De Harry Styles a ASAP Rocky... Os homens e seus vestidos de verão


A fluidez de gênero ingressa em sua fase seguinte enquanto mais homens saem mais com saias e vestidos

Por Guy Trebay
Atualização:

Parece bastante improvável que quando o autor Irwin Shaw escreveu The Girls in Their Summer Dresses (As Garotas nos seus Vestidos de Verão), a sua obra clássica a “um milhão de lindas mulheres, por toda a cidade”, deslizando pela rua com as brisas quentes levadas pelas barras de sua roupa, pudesse imaginar que um dia essas “garotas” poderiam ser homens. Mesmo que a história de 1939 de Shaw seja muito sexista e datada, ela estabeleceu verdades sobre a existência urbana e a alegria pura de olhar.

Estes prazeres que, em grande parte, nos foram tirados nos últimos meses, voltaram enquanto nos aventuramos fora das nossas cavernas. Para a agradável surpresa de, pelo menos, um observador, um número considerável de pessoas aparentemente usou o tempo na quarentena para repensar alguns princípios a respeito de quem deve vestir o quê.

Robert Saludares, em casa no Brooklyn. Foto: Simbarashe Cha/The New York Times
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Khoa Sinclair, por exemplo, tratou o lockdown como um tempo de experimentação, uma chance de criar um estilo já livre das rígidas convenções binárias no reino da “feminilidade avançada”.

Portanto, lá estava Sinclair, 26 anos, recentemente, em uma tarde quente passeando pelo Domino Park em Williamsburg, no Brooklyn, os cachos do topete enrolados, braços tatuados saindo das mangas de um sinuoso vestido pregueado assinado por Issey Miyake.

“Por muito tempo, as pessoas se sentiam presas em ser de um jeito ou de outro”, disse Sinclair, referindo-se aos códigos de gênero de roupas em vias de desaparecer. “As pessoas queer andam brincando com isso há muito tempo. Mas agora, vemos muitos garotos usando vestidos que não se identificam absolutamente como totalmente femininos”.

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Vemos o rapper ASAP Rocky, eminência do hip-hop e lançador de tendências, com uma saia de Vivienne Westwood na capa da revista GQ. Vemos o filho da cantora Madonna, jogador de futebol de 15 anos, David Banda, deslizando por um longo corredor em um vídeo que viralizou, vestido com um Mae Couture de seda branca até o chão que, afirma, dar uma sensação “de liberdade total”.

Na Espanha, vemos uma onda de professores, homens, indo para a escola de saias em apoio a um aluno que foi expulso de sala e obrigado a buscar aconselhamento depois de usar uma parecida. Vemos o cantor Lil Nas X, no programa The Tonight Show, com uma longa saia tartan – na Escócia, um símbolo masculino, mas não em muitos outros lugares – e Bad Bunny na entrega dos Grammys com um casaco Burberry sobre uma túnica clássica preta de Riccardo Tisci semelhante ao hábito de uma freira.

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Observamos, em uma recente tarde repleta de aromas em Washington Square Park, homens vestidos de maneiras variadas em vestidos rasgados que lembram a capa de Kurt Cobain em uma edição de 1993 da revista The Face; com roupa de estudante com saia xadrez da cantora Britney Spears; e um conjunto de blusa e saia de manga curta, também de Issey Miyake, com meia preta e sapatos com sola de couro envernizado.

“Comecei saindo com tops femininos e depois saias femininas”, disse Robert Saludares, 24 anos, esteticista que cresceu colhendo café em uma fazenda no Havaí, a respeito do seu traje assinado por Miyake. “Agora, honestamente, só compro no departamento feminino”.

