Jardins zens de Kyoto: onde a arte paisagística encontra a meditação


Os jardins secos da cidade parecem eternos, mas, como estas versões relativamente novas mostram, seu design ainda está evoluindo. Eles oferecem lugares para contemplação tranquila numa cidade cada vez mais superlotada de turistas.

Por Paula Deitz (The New York Times)

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Certa vez, presentearam o Buda com uma flor e lhe pediram que pregasse sobre ela. O mestre religioso simplesmente a “olhou em silêncio”. Essa passagem está no livro The Japanese Garden (O jardim japonês), da designer de jardins britânica Sophie Walker. Foi nesse momento espiritual que nasceu o zen-budismo, inspirando os serenos e eternos jardins secos ou os jardins de pedras chamados karesansui.

Os jardins secos de Quioto renunciam a plantas e flores e, em vez disso, utilizam elementos como cascalho, pedras e musgo para criar ambientes contemplativos. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Diferentemente de um jardim projetado para um passeio, que orienta os visitantes a percorrer um caminho pré-definido onde se pode contemplar paisagens cênicas e casas de chá, deve-se observar um jardim seco sentado em uma varanda colocada um pouco acima do piso. Uma experiência intensa acontece com a viagem que se faz por ele na imaginação e que revela sua essência em meditação.

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Com rochas artisticamente colocadas ao longo de extensões de cascalho fino, que são varridas pelos monges em forma de ondulações que representam a água, esses locais são fontes de contemplação, quer se refiram a uma paisagem específica, quer sejam serenamente abstratas. O Ryoan-ji, que data de cerca de 1500, é o exemplo supremo desse último tipo entre os templos antigos de Kyoto. Suas 15 rochas baixas estão espalhadas em cinco grupos e dispostas em poças de musgo dentro de um retângulo fechado de cascalho. Há um enigma que não se desvela facilmente: apenas 14 desses grupos de rochas são visíveis ao mesmo tempo, não importa onde você se sente para contemplá-los.

A mudança em Kyoto, a maior cidade japonesa com jardins de templos, é uma evolução silenciosa. Mas um passeio por vários jardins secos concebidos no século passado – e mesmo nos últimos anos – demonstra que a tradição zen é atemporal quando se trata de design paisagístico, e que momentos de contemplação ainda são possíveis, mesmo quando multidões assomam abundantemente a esses locais.

Em Tofuku-ji, a primeira varanda tem vista para o jardim ao sul, com aglomerados de rochas verticais, em sua maioria irregulares, com ondulações de cascalho irradiando. Foto: Andrew Faulk/The New York Times
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Zuiho-in

Ao chegar ao complexo do mosteiro zen Daitoku-ji, no norte de Kyoto, segui para um de seus 22 subtemplos (templos parcialmente autônomos dentro do terreno de um complexo religioso maior). Fui ao Zuiho-in, fundado em 1319. Pouco mais de dois séculos depois, em 1546, o poderoso senhor feudal Sorin Otomo o dedicou à sua família. Isso foi durante o período em que missionários espanhóis e portugueses estavam no Japão. Assim como outros que o sucederam, Otomo se converteu ao cristianismo, mas permaneceu inspirado pelo zen-budismo.

Atravessei passarelas angulares até chegar à varanda do Zuiho-in para ver seu jardim seco principal. Embora, à primeira vista, o estilo pareça tradicional, esse jardim foi projetado na década de 1960 por Mirei Shigemori, arquiteto paisagista cuja formação compreendeu o estudo das artes culturais japonesas, como a condução da cerimônia do chá, arranjos de flores e pintura de paisagens com nanquim diluído. À medida que o movimento modernista ocidental penetrou o Japão, e determinado a revolucionar a estética dos jardins que permanecia inabalável ao longo de séculos, Shigemori decidiu fazer uma adaptação, e combinou o moderno com as artes tradicionais. Conseguiu projetar mais de 200 jardins no Japão e até trabalhou com o escultor nipo-americano Isamu Noguchi em um jardim da Unesco, coletando pedras no Japão que Noguchi colocou no jardim da sede da organização, em Paris.

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No jardim Zuiho-in, os redemoinhos de cascalho estão dispostos em picos altos, como se estivessem no mar, com uma cadeia de rochas pontiagudas e irregulares, parecendo ilhas, levando a uma península coberta de musgo, coroada por uma enorme pedra que representa o Monte Horai, onde, de acordo com a mitologia taoísta, residem os heróis chamados Oito Imortais, que lutaram pela justiça. Referindo-se ao cristianismo de Otomo, as rochas em um segundo jardim estão dispostas em forma de cruz. Três filas de pedras quadradas incrustadas na areia em outras partes do jardim destacam a assinatura modernista de Shigemori.

Ao contrário de um jardim projetado para passear, um jardim seco é visto sentado em uma varanda acima, oferecendo a experiência intensificada de viajar por ele na imaginação. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Honen-in

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Do outro lado da cidade, no bairro de Higashiyama, a Caminhada do Filósofo é uma trilha para pedestres ao longo do pitoresco Canal do Lago Biwa. Inaugurada em 1890, acredita-se que o nome seja uma homenagem a um professor de filosofia da Universidade de Kyoto que passeava por lá enquanto meditava. Conforme caminhamos por essa trilha, dependendo da estação, a correnteza rápida logo abaixo carrega folhas brilhantes de outono ou delicadas pétalas de cerejeira que caem das árvores que margeiam o canal.

Honen-in, também na região de Higashiyama, é um dos vários templos budistas ao longo da Caminhada dos Filósofos, e muito popular no outono. Tem uma grande escadaria e um portão de entrada emoldurados por vastas copas de bordos japoneses de um vermelho intenso. Dois grandes montes retangulares de areia branca, ao longo do caminho central, são periodicamente varridos por monges formando novos desenhos; no outono passado, uma folha de bordo foi delineada em um deles e uma folha de ginkgo no outro, contra um fundo de cumes.

O sumo sacerdote, Kajita Shinsho, que habita ali com sua família, tinha um pátio privado com varanda que precisava de um jardim. Em março de 2023, contratou Marc Peter Keane, arquiteto paisagista americano que agora mora em Kyoto, para projetá-lo. Formado pela Universidade Cornell, Keane vive no Japão há quase 20 anos e é especialista em design de jardins japoneses. Assim como Shigemori, mergulhou na cultura japonesa e fixou sua casa e seu estúdio permanentemente em Kyoto.

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O jardim seco de Zuiho-in pode parecer tradicional à primeira vista, mas foi projetado na década de 1960 por Mirei Shigemori. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Apenas três antigos pés de camélia, já retorcidos, permaneceram no jardim retangular do sacerdote. As flores na estação variam do rosa escuro ao rosa pálido e branco. A ideia de Keane era representar o fluxo constante da natureza, exemplificado pelo ciclo do carbono – o processo pelo qual o carbono viaja do ar para os organismos e retorna destes para o ar. Seu jardim, intitulado “Rio Vazio”, cria o que descreveu como “uma expressão física desse ciclo invisível através de um rio de carbono feito com carvão puro”.

