Hotel Fantasma de Algarrobico: uma obra inacabada assombrando a Costa da Espanha


Por quase duas décadas, o casco de um hotel inacabado prejudicou um litoral idílico no sul da Espanha. Seu destino permanece nebuloso, mas a lição é clara: é mais fácil danificar o meio ambiente do que consertá-lo

Por Raphael Minder

Sessenta anos atrás, o diretor de cinema britânico David Lean viajou para a remota província de Almeria, no sul da Espanha, para filmar seu filme vencedor do Oscar, Lawrence da Arábia.

Hotel El Algarrobico perto de Almeria, que nunca chegou a ser concluído. Foto: Ben Roberts/The New York Times

O local foi escolhido porque “era realmente apenas um deserto vazio de frente para o belo mar”, lembrou Peter Beale, que era um jovem mensageiro no set de filmagem. A equipe de filmagem construiu uma réplica de madeira compensada de Aqaba, a cidade portuária do Mar Vermelho, em um leito seco de rio que leva à praia intocada de Algarrobico, um substituto temporário para Lawrence e suas tropas atacarem a cavalo e capturarem.

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Nas décadas seguintes, muitas outras partes da costa espanhola tornaram-se quase irreconhecíveis, com construções maciças para atrair turistas e seus dólares. As cidades turísticas cresceram rapidamente, as marinas de iates eclipsaram os portos de pesca e os campos de golfe tornaram-se a vegetação preferida para atrair visitantes estrangeiros, incluindo muitos aposentados do norte da Europa.

Mas mesmo quando Almeria foi transformada pela agricultura de estufa, grande parte de sua terra permaneceu intocada e varrida pelo vento, acidentada e árida, hospedando poucos além de equipes de filmagem dispostas a oferecer a Clint Eastwood, Orson Welles, Yul Brynner e Jack Nicholson um terreno impressionante digno de suas aventuras cinematográficas. Até hoje, Almeria permanece relativamente difícil de acessar, sem conexão com a rede ferroviária de alta velocidade que cruza o resto da Espanha.

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No entanto, o turismo de massa não poupou totalmente Almeria, e a praia onde Lean construiu Aqaba é agora dominada por um projeto igualmente incongruente, mas surpreendentemente mais permanente e menos bem-sucedido: um hotel de 21 andares que foi abandonado quando estava em fase de conclusão há quase duas décadas. Com três guindastes de construção ainda pairando, o hotel abandonado permanece como uma monstruosidade sem uso e inutilizável no meio de um dos maiores santuários naturais protegidos do sul da Europa, a Reserva Natural de Cabo de Gata-Níjar.

Como um hotel como esse poderia ser erguido, e o que deve acontecer agora com sua gigantesca carcaça de concreto, tem sido objeto de uma batalha judicial de 15 anos - que também se tornou um teste decisivo para saber se a Espanha pode incentivar um desenvolvimento mais sustentável em sua indústria de viagens, que há muito sustenta a economia espanhola. A saga do hotel Algarrobico também sublinha outro grave problema na Espanha e em qualquer outro lugar onde o mercado imobiliário funciona como motor econômico: quando se trata de facilitar o turismo, a natureza é mais facilmente danificada do que reparada.

“Como o hotel Algarrobico ainda pode existir é um mistério, mas infelizmente a verdade é que não é um caso isolado e houve outros Algarrobicos ao longo da costa espanhola”, disse Pilar Marcos, bióloga que dirige os projetos espanhóis de biodiversidade do Greenpeace, a organização ambiental não governamental. “Conseguimos repetidamente ignorar os regulamentos em busca da galinha dos ovos de ouro”, ela disse.

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A construção do hotel foi interrompida em 2008, quando a crise financeira atingiu a Espanha, e não está claro o que vai acontecer com a estrutura abandonada. Foto: Ben Roberts/The New York Times

Uma licença e, em seguida, uma batalha judicial

A história do hotel é complicada, mas entender a linha do tempo pode ajudar a explicar como um projeto de turismo pode dar errado quando os interesses políticos, financeiros e ambientais estão desalinhados.

