Vencedora do Emmy, Michaela Coel acha seu centro no livro recém-lançado 'Misfits'


Atriz, que ganhou prêmio pelo roteiro da minissérie 'I May Destroy Yoy', transformou em livro palestra em que falou sobre abuso que sofreu, que se tornou inspiração para a série da HBO

Por Dave Itzkoff
Atualização:

A cidade de Edimburgo, na Escócia, foi o epicentro de um poderoso pulso de energia em 22 de agosto de 2018 – não do tipo que um equipamento científico preciso consegue detectar, mas daquele cujas ondas seriam sentidas por instrumentos humanos sensíveis nas semanas e nos meses seguintes.

Michaela Coel,criadora e estrela de 'I May Destroy You', lançou 'Misfits: A Personal Manifesto', livro em que adaptouuma palestra em que falou sobre abuso sexual. Foto: Wulf Bradley/The New York Times

Naquela noite, Michaela Coel, estrela da TV britânica em ascensão, foi convidada a falar no prestigioso Festival Internacional de Televisão de Edimburgo. Dirigindo-se a milhares de colegas da indústria em uma sala de conferências e a incontáveis outros espectadores que assistiam on-line, ela compartilhou histórias de sua ascensão, narrativa que foi ironicamente cômica e devastadora.

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Coel falou de sua infância como membro de uma das quatro únicas famílias negras em um conjunto habitacional público no leste de Londres. Descreveu seu período na escola de teatro, na qual um professor lhe lançou uma ofensa racial durante um exercício de atuação. Contou de sua surpresa, depois de alcançar algum sucesso profissional, ao receber uma sacola de presente que continha "xampu para cabelo seco, loção bronzeadora e uma base que até para Kim Kardashian seria escura demais". Relatou que saiu para beber uma noite e depois percebeu que havia sido drogada e abusada sexualmente. Falou da resiliência de "ter de subir escadas sem ter um terreno estável abaixo" e se classificou como uma desajustada, definida em parte como alguém que "não sobe em busca de segurança ou lucro. Ela sobe para contar histórias".

Três anos depois, Coel – agora com 33 anos, célebre como criadora e estrela da comédia dramática da HBO I May Destroy You – considera essa palestra um momento satisfatório de desabafo pessoal. Como disse em uma entrevista em vídeo há algumas semanas: "Entramos em trabalhos com pessoas e saímos deles; nunca sabemos quem elas são exatamente, e ninguém sabe bem quem você é. Há algo bastante libertador em apenas deixar o mundo todo saber."

Com seus apelos explícitos por maior transparência, a palestra de Coel (conhecida formalmente como James MacTaggart Memorial Lecture) ressoou em toda a indústria do entretenimento e forneceu uma base narrativa e temática para I May Destroy You. Em setembro, o texto da palestra foi publicado pela editora Henry Holt & Co. como um livro intitulado Misfits: A Personal Manifesto (Desajustados: um manifesto pessoal, em tradução livre).

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Para um público que ainda está descobrindo a vida e o trabalho de Coel, Misfits pode parecer um artefato que preserva o momento em que a autora se tornou a versão mais completa de si mesma.

Mas, para Coel, representa um episódio particularmente válido em uma carreira em que ela sempre sentiu que tinha poder para dizer o que pensava. "Sempre irritei as pessoas com essas coisas. Não sei de onde tirei coragem para ser assim. Mas, desde o início, sempre havia uma história em que a Michaela forçava a barra e dizia: 'Há algo errado aqui'", afirmou, com uma risada.

Paapa Essiedu, que atuou ao lado de Coel em I May Destroy You e seu amigo de longa data, contou que, desde o tempo em que estudaram juntos na Guildhall School of Music and Drama de Londres, ele a classificava como uma pessoa corajosa e franca: "Sua voz sempre foi muito clara. Sempre pareceu não se incomodar com o que esperavam dela, e conseguia pensar e falar de forma independente. Mas é preciso lembrar que ela é só uma pessoa normal, que fala mal de si mesma com os amigos e pode ser engraçada e também muito irritante. Sua vida cotidiana não é a missão de tornar o mundo um lugar melhor."

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Na palestra, Coel descreveu as frustrações que teve de aguentar em sua série de comédia inovadora, Chewing Gum, que foi transmitida no canal E4 no Reino Unido e na Netflix nos Estados Unidos. Contou ter chorado sobre um par de meias não compradas em uma farmácia depois de um telefonema em que foi sugerido que ela teria de contratar outros roteiristas para ajudá-la na série.

