Exposição questiona má reputação atribuída a Nero


Ele é conhecido como um tirano cruel que tocou sua lira enquanto Roma queimava, exatamente o que os inimigos dele queriam que você pensasse

Por Farah Nayeri

LONDRES - Uma grade de janela danificada não é bem a imagem que vem à mente de alguém quando se fala de uma peça de museu. Trata-se de um pedaço de ferro enferrujado, torcido e sem o formato de outrora. Mesmo assim, pelos próximos cinco meses, ela tem uma vitrine para chamar de sua no Museu Britânico.

A grade é uma relíquia do grande incêndio de Roma em 64 d.C. e uma peça central da nova exposição do museu Nero: O homem por trás do mito, sobre o imperador romano do primeiro século que, por cerca de 2 mil anos, tem sido responsabilizado por iniciar o incêndio e tocar lira enquanto ele se espalhava. O que a exposição pretende demonstrar é que Nero ganhou injustamente a má fama.

Um busto de mármore do imperador romano Nero, feito durante seu reinado, que durou de 54 a 68 d.C., em uma ampla exposição. Foto: Tom Jamieson/The New York Times
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Nero é conhecido como o imperador que tocou lira enquanto Roma queimava, um tirano que era cruel e implacável com sua família e um tanto quanto patético e megalomaníaco com tendência aos excessos”, escreveu o diretor do Museu Britânico, Hartwig Fischer, no catálogo da exposição.

No entanto, por meio de esculturas e fragmentos arquitetônicos, moedas e joias, afrescos e tábuas com escritos, o Museu Britânico oferece uma perspectiva diferente de um jovem que se tornou imperador antes de completar 17 anos e foi levado ao suicídio por seus adversários aos 30.

A lista de acusações contra Nero é longa e familiar. Ele é acusado de ter um relacionamento incestuoso com sua mãe; de matá-la, assim como suas duas primeiras esposas; e de ser "geralmente mau: um glutão e esbanjador que incendiou Roma apenas para construir para si um grande palácio", disse Thorsten Opper, o curador da exposição.

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Essas acusações são “baseadas em manipulações e mentiras de 2 mil anos e muito poderosas”, acrescentou Opper. A campanha negativa sobre Nero começou enquanto ele ainda estava vivo, quando integrantes da elite romana se sentiram ameaçados pelas reformas sociais do imperador e sua promoção das classes mais baixas, disse ele, e continuou muito depois de sua morte. Na realidade, disse Opper, Nero estava "se esforçando muito e teve que lidar com circunstâncias extremamente ruins, fora de seu controle".

O Museu Britânico não é a primeira instituição a revisitar a narrativa a respeito de Nero. Em 2016, uma exposição no Museu do Estado de Renânia em Trier, Alemanha, retratou-o não como o prototípico tirano, mas como um amante das artes que negligenciou a política e pagou caro por isso. Em 2011, o Parco Archeologico del Colosseo de Roma, que supervisiona também o palácio de Nero, a Domus Aurea (Casa Dourada), apresentou uma exposição que reavaliava a figura de Nero e sua imagem como um piromaníaco sanguinário.

A exposição de Londres abre com um exemplo de propaganda antiNero: uma cabeça de mármore que está entre as representações mais amplamente reproduzidas do imperador. A metade superior é uma escultura romana original de Nero, com sua característica franja. Ela foi reesculpida à semelhança de outro imperador romano (como costumava ser feito com as estátuas de Nero) e finalmente voltou a ser um retrato de Nero no século 17 - desta vez, com uma barba, um queixo duplo e a boca posicionada de um jeito que lembra um sorriso desdenhoso.

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“É um estereótipo, uma imagem artificial. Os retratos de Nero durante o período em que ele estava vivo têm uma aparência completamente diferente”, disse Opper.

Os curadores argumentam que sua reputação foi uma invenção de seus inimigos. Foto: Tom Jamieson/The New York Times

Porém, essa é a imagem de Nero que prevaleceu no imaginário coletivo. Na parede atrás está o que o catálogo identifica como “a mais icônica evocação de Nero da era Moderna”: uma cena do filme de 1951 Quo Vadis na qual um barbudo Peter Ustinov, no papel do louco Nero, toca sua lira enquanto Roma pega fogo.