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O Cabo de Gata foi declarado parque natural em 1987. Cobrindo quase 150 milhas quadradas de terra vulcânica, o parque abrange planícies abertas, colinas com arbustos e enseadas. Também inclui algumas aldeias de pescadores e antigos assentamentos de mineração. Quando o parque foi criado, o município local de Carboneras reclassificou uma parte da área protegida como terra edificável. Ele acabou sendo comprado pela Azata, uma incorporadora imobiliária espanhola, que recebeu uma licença local para construir seu hotel à beira-mar em 2003. Os únicos outros edifícios próximos são casas particulares que foram construídas antes da criação do parque.

Argumentando que o hotel violava o status de proteção do parque, ativistas ambientais foram ao tribunal e conseguiram que um juiz congelasse o projeto em 2006, quando o hotel estava chegando à fase final de construção. Uma batalha judicial de uma década se seguiu até que, após vários recursos, a Suprema Corte espanhola decidiu que o hotel violava as leis de proteção do parque.

Começou então uma nova batalha judicial sobre quem deveria ser o responsável pela demolição do hotel e quem deveria pagar pela reabilitação da paisagem circundante.

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Embora o caso tenha se arrastado por mais de 20 decisões separadas, o hotel está em decadência. Sua fachada branca está desfigurada por pichações, e uma das janelas da sacada tem a palavra “demolição” em espanhol pintada em grandes letras azuis.

Em contraste com o set de filmagem de Aqaba - que foi rapidamente desmontado com a ajuda dos moradores locais, que correram para reutilizar suas tábuas de compensado - não há um fim claro à vista para o desastroso hotel. Na última reviravolta, o mais alto tribunal regional da Andaluzia decidiu em julho que o hotel não precisava ser destruído, porque a Azata, a incorporadora imobiliária, tinha uma licença de construção válida. A Azata não respondeu a um pedido de comentário.

Os trabalhos do projeto foram interrompidos em 2006 depois que ativistas processaram, dizendo que ele não deveria ter sido construído em uma área protegida. Foto: Ben Roberts/The New York Times
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Praias bonitas, cidades praianas feias

Em 2019, antes da pandemia de coronavírus, a Espanha era o segundo destino mais popular do mundo - depois da França e à frente dos Estados Unidos - com quase 84 milhões de visitantes internacionais. Um número significativo viajou para as praias de areia fina do leste e do sul da Espanha, muitas vezes ficando em cidades turísticas fortemente edificadas que também atendem pacotes de turismo, como na cidade de arranha-céus de Benidorm. Em meio a esse mar de concreto, Cabo de Gata oferecia um forte contraste.

O parque é “sem dúvida a joia da coroa entre nossos ecossistemas no sul da Espanha e a única área importante onde nosso modelo simplista de turismo de sol e praia não prevaleceu”, disse Marcos, do Greenpeace.

Mesmo assim, ambientalistas dizem que estão travando uma luta árdua para impedir projetos turísticos mais prejudiciais, mesmo em lugares como Almeria, com altas porcentagens de terras protegidas. Alguns argumentam que os especuladores imobiliários foram encorajados por sistemas políticos e legais que raramente punem a construção ilegal. Em 2019, os legisladores regionais da Andaluzia até votaram uma anistia para cerca de 300.000 unidades habitacionais que violaram as regras de construção, muitas delas próximas ao mar.

Desde 1988, a Espanha tem uma lei de proteção costeira para limitar os projetos à beira-mar, mas “isso não impediu que a Espanha continuasse a construir ao longo de suas margens de uma maneira que eu acho que nenhum outro país europeu permitiu”, disse José Ignacio Domínguez , advogado que foi fundamental no processo contra o hotel Algarrobico.

Outros projetos turísticos também marcam a costa esculpida de Almería. A uma curta distância do hotel Algarrobico fica outro hotel abandonado na praia de Macenas, na entrada da cidade de Mojácar. A construção do hotel em cubos de concreto, em contraste com uma torre fortificada do século 18 nas proximidades, foi interrompida precocemente e de forma indesejada pelo estouro da bolha de construção da Espanha em 2008. Ninguém parece saber exatamente quando este favo de mel de concreto será removido e se será.

Em Mojácar, uma associação de ativistas ambientais, chamada Save Mojácar, vem realizando protestos contra um plano dos políticos da cidade para aumentar significativamente a área de terra destinada a projetos imobiliários. Os ativistas até apresentam um “tour de destruição” para mostrar às pessoas onde construções adicionais poderiam destruir a paisagem.