Também relatou ter recusado uma oferta para fazer I May Destroy You com a Netflix quando o serviço de streaming se recusou a deixá-la ficar com os direitos de propriedade da série. (Na palestra, ela contou essa história com um toque alegórico, imaginando-a como uma negociação com uma madrasta fictícia que chamou de "Netanya sem rosto".)

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Amy Gravitt, vice-presidente executiva da HBO que supervisiona a programação original de comédia da empresa, disse ter ficado comovida ao assistir à palestra de Coel on-line. "Como uma mulher que trabalha nesta indústria, naquela palestra ela disse muitas coisas que ressoaram." Gravitt se encontrou pela primeira vez com Coel em 2017, depois do sucesso de Chewing Gum.

Coel acabou fazendo I May Destroy You para a HBO e a BBC. Quando lhe perguntei se a Netflix deveria chorar toda noite até dormir por ter perdido a série, ela respondeu: "Bem, a melatonina tem seu encanto."

Um assessor de imprensa da Netflix informou em um comunicado: "Michaela é uma artista incrivelmente talentosa com quem ficamos entusiasmados em trabalhar em Black Mirror e em Black Earth Rising, entre outros, e com quem esperamos trabalhar novamente no futuro."

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Em seu discurso no Emmy, Michaela Coel ofereceu o prêmio a todas as vítimas de abuso. Foto: Television Academy via AP

Na época da palestra, Coel já estava escrevendo o que se tornaria I May Destroy You, em que sua personagem, uma jovem escritora chamada Arabella, toma uma bebida que a faz desfalecer e é abusada sexualmente. Ela disse que até hoje encontra pessoas que são fãs da série, mas não percebem que é baseada em experiências próprias. Outros espectadores se aproximam dela, nas redes sociais e pessoalmente, para narrar os próprios traumas. "Já chorei com estranhos na rua."

I May Destroy You se tornou uma referência da era da pandemia quando foi ao ar na primavera e no verão setentrionais passados, e inspirou fãs de outras maneiras. Em fevereiro, a série não recebeu indicações para o Globo de Ouro, o que gerou protestos do público. Deborah Copaken, escritora e memorialista (Ladyparts) que escreveu a primeira temporada da transparente comédia da Netflix Emily em Paris, escreveu em um ensaio para o The Guardian que a afronta "é algo totalmente errado".

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Em entrevista, Copaken elogiou Coel por colocar "pessoas na tela que você nunca viu na televisão, exceto como figurantes ou outros", em uma série que abrangeu temas como consentimento sexual e a assimilação de imigrantes. "Ela não transforma as pessoas que não são brancas e ocidentais em modelos de virtude. São pessoas interessantes, com uma vida complicada. A cada passo, a série desafia os pressupostos dos espectadores."

A própria Coel comentou que estava encantada demais com a reação geral à série para se preocupar com a controvérsia do Globo de Ouro. "Eu estava nessa nuvem de gratidão, e consegui perceber que algo estava acontecendo. Pensei: 'Gente, não sei como sair da nuvem e lidar com isso.'"

Em julho, I May Destroy You foi indicado a nove prêmios Emmy, incluindo as categorias série limitada ou antológica. Coel e Essiedu foram indicados na categoria melhor atriz e melhor ator, e Coel também foi indicada como melhor diretora e roteirista da série.

Agora Coel encara o feliz desafio de encontrar uma continuação para I May Destroy You, e é enfática ao dizer que a série foi concluída. "Para mim, está claramente encerrada, não é? Imagine se houvesse uma segunda temporada. Gente, acho que acabou. A menos que alguém tenha uma ideia incrível para a segunda temporada que não destrua a primeira, para mim a série está encerrada e acabada."

Coel explicou que não enfrentou pressões externas para entregar seu próximo projeto. "A HBO e a BBC foram muito gentis. Disseram: 'Ei, Michaela, você fez algo enorme por nós. Agora, relaxe e leve o tempo que for preciso.' Mas não sou assim."

Ela rapidamente apontou a câmera para um quadro branco no qual havia começado a mapear um novo arco de história, mas virou a câmera para si mesma antes que qualquer palavra ficasse legível. Não revelou mais nada sobre a nova série, exceto que a BBC se comprometeu a fazê-la. "Como roteirista, às vezes fico preocupada, fico exausta. Estou tentando ser clara, colocar uma peça de cada vez, e o público me valorizou e me ouviu." Com uma mistura de alívio e alegria, exclamou: "A maneira como as pessoas me ouvem nesta vida! Tudo que aprendi foi a ser ouvida".