Se as ruas são o último campo de prova das mudanças da sociedade, nem sempre se presta a fáceis avaliações estatísticas. Para isso, há a internet: as buscas de peças da moda que incluem palavras chaves sem gênero definido aumentaram de 33% desde o começo de ano na Lyst, uma plataforma global de moda que agrega dados de 17 mil marcas e varejistas. As visualizações por página de plumas cresceram nada menos que 1.500% depois que o cantor Harry Styles apareceu vestido com elas para a última edição do Grammy. Em apenas 24 horas, desde a participação de Kid Cudi no programa Saturday Night Live com um vestido Off-White, o site da marca registrou um aumento de 21% das buscas por itens semelhantes.

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Brendan Dunlap, um professor substituto, no Mission District de San Francisco. Foto: Peter Prato/The New York Times

“Quando começamos a ver celebridades masculinas usando muito mais saias, dissemos: ‘Vamos colocar uma edição de saias na seção para homens do nosso aplicativo”, contou por telefone de Londres Bridget Mills-Powell, diretora de conteúdo da Lyst. “Nós não acreditamos que daria tão certo, mas depois recebemos uma resposta superior à das nossas outras listas”. 

Faz quase vinte anos desde que Andrew Bolton, o curador encarregado do Instituto de Figurino do Metropolitan Museum of Art, montou uma mostra panorâmica intitulada Brave Hearts: Men in Skirts. E, embora antropólogos culturais como Bolton fossem os primeiros a detectar os tipos de mudanças culturais que muitas vezes surgem inicialmente na moda, até ele talvez não tenha previsto um tempo em que dois personagens masculinos em uma série vencedora do Emmy casariam e um deles estava de saia, como David Rose (Daniel Levy) e Patrick Brewer (Noah Reid) fizeram em Schitt’s Creek em 2018. (Por coincidência, a saia era de Thom Browne, um pioneiro do vestuário pós-gênero, também namorado de Bolton.)

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Além disso, o nosso vestuário não pode mais ser considerado automaticamente uma declaração a respeito de alguma coisa. 

“Estamos revendo tudo isto”, disse Will Welch, editor da GQ. “Um homem de tênis Allbirds e moletom com capuz pode ser um bilionário. Por isso, você não pode mais fazer suposições”, nem sobre a orientação de gênero dos “sujeitos no Washington Square Park que usam vestidos”.

Mickey Freeman anda vestido com um kilt. Foto: John Taggart/The New York Times
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Para o estilista Mickey Freeman, que evita calças há quase seis anos, um kilt é um instrumento que lhe permite desprezar abertamente as constrições sociais quanto à identidade de um homem negro. “A maioria das pessoas tem uma diretiva interior de como as roupas atuam na masculinidade de um homem”, escreveu Freeman por e-mail. Sujeitos que buscam quebrar as “algemas interiores” da apresentação do gênero podem beneficiar-se de um experimento usando uma roupa criada sem duas pernas e um zíper.

E para Eugene Rabkin, 44 anos, um jornalista de moda que, no ano passado, postou um conto para a StyleZeitgeist, sua popular revista on-line, intitulado “Como parei de me preocupar e aprendi a amar as roupas femininas”, este processo está arraigado no conforto e na estética, não na descoberta do gênero. (Como acontece na realidade em grande parte do mundo não ocidental, onde os homens são vistos tanto em túnicas e dhotis indiano quanto calças.) Quando Rabkin, que se identifica como cisgênero e heterossexual, adquiriu o seu primeiro item de vestuário “de mulher” em 2003, a sua escolha incontrovertida foi um par de botas Ann Demeulemeester que Nicole Kidman usou na edição de setembro da Vogue.

“Para mim, não há nada de particularmente feminino nelas”, escreveu Rabkin, referindo-se às saias e túnicas e outras peças de roupa que, desde então, adquiriu nas coleções femininas de estilistas como Rick Owens, Raf Simons e Jun Takahashi. “O que faço quando compro roupas de mulher não é um gesto de transgressão de rebelião a respeito das normas societárias conservadoras”.