“Nossos políticos gostariam de dobrar o número de apartamentos turísticos aqui, embora ainda tenhamos muitos apartamentos abandonados por causa da crise financeira”, disse Jaime del Val, artista performático que lidera a associação de Mojácar. “Poderíamos estar fazendo turismo sustentável, mas continuamos indo na direção do turismo de massa, porque a ganância e a corrupção estão enraizadas no setor imobiliário espanhol.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Sessenta anos atrás, o diretor de cinema britânico David Lean viajou para a remota província de Almeria, no sul da Espanha, para filmar seu filme vencedor do Oscar, Lawrence da Arábia.

Hotel El Algarrobico perto de Almeria, que nunca chegou a ser concluído. Foto: Ben Roberts/The New York Times

O local foi escolhido porque “era realmente apenas um deserto vazio de frente para o belo mar”, lembrou Peter Beale, que era um jovem mensageiro no set de filmagem. A equipe de filmagem construiu uma réplica de madeira compensada de Aqaba, a cidade portuária do Mar Vermelho, em um leito seco de rio que leva à praia intocada de Algarrobico, um substituto temporário para Lawrence e suas tropas atacarem a cavalo e capturarem.

Nas décadas seguintes, muitas outras partes da costa espanhola tornaram-se quase irreconhecíveis, com construções maciças para atrair turistas e seus dólares. As cidades turísticas cresceram rapidamente, as marinas de iates eclipsaram os portos de pesca e os campos de golfe tornaram-se a vegetação preferida para atrair visitantes estrangeiros, incluindo muitos aposentados do norte da Europa.

Mas mesmo quando Almeria foi transformada pela agricultura de estufa, grande parte de sua terra permaneceu intocada e varrida pelo vento, acidentada e árida, hospedando poucos além de equipes de filmagem dispostas a oferecer a Clint Eastwood, Orson Welles, Yul Brynner e Jack Nicholson um terreno impressionante digno de suas aventuras cinematográficas. Até hoje, Almeria permanece relativamente difícil de acessar, sem conexão com a rede ferroviária de alta velocidade que cruza o resto da Espanha.

No entanto, o turismo de massa não poupou totalmente Almeria, e a praia onde Lean construiu Aqaba é agora dominada por um projeto igualmente incongruente, mas surpreendentemente mais permanente e menos bem-sucedido: um hotel de 21 andares que foi abandonado quando estava em fase de conclusão há quase duas décadas. Com três guindastes de construção ainda pairando, o hotel abandonado permanece como uma monstruosidade sem uso e inutilizável no meio de um dos maiores santuários naturais protegidos do sul da Europa, a Reserva Natural de Cabo de Gata-Níjar.

Como um hotel como esse poderia ser erguido, e o que deve acontecer agora com sua gigantesca carcaça de concreto, tem sido objeto de uma batalha judicial de 15 anos - que também se tornou um teste decisivo para saber se a Espanha pode incentivar um desenvolvimento mais sustentável em sua indústria de viagens, que há muito sustenta a economia espanhola. A saga do hotel Algarrobico também sublinha outro grave problema na Espanha e em qualquer outro lugar onde o mercado imobiliário funciona como motor econômico: quando se trata de facilitar o turismo, a natureza é mais facilmente danificada do que reparada.

“Como o hotel Algarrobico ainda pode existir é um mistério, mas infelizmente a verdade é que não é um caso isolado e houve outros Algarrobicos ao longo da costa espanhola”, disse Pilar Marcos, bióloga que dirige os projetos espanhóis de biodiversidade do Greenpeace, a organização ambiental não governamental. “Conseguimos repetidamente ignorar os regulamentos em busca da galinha dos ovos de ouro”, ela disse.

A construção do hotel foi interrompida em 2008, quando a crise financeira atingiu a Espanha, e não está claro o que vai acontecer com a estrutura abandonada. Foto: Ben Roberts/The New York Times

Uma licença e, em seguida, uma batalha judicial

A história do hotel é complicada, mas entender a linha do tempo pode ajudar a explicar como um projeto de turismo pode dar errado quando os interesses políticos, financeiros e ambientais estão desalinhados.

O Cabo de Gata foi declarado parque natural em 1987. Cobrindo quase 150 milhas quadradas de terra vulcânica, o parque abrange planícies abertas, colinas com arbustos e enseadas. Também inclui algumas aldeias de pescadores e antigos assentamentos de mineração. Quando o parque foi criado, o município local de Carboneras reclassificou uma parte da área protegida como terra edificável. Ele acabou sendo comprado pela Azata, uma incorporadora imobiliária espanhola, que recebeu uma licença local para construir seu hotel à beira-mar em 2003. Os únicos outros edifícios próximos são casas particulares que foram construídas antes da criação do parque.