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

A cidade de Edimburgo, na Escócia, foi o epicentro de um poderoso pulso de energia em 22 de agosto de 2018 – não do tipo que um equipamento científico preciso consegue detectar, mas daquele cujas ondas seriam sentidas por instrumentos humanos sensíveis nas semanas e nos meses seguintes.

Michaela Coel,criadora e estrela de 'I May Destroy You', lançou 'Misfits: A Personal Manifesto', livro em que adaptouuma palestra em que falou sobre abuso sexual. Foto: Wulf Bradley/The New York Times

Naquela noite, Michaela Coel, estrela da TV britânica em ascensão, foi convidada a falar no prestigioso Festival Internacional de Televisão de Edimburgo. Dirigindo-se a milhares de colegas da indústria em uma sala de conferências e a incontáveis outros espectadores que assistiam on-line, ela compartilhou histórias de sua ascensão, narrativa que foi ironicamente cômica e devastadora.

Coel falou de sua infância como membro de uma das quatro únicas famílias negras em um conjunto habitacional público no leste de Londres. Descreveu seu período na escola de teatro, na qual um professor lhe lançou uma ofensa racial durante um exercício de atuação. Contou de sua surpresa, depois de alcançar algum sucesso profissional, ao receber uma sacola de presente que continha "xampu para cabelo seco, loção bronzeadora e uma base que até para Kim Kardashian seria escura demais". Relatou que saiu para beber uma noite e depois percebeu que havia sido drogada e abusada sexualmente. Falou da resiliência de "ter de subir escadas sem ter um terreno estável abaixo" e se classificou como uma desajustada, definida em parte como alguém que "não sobe em busca de segurança ou lucro. Ela sobe para contar histórias".

Três anos depois, Coel – agora com 33 anos, célebre como criadora e estrela da comédia dramática da HBO I May Destroy You – considera essa palestra um momento satisfatório de desabafo pessoal. Como disse em uma entrevista em vídeo há algumas semanas: "Entramos em trabalhos com pessoas e saímos deles; nunca sabemos quem elas são exatamente, e ninguém sabe bem quem você é. Há algo bastante libertador em apenas deixar o mundo todo saber."

Com seus apelos explícitos por maior transparência, a palestra de Coel (conhecida formalmente como James MacTaggart Memorial Lecture) ressoou em toda a indústria do entretenimento e forneceu uma base narrativa e temática para I May Destroy You. Em setembro, o texto da palestra foi publicado pela editora Henry Holt & Co. como um livro intitulado Misfits: A Personal Manifesto (Desajustados: um manifesto pessoal, em tradução livre).

Para um público que ainda está descobrindo a vida e o trabalho de Coel, Misfits pode parecer um artefato que preserva o momento em que a autora se tornou a versão mais completa de si mesma.

Mas, para Coel, representa um episódio particularmente válido em uma carreira em que ela sempre sentiu que tinha poder para dizer o que pensava. "Sempre irritei as pessoas com essas coisas. Não sei de onde tirei coragem para ser assim. Mas, desde o início, sempre havia uma história em que a Michaela forçava a barra e dizia: 'Há algo errado aqui'", afirmou, com uma risada.

Paapa Essiedu, que atuou ao lado de Coel em I May Destroy You e seu amigo de longa data, contou que, desde o tempo em que estudaram juntos na Guildhall School of Music and Drama de Londres, ele a classificava como uma pessoa corajosa e franca: "Sua voz sempre foi muito clara. Sempre pareceu não se incomodar com o que esperavam dela, e conseguia pensar e falar de forma independente. Mas é preciso lembrar que ela é só uma pessoa normal, que fala mal de si mesma com os amigos e pode ser engraçada e também muito irritante. Sua vida cotidiana não é a missão de tornar o mundo um lugar melhor."

Na palestra, Coel descreveu as frustrações que teve de aguentar em sua série de comédia inovadora, Chewing Gum, que foi transmitida no canal E4 no Reino Unido e na Netflix nos Estados Unidos. Contou ter chorado sobre um par de meias não compradas em uma farmácia depois de um telefonema em que foi sugerido que ela teria de contratar outros roteiristas para ajudá-la na série.