Com o pé, ele traçou um estreito “rio” que serpenteia em torno das raízes e dos troncos das camélias. Cobriu esse sulco na areia com pequenos pedaços de carvão, formando uma forte linha preta mediante uma mistura de fino cascalho marrom e branco. Não há pedras grandes, apenas pequenas rochas que emolduram o pátio e as plantações, com andrômeda japonesa nos cantos. Sua rigidez, suavizada apenas quando pétalas de camélia caem e se espalham pelo cascalho em abril, é o que lhe dá beleza.

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Keane compara esse refinamento de design e materiais a um haicai, o poema japonês de três versos. E, tal como os antigos jardins, também expressa o conceito budista de vazio.

Na primavera, as cerejeiras florescem ao longo do Caminho dos Filósofos e as pétalas que caem flutuam ao longo do canal. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Tofuku-ji

No templo Tofuku-ji, na região sudeste da cidade, Shigemori projetou o jardim do Hojo, o Salão do Abade, em 1939, já naquela época usando materiais encontrados no local. Seu vocabulário vanguardista de linhas retas e grades pode ter parecido sensacional na ocasião, mas agora é apreciado por sua harmoniosa vitalidade.

Da primeira varanda, vê-se o jardim sul, com aglomerados de rochas verticais, em sua maioria irregulares, e ondulações radiais de cascalho, terminando na extremidade com cinco montes cobertos de musgo, como montanhas sagradas no mar. No jardim oeste, azaleias aparadas se alternam com campos quadrados de cascalho branco, refletindo antigas formas de demarcar fronteiras de terras. As azaleias no Japão são bem cortadas e florescem em lindas superfícies planas de um rosa profundo.

Em seguida, vê-se um vasto campo xadrez de restos de pedras quadradas incrustadas em um tapete de musgo, que parece diminuir até o infinito no jardim do norte. Finalmente, a leste, fundações de pilares de pedra com o mesmo padrão recriam a constelação da Ursa Maior, com cascalho disposto em círculos concêntricos ao redor de cada pilar para enfatizar sua individualidade.

A entrada para Honen-in. Monges varrem padrões variáveis ​​nos montes de areia que flanqueiam a passarela. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Jardim Ukifune

O Jardim Ukifune (Jardim do Barco à Deriva), que Keane projetou em 2022, é uma interpretação alegórica do capítulo de mesmo nome de “O conto de Genji”, romance do século XI, de Murasaki Shikibu, sobre o tempestuoso romance do príncipe Hikaru (cujo significado é “brilhante”) Genji e sobre a vida política na corte.

Keane o projetou para ser o jardim do pátio zen do hotel Genji Kyoto, inaugurado em abril daquele ano, às margens do Rio Kamo, perto de onde, no livro, Genji construiu sua grande propriedade e seus jardins. O hotel foi projetado pelo arquiteto americano Geoffrey Moussas, que também mora em Kyoto, e incorpora as características internas e externas das antigas casas comerciais da cidade.

Keane se inspirou em uma cena de “Genji”. Nela, um dos dois poderosos dignitários que disputam os favores de Ukifune, mulher de 22 anos, viaja em meio a uma tempestade de neve e foge com ela de barco pelo Rio Uji. Ao passarem pela Ilha das Laranjeiras, ela recita um poema no qual se compara a um barco à deriva: “O tom duradouro da Ilha das Laranjeiras pode nunca mudar / e não há como saber agora onde o barco à deriva vai parar.”

Num jardim recentemente concebido em Honen-in, um rio de carvão preto representa o ciclo do carbono da Terra. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Keane consultou John Carpenter, curador de arte japonesa do Museu Metropolitano de Arte, de Nova York. O especialista lhe contou sobre a tela “Genji”, pintada no fim do século XVI por Tosa Mitsuyoshi, presente na coleção do museu, que ilustra essa cena famosa. Uma cópia do painel está agora pendurada em Kyoto, ao lado do jardim.

Keane instalou um “rio” sinuoso com pedras cinzentas colocadas engenhosamente nas bordas, abrindo mão de usar as tradicionais pedras planas, dando ao fluxo um maior sentido de direção. O jardim está situado entre duas alas do hotel, e a “água” parece cair como uma cachoeira de um prédio para o outro, com uma ponte larga e plana de aço posta acima, verdadeira plataforma de observação que dá vida ao projeto. As margens em ambos os lados estão densamente plantadas com bordos, palmeiras, samambaias e musgo de cobertura de solo. Uma pedra em forma de barco carrega uma grande mancha de musgo, que Keane interpreta como sendo o planeta Terra vagando pela galáxia.

Uma vista do jardim sul de Tofuku-ji, que termina na extremidade com cinco montes cobertos de musgo, como montanhas sagradas no mar. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Se você for

Para entrar nos jardins de Zuiho-in e no jardim do Tofuku-ji Abbot’s Hall é preciso comprar ingresso. A taxa de entrada em ambos é de 400 ienes (cerca de US$ 2,65) para adultos e 300 ienes (cerca de US$ 2) para crianças.

A entrada em Honen-in é gratuita, exceto durante as semanas de abertura da primavera e do outono, que geralmente ocorrem durante a primeira semana de abril e a terceira semana de novembro, e custam 500 ienes na primavera e 800 ienes no outono. O jardim do Rio Vazio pode ser visitado durante essas semanas.

No jardim do hotel Genji Kyoto a visitação é gratuita.

Se sentir fome enquanto visita os jardins, o Izusen, restaurante no subtemplo de Daiji-in do complexo do mosteiro Daitoku-ji, oferece diversas especialidades locais em menus permanentes, lindamente apresentados em tigelas vermelhas laqueadas que se aninham quando vazias. Aberto das 11h às 20h, mediante reserva. As refeições vão de 4.370 a 8.050 ienes. Fica perto de Zuiho-in.

Monges criam padrões de ondulação no cascalho de Tofuku-ji como parte de sua prática Zen. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Também mediante reserva, o Yudofu Kisaki, restaurante localizado entre a porta de Honen-in e o Passeio dos Filósofos, tem especialidades vegetarianas e variações de tofu. Aberto das 11h às 20h, aceita reserva até as 18h, com refeições também entre 4.370 a 8.050 ienes.

