Ícone da panificação, o croissant tem passado por transformações


Essa espécie de pão com massa folhada bem amanteigada está assumindo novas formas com redemoinhos e listras e atraindo multidões

Por Julia Moskin

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando o padeiro Amadou Ly viu o momento certo para retirar a massa de croissant do rolo, ela fluiu como seda sobre o balcão de madeira. Foram necessários três dias de fermentação e laminação precisamente executadas, o processo exato de misturar a gordura na farinha para criar uma massa flexível. Quando a geometria e a higrometria se alinham assim, as folhas amanteigadas podem ser vincadas e pinçadas, dobradas e trançadas, enroladas e tingidas.

Uma das inovações é o "cereal": croissants pequenos o bastante para serem comidos com uma colher. Foto: Julia Gartland/The New York Times

É exatamente isso que os principais confeiteiros do mundo estão fazendo com a massa de croissant: enrolando-a em cata-ventos e rabiscos, amarrando-a em nós e empilhando-a em cubos. Estão transformando-a em cereais matinais, tingindo-a e, no caso de Ly, enrolando-a em baguetes.

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Para fazer a baguete “laminada”, ele envolve uma baguete não assada em uma fina folha de massa de croissant e a leva ao forno. É como se a manteiga salgada que você espalharia sobre uma baguete já estivesse no pão fino e macio. “O truque é fazer a baguete e o croissant ao mesmo tempo. É preciso entender o calor e o tempo para se tornar um especialista em laminação”, explicou ele, enquanto fazia torções de massa pintadas com ganache de chocolate escuro em uma espécie de pain au chocolat de dentro para fora, que lembra a babka.

Faz uma década que o chef confeiteiro Dominique Ansel rompeu com séculos de tradição europeia ao fritar uma rodada de massa de croissant, depois enchê-la e congelá-la como um donut de geleia. O Cronut colorido se tornou a primeira guloseima das celebridades da internet, chamando a atenção da mídia e gerando longas filas para lançamentos mensais de edição limitada.

Enquanto outras tendências de confeitaria vieram e se foram (alguém se lembra dos cake pops?), padeiros profissionais continuam a ultrapassar os limites do que é possível ser feito com o croissant.

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O padeiro Amadou Ly é especialista em laminação, o processo preciso que transforma manteiga, farinha e fermento em uma massa macia e sedosa. Foto: Julia Gartland/The New York Times

No Lysée, no distrito de Flatiron, em Nova York, Eunji Lee enche espirais de croissant com ganache de chocolate e avelã e as distribui em uma assadeira redonda, na qual crescem e assam. O célebre chef confeiteiro parisiense Cédric Grolet acomodou dezenas de pequenos croissants em uma massa azeda para fazer o bolo Epifania.

O campeão de confeitaria Pierre Saucès criou uma margarida laminada, com pétalas de massa folhada em torno de um centro de maracujá brilhante, para a Copa do Mundo de confeitaria deste ano em Lyon, na França. Em Los Angeles, o chocolatier Haris Car projetou um pain au chocolat com suportes em espiral para segurar três barras de chocolate em vez de uma ou duas, o formato mais tradicional.

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A paixão criativa é apenas uma das razões pelas quais os padeiros continuam testando os limites do croissant. A outra é simplesmente o negócio. Quando Scott Cioe foi contratado em 2021 como padeiro-chefe do restaurante NoHo Lafayette, em Nova York, sua missão era criar algo novo, delicioso e fotogênico que acabasse trazendo de volta as multidões pós-pandemia. “Acho que comemos com os olhos e as mãos. Todo confeiteiro entende isso.”, garantiu ele.

O resultado foi o Suprême, que viralizou em 2022: massa de croissant enrolada e vitrificada que – o mais importante – pode ficar de pé para a câmera.

Croissant em baguete é mais uma dessas apresentações do clássico das padarias.  Foto: Julia Gartland/The New York Times
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Kate Reid, que já trabalhou com aerodinâmica, ajudando a projetar carros de corrida de Fórmula 1, é conhecida por seus croissants não tradicionais e habilmente projetados na Lune Croissanterie em Melbourne, na Austrália. Ela acredita que a onda criativa desencadeada por Ansel e seu Cronut provavelmente salvou sua padaria: “Ele abriu as comportas para um lago cheio de novas ideias.”