Também relatou ter recusado uma oferta para fazer I May Destroy You com a Netflix quando o serviço de streaming se recusou a deixá-la ficar com os direitos de propriedade da série. (Na palestra, ela contou essa história com um toque alegórico, imaginando-a como uma negociação com uma madrasta fictícia que chamou de "Netanya sem rosto".)

Amy Gravitt, vice-presidente executiva da HBO que supervisiona a programação original de comédia da empresa, disse ter ficado comovida ao assistir à palestra de Coel on-line. "Como uma mulher que trabalha nesta indústria, naquela palestra ela disse muitas coisas que ressoaram." Gravitt se encontrou pela primeira vez com Coel em 2017, depois do sucesso de Chewing Gum.

Coel acabou fazendo I May Destroy You para a HBO e a BBC. Quando lhe perguntei se a Netflix deveria chorar toda noite até dormir por ter perdido a série, ela respondeu: "Bem, a melatonina tem seu encanto."

Um assessor de imprensa da Netflix informou em um comunicado: "Michaela é uma artista incrivelmente talentosa com quem ficamos entusiasmados em trabalhar em Black Mirror e em Black Earth Rising, entre outros, e com quem esperamos trabalhar novamente no futuro."

Em seu discurso no Emmy, Michaela Coel ofereceu o prêmio a todas as vítimas de abuso. Foto: Television Academy via AP

Na época da palestra, Coel já estava escrevendo o que se tornaria I May Destroy You, em que sua personagem, uma jovem escritora chamada Arabella, toma uma bebida que a faz desfalecer e é abusada sexualmente. Ela disse que até hoje encontra pessoas que são fãs da série, mas não percebem que é baseada em experiências próprias. Outros espectadores se aproximam dela, nas redes sociais e pessoalmente, para narrar os próprios traumas. "Já chorei com estranhos na rua."

I May Destroy You se tornou uma referência da era da pandemia quando foi ao ar na primavera e no verão setentrionais passados, e inspirou fãs de outras maneiras. Em fevereiro, a série não recebeu indicações para o Globo de Ouro, o que gerou protestos do público. Deborah Copaken, escritora e memorialista (Ladyparts) que escreveu a primeira temporada da transparente comédia da Netflix Emily em Paris, escreveu em um ensaio para o The Guardian que a afronta "é algo totalmente errado".

Em entrevista, Copaken elogiou Coel por colocar "pessoas na tela que você nunca viu na televisão, exceto como figurantes ou outros", em uma série que abrangeu temas como consentimento sexual e a assimilação de imigrantes. "Ela não transforma as pessoas que não são brancas e ocidentais em modelos de virtude. São pessoas interessantes, com uma vida complicada. A cada passo, a série desafia os pressupostos dos espectadores."

A própria Coel comentou que estava encantada demais com a reação geral à série para se preocupar com a controvérsia do Globo de Ouro. "Eu estava nessa nuvem de gratidão, e consegui perceber que algo estava acontecendo. Pensei: 'Gente, não sei como sair da nuvem e lidar com isso.'"

Em julho, I May Destroy You foi indicado a nove prêmios Emmy, incluindo as categorias série limitada ou antológica. Coel e Essiedu foram indicados na categoria melhor atriz e melhor ator, e Coel também foi indicada como melhor diretora e roteirista da série.

Agora Coel encara o feliz desafio de encontrar uma continuação para I May Destroy You, e é enfática ao dizer que a série foi concluída. "Para mim, está claramente encerrada, não é? Imagine se houvesse uma segunda temporada. Gente, acho que acabou. A menos que alguém tenha uma ideia incrível para a segunda temporada que não destrua a primeira, para mim a série está encerrada e acabada."

Coel explicou que não enfrentou pressões externas para entregar seu próximo projeto. "A HBO e a BBC foram muito gentis. Disseram: 'Ei, Michaela, você fez algo enorme por nós. Agora, relaxe e leve o tempo que for preciso.' Mas não sou assim."

Ela rapidamente apontou a câmera para um quadro branco no qual havia começado a mapear um novo arco de história, mas virou a câmera para si mesma antes que qualquer palavra ficasse legível. Não revelou mais nada sobre a nova série, exceto que a BBC se comprometeu a fazê-la. "Como roteirista, às vezes fico preocupada, fico exausta. Estou tentando ser clara, colocar uma peça de cada vez, e o público me valorizou e me ouviu." Com uma mistura de alívio e alegria, exclamou: "A maneira como as pessoas me ouvem nesta vida! Tudo que aprendi foi a ser ouvida".