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A exposição revisita a lenda por meio de objetos e documentos de todo o Império Romano. Torna-se claro que o incêndio foi quase com certeza um acidente e que Nero nem estava em Roma quando ele começou.

Após o incêndio, Nero alimentou e abrigou os desabrigados e reconstruiu a cidade. Uma moeda de ouro de um ou dois anos depois (que pode ser vista no catálogo, mas não na exposição) mostra Nero de um lado e, do outro, o novo Templo de Vesta, um dos primeiros monumentos que ele reconstruiu.

Mary Beard, professora do Departamento de Estudos Clássicos da Universidade de Cambridge e integrante do conselho do museu, disse que Nero tem sido muito criticado por deixar-se levar por festanças e excessos - mas isso aconteceu com outros imperadores que vieram antes dele, como Calígula e Domiciano.

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“As figuras desses indivíduos como imperadores são muito intrigantes”, disse Mary. “Elas estão sendo intermediadas até nós por uma agenda política muito forte que surgiu depois deles”. “Uma das coisas que a cultura material mostra a você é que o Império Romano continua da mesma maneira, com altos e baixos, não importando quem estivesse no trono”, ela acrescentou.

Entre as seções mais belas da exposição está a dedicada ao palácio que Nero construiu para abrigar sua corte, o governo de Roma e uma equipe de milhares de funcionários: a Domus Aurea, ou a Casa Dourada. Ela provavelmente recebeu esse nome durante seu reinado em referência a seus interiores dourados ou às decorações arquitetônicas que reluziam sob a luz do sol. A exposição inclui fragmentos de um painel de estuque dourado e uma decoração de coluna de bronze e pedras preciosas do tipo que deu ao palácio a má-fama como um centro de extravagância.

Alfonsina Russo, diretora do Parco Archeologico del Colosseo, disse que embora a Domus Aurea originalmente cobrisse uma vasta área de Roma, não era maior do que os palácios de outros imperadores.

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Alfonsina observou que todas as fontes de informação sobre Nero eram “fontes negativas” e que era importante “recontextualizar tudo e comparar Nero com outros imperadores que, apesar de terem cometido crimes, não tiveram o mesmo destino”.

Será que a história será mais justa com Nero no futuro? “Acho que sim”, respondeu Alfonsina. “Isso é o que os pesquisadores devem ter como objetivo”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

LONDRES - Uma grade de janela danificada não é bem a imagem que vem à mente de alguém quando se fala de uma peça de museu. Trata-se de um pedaço de ferro enferrujado, torcido e sem o formato de outrora. Mesmo assim, pelos próximos cinco meses, ela tem uma vitrine para chamar de sua no Museu Britânico.

A grade é uma relíquia do grande incêndio de Roma em 64 d.C. e uma peça central da nova exposição do museu Nero: O homem por trás do mito, sobre o imperador romano do primeiro século que, por cerca de 2 mil anos, tem sido responsabilizado por iniciar o incêndio e tocar lira enquanto ele se espalhava. O que a exposição pretende demonstrar é que Nero ganhou injustamente a má fama.

Um busto de mármore do imperador romano Nero, feito durante seu reinado, que durou de 54 a 68 d.C., em uma ampla exposição. Foto: Tom Jamieson/The New York Times

Nero é conhecido como o imperador que tocou lira enquanto Roma queimava, um tirano que era cruel e implacável com sua família e um tanto quanto patético e megalomaníaco com tendência aos excessos”, escreveu o diretor do Museu Britânico, Hartwig Fischer, no catálogo da exposição.

No entanto, por meio de esculturas e fragmentos arquitetônicos, moedas e joias, afrescos e tábuas com escritos, o Museu Britânico oferece uma perspectiva diferente de um jovem que se tornou imperador antes de completar 17 anos e foi levado ao suicídio por seus adversários aos 30.

A lista de acusações contra Nero é longa e familiar. Ele é acusado de ter um relacionamento incestuoso com sua mãe; de matá-la, assim como suas duas primeiras esposas; e de ser "geralmente mau: um glutão e esbanjador que incendiou Roma apenas para construir para si um grande palácio", disse Thorsten Opper, o curador da exposição.