Fazendo compras com a esposa na loja da Uniqlo, Rabkin certa vez se encontrou em um provador ajustando o cós de uma saia acolchoada que ela havia experimentado sem sucesso e depois sugeriu que o item ficaria melhor nele. E, de fato, ficou. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Parece bastante improvável que quando o autor Irwin Shaw escreveu The Girls in Their Summer Dresses (As Garotas nos seus Vestidos de Verão), a sua obra clássica a “um milhão de lindas mulheres, por toda a cidade”, deslizando pela rua com as brisas quentes levadas pelas barras de sua roupa, pudesse imaginar que um dia essas “garotas” poderiam ser homens. Mesmo que a história de 1939 de Shaw seja muito sexista e datada, ela estabeleceu verdades sobre a existência urbana e a alegria pura de olhar.

Estes prazeres que, em grande parte, nos foram tirados nos últimos meses, voltaram enquanto nos aventuramos fora das nossas cavernas. Para a agradável surpresa de, pelo menos, um observador, um número considerável de pessoas aparentemente usou o tempo na quarentena para repensar alguns princípios a respeito de quem deve vestir o quê.

Robert Saludares, em casa no Brooklyn. Foto: Simbarashe Cha/The New York Times

Khoa Sinclair, por exemplo, tratou o lockdown como um tempo de experimentação, uma chance de criar um estilo já livre das rígidas convenções binárias no reino da “feminilidade avançada”.

Portanto, lá estava Sinclair, 26 anos, recentemente, em uma tarde quente passeando pelo Domino Park em Williamsburg, no Brooklyn, os cachos do topete enrolados, braços tatuados saindo das mangas de um sinuoso vestido pregueado assinado por Issey Miyake.

“Por muito tempo, as pessoas se sentiam presas em ser de um jeito ou de outro”, disse Sinclair, referindo-se aos códigos de gênero de roupas em vias de desaparecer. “As pessoas queer andam brincando com isso há muito tempo. Mas agora, vemos muitos garotos usando vestidos que não se identificam absolutamente como totalmente femininos”.

Vemos o rapper ASAP Rocky, eminência do hip-hop e lançador de tendências, com uma saia de Vivienne Westwood na capa da revista GQ. Vemos o filho da cantora Madonna, jogador de futebol de 15 anos, David Banda, deslizando por um longo corredor em um vídeo que viralizou, vestido com um Mae Couture de seda branca até o chão que, afirma, dar uma sensação “de liberdade total”.

Na Espanha, vemos uma onda de professores, homens, indo para a escola de saias em apoio a um aluno que foi expulso de sala e obrigado a buscar aconselhamento depois de usar uma parecida. Vemos o cantor Lil Nas X, no programa The Tonight Show, com uma longa saia tartan – na Escócia, um símbolo masculino, mas não em muitos outros lugares – e Bad Bunny na entrega dos Grammys com um casaco Burberry sobre uma túnica clássica preta de Riccardo Tisci semelhante ao hábito de uma freira.

Observamos, em uma recente tarde repleta de aromas em Washington Square Park, homens vestidos de maneiras variadas em vestidos rasgados que lembram a capa de Kurt Cobain em uma edição de 1993 da revista The Face; com roupa de estudante com saia xadrez da cantora Britney Spears; e um conjunto de blusa e saia de manga curta, também de Issey Miyake, com meia preta e sapatos com sola de couro envernizado.

“Comecei saindo com tops femininos e depois saias femininas”, disse Robert Saludares, 24 anos, esteticista que cresceu colhendo café em uma fazenda no Havaí, a respeito do seu traje assinado por Miyake. “Agora, honestamente, só compro no departamento feminino”.

