs a essa situação, ainda que de maneira reservada, mas, por fim, a exaustão e o medo de perder o acesso a seus dois filhos pequenos prevaleceram, conforme ela relembra no livro: “Depois de ser imobilizada em uma maca, eu sabia que eles tinham o poder de restringir meu corpo a qualquer momento que quisessem. Por isso, acabei cedendo.” E acrescenta: “Abri mão da minha liberdade para tirar sonecas com meus filhos - eu estava disposta a fazer essa troca.”

Livro de memórias da cantora Britney Spears traz relato de como ela via a relação com a mídia, as cobranças sobre sua sexualidade e como a tutela de seu pai estragou sua carreira.  Foto: Guillermo Azábal/EFE

No tão aguardado livro de memórias de 275 páginas, que o The New York Times adquiriu em uma loja de varejo antes de seu lançamento oficial, Spears detalha sua trajetória como ídolo adolescente, os desafios pessoais que se tornaram combustível para os tabloides, o período que passou sob tutela e a pressão para que esta fosse encerrada em 2021, quando a artista recuperou o direito de tomar as próprias decisões.

Ao longo do livro inteiro, ela descreve a sensação de constante exposição ao público, de total invasão - por parte dos pais, dos paparazzi ou até mesmo dos médicos, que, segundo ela, a afastaram dos filhos, dos cachorros e do lar. Mas a narrativa é, por natureza, incompleta, abordando de maneira positiva o casamento de Spears com Hesam Asghari, conhecido como Sam, depois do fim da tutela legal. No entanto, o marido pediu o divórcio em agosto, pouco depois de um ano de casamento.

Veja abaixo outros momentos marcantes do livro ‘A Mulher Em Mim’

Ascensão à fama

Desde sua primeira apresentação solo - interpretando a canção de Natal What Child Is This? - na creche local de sua mãe até as audições em salas repletas de executivos de gravadoras, interpretando I Have Nothing, de Whitney Houston, Spears relata sua rápida ascensão à fama durante a infância e adolescência.

Ela relembra que tinha só dez anos quando se apresentou no programa Star Search, cujo apresentador, Ed McMahon, perguntou se ela já tinha namorado. Depois que ela respondeu que não, porque namorados eram “malvados”, McMahon replicou: “Não sou malvado! Que tal me dar uma chance?” Ela conta que foi capaz de manter a calma até deixar o palco, “mas depois comecei a chorar”.

Spears relata que, depois de sua aparição em O Clube do Mickey, resolveu levar uma “vida normal” em Kentwood, na Louisiana, até que Larry Rudolph, advogado que sua mãe conhecera no circuito de audições, sugeriu que ela gravasse uma fita demo. A cantora acabou conseguindo fechar um contrato com uma gravadora aos 15 anos, e Rudolph assumiu a função de empresário, papel que desempenhou por um longo período.

Fama e atenção

Spears passou rapidamente de uma adolescente que se apresentava em shopping centers para uma princesa do pop, fazendo sucesso com um single, ...Baby One More Time, já aos 16 anos. Durante uma turnê com a boy band ‘N Sync, teve um romance bastante público com Justin Timberlake.

Ela notou que os apresentadores de programas de entrevistas faziam a Timberlake perguntas diferentes das que faziam a ela. “Todo mundo fazia comentários estranhos sobre meus seios, querendo saber se eu tinha feito cirurgia plástica ou não”, escreve. A pressão só aumentou à medida que se tornava uma presença constante na MTV, e ela conta que as críticas do público a levaram a começar a tomar Prozac.

O fim do relacionamento com Timberlake

Spears conta que sua conexão com Timberlake era magnética, e descreve que o fim do relacionamento - que, segundo ela, ele iniciou por mensagem de texto - a deixou arrasada. Nessa ocasião, pensou em abandonar a indústria do entretenimento.

Ela recorda sua reação ao lançamento do videoclipe de Timberlake, Cry Me a River, no qual, como descreve, “uma mulher que se parece comigo o trai e ele vagueia, triste, sob a chuva”. A mídia a retratou como “uma prostituta que partiu o coração do garoto de ouro da América”, quando na realidade “eu estava em coma na Louisiana enquanto ele vivia feliz em Hollywood”.

