Desde que lançou seu romance de estreia, No Bosque da Memória, Tana French tem atraído seguidores tão devotos que parecem configurar um culto. Nos últimos 13 anos, ela publicou sete romances que conquistaram milhões de fãs com seus enredos tortuosos e cheios de nuances. Mas, nos últimos meses, French teve dificuldade para escrever.
Ela está muito preocupada com a situação do mundo. "Percebi quanto desse trabalho é seu subconsciente, e meu subconsciente, como o de todo mundo, é uma cratera fumegante agora. Tudo é usado para lidar com o que está acontecendo ao nosso redor e para tentar processar isso", disse French durante uma entrevista por vídeo de sua casa em Dublin, onde ela tem se mantido em diferentes graus de isolamento com o marido e duas filhas.
Felizmente para seus milhões de fãs, French terminou um livro no fim de fevereiro, antes que o mundo e seu subconsciente se desligassem. "Pandemicamente falando, meu timing foi muito bom", contou French, que tem um cabelo ruivo flamejante, olhos castanhos bem definidos e um nível de energia impressionante, apesar do horário tardio na Irlanda. Seu novo romance, The Searcher, da editora Viking, afasta-se de seu trabalho anterior.
Depois de escrever seis mistérios da série Dublin Murder Squad, que envolvem um grupo de detetives, French tem experimentado romances autônomos. The Searcher se desenrola em uma paisagem áspera e selvagem, onde os fazendeiros e os habitantes locais conhecem cada detalhe dos negócios uns dos outros e desconfiam de estranhos.
É seu primeiro livro ambientado fora de Dublin e o primeiro a apresentar um protagonista americano – um policial rude e aposentado de Chicago chamado Cal Hooper, que espera encontrar paz e sossego em uma idílica vila irlandesa (spoiler: ele não encontra).
Com The Searcher, seu oitavo livro, French também está se aventurando em um novo gênero. Embora haja um mistério em sua essência, The Searcher parece quase tanto um faroeste quanto um romance de suspense. French nunca tinha lido um faroeste até recentemente, quando leu Lonesome Dove, de Larry McMurtry, por recomendação do jornalista e romancista Patrick Anderson. A autora o devorou e seguiu para outros faroestes sombrios, incluindo Bravura Indômita, de Charles Portis, e Os Irmãos Sisters, de Patrick deWitt. Ela ficou fascinada com a ambiguidade moral dos personagens e de suas ações.
"Adoro isso nos faroestes – eles não tentam fingir que tudo isso pode ser esclarecido", observou a escritora. French começou a se perguntar o que aconteceria se aplicasse um pouco disso a uma vila irlandesa e inventasse um herói clássico chamado Cal – um estranho solitário que chega à cidade e desorganiza seu tecido social, expondo segredos e se envolvendo com justiceiros locais. Mudar para o faroeste pode parecer estranho para uma escritora que construiu uma base de fãs com seus romances de suspense ambientados em Dublin, sombrios e psicologicamente perspicazes.
Os livros de Tana French venderam cerca de sete milhões de cópias em todo o mundo – cerca de quatro milhões apenas nos Estados Unidos – e foram publicados em 37 idiomas. Mas a escritora sempre desafiou a categorização fácil e desprezou as convenções de gênero de mistério, mesmo as aparentemente invioláveis, como resolver um enigma real.
"Com romances desse gênero, há o desejo de um ritmo alucinante e uma grande reviravolta no fim, e ela nunca sentiu nenhuma pressão para fazer nada disso. Ela se aproveita dos elementos clássicos dessas estruturas da história, mas não está acreditando em nada disso", disse a romancista Megan Abbott sobre French. French foi chamada de "nossa melhor escritora de mistério viva" e "uma escritora de mistério para pessoas que não leem mistérios".
Seu trabalho foi comparado a escritores tão variados como Thomas Hardy, Ruth Rendell, James Ellroy e Donna Tartt. Entre seus pares, ela é admirada por Marlon James, Stephen King e Gillian Flynn, que chamou o trabalho de French de "absolutamente hipnotizante".