Argumentando que o hotel violava o status de proteção do parque, ativistas ambientais foram ao tribunal e conseguiram que um juiz congelasse o projeto em 2006, quando o hotel estava chegando à fase final de construção. Uma batalha judicial de uma década se seguiu até que, após vários recursos, a Suprema Corte espanhola decidiu que o hotel violava as leis de proteção do parque.

Começou então uma nova batalha judicial sobre quem deveria ser o responsável pela demolição do hotel e quem deveria pagar pela reabilitação da paisagem circundante.

Embora o caso tenha se arrastado por mais de 20 decisões separadas, o hotel está em decadência. Sua fachada branca está desfigurada por pichações, e uma das janelas da sacada tem a palavra “demolição” em espanhol pintada em grandes letras azuis.

Em contraste com o set de filmagem de Aqaba - que foi rapidamente desmontado com a ajuda dos moradores locais, que correram para reutilizar suas tábuas de compensado - não há um fim claro à vista para o desastroso hotel. Na última reviravolta, o mais alto tribunal regional da Andaluzia decidiu em julho que o hotel não precisava ser destruído, porque a Azata, a incorporadora imobiliária, tinha uma licença de construção válida. A Azata não respondeu a um pedido de comentário.

Os trabalhos do projeto foram interrompidos em 2006 depois que ativistas processaram, dizendo que ele não deveria ter sido construído em uma área protegida. Foto: Ben Roberts/The New York Times

Praias bonitas, cidades praianas feias

Em 2019, antes da pandemia de coronavírus, a Espanha era o segundo destino mais popular do mundo - depois da França e à frente dos Estados Unidos - com quase 84 milhões de visitantes internacionais. Um número significativo viajou para as praias de areia fina do leste e do sul da Espanha, muitas vezes ficando em cidades turísticas fortemente edificadas que também atendem pacotes de turismo, como na cidade de arranha-céus de Benidorm. Em meio a esse mar de concreto, Cabo de Gata oferecia um forte contraste.

O parque é “sem dúvida a joia da coroa entre nossos ecossistemas no sul da Espanha e a única área importante onde nosso modelo simplista de turismo de sol e praia não prevaleceu”, disse Marcos, do Greenpeace.

Mesmo assim, ambientalistas dizem que estão travando uma luta árdua para impedir projetos turísticos mais prejudiciais, mesmo em lugares como Almeria, com altas porcentagens de terras protegidas. Alguns argumentam que os especuladores imobiliários foram encorajados por sistemas políticos e legais que raramente punem a construção ilegal. Em 2019, os legisladores regionais da Andaluzia até votaram uma anistia para cerca de 300.000 unidades habitacionais que violaram as regras de construção, muitas delas próximas ao mar.

Desde 1988, a Espanha tem uma lei de proteção costeira para limitar os projetos à beira-mar, mas “isso não impediu que a Espanha continuasse a construir ao longo de suas margens de uma maneira que eu acho que nenhum outro país europeu permitiu”, disse José Ignacio Domínguez , advogado que foi fundamental no processo contra o hotel Algarrobico.

Outros projetos turísticos também marcam a costa esculpida de Almería. A uma curta distância do hotel Algarrobico fica outro hotel abandonado na praia de Macenas, na entrada da cidade de Mojácar. A construção do hotel em cubos de concreto, em contraste com uma torre fortificada do século 18 nas proximidades, foi interrompida precocemente e de forma indesejada pelo estouro da bolha de construção da Espanha em 2008. Ninguém parece saber exatamente quando este favo de mel de concreto será removido e se será.

Em Mojácar, uma associação de ativistas ambientais, chamada Save Mojácar, vem realizando protestos contra um plano dos políticos da cidade para aumentar significativamente a área de terra destinada a projetos imobiliários. Os ativistas até apresentam um “tour de destruição” para mostrar às pessoas onde construções adicionais poderiam destruir a paisagem.