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

A cidade de Edimburgo, na Escócia, foi o epicentro de um poderoso pulso de energia em 22 de agosto de 2018 – não do tipo que um equipamento científico preciso consegue detectar, mas daquele cujas ondas seriam sentidas por instrumentos humanos sensíveis nas semanas e nos meses seguintes.

Michaela Coel,criadora e estrela de 'I May Destroy You', lançou 'Misfits: A Personal Manifesto', livro em que adaptouuma palestra em que falou sobre abuso sexual. Foto: Wulf Bradley/The New York Times

Naquela noite, Michaela Coel, estrela da TV britânica em ascensão, foi convidada a falar no prestigioso Festival Internacional de Televisão de Edimburgo. Dirigindo-se a milhares de colegas da indústria em uma sala de conferências e a incontáveis outros espectadores que assistiam on-line, ela compartilhou histórias de sua ascensão, narrativa que foi ironicamente cômica e devastadora.

Coel falou de sua infância como membro de uma das quatro únicas famílias negras em um conjunto habitacional público no leste de Londres. Descreveu seu período na escola de teatro, na qual um professor lhe lançou uma ofensa racial durante um exercício de atuação. Contou de sua surpresa, depois de alcançar algum sucesso profissional, ao receber uma sacola de presente que continha "xampu para cabelo seco, loção bronzeadora e uma base que até para Kim Kardashian seria escura demais". Relatou que saiu para beber uma noite e depois percebeu que havia sido drogada e abusada sexualmente. Falou da resiliência de "ter de subir escadas sem ter um terreno estável abaixo" e se classificou como uma desajustada, definida em parte como alguém que "não sobe em busca de segurança ou lucro. Ela sobe para contar histórias".

Três anos depois, Coel – agora com 33 anos, célebre como criadora e estrela da comédia dramática da HBO I May Destroy You – considera essa palestra um momento satisfatório de desabafo pessoal. Como disse em uma entrevista em vídeo há algumas semanas: "Entramos em trabalhos com pessoas e saímos deles; nunca sabemos quem elas são exatamente, e ninguém sabe bem quem você é. Há algo bastante libertador em apenas deixar o mundo todo saber."

Com seus apelos explícitos por maior transparência, a palestra de Coel (conhecida formalmente como James MacTaggart Memorial Lecture) ressoou em toda a indústria do entretenimento e forneceu uma base narrativa e temática para I May Destroy You. Em setembro, o texto da palestra foi publicado pela editora Henry Holt & Co. como um livro intitulado Misfits: A Personal Manifesto (Desajustados: um manifesto pessoal, em tradução livre).

Para um público que ainda está descobrindo a vida e o trabalho de Coel, Misfits pode parecer um artefato que preserva o momento em que a autora se tornou a versão mais completa de si mesma.

Mas, para Coel, representa um episódio particularmente válido em uma carreira em que ela sempre sentiu que tinha poder para dizer o que pensava. "Sempre irritei as pessoas com essas coisas. Não sei de onde tirei coragem para ser assim. Mas, desde o início, sempre havia uma história em que a Michaela forçava a barra e dizia: 'Há algo errado aqui'", afirmou, com uma risada.

Paapa Essiedu, que atuou ao lado de Coel em I May Destroy You e seu amigo de longa data, contou que, desde o tempo em que estudaram juntos na Guildhall School of Music and Drama de Londres, ele a classificava como uma pessoa corajosa e franca: "Sua voz sempre foi muito clara. Sempre pareceu não se incomodar com o que esperavam dela, e conseguia pensar e falar de forma independente. Mas é preciso lembrar que ela é só uma pessoa normal, que fala mal de si mesma com os amigos e pode ser engraçada e também muito irritante. Sua vida cotidiana não é a missão de tornar o mundo um lugar melhor."

Na palestra, Coel descreveu as frustrações que teve de aguentar em sua série de comédia inovadora, Chewing Gum, que foi transmitida no canal E4 no Reino Unido e na Netflix nos Estados Unidos. Contou ter chorado sobre um par de meias não compradas em uma farmácia depois de um telefonema em que foi sugerido que ela teria de contratar outros roteiristas para ajudá-la na série.