Essas acusações são “baseadas em manipulações e mentiras de 2 mil anos e muito poderosas”, acrescentou Opper. A campanha negativa sobre Nero começou enquanto ele ainda estava vivo, quando integrantes da elite romana se sentiram ameaçados pelas reformas sociais do imperador e sua promoção das classes mais baixas, disse ele, e continuou muito depois de sua morte. Na realidade, disse Opper, Nero estava "se esforçando muito e teve que lidar com circunstâncias extremamente ruins, fora de seu controle".

O Museu Britânico não é a primeira instituição a revisitar a narrativa a respeito de Nero. Em 2016, uma exposição no Museu do Estado de Renânia em Trier, Alemanha, retratou-o não como o prototípico tirano, mas como um amante das artes que negligenciou a política e pagou caro por isso. Em 2011, o Parco Archeologico del Colosseo de Roma, que supervisiona também o palácio de Nero, a Domus Aurea (Casa Dourada), apresentou uma exposição que reavaliava a figura de Nero e sua imagem como um piromaníaco sanguinário.

A exposição de Londres abre com um exemplo de propaganda antiNero: uma cabeça de mármore que está entre as representações mais amplamente reproduzidas do imperador. A metade superior é uma escultura romana original de Nero, com sua característica franja. Ela foi reesculpida à semelhança de outro imperador romano (como costumava ser feito com as estátuas de Nero) e finalmente voltou a ser um retrato de Nero no século 17 - desta vez, com uma barba, um queixo duplo e a boca posicionada de um jeito que lembra um sorriso desdenhoso.

“É um estereótipo, uma imagem artificial. Os retratos de Nero durante o período em que ele estava vivo têm uma aparência completamente diferente”, disse Opper.

Os curadores argumentam que sua reputação foi uma invenção de seus inimigos. Foto: Tom Jamieson/The New York Times

Porém, essa é a imagem de Nero que prevaleceu no imaginário coletivo. Na parede atrás está o que o catálogo identifica como “a mais icônica evocação de Nero da era Moderna”: uma cena do filme de 1951 Quo Vadis na qual um barbudo Peter Ustinov, no papel do louco Nero, toca sua lira enquanto Roma pega fogo.

A exposição revisita a lenda por meio de objetos e documentos de todo o Império Romano. Torna-se claro que o incêndio foi quase com certeza um acidente e que Nero nem estava em Roma quando ele começou.

Após o incêndio, Nero alimentou e abrigou os desabrigados e reconstruiu a cidade. Uma moeda de ouro de um ou dois anos depois (que pode ser vista no catálogo, mas não na exposição) mostra Nero de um lado e, do outro, o novo Templo de Vesta, um dos primeiros monumentos que ele reconstruiu.

Mary Beard, professora do Departamento de Estudos Clássicos da Universidade de Cambridge e integrante do conselho do museu, disse que Nero tem sido muito criticado por deixar-se levar por festanças e excessos - mas isso aconteceu com outros imperadores que vieram antes dele, como Calígula e Domiciano.

“As figuras desses indivíduos como imperadores são muito intrigantes”, disse Mary. “Elas estão sendo intermediadas até nós por uma agenda política muito forte que surgiu depois deles”. “Uma das coisas que a cultura material mostra a você é que o Império Romano continua da mesma maneira, com altos e baixos, não importando quem estivesse no trono”, ela acrescentou.

Entre as seções mais belas da exposição está a dedicada ao palácio que Nero construiu para abrigar sua corte, o governo de Roma e uma equipe de milhares de funcionários: a Domus Aurea, ou a Casa Dourada. Ela provavelmente recebeu esse nome durante seu reinado em referência a seus interiores dourados ou às decorações arquitetônicas que reluziam sob a luz do sol. A exposição inclui fragmentos de um painel de estuque dourado e uma decoração de coluna de bronze e pedras preciosas do tipo que deu ao palácio a má-fama como um centro de extravagância.

Alfonsina Russo, diretora do Parco Archeologico del Colosseo, disse que embora a Domus Aurea originalmente cobrisse uma vasta área de Roma, não era maior do que os palácios de outros imperadores.

Alfonsina observou que todas as fontes de informação sobre Nero eram “fontes negativas” e que era importante “recontextualizar tudo e comparar Nero com outros imperadores que, apesar de terem cometido crimes, não tiveram o mesmo destino”.