Quando Reid inaugurou sua padaria de croissants em 2012, os negócios estavam lentos, e ela logo percebeu que os clássicos franceses, por mais perfeitos que fossem, não atraíam muitos clientes. Para criar uma iguaria do Novo Mundo, adaptou o processo do croissant de amêndoa usando frangipane de macadâmia e caramelo salgado, o sabor do momento. Sua variação, a Macca-Sacca, foi um sucesso instantâneo, e a Lune ficou famosa por combinações como manteiga de amendoim e chocolate, Vegemite e queijo, e até pastrami e chucrute.

As massas laminadas existem há muito tempo em muitas tradições de panificação: o subing chinês, o filo dos Bálcãs, o msemen do Norte de África, o roti paratha do Sul da Ásia e o strudel da Europa Oriental.

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Na França, a massa folhada com manteiga foi o padrão de luxo durante séculos. Mas, na Paris do século XIX, um empresário vienense abriu uma padaria equipada com um forno a vapor, que inflava massas enriquecidas com gordura e garantia seu brilho. Na mesma época, o fermento comercial foi disponibilizado para os padeiros franceses.

Um croissant da Padaria Librae em Nova York. Foto: Julia Gartland/The New York Times

Juntas, essas tecnologias produziram o croissant em forma de lua crescente, baseado no kipferl austríaco, e três variações: chocolate, canela com passas e amêndoa. Ao longo de muitas décadas, os padeiros tentaram dominar esses clássicos, trabalhando as condições ideais para transformar ingredientes básicos em pães caramelizados macios.

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As regras para fazer um bom croissant não mudaram. Cioe afirmou que cortes limpos e linhas bem marcadas são o teste das habilidades de um padeiro e devem ser visíveis no produto acabado, independentemente da forma que tenha. Deve ser bem enrolado e completamente dourado; manchas pálidas e crescimento irregular são muitas vezes sinais de um croissant feito com gordura hidrogenada em vez de manteiga. O exterior deve se fragmentar.

Além disso, tudo é possível. O cubo de croissant rapidamente circulou pelo mundo no ano passado assim que o do Le Deli Robuchon, em Londres, viralizou no TikTok, muito depois que o campeão sueco de confeitaria Bedros Kabranian postou sua criação cúbica no Instagram em 2018. Julien Khalaf, que ficou em segundo lugar na competição “Melhor Croissant em NovaYork” (organizada pela French Morning, empresa de mídia de língua francesa com sede nos EUA), faz o cubo em seus quatro Julien Boulangeries em Nova York, com coberturas como merengue torrado e flocos de arroz com chocolate.

Os padeiros da Librae Bakery, no East Village, fazem um croissant “rabiscado” que parece ter saído de uma lata de chantilly e que vem polvilhado com açúcar de alecrim no inverno.

Nem todo mundo está torcendo pela revolução. O padeiro amador Gautier Coiffard passou o lockdown da pandemia aprendendo a assar pão fermentado naturalmente e croissant tradicional em sua cozinha doméstica. Sua esposa, Ashley, criou postagens no Instagram de seu trabalho que atraíram centenas de milhares de pessoas para sua padaria on-line, L’Appartement 4F.

Seu croissant de framboesa viralizou primeiro, mas foi a invenção do cereal de croissant – croissants envoltos em xarope de açúcar e canela, tão pequenos que podem ser comidos com colher – que tornou o casal verdadeiramente famoso na internet, permitindo-lhe abrir uma padaria física em Brooklyn Heights no ano passado.

Foi também o cereal de croissant, que custa US$ 50 por caixa e está perpetuamente sem estoque porque horas são necessárias para enrolar os minicroissants à mão, que chamou a atenção da imprensa francesa.

Coiffard, engenheiro de software de fala mansa de Grenoble, na França, foi destaque na rede de TV mais popular do país, a TF1, em um segmento intitulado “Como os americanos estão massacrando a culinária francesa”. (Sua “femme Américaine” foi considerada culpada pela abominação.)

Como muitos profissionais, Reid, da Lune, disse que o croissant simples ainda é seu favorito. Sua receita, feita com manteiga clarificada, é projetada para maximizar a reação de Maillard, processo semelhante à caramelização que dá às gorduras e proteínas sabores salgados e de nozes.