Um bom livro para ler durante sua excursão aos templos é The Rainbow, romance de 1962 do escritor ganhador do Prêmio Nobel (1968) Yasunari Kawabata. Vários capítulos se passam na região e parece que você e o autor estão viajando juntos, muitas vezes nos mesmos jardins. O conhecimento de Kawabata sobre plantas é formidável e a simplicidade de suas descrições é natural e direta: “No gramado em frente ao portão, à sombra dos pinheiros, cresciam dentes-de-leão e lótus. Uma camélia de flor dupla tinha florescido em frente à cerca de bambu.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Certa vez, presentearam o Buda com uma flor e lhe pediram que pregasse sobre ela. O mestre religioso simplesmente a “olhou em silêncio”. Essa passagem está no livro The Japanese Garden (O jardim japonês), da designer de jardins britânica Sophie Walker. Foi nesse momento espiritual que nasceu o zen-budismo, inspirando os serenos e eternos jardins secos ou os jardins de pedras chamados karesansui.

Os jardins secos de Quioto renunciam a plantas e flores e, em vez disso, utilizam elementos como cascalho, pedras e musgo para criar ambientes contemplativos. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Diferentemente de um jardim projetado para um passeio, que orienta os visitantes a percorrer um caminho pré-definido onde se pode contemplar paisagens cênicas e casas de chá, deve-se observar um jardim seco sentado em uma varanda colocada um pouco acima do piso. Uma experiência intensa acontece com a viagem que se faz por ele na imaginação e que revela sua essência em meditação.

Com rochas artisticamente colocadas ao longo de extensões de cascalho fino, que são varridas pelos monges em forma de ondulações que representam a água, esses locais são fontes de contemplação, quer se refiram a uma paisagem específica, quer sejam serenamente abstratas. O Ryoan-ji, que data de cerca de 1500, é o exemplo supremo desse último tipo entre os templos antigos de Kyoto. Suas 15 rochas baixas estão espalhadas em cinco grupos e dispostas em poças de musgo dentro de um retângulo fechado de cascalho. Há um enigma que não se desvela facilmente: apenas 14 desses grupos de rochas são visíveis ao mesmo tempo, não importa onde você se sente para contemplá-los.

A mudança em Kyoto, a maior cidade japonesa com jardins de templos, é uma evolução silenciosa. Mas um passeio por vários jardins secos concebidos no século passado – e mesmo nos últimos anos – demonstra que a tradição zen é atemporal quando se trata de design paisagístico, e que momentos de contemplação ainda são possíveis, mesmo quando multidões assomam abundantemente a esses locais.

Em Tofuku-ji, a primeira varanda tem vista para o jardim ao sul, com aglomerados de rochas verticais, em sua maioria irregulares, com ondulações de cascalho irradiando. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Zuiho-in

Ao chegar ao complexo do mosteiro zen Daitoku-ji, no norte de Kyoto, segui para um de seus 22 subtemplos (templos parcialmente autônomos dentro do terreno de um complexo religioso maior). Fui ao Zuiho-in, fundado em 1319. Pouco mais de dois séculos depois, em 1546, o poderoso senhor feudal Sorin Otomo o dedicou à sua família. Isso foi durante o período em que missionários espanhóis e portugueses estavam no Japão. Assim como outros que o sucederam, Otomo se converteu ao cristianismo, mas permaneceu inspirado pelo zen-budismo.

Atravessei passarelas angulares até chegar à varanda do Zuiho-in para ver seu jardim seco principal. Embora, à primeira vista, o estilo pareça tradicional, esse jardim foi projetado na década de 1960 por Mirei Shigemori, arquiteto paisagista cuja formação compreendeu o estudo das artes culturais japonesas, como a condução da cerimônia do chá, arranjos de flores e pintura de paisagens com nanquim diluído. À medida que o movimento modernista ocidental penetrou o Japão, e determinado a revolucionar a estética dos jardins que permanecia inabalável ao longo de séculos, Shigemori decidiu fazer uma adaptação, e combinou o moderno com as artes tradicionais. Conseguiu projetar mais de 200 jardins no Japão e até trabalhou com o escultor nipo-americano Isamu Noguchi em um jardim da Unesco, coletando pedras no Japão que Noguchi colocou no jardim da sede da organização, em Paris.

No jardim Zuiho-in, os redemoinhos de cascalho estão dispostos em picos altos, como se estivessem no mar, com uma cadeia de rochas pontiagudas e irregulares, parecendo ilhas, levando a uma península coberta de musgo, coroada por uma enorme pedra que representa o Monte Horai, onde, de acordo com a mitologia taoísta, residem os heróis chamados Oito Imortais, que lutaram pela justiça. Referindo-se ao cristianismo de Otomo, as rochas em um segundo jardim estão dispostas em forma de cruz. Três filas de pedras quadradas incrustadas na areia em outras partes do jardim destacam a assinatura modernista de Shigemori.

Ao contrário de um jardim projetado para passear, um jardim seco é visto sentado em uma varanda acima, oferecendo a experiência intensificada de viajar por ele na imaginação. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Honen-in

Do outro lado da cidade, no bairro de Higashiyama, a Caminhada do Filósofo é uma trilha para pedestres ao longo do pitoresco Canal do Lago Biwa. Inaugurada em 1890, acredita-se que o nome seja uma homenagem a um professor de filosofia da Universidade de Kyoto que passeava por lá enquanto meditava. Conforme caminhamos por essa trilha, dependendo da estação, a correnteza rápida logo abaixo carrega folhas brilhantes de outono ou delicadas pétalas de cerejeira que caem das árvores que margeiam o canal.

Honen-in, também na região de Higashiyama, é um dos vários templos budistas ao longo da Caminhada dos Filósofos, e muito popular no outono. Tem uma grande escadaria e um portão de entrada emoldurados por vastas copas de bordos japoneses de um vermelho intenso. Dois grandes montes retangulares de areia branca, ao longo do caminho central, são periodicamente varridos por monges formando novos desenhos; no outono passado, uma folha de bordo foi delineada em um deles e uma folha de ginkgo no outro, contra um fundo de cumes.

O sumo sacerdote, Kajita Shinsho, que habita ali com sua família, tinha um pátio privado com varanda que precisava de um jardim. Em março de 2023, contratou Marc Peter Keane, arquiteto paisagista americano que agora mora em Kyoto, para projetá-lo. Formado pela Universidade Cornell, Keane vive no Japão há quase 20 anos e é especialista em design de jardins japoneses. Assim como Shigemori, mergulhou na cultura japonesa e fixou sua casa e seu estúdio permanentemente em Kyoto.

O jardim seco de Zuiho-in pode parecer tradicional à primeira vista, mas foi projetado na década de 1960 por Mirei Shigemori. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Apenas três antigos pés de camélia, já retorcidos, permaneceram no jardim retangular do sacerdote. As flores na estação variam do rosa escuro ao rosa pálido e branco. A ideia de Keane era representar o fluxo constante da natureza, exemplificado pelo ciclo do carbono – o processo pelo qual o carbono viaja do ar para os organismos e retorna destes para o ar. Seu jardim, intitulado “Rio Vazio”, cria o que descreveu como “uma expressão física desse ciclo invisível através de um rio de carbono feito com carvão puro”.