Também relatou ter recusado uma oferta para fazer I May Destroy You com a Netflix quando o serviço de streaming se recusou a deixá-la ficar com os direitos de propriedade da série. (Na palestra, ela contou essa história com um toque alegórico, imaginando-a como uma negociação com uma madrasta fictícia que chamou de "Netanya sem rosto".)

Amy Gravitt, vice-presidente executiva da HBO que supervisiona a programação original de comédia da empresa, disse ter ficado comovida ao assistir à palestra de Coel on-line. "Como uma mulher que trabalha nesta indústria, naquela palestra ela disse muitas coisas que ressoaram." Gravitt se encontrou pela primeira vez com Coel em 2017, depois do sucesso de Chewing Gum.

Coel acabou fazendo I May Destroy You para a HBO e a BBC. Quando lhe perguntei se a Netflix deveria chorar toda noite até dormir por ter perdido a série, ela respondeu: "Bem, a melatonina tem seu encanto."

Um assessor de imprensa da Netflix informou em um comunicado: "Michaela é uma artista incrivelmente talentosa com quem ficamos entusiasmados em trabalhar em Black Mirror e em Black Earth Rising, entre outros, e com quem esperamos trabalhar novamente no futuro."

Em seu discurso no Emmy, Michaela Coel ofereceu o prêmio a todas as vítimas de abuso. Foto: Television Academy via AP

Na época da palestra, Coel já estava escrevendo o que se tornaria I May Destroy You, em que sua personagem, uma jovem escritora chamada Arabella, toma uma bebida que a faz desfalecer e é abusada sexualmente. Ela disse que até hoje encontra pessoas que são fãs da série, mas não percebem que é baseada em experiências próprias. Outros espectadores se aproximam dela, nas redes sociais e pessoalmente, para narrar os próprios traumas. "Já chorei com estranhos na rua."

I May Destroy You se tornou uma referência da era da pandemia quando foi ao ar na primavera e no verão setentrionais passados, e inspirou fãs de outras maneiras. Em fevereiro, a série não recebeu indicações para o Globo de Ouro, o que gerou protestos do público. Deborah Copaken, escritora e memorialista (Ladyparts) que escreveu a primeira temporada da transparente comédia da Netflix Emily em Paris, escreveu em um ensaio para o The Guardian que a afronta "é algo totalmente errado".

Em entrevista, Copaken elogiou Coel por colocar "pessoas na tela que você nunca viu na televisão, exceto como figurantes ou outros", em uma série que abrangeu temas como consentimento sexual e a assimilação de imigrantes. "Ela não transforma as pessoas que não são brancas e ocidentais em modelos de virtude. São pessoas interessantes, com uma vida complicada. A cada passo, a série desafia os pressupostos dos espectadores."

A própria Coel comentou que estava encantada demais com a reação geral à série para se preocupar com a controvérsia do Globo de Ouro. "Eu estava nessa nuvem de gratidão, e consegui perceber que algo estava acontecendo. Pensei: 'Gente, não sei como sair da nuvem e lidar com isso.'"

Em julho, I May Destroy You foi indicado a nove prêmios Emmy, incluindo as categorias série limitada ou antológica. Coel e Essiedu foram indicados na categoria melhor atriz e melhor ator, e Coel também foi indicada como melhor diretora e roteirista da série.

Agora Coel encara o feliz desafio de encontrar uma continuação para I May Destroy You, e é enfática ao dizer que a série foi concluída. "Para mim, está claramente encerrada, não é? Imagine se houvesse uma segunda temporada. Gente, acho que acabou. A menos que alguém tenha uma ideia incrível para a segunda temporada que não destrua a primeira, para mim a série está encerrada e acabada."

Coel explicou que não enfrentou pressões externas para entregar seu próximo projeto. "A HBO e a BBC foram muito gentis. Disseram: 'Ei, Michaela, você fez algo enorme por nós. Agora, relaxe e leve o tempo que for preciso.' Mas não sou assim."

Ela rapidamente apontou a câmera para um quadro branco no qual havia começado a mapear um novo arco de história, mas virou a câmera para si mesma antes que qualquer palavra ficasse legível. Não revelou mais nada sobre a nova série, exceto que a BBC se comprometeu a fazê-la. "Como roteirista, às vezes fico preocupada, fico exausta. Estou tentando ser clara, colocar uma peça de cada vez, e o público me valorizou e me ouviu." Com uma mistura de alívio e alegria, exclamou: "A maneira como as pessoas me ouvem nesta vida! Tudo que aprendi foi a ser ouvida".