Os princípios de calor, umidade e fluxo de ar que ela usou para projetar a asa dianteira e os dutos de freio de carros de corrida também se aplicam ao cozimento. E o trabalho em equipe necessário para um pit stop se reflete na coreografia exata para fazer croissant nas cozinhas que ela administra. “Não me propus a fazer da Lune uma equipe de Fórmula 1 para o croissant, mas ela é. Eu adoraria colocar um croissant em um túnel de vento para ver o que acontece.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando o padeiro Amadou Ly viu o momento certo para retirar a massa de croissant do rolo, ela fluiu como seda sobre o balcão de madeira. Foram necessários três dias de fermentação e laminação precisamente executadas, o processo exato de misturar a gordura na farinha para criar uma massa flexível. Quando a geometria e a higrometria se alinham assim, as folhas amanteigadas podem ser vincadas e pinçadas, dobradas e trançadas, enroladas e tingidas.

Uma das inovações é o "cereal": croissants pequenos o bastante para serem comidos com uma colher. Foto: Julia Gartland/The New York Times

É exatamente isso que os principais confeiteiros do mundo estão fazendo com a massa de croissant: enrolando-a em cata-ventos e rabiscos, amarrando-a em nós e empilhando-a em cubos. Estão transformando-a em cereais matinais, tingindo-a e, no caso de Ly, enrolando-a em baguetes.

Para fazer a baguete “laminada”, ele envolve uma baguete não assada em uma fina folha de massa de croissant e a leva ao forno. É como se a manteiga salgada que você espalharia sobre uma baguete já estivesse no pão fino e macio. “O truque é fazer a baguete e o croissant ao mesmo tempo. É preciso entender o calor e o tempo para se tornar um especialista em laminação”, explicou ele, enquanto fazia torções de massa pintadas com ganache de chocolate escuro em uma espécie de pain au chocolat de dentro para fora, que lembra a babka.

Faz uma década que o chef confeiteiro Dominique Ansel rompeu com séculos de tradição europeia ao fritar uma rodada de massa de croissant, depois enchê-la e congelá-la como um donut de geleia. O Cronut colorido se tornou a primeira guloseima das celebridades da internet, chamando a atenção da mídia e gerando longas filas para lançamentos mensais de edição limitada.

Enquanto outras tendências de confeitaria vieram e se foram (alguém se lembra dos cake pops?), padeiros profissionais continuam a ultrapassar os limites do que é possível ser feito com o croissant.

O padeiro Amadou Ly é especialista em laminação, o processo preciso que transforma manteiga, farinha e fermento em uma massa macia e sedosa. Foto: Julia Gartland/The New York Times

No Lysée, no distrito de Flatiron, em Nova York, Eunji Lee enche espirais de croissant com ganache de chocolate e avelã e as distribui em uma assadeira redonda, na qual crescem e assam. O célebre chef confeiteiro parisiense Cédric Grolet acomodou dezenas de pequenos croissants em uma massa azeda para fazer o bolo Epifania.

O campeão de confeitaria Pierre Saucès criou uma margarida laminada, com pétalas de massa folhada em torno de um centro de maracujá brilhante, para a Copa do Mundo de confeitaria deste ano em Lyon, na França. Em Los Angeles, o chocolatier Haris Car projetou um pain au chocolat com suportes em espiral para segurar três barras de chocolate em vez de uma ou duas, o formato mais tradicional.

A paixão criativa é apenas uma das razões pelas quais os padeiros continuam testando os limites do croissant. A outra é simplesmente o negócio. Quando Scott Cioe foi contratado em 2021 como padeiro-chefe do restaurante NoHo Lafayette, em Nova York, sua missão era criar algo novo, delicioso e fotogênico que acabasse trazendo de volta as multidões pós-pandemia. “Acho que comemos com os olhos e as mãos. Todo confeiteiro entende isso.”, garantiu ele.

O resultado foi o Suprême, que viralizou em 2022: massa de croissant enrolada e vitrificada que – o mais importante – pode ficar de pé para a câmera.

Croissant em baguete é mais uma dessas apresentações do clássico das padarias.  Foto: Julia Gartland/The New York Times

Kate Reid, que já trabalhou com aerodinâmica, ajudando a projetar carros de corrida de Fórmula 1, é conhecida por seus croissants não tradicionais e habilmente projetados na Lune Croissanterie em Melbourne, na Austrália. Ela acredita que a onda criativa desencadeada por Ansel e seu Cronut provavelmente salvou sua padaria: “Ele abriu as comportas para um lago cheio de novas ideias.”