Com o pé, ele traçou um estreito “rio” que serpenteia em torno das raízes e dos troncos das camélias. Cobriu esse sulco na areia com pequenos pedaços de carvão, formando uma forte linha preta mediante uma mistura de fino cascalho marrom e branco. Não há pedras grandes, apenas pequenas rochas que emolduram o pátio e as plantações, com andrômeda japonesa nos cantos. Sua rigidez, suavizada apenas quando pétalas de camélia caem e se espalham pelo cascalho em abril, é o que lhe dá beleza.

Keane compara esse refinamento de design e materiais a um haicai, o poema japonês de três versos. E, tal como os antigos jardins, também expressa o conceito budista de vazio.

Na primavera, as cerejeiras florescem ao longo do Caminho dos Filósofos e as pétalas que caem flutuam ao longo do canal. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Tofuku-ji

No templo Tofuku-ji, na região sudeste da cidade, Shigemori projetou o jardim do Hojo, o Salão do Abade, em 1939, já naquela época usando materiais encontrados no local. Seu vocabulário vanguardista de linhas retas e grades pode ter parecido sensacional na ocasião, mas agora é apreciado por sua harmoniosa vitalidade.

Da primeira varanda, vê-se o jardim sul, com aglomerados de rochas verticais, em sua maioria irregulares, e ondulações radiais de cascalho, terminando na extremidade com cinco montes cobertos de musgo, como montanhas sagradas no mar. No jardim oeste, azaleias aparadas se alternam com campos quadrados de cascalho branco, refletindo antigas formas de demarcar fronteiras de terras. As azaleias no Japão são bem cortadas e florescem em lindas superfícies planas de um rosa profundo.

Em seguida, vê-se um vasto campo xadrez de restos de pedras quadradas incrustadas em um tapete de musgo, que parece diminuir até o infinito no jardim do norte. Finalmente, a leste, fundações de pilares de pedra com o mesmo padrão recriam a constelação da Ursa Maior, com cascalho disposto em círculos concêntricos ao redor de cada pilar para enfatizar sua individualidade.

A entrada para Honen-in. Monges varrem padrões variáveis ​​nos montes de areia que flanqueiam a passarela. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Jardim Ukifune

O Jardim Ukifune (Jardim do Barco à Deriva), que Keane projetou em 2022, é uma interpretação alegórica do capítulo de mesmo nome de “O conto de Genji”, romance do século XI, de Murasaki Shikibu, sobre o tempestuoso romance do príncipe Hikaru (cujo significado é “brilhante”) Genji e sobre a vida política na corte.

Keane o projetou para ser o jardim do pátio zen do hotel Genji Kyoto, inaugurado em abril daquele ano, às margens do Rio Kamo, perto de onde, no livro, Genji construiu sua grande propriedade e seus jardins. O hotel foi projetado pelo arquiteto americano Geoffrey Moussas, que também mora em Kyoto, e incorpora as características internas e externas das antigas casas comerciais da cidade.

Keane se inspirou em uma cena de “Genji”. Nela, um dos dois poderosos dignitários que disputam os favores de Ukifune, mulher de 22 anos, viaja em meio a uma tempestade de neve e foge com ela de barco pelo Rio Uji. Ao passarem pela Ilha das Laranjeiras, ela recita um poema no qual se compara a um barco à deriva: “O tom duradouro da Ilha das Laranjeiras pode nunca mudar / e não há como saber agora onde o barco à deriva vai parar.”

Num jardim recentemente concebido em Honen-in, um rio de carvão preto representa o ciclo do carbono da Terra. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Keane consultou John Carpenter, curador de arte japonesa do Museu Metropolitano de Arte, de Nova York. O especialista lhe contou sobre a tela “Genji”, pintada no fim do século XVI por Tosa Mitsuyoshi, presente na coleção do museu, que ilustra essa cena famosa. Uma cópia do painel está agora pendurada em Kyoto, ao lado do jardim.

Keane instalou um “rio” sinuoso com pedras cinzentas colocadas engenhosamente nas bordas, abrindo mão de usar as tradicionais pedras planas, dando ao fluxo um maior sentido de direção. O jardim está situado entre duas alas do hotel, e a “água” parece cair como uma cachoeira de um prédio para o outro, com uma ponte larga e plana de aço posta acima, verdadeira plataforma de observação que dá vida ao projeto. As margens em ambos os lados estão densamente plantadas com bordos, palmeiras, samambaias e musgo de cobertura de solo. Uma pedra em forma de barco carrega uma grande mancha de musgo, que Keane interpreta como sendo o planeta Terra vagando pela galáxia.

Uma vista do jardim sul de Tofuku-ji, que termina na extremidade com cinco montes cobertos de musgo, como montanhas sagradas no mar. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Se você for

Para entrar nos jardins de Zuiho-in e no jardim do Tofuku-ji Abbot’s Hall é preciso comprar ingresso. A taxa de entrada em ambos é de 400 ienes (cerca de US$ 2,65) para adultos e 300 ienes (cerca de US$ 2) para crianças.

A entrada em Honen-in é gratuita, exceto durante as semanas de abertura da primavera e do outono, que geralmente ocorrem durante a primeira semana de abril e a terceira semana de novembro, e custam 500 ienes na primavera e 800 ienes no outono. O jardim do Rio Vazio pode ser visitado durante essas semanas.

No jardim do hotel Genji Kyoto a visitação é gratuita.

Se sentir fome enquanto visita os jardins, o Izusen, restaurante no subtemplo de Daiji-in do complexo do mosteiro Daitoku-ji, oferece diversas especialidades locais em menus permanentes, lindamente apresentados em tigelas vermelhas laqueadas que se aninham quando vazias. Aberto das 11h às 20h, mediante reserva. As refeições vão de 4.370 a 8.050 ienes. Fica perto de Zuiho-in.

Monges criam padrões de ondulação no cascalho de Tofuku-ji como parte de sua prática Zen. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Também mediante reserva, o Yudofu Kisaki, restaurante localizado entre a porta de Honen-in e o Passeio dos Filósofos, tem especialidades vegetarianas e variações de tofu. Aberto das 11h às 20h, aceita reserva até as 18h, com refeições também entre 4.370 a 8.050 ienes.