Se as ruas são o último campo de prova das mudanças da sociedade, nem sempre se presta a fáceis avaliações estatísticas. Para isso, há a internet: as buscas de peças da moda que incluem palavras chaves sem gênero definido aumentaram de 33% desde o começo de ano na Lyst, uma plataforma global de moda que agrega dados de 17 mil marcas e varejistas. As visualizações por página de plumas cresceram nada menos que 1.500% depois que o cantor Harry Styles apareceu vestido com elas para a última edição do Grammy. Em apenas 24 horas, desde a participação de Kid Cudi no programa Saturday Night Live com um vestido Off-White, o site da marca registrou um aumento de 21% das buscas por itens semelhantes.

Brendan Dunlap, um professor substituto, no Mission District de San Francisco. Foto: Peter Prato/The New York Times

“Quando começamos a ver celebridades masculinas usando muito mais saias, dissemos: ‘Vamos colocar uma edição de saias na seção para homens do nosso aplicativo”, contou por telefone de Londres Bridget Mills-Powell, diretora de conteúdo da Lyst. “Nós não acreditamos que daria tão certo, mas depois recebemos uma resposta superior à das nossas outras listas”. 

Faz quase vinte anos desde que Andrew Bolton, o curador encarregado do Instituto de Figurino do Metropolitan Museum of Art, montou uma mostra panorâmica intitulada Brave Hearts: Men in Skirts. E, embora antropólogos culturais como Bolton fossem os primeiros a detectar os tipos de mudanças culturais que muitas vezes surgem inicialmente na moda, até ele talvez não tenha previsto um tempo em que dois personagens masculinos em uma série vencedora do Emmy casariam e um deles estava de saia, como David Rose (Daniel Levy) e Patrick Brewer (Noah Reid) fizeram em Schitt’s Creek em 2018. (Por coincidência, a saia era de Thom Browne, um pioneiro do vestuário pós-gênero, também namorado de Bolton.)

Além disso, o nosso vestuário não pode mais ser considerado automaticamente uma declaração a respeito de alguma coisa. 

“Estamos revendo tudo isto”, disse Will Welch, editor da GQ. “Um homem de tênis Allbirds e moletom com capuz pode ser um bilionário. Por isso, você não pode mais fazer suposições”, nem sobre a orientação de gênero dos “sujeitos no Washington Square Park que usam vestidos”.

Mickey Freeman anda vestido com um kilt. Foto: John Taggart/The New York Times

Para o estilista Mickey Freeman, que evita calças há quase seis anos, um kilt é um instrumento que lhe permite desprezar abertamente as constrições sociais quanto à identidade de um homem negro. “A maioria das pessoas tem uma diretiva interior de como as roupas atuam na masculinidade de um homem”, escreveu Freeman por e-mail. Sujeitos que buscam quebrar as “algemas interiores” da apresentação do gênero podem beneficiar-se de um experimento usando uma roupa criada sem duas pernas e um zíper.

E para Eugene Rabkin, 44 anos, um jornalista de moda que, no ano passado, postou um conto para a StyleZeitgeist, sua popular revista on-line, intitulado “Como parei de me preocupar e aprendi a amar as roupas femininas”, este processo está arraigado no conforto e na estética, não na descoberta do gênero. (Como acontece na realidade em grande parte do mundo não ocidental, onde os homens são vistos tanto em túnicas e dhotis indiano quanto calças.) Quando Rabkin, que se identifica como cisgênero e heterossexual, adquiriu o seu primeiro item de vestuário “de mulher” em 2003, a sua escolha incontrovertida foi um par de botas Ann Demeulemeester que Nicole Kidman usou na edição de setembro da Vogue.

“Para mim, não há nada de particularmente feminino nelas”, escreveu Rabkin, referindo-se às saias e túnicas e outras peças de roupa que, desde então, adquiriu nas coleções femininas de estilistas como Rick Owens, Raf Simons e Jun Takahashi. “O que faço quando compro roupas de mulher não é um gesto de transgressão de rebelião a respeito das normas societárias conservadoras”.