Quando Reid inaugurou sua padaria de croissants em 2012, os negócios estavam lentos, e ela logo percebeu que os clássicos franceses, por mais perfeitos que fossem, não atraíam muitos clientes. Para criar uma iguaria do Novo Mundo, adaptou o processo do croissant de amêndoa usando frangipane de macadâmia e caramelo salgado, o sabor do momento. Sua variação, a Macca-Sacca, foi um sucesso instantâneo, e a Lune ficou famosa por combinações como manteiga de amendoim e chocolate, Vegemite e queijo, e até pastrami e chucrute.

As massas laminadas existem há muito tempo em muitas tradições de panificação: o subing chinês, o filo dos Bálcãs, o msemen do Norte de África, o roti paratha do Sul da Ásia e o strudel da Europa Oriental.

Na França, a massa folhada com manteiga foi o padrão de luxo durante séculos. Mas, na Paris do século XIX, um empresário vienense abriu uma padaria equipada com um forno a vapor, que inflava massas enriquecidas com gordura e garantia seu brilho. Na mesma época, o fermento comercial foi disponibilizado para os padeiros franceses.

Um croissant da Padaria Librae em Nova York. Foto: Julia Gartland/The New York Times

Juntas, essas tecnologias produziram o croissant em forma de lua crescente, baseado no kipferl austríaco, e três variações: chocolate, canela com passas e amêndoa. Ao longo de muitas décadas, os padeiros tentaram dominar esses clássicos, trabalhando as condições ideais para transformar ingredientes básicos em pães caramelizados macios.

As regras para fazer um bom croissant não mudaram. Cioe afirmou que cortes limpos e linhas bem marcadas são o teste das habilidades de um padeiro e devem ser visíveis no produto acabado, independentemente da forma que tenha. Deve ser bem enrolado e completamente dourado; manchas pálidas e crescimento irregular são muitas vezes sinais de um croissant feito com gordura hidrogenada em vez de manteiga. O exterior deve se fragmentar.

Além disso, tudo é possível. O cubo de croissant rapidamente circulou pelo mundo no ano passado assim que o do Le Deli Robuchon, em Londres, viralizou no TikTok, muito depois que o campeão sueco de confeitaria Bedros Kabranian postou sua criação cúbica no Instagram em 2018. Julien Khalaf, que ficou em segundo lugar na competição “Melhor Croissant em NovaYork” (organizada pela French Morning, empresa de mídia de língua francesa com sede nos EUA), faz o cubo em seus quatro Julien Boulangeries em Nova York, com coberturas como merengue torrado e flocos de arroz com chocolate.

Os padeiros da Librae Bakery, no East Village, fazem um croissant “rabiscado” que parece ter saído de uma lata de chantilly e que vem polvilhado com açúcar de alecrim no inverno.

Nem todo mundo está torcendo pela revolução. O padeiro amador Gautier Coiffard passou o lockdown da pandemia aprendendo a assar pão fermentado naturalmente e croissant tradicional em sua cozinha doméstica. Sua esposa, Ashley, criou postagens no Instagram de seu trabalho que atraíram centenas de milhares de pessoas para sua padaria on-line, L’Appartement 4F.

Seu croissant de framboesa viralizou primeiro, mas foi a invenção do cereal de croissant – croissants envoltos em xarope de açúcar e canela, tão pequenos que podem ser comidos com colher – que tornou o casal verdadeiramente famoso na internet, permitindo-lhe abrir uma padaria física em Brooklyn Heights no ano passado.

Foi também o cereal de croissant, que custa US$ 50 por caixa e está perpetuamente sem estoque porque horas são necessárias para enrolar os minicroissants à mão, que chamou a atenção da imprensa francesa.

Coiffard, engenheiro de software de fala mansa de Grenoble, na França, foi destaque na rede de TV mais popular do país, a TF1, em um segmento intitulado “Como os americanos estão massacrando a culinária francesa”. (Sua “femme Américaine” foi considerada culpada pela abominação.)

Como muitos profissionais, Reid, da Lune, disse que o croissant simples ainda é seu favorito. Sua receita, feita com manteiga clarificada, é projetada para maximizar a reação de Maillard, processo semelhante à caramelização que dá às gorduras e proteínas sabores salgados e de nozes.