Um bom livro para ler durante sua excursão aos templos é The Rainbow, romance de 1962 do escritor ganhador do Prêmio Nobel (1968) Yasunari Kawabata. Vários capítulos se passam na região e parece que você e o autor estão viajando juntos, muitas vezes nos mesmos jardins. O conhecimento de Kawabata sobre plantas é formidável e a simplicidade de suas descrições é natural e direta: “No gramado em frente ao portão, à sombra dos pinheiros, cresciam dentes-de-leão e lótus. Uma camélia de flor dupla tinha florescido em frente à cerca de bambu.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Certa vez, presentearam o Buda com uma flor e lhe pediram que pregasse sobre ela. O mestre religioso simplesmente a “olhou em silêncio”. Essa passagem está no livro The Japanese Garden (O jardim japonês), da designer de jardins britânica Sophie Walker. Foi nesse momento espiritual que nasceu o zen-budismo, inspirando os serenos e eternos jardins secos ou os jardins de pedras chamados karesansui.

Os jardins secos de Quioto renunciam a plantas e flores e, em vez disso, utilizam elementos como cascalho, pedras e musgo para criar ambientes contemplativos. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Diferentemente de um jardim projetado para um passeio, que orienta os visitantes a percorrer um caminho pré-definido onde se pode contemplar paisagens cênicas e casas de chá, deve-se observar um jardim seco sentado em uma varanda colocada um pouco acima do piso. Uma experiência intensa acontece com a viagem que se faz por ele na imaginação e que revela sua essência em meditação.

Com rochas artisticamente colocadas ao longo de extensões de cascalho fino, que são varridas pelos monges em forma de ondulações que representam a água, esses locais são fontes de contemplação, quer se refiram a uma paisagem específica, quer sejam serenamente abstratas. O Ryoan-ji, que data de cerca de 1500, é o exemplo supremo desse último tipo entre os templos antigos de Kyoto. Suas 15 rochas baixas estão espalhadas em cinco grupos e dispostas em poças de musgo dentro de um retângulo fechado de cascalho. Há um enigma que não se desvela facilmente: apenas 14 desses grupos de rochas são visíveis ao mesmo tempo, não importa onde você se sente para contemplá-los.

A mudança em Kyoto, a maior cidade japonesa com jardins de templos, é uma evolução silenciosa. Mas um passeio por vários jardins secos concebidos no século passado – e mesmo nos últimos anos – demonstra que a tradição zen é atemporal quando se trata de design paisagístico, e que momentos de contemplação ainda são possíveis, mesmo quando multidões assomam abundantemente a esses locais.

Em Tofuku-ji, a primeira varanda tem vista para o jardim ao sul, com aglomerados de rochas verticais, em sua maioria irregulares, com ondulações de cascalho irradiando. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Zuiho-in

Ao chegar ao complexo do mosteiro zen Daitoku-ji, no norte de Kyoto, segui para um de seus 22 subtemplos (templos parcialmente autônomos dentro do terreno de um complexo religioso maior). Fui ao Zuiho-in, fundado em 1319. Pouco mais de dois séculos depois, em 1546, o poderoso senhor feudal Sorin Otomo o dedicou à sua família. Isso foi durante o período em que missionários espanhóis e portugueses estavam no Japão. Assim como outros que o sucederam, Otomo se converteu ao cristianismo, mas permaneceu inspirado pelo zen-budismo.

Atravessei passarelas angulares até chegar à varanda do Zuiho-in para ver seu jardim seco principal. Embora, à primeira vista, o estilo pareça tradicional, esse jardim foi projetado na década de 1960 por Mirei Shigemori, arquiteto paisagista cuja formação compreendeu o estudo das artes culturais japonesas, como a condução da cerimônia do chá, arranjos de flores e pintura de paisagens com nanquim diluído. À medida que o movimento modernista ocidental penetrou o Japão, e determinado a revolucionar a estética dos jardins que permanecia inabalável ao longo de séculos, Shigemori decidiu fazer uma adaptação, e combinou o moderno com as artes tradicionais. Conseguiu projetar mais de 200 jardins no Japão e até trabalhou com o escultor nipo-americano Isamu Noguchi em um jardim da Unesco, coletando pedras no Japão que Noguchi colocou no jardim da sede da organização, em Paris.

No jardim Zuiho-in, os redemoinhos de cascalho estão dispostos em picos altos, como se estivessem no mar, com uma cadeia de rochas pontiagudas e irregulares, parecendo ilhas, levando a uma península coberta de musgo, coroada por uma enorme pedra que representa o Monte Horai, onde, de acordo com a mitologia taoísta, residem os heróis chamados Oito Imortais, que lutaram pela justiça. Referindo-se ao cristianismo de Otomo, as rochas em um segundo jardim estão dispostas em forma de cruz. Três filas de pedras quadradas incrustadas na areia em outras partes do jardim destacam a assinatura modernista de Shigemori.

Ao contrário de um jardim projetado para passear, um jardim seco é visto sentado em uma varanda acima, oferecendo a experiência intensificada de viajar por ele na imaginação. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Honen-in

Do outro lado da cidade, no bairro de Higashiyama, a Caminhada do Filósofo é uma trilha para pedestres ao longo do pitoresco Canal do Lago Biwa. Inaugurada em 1890, acredita-se que o nome seja uma homenagem a um professor de filosofia da Universidade de Kyoto que passeava por lá enquanto meditava. Conforme caminhamos por essa trilha, dependendo da estação, a correnteza rápida logo abaixo carrega folhas brilhantes de outono ou delicadas pétalas de cerejeira que caem das árvores que margeiam o canal.

Honen-in, também na região de Higashiyama, é um dos vários templos budistas ao longo da Caminhada dos Filósofos, e muito popular no outono. Tem uma grande escadaria e um portão de entrada emoldurados por vastas copas de bordos japoneses de um vermelho intenso. Dois grandes montes retangulares de areia branca, ao longo do caminho central, são periodicamente varridos por monges formando novos desenhos; no outono passado, uma folha de bordo foi delineada em um deles e uma folha de ginkgo no outro, contra um fundo de cumes.

O sumo sacerdote, Kajita Shinsho, que habita ali com sua família, tinha um pátio privado com varanda que precisava de um jardim. Em março de 2023, contratou Marc Peter Keane, arquiteto paisagista americano que agora mora em Kyoto, para projetá-lo. Formado pela Universidade Cornell, Keane vive no Japão há quase 20 anos e é especialista em design de jardins japoneses. Assim como Shigemori, mergulhou na cultura japonesa e fixou sua casa e seu estúdio permanentemente em Kyoto.

O jardim seco de Zuiho-in pode parecer tradicional à primeira vista, mas foi projetado na década de 1960 por Mirei Shigemori. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Apenas três antigos pés de camélia, já retorcidos, permaneceram no jardim retangular do sacerdote. As flores na estação variam do rosa escuro ao rosa pálido e branco. A ideia de Keane era representar o fluxo constante da natureza, exemplificado pelo ciclo do carbono – o processo pelo qual o carbono viaja do ar para os organismos e retorna destes para o ar. Seu jardim, intitulado “Rio Vazio”, cria o que descreveu como “uma expressão física desse ciclo invisível através de um rio de carbono feito com carvão puro”.