Fazendo compras com a esposa na loja da Uniqlo, Rabkin certa vez se encontrou em um provador ajustando o cós de uma saia acolchoada que ela havia experimentado sem sucesso e depois sugeriu que o item ficaria melhor nele. E, de fato, ficou. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Parece bastante improvável que quando o autor Irwin Shaw escreveu The Girls in Their Summer Dresses (As Garotas nos seus Vestidos de Verão), a sua obra clássica a “um milhão de lindas mulheres, por toda a cidade”, deslizando pela rua com as brisas quentes levadas pelas barras de sua roupa, pudesse imaginar que um dia essas “garotas” poderiam ser homens. Mesmo que a história de 1939 de Shaw seja muito sexista e datada, ela estabeleceu verdades sobre a existência urbana e a alegria pura de olhar.

Estes prazeres que, em grande parte, nos foram tirados nos últimos meses, voltaram enquanto nos aventuramos fora das nossas cavernas. Para a agradável surpresa de, pelo menos, um observador, um número considerável de pessoas aparentemente usou o tempo na quarentena para repensar alguns princípios a respeito de quem deve vestir o quê.

Robert Saludares, em casa no Brooklyn. Foto: Simbarashe Cha/The New York Times

Khoa Sinclair, por exemplo, tratou o lockdown como um tempo de experimentação, uma chance de criar um estilo já livre das rígidas convenções binárias no reino da “feminilidade avançada”.

Portanto, lá estava Sinclair, 26 anos, recentemente, em uma tarde quente passeando pelo Domino Park em Williamsburg, no Brooklyn, os cachos do topete enrolados, braços tatuados saindo das mangas de um sinuoso vestido pregueado assinado por Issey Miyake.

“Por muito tempo, as pessoas se sentiam presas em ser de um jeito ou de outro”, disse Sinclair, referindo-se aos códigos de gênero de roupas em vias de desaparecer. “As pessoas queer andam brincando com isso há muito tempo. Mas agora, vemos muitos garotos usando vestidos que não se identificam absolutamente como totalmente femininos”.

Vemos o rapper ASAP Rocky, eminência do hip-hop e lançador de tendências, com uma saia de Vivienne Westwood na capa da revista GQ. Vemos o filho da cantora Madonna, jogador de futebol de 15 anos, David Banda, deslizando por um longo corredor em um vídeo que viralizou, vestido com um Mae Couture de seda branca até o chão que, afirma, dar uma sensação “de liberdade total”.

Na Espanha, vemos uma onda de professores, homens, indo para a escola de saias em apoio a um aluno que foi expulso de sala e obrigado a buscar aconselhamento depois de usar uma parecida. Vemos o cantor Lil Nas X, no programa The Tonight Show, com uma longa saia tartan – na Escócia, um símbolo masculino, mas não em muitos outros lugares – e Bad Bunny na entrega dos Grammys com um casaco Burberry sobre uma túnica clássica preta de Riccardo Tisci semelhante ao hábito de uma freira.

Observamos, em uma recente tarde repleta de aromas em Washington Square Park, homens vestidos de maneiras variadas em vestidos rasgados que lembram a capa de Kurt Cobain em uma edição de 1993 da revista The Face; com roupa de estudante com saia xadrez da cantora Britney Spears; e um conjunto de blusa e saia de manga curta, também de Issey Miyake, com meia preta e sapatos com sola de couro envernizado.

“Comecei saindo com tops femininos e depois saias femininas”, disse Robert Saludares, 24 anos, esteticista que cresceu colhendo café em uma fazenda no Havaí, a respeito do seu traje assinado por Miyake. “Agora, honestamente, só compro no departamento feminino”.

Se as ruas são o último campo de prova das mudanças da sociedade, nem sempre se presta a fáceis avaliações estatísticas. Para isso, há a internet: as buscas de peças da moda que incluem palavras chaves sem gênero definido aumentaram de 33% desde o começo de ano na Lyst, uma plataforma global de moda que agrega dados de 17 mil marcas e varejistas. As visualizações por página de plumas cresceram nada menos que 1.500% depois que o cantor Harry Styles apareceu vestido com elas para a última edição do Grammy. Em apenas 24 horas, desde a participação de Kid Cudi no programa Saturday Night Live com um vestido Off-White, o site da marca registrou um aumento de 21% das buscas por itens semelhantes.