Será que a história será mais justa com Nero no futuro? “Acho que sim”, respondeu Alfonsina. “Isso é o que os pesquisadores devem ter como objetivo”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

LONDRES - Uma grade de janela danificada não é bem a imagem que vem à mente de alguém quando se fala de uma peça de museu. Trata-se de um pedaço de ferro enferrujado, torcido e sem o formato de outrora. Mesmo assim, pelos próximos cinco meses, ela tem uma vitrine para chamar de sua no Museu Britânico.

A grade é uma relíquia do grande incêndio de Roma em 64 d.C. e uma peça central da nova exposição do museu Nero: O homem por trás do mito, sobre o imperador romano do primeiro século que, por cerca de 2 mil anos, tem sido responsabilizado por iniciar o incêndio e tocar lira enquanto ele se espalhava. O que a exposição pretende demonstrar é que Nero ganhou injustamente a má fama.

Um busto de mármore do imperador romano Nero, feito durante seu reinado, que durou de 54 a 68 d.C., em uma ampla exposição. Foto: Tom Jamieson/The New York Times

Nero é conhecido como o imperador que tocou lira enquanto Roma queimava, um tirano que era cruel e implacável com sua família e um tanto quanto patético e megalomaníaco com tendência aos excessos”, escreveu o diretor do Museu Britânico, Hartwig Fischer, no catálogo da exposição.

No entanto, por meio de esculturas e fragmentos arquitetônicos, moedas e joias, afrescos e tábuas com escritos, o Museu Britânico oferece uma perspectiva diferente de um jovem que se tornou imperador antes de completar 17 anos e foi levado ao suicídio por seus adversários aos 30.

A lista de acusações contra Nero é longa e familiar. Ele é acusado de ter um relacionamento incestuoso com sua mãe; de matá-la, assim como suas duas primeiras esposas; e de ser "geralmente mau: um glutão e esbanjador que incendiou Roma apenas para construir para si um grande palácio", disse Thorsten Opper, o curador da exposição.

Essas acusações são “baseadas em manipulações e mentiras de 2 mil anos e muito poderosas”, acrescentou Opper. A campanha negativa sobre Nero começou enquanto ele ainda estava vivo, quando integrantes da elite romana se sentiram ameaçados pelas reformas sociais do imperador e sua promoção das classes mais baixas, disse ele, e continuou muito depois de sua morte. Na realidade, disse Opper, Nero estava "se esforçando muito e teve que lidar com circunstâncias extremamente ruins, fora de seu controle".

O Museu Britânico não é a primeira instituição a revisitar a narrativa a respeito de Nero. Em 2016, uma exposição no Museu do Estado de Renânia em Trier, Alemanha, retratou-o não como o prototípico tirano, mas como um amante das artes que negligenciou a política e pagou caro por isso. Em 2011, o Parco Archeologico del Colosseo de Roma, que supervisiona também o palácio de Nero, a Domus Aurea (Casa Dourada), apresentou uma exposição que reavaliava a figura de Nero e sua imagem como um piromaníaco sanguinário.

A exposição de Londres abre com um exemplo de propaganda antiNero: uma cabeça de mármore que está entre as representações mais amplamente reproduzidas do imperador. A metade superior é uma escultura romana original de Nero, com sua característica franja. Ela foi reesculpida à semelhança de outro imperador romano (como costumava ser feito com as estátuas de Nero) e finalmente voltou a ser um retrato de Nero no século 17 - desta vez, com uma barba, um queixo duplo e a boca posicionada de um jeito que lembra um sorriso desdenhoso.

“É um estereótipo, uma imagem artificial. Os retratos de Nero durante o período em que ele estava vivo têm uma aparência completamente diferente”, disse Opper.

Os curadores argumentam que sua reputação foi uma invenção de seus inimigos. Foto: Tom Jamieson/The New York Times

Porém, essa é a imagem de Nero que prevaleceu no imaginário coletivo. Na parede atrás está o que o catálogo identifica como “a mais icônica evocação de Nero da era Moderna”: uma cena do filme de 1951 Quo Vadis na qual um barbudo Peter Ustinov, no papel do louco Nero, toca sua lira enquanto Roma pega fogo.

A exposição revisita a lenda por meio de objetos e documentos de todo o Império Romano. Torna-se claro que o incêndio foi quase com certeza um acidente e que Nero nem estava em Roma quando ele começou.