Com o pé, ele traçou um estreito “rio” que serpenteia em torno das raízes e dos troncos das camélias. Cobriu esse sulco na areia com pequenos pedaços de carvão, formando uma forte linha preta mediante uma mistura de fino cascalho marrom e branco. Não há pedras grandes, apenas pequenas rochas que emolduram o pátio e as plantações, com andrômeda japonesa nos cantos. Sua rigidez, suavizada apenas quando pétalas de camélia caem e se espalham pelo cascalho em abril, é o que lhe dá beleza.

Keane compara esse refinamento de design e materiais a um haicai, o poema japonês de três versos. E, tal como os antigos jardins, também expressa o conceito budista de vazio.

Na primavera, as cerejeiras florescem ao longo do Caminho dos Filósofos e as pétalas que caem flutuam ao longo do canal. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Tofuku-ji

No templo Tofuku-ji, na região sudeste da cidade, Shigemori projetou o jardim do Hojo, o Salão do Abade, em 1939, já naquela época usando materiais encontrados no local. Seu vocabulário vanguardista de linhas retas e grades pode ter parecido sensacional na ocasião, mas agora é apreciado por sua harmoniosa vitalidade.

Da primeira varanda, vê-se o jardim sul, com aglomerados de rochas verticais, em sua maioria irregulares, e ondulações radiais de cascalho, terminando na extremidade com cinco montes cobertos de musgo, como montanhas sagradas no mar. No jardim oeste, azaleias aparadas se alternam com campos quadrados de cascalho branco, refletindo antigas formas de demarcar fronteiras de terras. As azaleias no Japão são bem cortadas e florescem em lindas superfícies planas de um rosa profundo.

Em seguida, vê-se um vasto campo xadrez de restos de pedras quadradas incrustadas em um tapete de musgo, que parece diminuir até o infinito no jardim do norte. Finalmente, a leste, fundações de pilares de pedra com o mesmo padrão recriam a constelação da Ursa Maior, com cascalho disposto em círculos concêntricos ao redor de cada pilar para enfatizar sua individualidade.

A entrada para Honen-in. Monges varrem padrões variáveis ​​nos montes de areia que flanqueiam a passarela. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Jardim Ukifune

O Jardim Ukifune (Jardim do Barco à Deriva), que Keane projetou em 2022, é uma interpretação alegórica do capítulo de mesmo nome de “O conto de Genji”, romance do século XI, de Murasaki Shikibu, sobre o tempestuoso romance do príncipe Hikaru (cujo significado é “brilhante”) Genji e sobre a vida política na corte.

Keane o projetou para ser o jardim do pátio zen do hotel Genji Kyoto, inaugurado em abril daquele ano, às margens do Rio Kamo, perto de onde, no livro, Genji construiu sua grande propriedade e seus jardins. O hotel foi projetado pelo arquiteto americano Geoffrey Moussas, que também mora em Kyoto, e incorpora as características internas e externas das antigas casas comerciais da cidade.

Keane se inspirou em uma cena de “Genji”. Nela, um dos dois poderosos dignitários que disputam os favores de Ukifune, mulher de 22 anos, viaja em meio a uma tempestade de neve e foge com ela de barco pelo Rio Uji. Ao passarem pela Ilha das Laranjeiras, ela recita um poema no qual se compara a um barco à deriva: “O tom duradouro da Ilha das Laranjeiras pode nunca mudar / e não há como saber agora onde o barco à deriva vai parar.”

Num jardim recentemente concebido em Honen-in, um rio de carvão preto representa o ciclo do carbono da Terra. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Keane consultou John Carpenter, curador de arte japonesa do Museu Metropolitano de Arte, de Nova York. O especialista lhe contou sobre a tela “Genji”, pintada no fim do século XVI por Tosa Mitsuyoshi, presente na coleção do museu, que ilustra essa cena famosa. Uma cópia do painel está agora pendurada em Kyoto, ao lado do jardim.

Keane instalou um “rio” sinuoso com pedras cinzentas colocadas engenhosamente nas bordas, abrindo mão de usar as tradicionais pedras planas, dando ao fluxo um maior sentido de direção. O jardim está situado entre duas alas do hotel, e a “água” parece cair como uma cachoeira de um prédio para o outro, com uma ponte larga e plana de aço posta acima, verdadeira plataforma de observação que dá vida ao projeto. As margens em ambos os lados estão densamente plantadas com bordos, palmeiras, samambaias e musgo de cobertura de solo. Uma pedra em forma de barco carrega uma grande mancha de musgo, que Keane interpreta como sendo o planeta Terra vagando pela galáxia.

Uma vista do jardim sul de Tofuku-ji, que termina na extremidade com cinco montes cobertos de musgo, como montanhas sagradas no mar. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Se você for

Para entrar nos jardins de Zuiho-in e no jardim do Tofuku-ji Abbot’s Hall é preciso comprar ingresso. A taxa de entrada em ambos é de 400 ienes (cerca de US$ 2,65) para adultos e 300 ienes (cerca de US$ 2) para crianças.

A entrada em Honen-in é gratuita, exceto durante as semanas de abertura da primavera e do outono, que geralmente ocorrem durante a primeira semana de abril e a terceira semana de novembro, e custam 500 ienes na primavera e 800 ienes no outono. O jardim do Rio Vazio pode ser visitado durante essas semanas.

No jardim do hotel Genji Kyoto a visitação é gratuita.

Se sentir fome enquanto visita os jardins, o Izusen, restaurante no subtemplo de Daiji-in do complexo do mosteiro Daitoku-ji, oferece diversas especialidades locais em menus permanentes, lindamente apresentados em tigelas vermelhas laqueadas que se aninham quando vazias. Aberto das 11h às 20h, mediante reserva. As refeições vão de 4.370 a 8.050 ienes. Fica perto de Zuiho-in.

Monges criam padrões de ondulação no cascalho de Tofuku-ji como parte de sua prática Zen. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Também mediante reserva, o Yudofu Kisaki, restaurante localizado entre a porta de Honen-in e o Passeio dos Filósofos, tem especialidades vegetarianas e variações de tofu. Aberto das 11h às 20h, aceita reserva até as 18h, com refeições também entre 4.370 a 8.050 ienes.

Um bom livro para ler durante sua excursão aos templos é The Rainbow, romance de 1962 do escritor ganhador do Prêmio Nobel (1968) Yasunari Kawabata. Vários capítulos se passam na região e parece que você e o autor estão viajando juntos, muitas vezes nos mesmos jardins. O conhecimento de Kawabata sobre plantas é formidável e a simplicidade de suas descrições é natural e direta: “No gramado em frente ao portão, à sombra dos pinheiros, cresciam dentes-de-leão e lótus. Uma camélia de flor dupla tinha florescido em frente à cerca de bambu.”