Conforme revelado pela primeira vez em trechos divulgados pela revista People, Spears detalha sua decisão de fazer um aborto depois de ter engravidado durante o relacionamento com Timberlake. Ela afirma que não via a gravidez como “uma tragédia”, mas que concordou em não ter o bebê porque ele achava que eram jovens demais.

Spears conta que, depois do fim do relacionamento, foi pressionada pelo pai e pela equipe administrativa para participar de uma entrevista com Diane Sawyer, durante a qual a jornalista a instigou a falar sobre o que fizera para causar “tanta dor” a Timberlake. (A cantora confirma no livro um antigo boato ao dizer que beijou o coreógrafo Wade Robson durante seu relacionamento com Timberlake, mas insinua que seu comportamento estava relacionado a rumores de infidelidade por parte de Timberlake.) Para Spears, essa entrevista se tornou um “ponto de ruptura”: “Tive a sensação de ser explorada, enganada diante do mundo inteiro.”

A relação com as drogas e o álcool

Abordando sua vida no auge da fama, constantemente alvo de paparazzi e tabloides, Spears descreve suas incursões na vida adulta em festas e na vida noturna, e destaca como estas eram frequentemente retratadas de maneira distorcida pela mídia.

Em relação à época em que era fotografada ao lado de celebridades como Paris Hilton e Lindsay Lohan, Spears observa que a realidade nunca foi tão tumultuada quanto a mídia a retratava, esclarecendo que não tinha interesse em drogas pesadas e que nunca enfrentou problemas com o álcool. Revela que sua “droga preferida” era o medicamento Adderall, indicado para tratar o TDAH: “Ele me deixava chapada sim, mas o que eu achava mais atraente era que ele me proporcionava um alívio temporário da depressão.”

Spears conta que, durante alguns de seus episódios mais notórios e públicos - como quando raspou a cabeça e atacou o carro de um paparazzo -, havia motivos por trás de seu comportamento. Diz que, respectivamente, estava “profundamente triste” com a morte de sua tia e emocionalmente abalada depois de uma disputa pela guarda dos filhos com seu ex-marido, Kevin Federline. “Com a cabeça raspada, todo mundo tinha medo de mim, até minha mãe. Ao passar aquelas semanas sem meus filhos, eu me descontrolei várias vezes. Não conseguia nem cuidar de mim mesma.”

E acrescenta: “Estou disposta a admitir que, em meio a uma grave depressão pós-parto, ao abandono do marido, à tortura de ser separada dos meus dois filhos, à morte da minha querida tia Sandra e à constante pressão dos paparazzi, eu estava de certa forma começando a pensar e agir como uma criança.”

Jamie Spears, pai da cantora, passou 13 anos comandando a vida dela após uma decisão da justiça, sendo afastado da tutela apenas em setembro de 2021. Foto: AP

A tutela

No início de 2008, em meio a suas dificuldades públicas, o pai da cantora, conhecido como Jamie, foi nomeado seu tutor legal pelo estado da Califórnia, assumindo o controle de suas finanças e de sua vida pessoal, acordo que, em muitos aspectos, persistiu até 2021. Spears escreve que, mesmo quando voltou a trabalhar como artista, todas as suas atividades eram cuidadosamente monitoradas, incluindo com quem podia sair ou conviver.

“Sei que estava agindo de maneira selvagem, mas eu não tinha feito nada que justificasse que me tratassem como uma criminosa, nada que justificasse a destruição da minha vida”, escreve. Diz que a decisão foi tomada por seu pai, com o apoio de sua mãe e de uma gerente de negócios chamada Louise Taylor, conhecida como Lou, que negou ter concebido o acordo de tutela. (Jamie Spears há muito tempo explica seu envolvimento como um esforço para proteger a filha de ser explorada financeiramente.)

“Debilitada demais para escolher meu namorado e ainda assim saudável o bastante para aparecer em seriados e programas matinais e me apresentar para milhares de pessoas em um lugar diferente do mundo a cada semana”, escreve Spears, acrescentando sobre o pai: “A partir desse ponto, comecei a sentir que ele me via como uma pessoa colocada na Terra só para torná-lo rico.” Em outro trecho, Spears se lembra de seu pai dizendo: “Agora sou a Britney Spears.”

“Eu me transformei de uma pessoa festeira em uma monja. Os seguranças me entregavam envelopes com remédios pré-dosados e vigiavam enquanto eu os tomava. Meu iPhone estava sob controle parental. Cada aspecto da minha vida era examinado e controlado, absolutamente tudo”, narra a cantora.