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

A cidade de Edimburgo, na Escócia, foi o epicentro de um poderoso pulso de energia em 22 de agosto de 2018 – não do tipo que um equipamento científico preciso consegue detectar, mas daquele cujas ondas seriam sentidas por instrumentos humanos sensíveis nas semanas e nos meses seguintes.

Michaela Coel,criadora e estrela de 'I May Destroy You', lançou 'Misfits: A Personal Manifesto', livro em que adaptouuma palestra em que falou sobre abuso sexual. Foto: Wulf Bradley/The New York Times

Naquela noite, Michaela Coel, estrela da TV britânica em ascensão, foi convidada a falar no prestigioso Festival Internacional de Televisão de Edimburgo. Dirigindo-se a milhares de colegas da indústria em uma sala de conferências e a incontáveis outros espectadores que assistiam on-line, ela compartilhou histórias de sua ascensão, narrativa que foi ironicamente cômica e devastadora.

Coel falou de sua infância como membro de uma das quatro únicas famílias negras em um conjunto habitacional público no leste de Londres. Descreveu seu período na escola de teatro, na qual um professor lhe lançou uma ofensa racial durante um exercício de atuação. Contou de sua surpresa, depois de alcançar algum sucesso profissional, ao receber uma sacola de presente que continha "xampu para cabelo seco, loção bronzeadora e uma base que até para Kim Kardashian seria escura demais". Relatou que saiu para beber uma noite e depois percebeu que havia sido drogada e abusada sexualmente. Falou da resiliência de "ter de subir escadas sem ter um terreno estável abaixo" e se classificou como uma desajustada, definida em parte como alguém que "não sobe em busca de segurança ou lucro. Ela sobe para contar histórias".

Três anos depois, Coel – agora com 33 anos, célebre como criadora e estrela da comédia dramática da HBO I May Destroy You – considera essa palestra um momento satisfatório de desabafo pessoal. Como disse em uma entrevista em vídeo há algumas semanas: "Entramos em trabalhos com pessoas e saímos deles; nunca sabemos quem elas são exatamente, e ninguém sabe bem quem você é. Há algo bastante libertador em apenas deixar o mundo todo saber."

Com seus apelos explícitos por maior transparência, a palestra de Coel (conhecida formalmente como James MacTaggart Memorial Lecture) ressoou em toda a indústria do entretenimento e forneceu uma base narrativa e temática para I May Destroy You. Em setembro, o texto da palestra foi publicado pela editora Henry Holt & Co. como um livro intitulado Misfits: A Personal Manifesto (Desajustados: um manifesto pessoal, em tradução livre).

Para um público que ainda está descobrindo a vida e o trabalho de Coel, Misfits pode parecer um artefato que preserva o momento em que a autora se tornou a versão mais completa de si mesma.

Mas, para Coel, representa um episódio particularmente válido em uma carreira em que ela sempre sentiu que tinha poder para dizer o que pensava. "Sempre irritei as pessoas com essas coisas. Não sei de onde tirei coragem para ser assim. Mas, desde o início, sempre havia uma história em que a Michaela forçava a barra e dizia: 'Há algo errado aqui'", afirmou, com uma risada.

Paapa Essiedu, que atuou ao lado de Coel em I May Destroy You e seu amigo de longa data, contou que, desde o tempo em que estudaram juntos na Guildhall School of Music and Drama de Londres, ele a classificava como uma pessoa corajosa e franca: "Sua voz sempre foi muito clara. Sempre pareceu não se incomodar com o que esperavam dela, e conseguia pensar e falar de forma independente. Mas é preciso lembrar que ela é só uma pessoa normal, que fala mal de si mesma com os amigos e pode ser engraçada e também muito irritante. Sua vida cotidiana não é a missão de tornar o mundo um lugar melhor."

Na palestra, Coel descreveu as frustrações que teve de aguentar em sua série de comédia inovadora, Chewing Gum, que foi transmitida no canal E4 no Reino Unido e na Netflix nos Estados Unidos. Contou ter chorado sobre um par de meias não compradas em uma farmácia depois de um telefonema em que foi sugerido que ela teria de contratar outros roteiristas para ajudá-la na série.