Os princípios de calor, umidade e fluxo de ar que ela usou para projetar a asa dianteira e os dutos de freio de carros de corrida também se aplicam ao cozimento. E o trabalho em equipe necessário para um pit stop se reflete na coreografia exata para fazer croissant nas cozinhas que ela administra. “Não me propus a fazer da Lune uma equipe de Fórmula 1 para o croissant, mas ela é. Eu adoraria colocar um croissant em um túnel de vento para ver o que acontece.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando o padeiro Amadou Ly viu o momento certo para retirar a massa de croissant do rolo, ela fluiu como seda sobre o balcão de madeira. Foram necessários três dias de fermentação e laminação precisamente executadas, o processo exato de misturar a gordura na farinha para criar uma massa flexível. Quando a geometria e a higrometria se alinham assim, as folhas amanteigadas podem ser vincadas e pinçadas, dobradas e trançadas, enroladas e tingidas.

Uma das inovações é o "cereal": croissants pequenos o bastante para serem comidos com uma colher. Foto: Julia Gartland/The New York Times

É exatamente isso que os principais confeiteiros do mundo estão fazendo com a massa de croissant: enrolando-a em cata-ventos e rabiscos, amarrando-a em nós e empilhando-a em cubos. Estão transformando-a em cereais matinais, tingindo-a e, no caso de Ly, enrolando-a em baguetes.

Para fazer a baguete “laminada”, ele envolve uma baguete não assada em uma fina folha de massa de croissant e a leva ao forno. É como se a manteiga salgada que você espalharia sobre uma baguete já estivesse no pão fino e macio. “O truque é fazer a baguete e o croissant ao mesmo tempo. É preciso entender o calor e o tempo para se tornar um especialista em laminação”, explicou ele, enquanto fazia torções de massa pintadas com ganache de chocolate escuro em uma espécie de pain au chocolat de dentro para fora, que lembra a babka.

Faz uma década que o chef confeiteiro Dominique Ansel rompeu com séculos de tradição europeia ao fritar uma rodada de massa de croissant, depois enchê-la e congelá-la como um donut de geleia. O Cronut colorido se tornou a primeira guloseima das celebridades da internet, chamando a atenção da mídia e gerando longas filas para lançamentos mensais de edição limitada.

Enquanto outras tendências de confeitaria vieram e se foram (alguém se lembra dos cake pops?), padeiros profissionais continuam a ultrapassar os limites do que é possível ser feito com o croissant.

O padeiro Amadou Ly é especialista em laminação, o processo preciso que transforma manteiga, farinha e fermento em uma massa macia e sedosa. Foto: Julia Gartland/The New York Times

No Lysée, no distrito de Flatiron, em Nova York, Eunji Lee enche espirais de croissant com ganache de chocolate e avelã e as distribui em uma assadeira redonda, na qual crescem e assam. O célebre chef confeiteiro parisiense Cédric Grolet acomodou dezenas de pequenos croissants em uma massa azeda para fazer o bolo Epifania.

O campeão de confeitaria Pierre Saucès criou uma margarida laminada, com pétalas de massa folhada em torno de um centro de maracujá brilhante, para a Copa do Mundo de confeitaria deste ano em Lyon, na França. Em Los Angeles, o chocolatier Haris Car projetou um pain au chocolat com suportes em espiral para segurar três barras de chocolate em vez de uma ou duas, o formato mais tradicional.

A paixão criativa é apenas uma das razões pelas quais os padeiros continuam testando os limites do croissant. A outra é simplesmente o negócio. Quando Scott Cioe foi contratado em 2021 como padeiro-chefe do restaurante NoHo Lafayette, em Nova York, sua missão era criar algo novo, delicioso e fotogênico que acabasse trazendo de volta as multidões pós-pandemia. “Acho que comemos com os olhos e as mãos. Todo confeiteiro entende isso.”, garantiu ele.

O resultado foi o Suprême, que viralizou em 2022: massa de croissant enrolada e vitrificada que – o mais importante – pode ficar de pé para a câmera.

Croissant em baguete é mais uma dessas apresentações do clássico das padarias.  Foto: Julia Gartland/The New York Times

Kate Reid, que já trabalhou com aerodinâmica, ajudando a projetar carros de corrida de Fórmula 1, é conhecida por seus croissants não tradicionais e habilmente projetados na Lune Croissanterie em Melbourne, na Austrália. Ela acredita que a onda criativa desencadeada por Ansel e seu Cronut provavelmente salvou sua padaria: “Ele abriu as comportas para um lago cheio de novas ideias.”