Seus romances geralmente tratam menos da solução de crimes do que do exame das consequências do trauma e da natureza não confiável da memória, bem como dos sistemas sociais e das disparidades de classe arraigadas que podem dar origem à violência. Em um grau talvez atípico para um escritor de mistérios, um gênero que muitas vezes exige um planejamento meticuloso, French parece prosperar na incerteza.
Ela admite que enredo não é seu ponto forte. Em vez de mapear as voltas e reviravoltas de uma investigação, ela começa com um personagem e um cenário e segue seu caminho para uma história. "Então mergulho e espero que haja um livro no fim", revelou a escritora. French, que tem 47 anos e dupla cidadania (americana e italiana), atribui seu conforto com a ambiguidade à sua criação nômade.
Nascida em Vermont, ela cresceu em vários continentes, devido ao trabalho de seu pai como economista de desenvolvimento: Florença, na Itália; depois Washington, capital dos EUA; posteriormente, Lilongwe, no Malavi; e então Roma. As mudanças frequentes da família fizeram dela uma observadora atenta das sutilezas culturais. "A cada dois anos, você tinha de recomeçar, tentando decodificar um novo lugar. Reordenar-se fez parte da minha infância. Isso aparece muito no que faço", afirmou a autora.
Ela mora em Dublin – onde estudou no Trinity College – desde 1990. French não começou a escrever seriamente até os 30 anos. Durante muito tempo, trabalhou como atriz, uma carreira que parecia natural para uma pessoa acostumada com a instabilidade.
Em 2002, quando estava desempregada e encontrou trabalho em uma escavação arqueológica perto de uma floresta, um pensamento sombrio se alojou em seu cérebro: ela imaginou o que aconteceria se um grupo de crianças entrasse na floresta para brincar e apenas uma saísse dela.
French anotou a ideia em uma conta de telefone, mas só começou a escrever um ano depois. O tema se tornou seu primeiro romance, No Bosque da Memória, que apresentava Rob Ryan, um detetive cuja investigação do assassinato de uma garota o leva de volta à mesma floresta onde, quando menino, ele testemunhou um crime tão horrível que acabou por bloqueá-lo da memória. Quando enviou o manuscrito às editoras, French estava tão sem dinheiro que tinha dificuldade para pagar a conta de luz.
Uma editora ofereceu um adiantamento de cerca de 15 mil libras esterlinas (cerca de US$ 20 mil) pelos direitos mundiais de publicação, mas ela resistiu e recebeu uma oferta melhor, de acordo com seu agente, Darley Anderson, que vendeu o livro à editora britânica Hodder & Stoughton por dez vezes a oferta inicial em um contrato para dois livros. "Provavelmente, sou a única pessoa que começou a escrever por causa da segurança no emprego. Parecia tão estável, seguro e adorável", disse French.
Sua estreia recebeu críticas entusiasmadas e vários prêmios, incluindo o Prêmio Edgar de melhor primeiro romance. O movimento natural teria sido seguir com uma série, estrelada pelo mesmo detetive, a exemplo do que fizeram muitos dos autores mais bem-sucedidos do gênero, como Agatha Christie, Arthur Conan Doyle e Dorothy Sayers.
Em vez disso, French pegou uma personagem coadjuvante, a parceira de Rob, Cassie, e fez dela a heroína de seu próximo romance, Dentro do Espelho. Acompanhamos Cassie enquanto ela se infiltra para investigar o assassinato de uma jovem que tem uma estranha semelhança com ela.
Em seu terceiro livro, O Passado é um Lugar, French usou um personagem de Dentro do Espelho – Frank Mackey, o detetive que colocou Cassie no caso de assassinato. French continuou com mais três livros da série Dublin Murder Squad e, em seguida, surpreendeu seus fãs com um romance autônomo, The Witch Elm.
"É muito fácil cair na armadilha de saber o que funciona e continuar escrevendo o mesmo livro indefinidamente", declarou a escritora. Ultimamente, French vem relendo "grandes quantidades de Agatha Christie", que ela comparou a uma comida reconfortante. "Sei que tudo será resolvido em algumas centenas de páginas", observou ela. Ninguém diria o mesmo de um romance de Tana French.
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