Também relatou ter recusado uma oferta para fazer I May Destroy You com a Netflix quando o serviço de streaming se recusou a deixá-la ficar com os direitos de propriedade da série. (Na palestra, ela contou essa história com um toque alegórico, imaginando-a como uma negociação com uma madrasta fictícia que chamou de "Netanya sem rosto".)

Amy Gravitt, vice-presidente executiva da HBO que supervisiona a programação original de comédia da empresa, disse ter ficado comovida ao assistir à palestra de Coel on-line. "Como uma mulher que trabalha nesta indústria, naquela palestra ela disse muitas coisas que ressoaram." Gravitt se encontrou pela primeira vez com Coel em 2017, depois do sucesso de Chewing Gum.

Coel acabou fazendo I May Destroy You para a HBO e a BBC. Quando lhe perguntei se a Netflix deveria chorar toda noite até dormir por ter perdido a série, ela respondeu: "Bem, a melatonina tem seu encanto."

Um assessor de imprensa da Netflix informou em um comunicado: "Michaela é uma artista incrivelmente talentosa com quem ficamos entusiasmados em trabalhar em Black Mirror e em Black Earth Rising, entre outros, e com quem esperamos trabalhar novamente no futuro."

Em seu discurso no Emmy, Michaela Coel ofereceu o prêmio a todas as vítimas de abuso. Foto: Television Academy via AP

Na época da palestra, Coel já estava escrevendo o que se tornaria I May Destroy You, em que sua personagem, uma jovem escritora chamada Arabella, toma uma bebida que a faz desfalecer e é abusada sexualmente. Ela disse que até hoje encontra pessoas que são fãs da série, mas não percebem que é baseada em experiências próprias. Outros espectadores se aproximam dela, nas redes sociais e pessoalmente, para narrar os próprios traumas. "Já chorei com estranhos na rua."

I May Destroy You se tornou uma referência da era da pandemia quando foi ao ar na primavera e no verão setentrionais passados, e inspirou fãs de outras maneiras. Em fevereiro, a série não recebeu indicações para o Globo de Ouro, o que gerou protestos do público. Deborah Copaken, escritora e memorialista (Ladyparts) que escreveu a primeira temporada da transparente comédia da Netflix Emily em Paris, escreveu em um ensaio para o The Guardian que a afronta "é algo totalmente errado".

Em entrevista, Copaken elogiou Coel por colocar "pessoas na tela que você nunca viu na televisão, exceto como figurantes ou outros", em uma série que abrangeu temas como consentimento sexual e a assimilação de imigrantes. "Ela não transforma as pessoas que não são brancas e ocidentais em modelos de virtude. São pessoas interessantes, com uma vida complicada. A cada passo, a série desafia os pressupostos dos espectadores."

A própria Coel comentou que estava encantada demais com a reação geral à série para se preocupar com a controvérsia do Globo de Ouro. "Eu estava nessa nuvem de gratidão, e consegui perceber que algo estava acontecendo. Pensei: 'Gente, não sei como sair da nuvem e lidar com isso.'"

Em julho, I May Destroy You foi indicado a nove prêmios Emmy, incluindo as categorias série limitada ou antológica. Coel e Essiedu foram indicados na categoria melhor atriz e melhor ator, e Coel também foi indicada como melhor diretora e roteirista da série.

Agora Coel encara o feliz desafio de encontrar uma continuação para I May Destroy You, e é enfática ao dizer que a série foi concluída. "Para mim, está claramente encerrada, não é? Imagine se houvesse uma segunda temporada. Gente, acho que acabou. A menos que alguém tenha uma ideia incrível para a segunda temporada que não destrua a primeira, para mim a série está encerrada e acabada."

Coel explicou que não enfrentou pressões externas para entregar seu próximo projeto. "A HBO e a BBC foram muito gentis. Disseram: 'Ei, Michaela, você fez algo enorme por nós. Agora, relaxe e leve o tempo que for preciso.' Mas não sou assim."

Ela rapidamente apontou a câmera para um quadro branco no qual havia começado a mapear um novo arco de história, mas virou a câmera para si mesma antes que qualquer palavra ficasse legível. Não revelou mais nada sobre a nova série, exceto que a BBC se comprometeu a fazê-la. "Como roteirista, às vezes fico preocupada, fico exausta. Estou tentando ser clara, colocar uma peça de cada vez, e o público me valorizou e me ouviu." Com uma mistura de alívio e alegria, exclamou: "A maneira como as pessoas me ouvem nesta vida! Tudo que aprendi foi a ser ouvida".

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