Qualquer reação sua era criticada, ignorada ou minimizada: “Cheguei a mencionar a tutela durante uma entrevista na televisão em 2016, mas essa parte da entrevista não foi ao ar. Que interessante.”

Fãs da estrela pop Britney Spears, empunhando faixas e cartazes, reunidos na porta do Tribunal Superior de Los Angeles em 2021. Foto: Chloe Pang/The New York Times

Reação e #FreeBritney

Durante o período de tutela, Spears ocasionalmente tentou resistir à situação, ainda que nos bastidores, mas sem sucesso. De acordo com ela, o acordo começou a se desfazer no fim de 2018, quando foi submetida a mais avaliações de saúde mental e forçada a passar mais de três meses em reabilitação, agravando as tensões com o pai. “Meu pai disse que, se eu não me internasse, teria de comparecer ao tribunal e passaria vergonha”, relata Spears, acrescentando que ele ameaçou retratá-la como uma “idiota”.

Ela conta que, na instituição, além de receber uma prescrição de lítio, tinha permissão para ver televisão por apenas uma hora antes do horário de dormir, às nove da noite. “Eles me mantiveram trancada contra minha vontade durante meses. Eu não podia sair de casa, não podia dirigir, tinha de fazer exame de sangue semanalmente. Não podia tomar banho sozinha. Não me deixavam nem fechar a porta do meu quarto.”

Spears diz que foi nessa clínica de reabilitação em Beverly Hills, que custava US$ 60 mil por mês, que uma enfermeira lhe mostrou vídeos de fãs envolvidos no movimento #FreeBritney, que questionava a necessidade da tutela da cantora. “Foi a coisa mais incrível que já vi na minha vida. Acho que as pessoas não compreendem quanto o movimento #FreeBritney significou para mim, especialmente no início.

Ela escreve que “parecia que todo dia havia um novo documentário sobre mim em algum serviço de streaming” (incluindo Framing Britney Spears: A Vida de Uma Estrela, produzido pelo The New York Times). “Foi difícil assistir àqueles documentários. Entendo que as pessoas tinham boas intenções, mas fiquei magoada quando algum amigo de longa data falava com os cineastas sem me consultar primeiro.” E acrescenta: “Muitas suposições eram feitas sobre o que eu deveria ter pensado ou sentido.”

Quando seu pai foi destituído do cargo de tutor, pouco antes que o acordo fosse totalmente encerrado, “um alívio tomou conta de mim”, ela escreve. “O homem que me aterrorizou na infância e me controlou na vida adulta, que mais do que ninguém minou profundamente minha autoconfiança, não estava mais no controle.” Spears conta que estava em um resort no Taiti quando recebeu a ligação de seu novo advogado, Mathew S. Rosengart, informando que a tutela havia sido oficialmente encerrada.

Mas a cantora mantém uma postura indiferente quanto às consequências da tutela, descrevendo seu distanciamento contínuo de boa parte de sua família: “As enxaquecas são apenas uma fração dos danos físicos e emocionais que enfrento desde que fiquei livre da tutela. Acho que minha família não compreende completamente o verdadeiro dano que me causou.”

Britney Spears fez uma bem sucedida temporada de shows em Las Vegas durante o período em que esteve sob tutela de seu pai. Foto: Mario Anzuoni/Reuters

Um retorno à música?

Embora alguns digam que a tutela salvou sua vida, Spears afirma: “Não, na verdade não. Minha música era minha vida, e a tutela a destruiu; esmagou minha alma.”

Ela conta que, durante todo o tempo em que ficou em cartaz em Las Vegas, não tinha permissão para atualizar o show. “Quando eu queria apresentar minhas músicas favoritas, como Change Your Mind ou Get Naked, eles não deixavam. Parecia que queriam me envergonhar, em vez de me permitir proporcionar aos meus fãs o melhor espetáculo possível.”

Spears escreve que, agora que tem a oportunidade de voltar a criar livremente, não se sente motivada a fazê-lo, embora mencione uma colaboração única com um de seus heróis musicais, Elton John, lançada no ano passado. “Dar impulso à minha carreira musical não é meu foco no momento. É hora de eu não ser alguém que os outros desejam; é hora de realmente me encontrar.”

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