Brendan Dunlap, um professor substituto, no Mission District de San Francisco. Foto: Peter Prato/The New York Times

“Quando começamos a ver celebridades masculinas usando muito mais saias, dissemos: ‘Vamos colocar uma edição de saias na seção para homens do nosso aplicativo”, contou por telefone de Londres Bridget Mills-Powell, diretora de conteúdo da Lyst. “Nós não acreditamos que daria tão certo, mas depois recebemos uma resposta superior à das nossas outras listas”. 

Faz quase vinte anos desde que Andrew Bolton, o curador encarregado do Instituto de Figurino do Metropolitan Museum of Art, montou uma mostra panorâmica intitulada Brave Hearts: Men in Skirts. E, embora antropólogos culturais como Bolton fossem os primeiros a detectar os tipos de mudanças culturais que muitas vezes surgem inicialmente na moda, até ele talvez não tenha previsto um tempo em que dois personagens masculinos em uma série vencedora do Emmy casariam e um deles estava de saia, como David Rose (Daniel Levy) e Patrick Brewer (Noah Reid) fizeram em Schitt’s Creek em 2018. (Por coincidência, a saia era de Thom Browne, um pioneiro do vestuário pós-gênero, também namorado de Bolton.)

Além disso, o nosso vestuário não pode mais ser considerado automaticamente uma declaração a respeito de alguma coisa. 

“Estamos revendo tudo isto”, disse Will Welch, editor da GQ. “Um homem de tênis Allbirds e moletom com capuz pode ser um bilionário. Por isso, você não pode mais fazer suposições”, nem sobre a orientação de gênero dos “sujeitos no Washington Square Park que usam vestidos”.

Mickey Freeman anda vestido com um kilt. Foto: John Taggart/The New York Times

Para o estilista Mickey Freeman, que evita calças há quase seis anos, um kilt é um instrumento que lhe permite desprezar abertamente as constrições sociais quanto à identidade de um homem negro. “A maioria das pessoas tem uma diretiva interior de como as roupas atuam na masculinidade de um homem”, escreveu Freeman por e-mail. Sujeitos que buscam quebrar as “algemas interiores” da apresentação do gênero podem beneficiar-se de um experimento usando uma roupa criada sem duas pernas e um zíper.

E para Eugene Rabkin, 44 anos, um jornalista de moda que, no ano passado, postou um conto para a StyleZeitgeist, sua popular revista on-line, intitulado “Como parei de me preocupar e aprendi a amar as roupas femininas”, este processo está arraigado no conforto e na estética, não na descoberta do gênero. (Como acontece na realidade em grande parte do mundo não ocidental, onde os homens são vistos tanto em túnicas e dhotis indiano quanto calças.) Quando Rabkin, que se identifica como cisgênero e heterossexual, adquiriu o seu primeiro item de vestuário “de mulher” em 2003, a sua escolha incontrovertida foi um par de botas Ann Demeulemeester que Nicole Kidman usou na edição de setembro da Vogue.

“Para mim, não há nada de particularmente feminino nelas”, escreveu Rabkin, referindo-se às saias e túnicas e outras peças de roupa que, desde então, adquiriu nas coleções femininas de estilistas como Rick Owens, Raf Simons e Jun Takahashi. “O que faço quando compro roupas de mulher não é um gesto de transgressão de rebelião a respeito das normas societárias conservadoras”.

Fazendo compras com a esposa na loja da Uniqlo, Rabkin certa vez se encontrou em um provador ajustando o cós de uma saia acolchoada que ela havia experimentado sem sucesso e depois sugeriu que o item ficaria melhor nele. E, de fato, ficou. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

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