O personagem-título do romance de estreia de Douglas Stuart, 'Shuggie Bain', a certa altura, encontra sua mãe desmaiada no seu apartamento em Glasgow. Ele gentilmente vira sua cabeça para o lado para que ela não se sufoque com o vômito, coloca um balde ao lado da cama e três canecas ao lado dela – uma com água para a garganta seca, uma com leite para o estômago e uma com cerveja choca para os membros trêmulos.
"Ele sabia que essa seria a primeira que ela pegaria", escreve Stuart. É uma conclusão dolorosa. Mas a ternura quase maternal de Shuggie pela mãe emocionalmente instável e seu amor por ela, apesar dos fracassos, ajudam-no a suportar sua difícil existência.
Stuart baseou o romance na própria infância na Escócia, como o filho mais novo e solitário de uma mãe solteira e alcoólatra. Ainda assim, vê a história de Shuggie não como uma tragédia, mas como um conto sobre laços familiares inquebráveis. "Para mim, 'Shuggie Bain' é uma história de amor. É mais sobre o amor do que sobre o vício", disse Stuart, de 44 anos, durante uma entrevista em um dia chuvoso no centro de Manhattan.
Quando o livro foi lançado em fevereiro, teve uma recepção calorosa, mas bastante tranquila. Agora, porém, está sendo comemorado como uma das melhores estreias deste ano. Foi finalista do National Book Award e venceu o Booker Prize, dois dos mais prestigiados prêmios literários do mundo, e foi comparado à obra de D.H. Lawrence, James Joyce e Frank McCourt.
Stuart, que mora no East Village com seu marido, Michael Cary, um curador, comentou estar "absolutamente surpreso" com o sucesso do romance. Quando começou a escrever, há mais de uma década, Stuart trabalhava 12 horas por dia como diretor sênior de design na Banana Republic, anotando cenas e fragmentos de diálogos em seu tempo livre quase como uma forma de terapia. "Eu me sentei para escrever 'Shuggie' sem saber o que estava escrevendo. Não me permitia acreditar que estava escrevendo um livro, porque era muito intimidador", explicou.
Um retrato das dificuldades de uma cidade, uma comunidade, uma família e uma mulher, 'Shuggie Bain' se desenrola na estagnação econômica e social de Glasgow na década de 1980, depois do colapso das indústrias de construção naval, mineração e siderurgia da região. As comunidades estáveis de trabalhadores ruíram, trazendo a pobreza e o vício generalizados.
Nesse mundo cruel, Shuggie se sente um estrangeiro. Sua mãe é condenada ao ostracismo pelas mulheres locais e é assediada pelos homens; Shuggie sofre perseguição dos colegas por ser gay. O romance causou polêmica na Escócia. "O designer de moda de Nova York usa Sighthill – o subúrbio de Glasgow – como inspiração para um romance", escreveu o Daily Record, um jornal escocês, em agosto. Nicola Sturgeon, a primeiro-ministra da Escócia, tuitou uma foto do livro e parabenizou Stuart pela indicação ao Booker Prize.
O ator e escritor escocês-americano Alan Cumming, que se tornou amigo de Stuart depois de ler 'Shuggie Bain', disse ter ficado impressionado com a maneira como ele se inspirou no cânone literário escocês e o expandiu, ao escrever do ponto de vista de um garoto gay e da mãe rebelde. "Douglas está incrivelmente imerso na grande tradição da classe trabalhadora escocesa de contar histórias, mas chegou lá sendo um estranho em seu país. Ele está adicionando uma sensibilidade diferente", argumentou.
Como um menino que cresceu em residências do estado, Stuart raramente via livros em casa. Sua mãe tinha prateleiras com o que pareciam ser clássicos com capa de couro, mas eram estojos decorativos de couro falso para as fitas de filmes e novelas.
Como Shuggie, Stuart teve uma infância solitária. O mais novo de três filhos, ele se sentia como filho único, já que o irmão e a irmã eram adolescentes quando ele nasceu e começaram a trabalhar cedo para escapar do caos familiar. Mal conheceu o pai, que foi embora quando ele ainda era pequeno. Stuart costumava cuidar da mãe, que desmaiava de tanto beber e, às vezes, tentava se machucar.