“Nossos políticos gostariam de dobrar o número de apartamentos turísticos aqui, embora ainda tenhamos muitos apartamentos abandonados por causa da crise financeira”, disse Jaime del Val, artista performático que lidera a associação de Mojácar. “Poderíamos estar fazendo turismo sustentável, mas continuamos indo na direção do turismo de massa, porque a ganância e a corrupção estão enraizadas no setor imobiliário espanhol.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Sessenta anos atrás, o diretor de cinema britânico David Lean viajou para a remota província de Almeria, no sul da Espanha, para filmar seu filme vencedor do Oscar, Lawrence da Arábia.

Hotel El Algarrobico perto de Almeria, que nunca chegou a ser concluído. Foto: Ben Roberts/The New York Times

O local foi escolhido porque “era realmente apenas um deserto vazio de frente para o belo mar”, lembrou Peter Beale, que era um jovem mensageiro no set de filmagem. A equipe de filmagem construiu uma réplica de madeira compensada de Aqaba, a cidade portuária do Mar Vermelho, em um leito seco de rio que leva à praia intocada de Algarrobico, um substituto temporário para Lawrence e suas tropas atacarem a cavalo e capturarem.

Nas décadas seguintes, muitas outras partes da costa espanhola tornaram-se quase irreconhecíveis, com construções maciças para atrair turistas e seus dólares. As cidades turísticas cresceram rapidamente, as marinas de iates eclipsaram os portos de pesca e os campos de golfe tornaram-se a vegetação preferida para atrair visitantes estrangeiros, incluindo muitos aposentados do norte da Europa.

Mas mesmo quando Almeria foi transformada pela agricultura de estufa, grande parte de sua terra permaneceu intocada e varrida pelo vento, acidentada e árida, hospedando poucos além de equipes de filmagem dispostas a oferecer a Clint Eastwood, Orson Welles, Yul Brynner e Jack Nicholson um terreno impressionante digno de suas aventuras cinematográficas. Até hoje, Almeria permanece relativamente difícil de acessar, sem conexão com a rede ferroviária de alta velocidade que cruza o resto da Espanha.

No entanto, o turismo de massa não poupou totalmente Almeria, e a praia onde Lean construiu Aqaba é agora dominada por um projeto igualmente incongruente, mas surpreendentemente mais permanente e menos bem-sucedido: um hotel de 21 andares que foi abandonado quando estava em fase de conclusão há quase duas décadas. Com três guindastes de construção ainda pairando, o hotel abandonado permanece como uma monstruosidade sem uso e inutilizável no meio de um dos maiores santuários naturais protegidos do sul da Europa, a Reserva Natural de Cabo de Gata-Níjar.

Como um hotel como esse poderia ser erguido, e o que deve acontecer agora com sua gigantesca carcaça de concreto, tem sido objeto de uma batalha judicial de 15 anos - que também se tornou um teste decisivo para saber se a Espanha pode incentivar um desenvolvimento mais sustentável em sua indústria de viagens, que há muito sustenta a economia espanhola. A saga do hotel Algarrobico também sublinha outro grave problema na Espanha e em qualquer outro lugar onde o mercado imobiliário funciona como motor econômico: quando se trata de facilitar o turismo, a natureza é mais facilmente danificada do que reparada.

“Como o hotel Algarrobico ainda pode existir é um mistério, mas infelizmente a verdade é que não é um caso isolado e houve outros Algarrobicos ao longo da costa espanhola”, disse Pilar Marcos, bióloga que dirige os projetos espanhóis de biodiversidade do Greenpeace, a organização ambiental não governamental. “Conseguimos repetidamente ignorar os regulamentos em busca da galinha dos ovos de ouro”, ela disse.

A construção do hotel foi interrompida em 2008, quando a crise financeira atingiu a Espanha, e não está claro o que vai acontecer com a estrutura abandonada. Foto: Ben Roberts/The New York Times

Uma licença e, em seguida, uma batalha judicial

A história do hotel é complicada, mas entender a linha do tempo pode ajudar a explicar como um projeto de turismo pode dar errado quando os interesses políticos, financeiros e ambientais estão desalinhados.

O Cabo de Gata foi declarado parque natural em 1987. Cobrindo quase 150 milhas quadradas de terra vulcânica, o parque abrange planícies abertas, colinas com arbustos e enseadas. Também inclui algumas aldeias de pescadores e antigos assentamentos de mineração. Quando o parque foi criado, o município local de Carboneras reclassificou uma parte da área protegida como terra edificável. Ele acabou sendo comprado pela Azata, uma incorporadora imobiliária espanhola, que recebeu uma licença local para construir seu hotel à beira-mar em 2003. Os únicos outros edifícios próximos são casas particulares que foram construídas antes da criação do parque.

