THOLEY, ALEMANHA — Para o abade Mauritius Choriol, os novos vitrais da Abadia de Tholey são um presente: de Deus, de dois fiéis generosos e de Gerhard Richter. Os três vitrais — em tons profundos de vermelho e azul prevalecendo nas peças laterais, e a peça central dominada por um dourado radiante — são feitos a partir de um design simétrico de Richter, o celebrado artista alemão. “A arte abstrata não costuma ser meu gênero preferido", disse o abade, que supervisiona a Abadia de Tholey.
“Mas não é necessário ser um especialista em arte para reconhecer a qualidade dessas obras.” Desde o término da instalação, no dia 10 de setembro, os monges da abadia puderam desfrutar dos vitrais em paz. Mas, se tudo correr de acordo com o planejado, isso vai mudar: posicionados a mais de nove metros de altura, os vitrais desempenham um papel chave no plano dos monges para garantir o futuro da abadia transformando-a em um centro de hospitalidade e ensino.
A partir de outubro, o terreno da abadia estará aberto ao público seis dias por semana. Um estudo encomendado pelos monges disse que o novo trabalho de Richter poderia atrair cerca de 100 mil visitantes até setembro do próximo ano. Além dos vitrais de Richter, a abadia encomendou a Mahbuba Magsoodi, uma artista afegã-alemã, a criação de mais 34 vitrais para a igreja. Suas imagens figurativas retratam santos e cenas da Bíblia. Tholey é a abadia mais antiga da Alemanha.
O primeiro documento remanescente que a menciona data de 634 d. C. Situada em colinas verdes tranquilas nas proximidades da fronteira com a França e Luxemburgo, a abadia é o lar de 12 monges beneditinos que se reúnem cinco vezes por dia para rezar. Eles também cultivam frutas, criam coelhos e galinhas e produzem schnapps de marmelo, mel e geleia. Doze anos atrás, a abadia estava quase fechando.
O jardim era uma selva, os vitrais estavam quebrados, as paredes com infiltrações e o abade na época estava cansado de seu trabalho, de acordo com Choriol. “Estava em uma situação muito lamentável, tanto em termos financeiros quanto de pessoal ", disse ele. Então, em 2008, um casal de benfeitores ricos entrou em cena.
Edmund e Ursula Meiser, um empresário local e sua esposa, que são católicos praticantes, primeiro se ofereceram para construir uma cerca ao redor do jardim da abadia. Depois, pagaram pela reforma da Sala do Capítulo, construíram um novo portão e restauraram um pavilhão barroco no terreno da abadia.
Em 2018, os monges e os Meisers voltaram suas atenções para a igreja da abadia, cujos vitrais corroídos estavam "caindo aos pedaços", disse o abade. Eles criaram uma competição anônima para um artista redesenhar a maioria deles, que foi vencida por Mahbuba. No entanto, os monges também queriam um trabalho de um artista famoso para os principais vitrais da igreja, um ponto central atrás do altar, onde o sol da manhã brilha atravessando a nave.
Choriol disse que a inspiração deles foram os vitrais da catedral na cidade vizinha de Metz, na França, que são de Marc Chagall e atraem milhares de visitantes por ano. “Mas Chagall está morto”, disse o abade. “Então perguntamos, ‘Quem é o artista mais famoso do mundo?’ Gerard Richter veio à mente. Não pensávamos que ele fosse aceitar. Pensávamos que recusaria [o convite] educadamente” Um organista local, Bernhard Leonardy, escreveu para Richter e pediu que ele criasse o design. Em junho, o artista ligou para Leonardy e deixou uma mensagem na caixa postal.
“Gerhard Richter de Colônia aqui", disse ele. “É a respeito do mosteiro mais antigo da Alemanha. Tudo parece maravilhoso, mas estou muito ocupado e simplesmente muito velho. Não acho que possa fazer isso.” Em seguida, houve uma pausa de 10 segundos. “Contudo - eu gostaria de fazer isso”, acrescentou. Os monges escreveram a Richter expressando preocupação de que seus honorários pudessem ser muito altos.
Afinal, uma pintura abstrata de Richter foi arrematada por cerca de US$ 45 milhões na Sotheby’s, em Londres, em 2015. O artista respondeu dizendo que faria o projeto gratuitamente. “Nem um centavo”, disse Choriol. “Ficamos sem palavras.” Richter, 88 anos, não quis ser entrevistado para esta matéria; seu estúdio disse que ele não estava bem o suficiente.
Mas em breves comentários relatados pela agência de notícias alemã DPA, Richter disse que os vitrais de Tholey talvez sejam a última entrada no catálogo oficial de suas obras, que começa com a pintura de 1962 Table. Os vitrais serão a de número 957 do catálogo. Quase um milagre, "é isso", a DPA relatou que ele disse. Esses não são os primeiros vitrais de igreja de Richter, no entanto.
Uma estrutura de vitral que ele projetou para a catedral de Colônia, contendo 11.263 quadrados coloridos dispostos aleatoriamente, foi recebida com críticas e admiração quando foi inaugurada em 2007. O arcebispo de Colônia na época, o cardeal Joachim Meisner, causou furor quando disse que o projeto abstrato sem referência direta à Bíblia era “mais adequado para uma mesquita”.
Com seus padrões recorrentes e cores intensas, os vitrais de Richter na Abadia de Tholey lembram o design de um tapete persa. Mas a abadia não só instalou um vitral cujo estilo oriental e design abstrato Meisner pode ter considerado mais adequado para uma mesquita, como também contratou Mahbuba, uma artista que cresceu em uma família muçulmana.
Mahbuba, que recebeu asilo político na Alemanha em 1994, formou-se como miniaturista em Herat, Afeganistão, uma cidade conhecida por seus manuscritos iluminados. Ela conheceu a arte ocidental pela primeira vez em São Petersburgo, Rússia (então Leningrado, na União Soviética), onde concluiu o doutorado em história da arte. “Minha arte é a síntese de tudo que me influenciou e me formou”, disse ela recentemente por telefone de Munique, onde mora.
“É maravilhoso encontrar um lugar para expor isso permanentemente e onde as portas estão sempre abertas”, disse Mahbuba em relação a abadia, acrescentando que ela sentia que seus vitrais complementavam os de Richter. “As cores”, disse ela. “Acho que nossos trabalhos se harmonizam”. E a principal diferença? “Ninguém me conhece”, disse ela. “O nome dele é conhecido em todo o mundo”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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