Após o incêndio, Nero alimentou e abrigou os desabrigados e reconstruiu a cidade. Uma moeda de ouro de um ou dois anos depois (que pode ser vista no catálogo, mas não na exposição) mostra Nero de um lado e, do outro, o novo Templo de Vesta, um dos primeiros monumentos que ele reconstruiu.

Mary Beard, professora do Departamento de Estudos Clássicos da Universidade de Cambridge e integrante do conselho do museu, disse que Nero tem sido muito criticado por deixar-se levar por festanças e excessos - mas isso aconteceu com outros imperadores que vieram antes dele, como Calígula e Domiciano.

“As figuras desses indivíduos como imperadores são muito intrigantes”, disse Mary. “Elas estão sendo intermediadas até nós por uma agenda política muito forte que surgiu depois deles”. “Uma das coisas que a cultura material mostra a você é que o Império Romano continua da mesma maneira, com altos e baixos, não importando quem estivesse no trono”, ela acrescentou.

Entre as seções mais belas da exposição está a dedicada ao palácio que Nero construiu para abrigar sua corte, o governo de Roma e uma equipe de milhares de funcionários: a Domus Aurea, ou a Casa Dourada. Ela provavelmente recebeu esse nome durante seu reinado em referência a seus interiores dourados ou às decorações arquitetônicas que reluziam sob a luz do sol. A exposição inclui fragmentos de um painel de estuque dourado e uma decoração de coluna de bronze e pedras preciosas do tipo que deu ao palácio a má-fama como um centro de extravagância.

Alfonsina Russo, diretora do Parco Archeologico del Colosseo, disse que embora a Domus Aurea originalmente cobrisse uma vasta área de Roma, não era maior do que os palácios de outros imperadores.

Alfonsina observou que todas as fontes de informação sobre Nero eram “fontes negativas” e que era importante “recontextualizar tudo e comparar Nero com outros imperadores que, apesar de terem cometido crimes, não tiveram o mesmo destino”.

Será que a história será mais justa com Nero no futuro? “Acho que sim”, respondeu Alfonsina. “Isso é o que os pesquisadores devem ter como objetivo”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

LONDRES - Uma grade de janela danificada não é bem a imagem que vem à mente de alguém quando se fala de uma peça de museu. Trata-se de um pedaço de ferro enferrujado, torcido e sem o formato de outrora. Mesmo assim, pelos próximos cinco meses, ela tem uma vitrine para chamar de sua no Museu Britânico.

A grade é uma relíquia do grande incêndio de Roma em 64 d.C. e uma peça central da nova exposição do museu Nero: O homem por trás do mito, sobre o imperador romano do primeiro século que, por cerca de 2 mil anos, tem sido responsabilizado por iniciar o incêndio e tocar lira enquanto ele se espalhava. O que a exposição pretende demonstrar é que Nero ganhou injustamente a má fama.

Um busto de mármore do imperador romano Nero, feito durante seu reinado, que durou de 54 a 68 d.C., em uma ampla exposição. Foto: Tom Jamieson/The New York Times

Nero é conhecido como o imperador que tocou lira enquanto Roma queimava, um tirano que era cruel e implacável com sua família e um tanto quanto patético e megalomaníaco com tendência aos excessos”, escreveu o diretor do Museu Britânico, Hartwig Fischer, no catálogo da exposição.

No entanto, por meio de esculturas e fragmentos arquitetônicos, moedas e joias, afrescos e tábuas com escritos, o Museu Britânico oferece uma perspectiva diferente de um jovem que se tornou imperador antes de completar 17 anos e foi levado ao suicídio por seus adversários aos 30.

A lista de acusações contra Nero é longa e familiar. Ele é acusado de ter um relacionamento incestuoso com sua mãe; de matá-la, assim como suas duas primeiras esposas; e de ser "geralmente mau: um glutão e esbanjador que incendiou Roma apenas para construir para si um grande palácio", disse Thorsten Opper, o curador da exposição.