Argumentando que o hotel violava o status de proteção do parque, ativistas ambientais foram ao tribunal e conseguiram que um juiz congelasse o projeto em 2006, quando o hotel estava chegando à fase final de construção. Uma batalha judicial de uma década se seguiu até que, após vários recursos, a Suprema Corte espanhola decidiu que o hotel violava as leis de proteção do parque.

Começou então uma nova batalha judicial sobre quem deveria ser o responsável pela demolição do hotel e quem deveria pagar pela reabilitação da paisagem circundante.

Embora o caso tenha se arrastado por mais de 20 decisões separadas, o hotel está em decadência. Sua fachada branca está desfigurada por pichações, e uma das janelas da sacada tem a palavra “demolição” em espanhol pintada em grandes letras azuis.

Em contraste com o set de filmagem de Aqaba - que foi rapidamente desmontado com a ajuda dos moradores locais, que correram para reutilizar suas tábuas de compensado - não há um fim claro à vista para o desastroso hotel. Na última reviravolta, o mais alto tribunal regional da Andaluzia decidiu em julho que o hotel não precisava ser destruído, porque a Azata, a incorporadora imobiliária, tinha uma licença de construção válida. A Azata não respondeu a um pedido de comentário.

Os trabalhos do projeto foram interrompidos em 2006 depois que ativistas processaram, dizendo que ele não deveria ter sido construído em uma área protegida. Foto: Ben Roberts/The New York Times

Praias bonitas, cidades praianas feias

Em 2019, antes da pandemia de coronavírus, a Espanha era o segundo destino mais popular do mundo - depois da França e à frente dos Estados Unidos - com quase 84 milhões de visitantes internacionais. Um número significativo viajou para as praias de areia fina do leste e do sul da Espanha, muitas vezes ficando em cidades turísticas fortemente edificadas que também atendem pacotes de turismo, como na cidade de arranha-céus de Benidorm. Em meio a esse mar de concreto, Cabo de Gata oferecia um forte contraste.

O parque é “sem dúvida a joia da coroa entre nossos ecossistemas no sul da Espanha e a única área importante onde nosso modelo simplista de turismo de sol e praia não prevaleceu”, disse Marcos, do Greenpeace.

Mesmo assim, ambientalistas dizem que estão travando uma luta árdua para impedir projetos turísticos mais prejudiciais, mesmo em lugares como Almeria, com altas porcentagens de terras protegidas. Alguns argumentam que os especuladores imobiliários foram encorajados por sistemas políticos e legais que raramente punem a construção ilegal. Em 2019, os legisladores regionais da Andaluzia até votaram uma anistia para cerca de 300.000 unidades habitacionais que violaram as regras de construção, muitas delas próximas ao mar.

Desde 1988, a Espanha tem uma lei de proteção costeira para limitar os projetos à beira-mar, mas “isso não impediu que a Espanha continuasse a construir ao longo de suas margens de uma maneira que eu acho que nenhum outro país europeu permitiu”, disse José Ignacio Domínguez , advogado que foi fundamental no processo contra o hotel Algarrobico.

Outros projetos turísticos também marcam a costa esculpida de Almería. A uma curta distância do hotel Algarrobico fica outro hotel abandonado na praia de Macenas, na entrada da cidade de Mojácar. A construção do hotel em cubos de concreto, em contraste com uma torre fortificada do século 18 nas proximidades, foi interrompida precocemente e de forma indesejada pelo estouro da bolha de construção da Espanha em 2008. Ninguém parece saber exatamente quando este favo de mel de concreto será removido e se será.

Em Mojácar, uma associação de ativistas ambientais, chamada Save Mojácar, vem realizando protestos contra um plano dos políticos da cidade para aumentar significativamente a área de terra destinada a projetos imobiliários. Os ativistas até apresentam um “tour de destruição” para mostrar às pessoas onde construções adicionais poderiam destruir a paisagem.

“Nossos políticos gostariam de dobrar o número de apartamentos turísticos aqui, embora ainda tenhamos muitos apartamentos abandonados por causa da crise financeira”, disse Jaime del Val, artista performático que lidera a associação de Mojácar. “Poderíamos estar fazendo turismo sustentável, mas continuamos indo na direção do turismo de massa, porque a ganância e a corrupção estão enraizadas no setor imobiliário espanhol.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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