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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Certa vez, presentearam o Buda com uma flor e lhe pediram que pregasse sobre ela. O mestre religioso simplesmente a “olhou em silêncio”. Essa passagem está no livro The Japanese Garden (O jardim japonês), da designer de jardins britânica Sophie Walker. Foi nesse momento espiritual que nasceu o zen-budismo, inspirando os serenos e eternos jardins secos ou os jardins de pedras chamados karesansui.

Os jardins secos de Quioto renunciam a plantas e flores e, em vez disso, utilizam elementos como cascalho, pedras e musgo para criar ambientes contemplativos. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Diferentemente de um jardim projetado para um passeio, que orienta os visitantes a percorrer um caminho pré-definido onde se pode contemplar paisagens cênicas e casas de chá, deve-se observar um jardim seco sentado em uma varanda colocada um pouco acima do piso. Uma experiência intensa acontece com a viagem que se faz por ele na imaginação e que revela sua essência em meditação.

Com rochas artisticamente colocadas ao longo de extensões de cascalho fino, que são varridas pelos monges em forma de ondulações que representam a água, esses locais são fontes de contemplação, quer se refiram a uma paisagem específica, quer sejam serenamente abstratas. O Ryoan-ji, que data de cerca de 1500, é o exemplo supremo desse último tipo entre os templos antigos de Kyoto. Suas 15 rochas baixas estão espalhadas em cinco grupos e dispostas em poças de musgo dentro de um retângulo fechado de cascalho. Há um enigma que não se desvela facilmente: apenas 14 desses grupos de rochas são visíveis ao mesmo tempo, não importa onde você se sente para contemplá-los.

A mudança em Kyoto, a maior cidade japonesa com jardins de templos, é uma evolução silenciosa. Mas um passeio por vários jardins secos concebidos no século passado – e mesmo nos últimos anos – demonstra que a tradição zen é atemporal quando se trata de design paisagístico, e que momentos de contemplação ainda são possíveis, mesmo quando multidões assomam abundantemente a esses locais.

Em Tofuku-ji, a primeira varanda tem vista para o jardim ao sul, com aglomerados de rochas verticais, em sua maioria irregulares, com ondulações de cascalho irradiando. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Zuiho-in

Ao chegar ao complexo do mosteiro zen Daitoku-ji, no norte de Kyoto, segui para um de seus 22 subtemplos (templos parcialmente autônomos dentro do terreno de um complexo religioso maior). Fui ao Zuiho-in, fundado em 1319. Pouco mais de dois séculos depois, em 1546, o poderoso senhor feudal Sorin Otomo o dedicou à sua família. Isso foi durante o período em que missionários espanhóis e portugueses estavam no Japão. Assim como outros que o sucederam, Otomo se converteu ao cristianismo, mas permaneceu inspirado pelo zen-budismo.

Atravessei passarelas angulares até chegar à varanda do Zuiho-in para ver seu jardim seco principal. Embora, à primeira vista, o estilo pareça tradicional, esse jardim foi projetado na década de 1960 por Mirei Shigemori, arquiteto paisagista cuja formação compreendeu o estudo das artes culturais japonesas, como a condução da cerimônia do chá, arranjos de flores e pintura de paisagens com nanquim diluído. À medida que o movimento modernista ocidental penetrou o Japão, e determinado a revolucionar a estética dos jardins que permanecia inabalável ao longo de séculos, Shigemori decidiu fazer uma adaptação, e combinou o moderno com as artes tradicionais. Conseguiu projetar mais de 200 jardins no Japão e até trabalhou com o escultor nipo-americano Isamu Noguchi em um jardim da Unesco, coletando pedras no Japão que Noguchi colocou no jardim da sede da organização, em Paris.

No jardim Zuiho-in, os redemoinhos de cascalho estão dispostos em picos altos, como se estivessem no mar, com uma cadeia de rochas pontiagudas e irregulares, parecendo ilhas, levando a uma península coberta de musgo, coroada por uma enorme pedra que representa o Monte Horai, onde, de acordo com a mitologia taoísta, residem os heróis chamados Oito Imortais, que lutaram pela justiça. Referindo-se ao cristianismo de Otomo, as rochas em um segundo jardim estão dispostas em forma de cruz. Três filas de pedras quadradas incrustadas na areia em outras partes do jardim destacam a assinatura modernista de Shigemori.

Ao contrário de um jardim projetado para passear, um jardim seco é visto sentado em uma varanda acima, oferecendo a experiência intensificada de viajar por ele na imaginação. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Honen-in

Do outro lado da cidade, no bairro de Higashiyama, a Caminhada do Filósofo é uma trilha para pedestres ao longo do pitoresco Canal do Lago Biwa. Inaugurada em 1890, acredita-se que o nome seja uma homenagem a um professor de filosofia da Universidade de Kyoto que passeava por lá enquanto meditava. Conforme caminhamos por essa trilha, dependendo da estação, a correnteza rápida logo abaixo carrega folhas brilhantes de outono ou delicadas pétalas de cerejeira que caem das árvores que margeiam o canal.

Honen-in, também na região de Higashiyama, é um dos vários templos budistas ao longo da Caminhada dos Filósofos, e muito popular no outono. Tem uma grande escadaria e um portão de entrada emoldurados por vastas copas de bordos japoneses de um vermelho intenso. Dois grandes montes retangulares de areia branca, ao longo do caminho central, são periodicamente varridos por monges formando novos desenhos; no outono passado, uma folha de bordo foi delineada em um deles e uma folha de ginkgo no outro, contra um fundo de cumes.

O sumo sacerdote, Kajita Shinsho, que habita ali com sua família, tinha um pátio privado com varanda que precisava de um jardim. Em março de 2023, contratou Marc Peter Keane, arquiteto paisagista americano que agora mora em Kyoto, para projetá-lo. Formado pela Universidade Cornell, Keane vive no Japão há quase 20 anos e é especialista em design de jardins japoneses. Assim como Shigemori, mergulhou na cultura japonesa e fixou sua casa e seu estúdio permanentemente em Kyoto.

O jardim seco de Zuiho-in pode parecer tradicional à primeira vista, mas foi projetado na década de 1960 por Mirei Shigemori. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Apenas três antigos pés de camélia, já retorcidos, permaneceram no jardim retangular do sacerdote. As flores na estação variam do rosa escuro ao rosa pálido e branco. A ideia de Keane era representar o fluxo constante da natureza, exemplificado pelo ciclo do carbono – o processo pelo qual o carbono viaja do ar para os organismos e retorna destes para o ar. Seu jardim, intitulado “Rio Vazio”, cria o que descreveu como “uma expressão física desse ciclo invisível através de um rio de carbono feito com carvão puro”.