Essas acusações são “baseadas em manipulações e mentiras de 2 mil anos e muito poderosas”, acrescentou Opper. A campanha negativa sobre Nero começou enquanto ele ainda estava vivo, quando integrantes da elite romana se sentiram ameaçados pelas reformas sociais do imperador e sua promoção das classes mais baixas, disse ele, e continuou muito depois de sua morte. Na realidade, disse Opper, Nero estava "se esforçando muito e teve que lidar com circunstâncias extremamente ruins, fora de seu controle".

O Museu Britânico não é a primeira instituição a revisitar a narrativa a respeito de Nero. Em 2016, uma exposição no Museu do Estado de Renânia em Trier, Alemanha, retratou-o não como o prototípico tirano, mas como um amante das artes que negligenciou a política e pagou caro por isso. Em 2011, o Parco Archeologico del Colosseo de Roma, que supervisiona também o palácio de Nero, a Domus Aurea (Casa Dourada), apresentou uma exposição que reavaliava a figura de Nero e sua imagem como um piromaníaco sanguinário.

A exposição de Londres abre com um exemplo de propaganda antiNero: uma cabeça de mármore que está entre as representações mais amplamente reproduzidas do imperador. A metade superior é uma escultura romana original de Nero, com sua característica franja. Ela foi reesculpida à semelhança de outro imperador romano (como costumava ser feito com as estátuas de Nero) e finalmente voltou a ser um retrato de Nero no século 17 - desta vez, com uma barba, um queixo duplo e a boca posicionada de um jeito que lembra um sorriso desdenhoso.

“É um estereótipo, uma imagem artificial. Os retratos de Nero durante o período em que ele estava vivo têm uma aparência completamente diferente”, disse Opper.

Os curadores argumentam que sua reputação foi uma invenção de seus inimigos. Foto: Tom Jamieson/The New York Times

Porém, essa é a imagem de Nero que prevaleceu no imaginário coletivo. Na parede atrás está o que o catálogo identifica como “a mais icônica evocação de Nero da era Moderna”: uma cena do filme de 1951 Quo Vadis na qual um barbudo Peter Ustinov, no papel do louco Nero, toca sua lira enquanto Roma pega fogo.

A exposição revisita a lenda por meio de objetos e documentos de todo o Império Romano. Torna-se claro que o incêndio foi quase com certeza um acidente e que Nero nem estava em Roma quando ele começou.

Após o incêndio, Nero alimentou e abrigou os desabrigados e reconstruiu a cidade. Uma moeda de ouro de um ou dois anos depois (que pode ser vista no catálogo, mas não na exposição) mostra Nero de um lado e, do outro, o novo Templo de Vesta, um dos primeiros monumentos que ele reconstruiu.

Mary Beard, professora do Departamento de Estudos Clássicos da Universidade de Cambridge e integrante do conselho do museu, disse que Nero tem sido muito criticado por deixar-se levar por festanças e excessos - mas isso aconteceu com outros imperadores que vieram antes dele, como Calígula e Domiciano.

“As figuras desses indivíduos como imperadores são muito intrigantes”, disse Mary. “Elas estão sendo intermediadas até nós por uma agenda política muito forte que surgiu depois deles”. “Uma das coisas que a cultura material mostra a você é que o Império Romano continua da mesma maneira, com altos e baixos, não importando quem estivesse no trono”, ela acrescentou.

Entre as seções mais belas da exposição está a dedicada ao palácio que Nero construiu para abrigar sua corte, o governo de Roma e uma equipe de milhares de funcionários: a Domus Aurea, ou a Casa Dourada. Ela provavelmente recebeu esse nome durante seu reinado em referência a seus interiores dourados ou às decorações arquitetônicas que reluziam sob a luz do sol. A exposição inclui fragmentos de um painel de estuque dourado e uma decoração de coluna de bronze e pedras preciosas do tipo que deu ao palácio a má-fama como um centro de extravagância.

Alfonsina Russo, diretora do Parco Archeologico del Colosseo, disse que embora a Domus Aurea originalmente cobrisse uma vasta área de Roma, não era maior do que os palácios de outros imperadores.

Alfonsina observou que todas as fontes de informação sobre Nero eram “fontes negativas” e que era importante “recontextualizar tudo e comparar Nero com outros imperadores que, apesar de terem cometido crimes, não tiveram o mesmo destino”.

Será que a história será mais justa com Nero no futuro? “Acho que sim”, respondeu Alfonsina. “Isso é o que os pesquisadores devem ter como objetivo”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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