Quando Reid inaugurou sua padaria de croissants em 2012, os negócios estavam lentos, e ela logo percebeu que os clássicos franceses, por mais perfeitos que fossem, não atraíam muitos clientes. Para criar uma iguaria do Novo Mundo, adaptou o processo do croissant de amêndoa usando frangipane de macadâmia e caramelo salgado, o sabor do momento. Sua variação, a Macca-Sacca, foi um sucesso instantâneo, e a Lune ficou famosa por combinações como manteiga de amendoim e chocolate, Vegemite e queijo, e até pastrami e chucrute.

As massas laminadas existem há muito tempo em muitas tradições de panificação: o subing chinês, o filo dos Bálcãs, o msemen do Norte de África, o roti paratha do Sul da Ásia e o strudel da Europa Oriental.

Na França, a massa folhada com manteiga foi o padrão de luxo durante séculos. Mas, na Paris do século XIX, um empresário vienense abriu uma padaria equipada com um forno a vapor, que inflava massas enriquecidas com gordura e garantia seu brilho. Na mesma época, o fermento comercial foi disponibilizado para os padeiros franceses.

Um croissant da Padaria Librae em Nova York. Foto: Julia Gartland/The New York Times

Juntas, essas tecnologias produziram o croissant em forma de lua crescente, baseado no kipferl austríaco, e três variações: chocolate, canela com passas e amêndoa. Ao longo de muitas décadas, os padeiros tentaram dominar esses clássicos, trabalhando as condições ideais para transformar ingredientes básicos em pães caramelizados macios.

As regras para fazer um bom croissant não mudaram. Cioe afirmou que cortes limpos e linhas bem marcadas são o teste das habilidades de um padeiro e devem ser visíveis no produto acabado, independentemente da forma que tenha. Deve ser bem enrolado e completamente dourado; manchas pálidas e crescimento irregular são muitas vezes sinais de um croissant feito com gordura hidrogenada em vez de manteiga. O exterior deve se fragmentar.

Além disso, tudo é possível. O cubo de croissant rapidamente circulou pelo mundo no ano passado assim que o do Le Deli Robuchon, em Londres, viralizou no TikTok, muito depois que o campeão sueco de confeitaria Bedros Kabranian postou sua criação cúbica no Instagram em 2018. Julien Khalaf, que ficou em segundo lugar na competição “Melhor Croissant em NovaYork” (organizada pela French Morning, empresa de mídia de língua francesa com sede nos EUA), faz o cubo em seus quatro Julien Boulangeries em Nova York, com coberturas como merengue torrado e flocos de arroz com chocolate.

Os padeiros da Librae Bakery, no East Village, fazem um croissant “rabiscado” que parece ter saído de uma lata de chantilly e que vem polvilhado com açúcar de alecrim no inverno.

Nem todo mundo está torcendo pela revolução. O padeiro amador Gautier Coiffard passou o lockdown da pandemia aprendendo a assar pão fermentado naturalmente e croissant tradicional em sua cozinha doméstica. Sua esposa, Ashley, criou postagens no Instagram de seu trabalho que atraíram centenas de milhares de pessoas para sua padaria on-line, L’Appartement 4F.

Seu croissant de framboesa viralizou primeiro, mas foi a invenção do cereal de croissant – croissants envoltos em xarope de açúcar e canela, tão pequenos que podem ser comidos com colher – que tornou o casal verdadeiramente famoso na internet, permitindo-lhe abrir uma padaria física em Brooklyn Heights no ano passado.

Foi também o cereal de croissant, que custa US$ 50 por caixa e está perpetuamente sem estoque porque horas são necessárias para enrolar os minicroissants à mão, que chamou a atenção da imprensa francesa.

Coiffard, engenheiro de software de fala mansa de Grenoble, na França, foi destaque na rede de TV mais popular do país, a TF1, em um segmento intitulado “Como os americanos estão massacrando a culinária francesa”. (Sua “femme Américaine” foi considerada culpada pela abominação.)

Como muitos profissionais, Reid, da Lune, disse que o croissant simples ainda é seu favorito. Sua receita, feita com manteiga clarificada, é projetada para maximizar a reação de Maillard, processo semelhante à caramelização que dá às gorduras e proteínas sabores salgados e de nozes.

Os princípios de calor, umidade e fluxo de ar que ela usou para projetar a asa dianteira e os dutos de freio de carros de corrida também se aplicam ao cozimento. E o trabalho em equipe necessário para um pit stop se reflete na coreografia exata para fazer croissant nas cozinhas que ela administra. “Não me propus a fazer da Lune uma equipe de Fórmula 1 para o croissant, mas ela é. Eu adoraria colocar um croissant em um túnel de vento para ver o que acontece.”

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