Com o pé, ele traçou um estreito “rio” que serpenteia em torno das raízes e dos troncos das camélias. Cobriu esse sulco na areia com pequenos pedaços de carvão, formando uma forte linha preta mediante uma mistura de fino cascalho marrom e branco. Não há pedras grandes, apenas pequenas rochas que emolduram o pátio e as plantações, com andrômeda japonesa nos cantos. Sua rigidez, suavizada apenas quando pétalas de camélia caem e se espalham pelo cascalho em abril, é o que lhe dá beleza.

Keane compara esse refinamento de design e materiais a um haicai, o poema japonês de três versos. E, tal como os antigos jardins, também expressa o conceito budista de vazio.

Na primavera, as cerejeiras florescem ao longo do Caminho dos Filósofos e as pétalas que caem flutuam ao longo do canal. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Tofuku-ji

No templo Tofuku-ji, na região sudeste da cidade, Shigemori projetou o jardim do Hojo, o Salão do Abade, em 1939, já naquela época usando materiais encontrados no local. Seu vocabulário vanguardista de linhas retas e grades pode ter parecido sensacional na ocasião, mas agora é apreciado por sua harmoniosa vitalidade.

Da primeira varanda, vê-se o jardim sul, com aglomerados de rochas verticais, em sua maioria irregulares, e ondulações radiais de cascalho, terminando na extremidade com cinco montes cobertos de musgo, como montanhas sagradas no mar. No jardim oeste, azaleias aparadas se alternam com campos quadrados de cascalho branco, refletindo antigas formas de demarcar fronteiras de terras. As azaleias no Japão são bem cortadas e florescem em lindas superfícies planas de um rosa profundo.

Em seguida, vê-se um vasto campo xadrez de restos de pedras quadradas incrustadas em um tapete de musgo, que parece diminuir até o infinito no jardim do norte. Finalmente, a leste, fundações de pilares de pedra com o mesmo padrão recriam a constelação da Ursa Maior, com cascalho disposto em círculos concêntricos ao redor de cada pilar para enfatizar sua individualidade.

A entrada para Honen-in. Monges varrem padrões variáveis ​​nos montes de areia que flanqueiam a passarela. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Jardim Ukifune

O Jardim Ukifune (Jardim do Barco à Deriva), que Keane projetou em 2022, é uma interpretação alegórica do capítulo de mesmo nome de “O conto de Genji”, romance do século XI, de Murasaki Shikibu, sobre o tempestuoso romance do príncipe Hikaru (cujo significado é “brilhante”) Genji e sobre a vida política na corte.

Keane o projetou para ser o jardim do pátio zen do hotel Genji Kyoto, inaugurado em abril daquele ano, às margens do Rio Kamo, perto de onde, no livro, Genji construiu sua grande propriedade e seus jardins. O hotel foi projetado pelo arquiteto americano Geoffrey Moussas, que também mora em Kyoto, e incorpora as características internas e externas das antigas casas comerciais da cidade.

Keane se inspirou em uma cena de “Genji”. Nela, um dos dois poderosos dignitários que disputam os favores de Ukifune, mulher de 22 anos, viaja em meio a uma tempestade de neve e foge com ela de barco pelo Rio Uji. Ao passarem pela Ilha das Laranjeiras, ela recita um poema no qual se compara a um barco à deriva: “O tom duradouro da Ilha das Laranjeiras pode nunca mudar / e não há como saber agora onde o barco à deriva vai parar.”

Num jardim recentemente concebido em Honen-in, um rio de carvão preto representa o ciclo do carbono da Terra. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Keane consultou John Carpenter, curador de arte japonesa do Museu Metropolitano de Arte, de Nova York. O especialista lhe contou sobre a tela “Genji”, pintada no fim do século XVI por Tosa Mitsuyoshi, presente na coleção do museu, que ilustra essa cena famosa. Uma cópia do painel está agora pendurada em Kyoto, ao lado do jardim.

Keane instalou um “rio” sinuoso com pedras cinzentas colocadas engenhosamente nas bordas, abrindo mão de usar as tradicionais pedras planas, dando ao fluxo um maior sentido de direção. O jardim está situado entre duas alas do hotel, e a “água” parece cair como uma cachoeira de um prédio para o outro, com uma ponte larga e plana de aço posta acima, verdadeira plataforma de observação que dá vida ao projeto. As margens em ambos os lados estão densamente plantadas com bordos, palmeiras, samambaias e musgo de cobertura de solo. Uma pedra em forma de barco carrega uma grande mancha de musgo, que Keane interpreta como sendo o planeta Terra vagando pela galáxia.

Uma vista do jardim sul de Tofuku-ji, que termina na extremidade com cinco montes cobertos de musgo, como montanhas sagradas no mar. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Se você for

Para entrar nos jardins de Zuiho-in e no jardim do Tofuku-ji Abbot’s Hall é preciso comprar ingresso. A taxa de entrada em ambos é de 400 ienes (cerca de US$ 2,65) para adultos e 300 ienes (cerca de US$ 2) para crianças.

A entrada em Honen-in é gratuita, exceto durante as semanas de abertura da primavera e do outono, que geralmente ocorrem durante a primeira semana de abril e a terceira semana de novembro, e custam 500 ienes na primavera e 800 ienes no outono. O jardim do Rio Vazio pode ser visitado durante essas semanas.

No jardim do hotel Genji Kyoto a visitação é gratuita.

Se sentir fome enquanto visita os jardins, o Izusen, restaurante no subtemplo de Daiji-in do complexo do mosteiro Daitoku-ji, oferece diversas especialidades locais em menus permanentes, lindamente apresentados em tigelas vermelhas laqueadas que se aninham quando vazias. Aberto das 11h às 20h, mediante reserva. As refeições vão de 4.370 a 8.050 ienes. Fica perto de Zuiho-in.

Monges criam padrões de ondulação no cascalho de Tofuku-ji como parte de sua prática Zen. Foto: Andrew Faulk/The New York Times

Também mediante reserva, o Yudofu Kisaki, restaurante localizado entre a porta de Honen-in e o Passeio dos Filósofos, tem especialidades vegetarianas e variações de tofu. Aberto das 11h às 20h, aceita reserva até as 18h, com refeições também entre 4.370 a 8.050 ienes.

Um bom livro para ler durante sua excursão aos templos é The Rainbow, romance de 1962 do escritor ganhador do Prêmio Nobel (1968) Yasunari Kawabata. Vários capítulos se passam na região e parece que você e o autor estão viajando juntos, muitas vezes nos mesmos jardins. O conhecimento de Kawabata sobre plantas é formidável e a simplicidade de suas descrições é natural e direta: “No gramado em frente ao portão, à sombra dos pinheiros, cresciam dentes-de-leão e lótus. Uma camélia de flor dupla tinha florescido em frente à cerca de bambu.”

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