Ele ocasionalmente faltava à escola para cuidar dela. Nos dias em que ia, era ignorado pelos outros meninos e atacado por ser muito "mole". "Eu era afeminado, estranho, precoce. Não dava para saber que eu seria gay, porque era muito jovem, mas era diferente", relembrou Stuart.
A mãe morreu de problemas de saúde decorrentes do alcoolismo quando ele tinha 16 anos. Em seguida, morou com o irmão mais velho por algum tempo e depois se mudou para um quarto de pensão aos 17.
Os livros se tornaram um refúgio. Stuart devorou obras de Thomas Hardy, Irvine Welsh, Agnes Owens e Iain Banks e se tornou a primeira pessoa da família a se formar no ensino médio. Queria estudar literatura inglesa na faculdade, mas foi desencorajado por um professor que lhe disse que o curso não combinava com alguém com tal histórico. Em vez disso, decidiu estudar produtos têxteis, conseguindo um diploma de bacharel na Scottish College of Textiles e um mestrado na Royal College of Art, em Londres.
"Ele não andava por aí dizendo 'coitado de mim', e tenho certeza de que muitas pessoas não perceberam suas circunstâncias. Tem uma personalidade bastante determinada, não de forma muito assertiva e estranha, mas positiva. Ele simplesmente continua", comentou Sheila-Mary Carruthers, professora de Design que deu aulas para Stuart na graduação.
Um representante da Calvin Klein ofereceu um emprego a Stuart depois de ver seu trabalho em um desfile de moda escolar. Ele se mudou para a cidade de Nova York aos 24 anos e, por cerca de 20 anos, trabalhou para marcas globais como Calvin Klein, Ralph Lauren, Banana Republic e Jack Spade.
Quando começou a escrever, tratou a literatura como uma válvula de escape criativa particular, uma forma de lidar com o trauma residual da infância. Cenas inteiras vieram à tona. Seu primeiro rascunho tinha 900 páginas em espaço simples. Stuart assinou um contrato com a agente literária Anna Stein, mas, quando apresentaram o livro, mais de 30 editores o recusaram. Muitos disseram a Stuart que seria bastante difícil fazer com que os americanos se interessassem por um romance sobre um menino escocês gay e sua mãe alcoólatra.
Então, Stuart se encontrou com Peter Blackstock, editor sênior da Grove Atlantic, que estava determinado a publicar 'Shuggie Bain'. Foi a única oferta que Stuart recebeu. "Era meio que um tema clássico, mas parecia que eu jamais tinha lido essa história da infância de um menino gay da classe trabalhadora", observou Blackstock.
A Grove Press lançou o livro em fevereiro; quando, porém, o burburinho e o boca a boca começaram a aumentar, a pandemia atingiu os Estados Unidos. A editora enviou cerca de sete mil exemplares às livrarias, mas, como muitas lojas físicas estavam fechadas, apenas cerca de mil exemplares físicos foram vendidos nos primeiros dois meses depois da publicação, de acordo com a NPD BookScan.
"Foi um momento muito complicado para Douglas. Enquanto o livro ganhava projeção com as ótimas avaliações, ficou estagnado, e isso foi difícil", mencionou Blackstock. Então, as indicações para os prêmios começaram a se acumular e 'Shuggie Bain' ganhou uma segunda vida.
Em setembro, o livro foi um dos finalistas do Kirkus Prize. Os juízes do Booker Prize o chamaram de "um retrato incrivelmente íntimo, compassivo e envolvente de vício, coragem e amor". Em outubro, foi um dos cinco finalistas de ficção do National Book Award.
A Grove antecipou a publicação da edição em papel, de dezembro para 13 de outubro, e imprimiu 30 mil cópias, com outras dez mil a caminho. Stuart dedicou 'Shuggie Bain' à mãe. De forma indireta, ela foi a primeira pessoa que o encorajou a escrever. Algumas noites, quando estava bêbada, ela ditava sua autobiografia a ele. Nunca passou da dedicatória, que sempre fazia para um de seus modelos de vida, Elizabeth Taylor – outra mulher glamorosa e melodramática que não teve sorte no amor.
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