THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Um comprimido uma vez por semana, uma injeção autoaplicada uma vez ao mês ou uma injeção administrada na clínica a cada seis meses. Essas opções podem estar disponíveis nos próximos cinco ou dez anos para prevenir ou tratar o HIV. Em vez dos medicamentos que precisam ser tomados diariamente, os cientistas estão se aproximando de alternativas com ação mais prolongada – talvez até de um cenário futuro em que o HIV precise de atenção só duas vezes ao ano, o que era inconcebível nas décadas mais sombrias dessa epidemia.
“O período atual é de grande inovação. Novos produtos que atendem às necessidades dos pacientes estão sendo desenvolvidos, sobretudo em relação à prevenção, de uma maneira que nunca vimos antes”, disse Mitchell Warren, diretor executivo da Avac, companhia voltada para a prevenção do HIV.
As terapias de ação prolongada podem eliminar a necessidade de se lembrar de tomar uma pílula diária para prevenir ou tratar o HIV. E para alguns pacientes os novos medicamentos podem amenizar o estigma da doença, que, por si só, é um obstáculo para o tratamento. “Não ter de se lembrar disso toda manhã é uma mudança radical para eles. Esse estigma internalizado de tomar um comprimido todos os dias é o que impede que eles o façam”, comentou Rachel Bender Ignacio, diretora da UW Positive da Universidade de Washington, centro de pesquisa clínica dedicado ao HIV.
É provável que os medicamentos de ação prolongada sejam ainda mais benéficos para populações que há muito tempo são difíceis de alcançar: pacientes com acesso irregular aos serviços de saúde ou que têm problemas para tomar comprimidos diariamente em consequência da falta de moradia ou do transporte estável, aqueles que estão lidando com o uso de substâncias, que têm alguma doença mental ou que enfrentam discriminação e preconceito.
Em 2022, quase 30 anos depois do surgimento da terapia antirretroviral combinada, mais de nove dos 39 milhões de pessoas vivendo com HIV no mundo inteiro não estavam recebendo tratamento. No mesmo ano, cerca de 630 mil pessoas morreram de doenças relacionadas à aids. Mesmo nos Estados Unidos, cerca de um terço das pessoas diagnosticadas com HIV não conseguem controlar o vírus. “Ainda não abordamos esses problemas subjacentes relacionados ao acesso. Estamos muito entusiasmados com a ciência e com as implicações clínicas dos medicamentos de ação prolongada. Mas, para muita gente, esse vai ser um sonho distante”, afirmou Gregg Gonsalves, ativista de longa data do HIV e epidemiologista da Escola de Saúde Pública da Universidade Yale.
Um indicador do entusiasmo com os tratamentos de ação prolongada foi sua relevância na Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas que foi promovida em Denver, em março – reunião anual que tem servido como palco para muitos eventos relacionados ao HIV, incluindo o grande momento, em 1996, em que os pesquisadores demonstraram que uma combinação de drogas poderia suprimir o vírus.
Este ano, dezenas de estudos sobre tratamentos de ação prolongada foram apresentados na conferência. (Embora a maioria desses medicamentos esteja tentadoramente próxima de prevenir e tratar o HIV, algumas opções semelhantes para tuberculose e hepatite B e C também estão avançando.) Um deles – o Cabenuva, que consiste em duas injeções a cada dois meses – está disponível há quase três anos e custa mais de US$ 39 mil por ano nos Estados Unidos, motivo pelo qual poucos pacientes podem pagar por ele, sobretudo em países de baixa renda, mesmo com um bom desconto aplicado.
Mesmo assim, muitos pesquisadores que compareceram à conferência estão entusiasmados com os resultados de um estudo que mostrou que o Cabenuva foi mais eficaz no controle do HIV do que os comprimidos diários, mesmo em grupos que geralmente têm dificuldade em aderir ao tratamento. “Quando você pensa em como isso é difícil para algumas pessoas, dar a elas novas ferramentas que possam ajudar a suprimir o vírus é muito importante”, disse a dra. Kimberly Smith, que lidera a área de pesquisa e desenvolvimento na ViiV Healthcare, empresa que fabrica uma das drogas componentes do Cabenuva.
Os medicamentos de ação prolongada podem ser úteis até mesmo para crianças que têm HIV – só cerca da metade das que são diagnosticadas com o vírus no mundo inteiro recebe tratamento. “Isso se deve, em parte, à falta de versões pediátricas desses medicamentos. Mas esse não vai ser mais o caso com as formulações de ação prolongada, que vão ser iguais para crianças e adultos, diferindo só na dosagem”, afirmou Charles Flexner, especialista em HIV da Universidade Johns Hopkins, em uma apresentação na conferência de Denver.
A maioria das injeções de ação prolongada contém nanocristais do medicamento suspensos em líquido. Enquanto os comprimidos orais precisam passar pelo estômago e pelo trato intestinal antes de entrar na circulação, as chamadas injeções de depósito enviam os medicamentos diretamente para a corrente sanguínea, mas o fazem de maneira muito lenta, ao longo de semanas ou meses.
Alguns antipsicóticos de depósito são administrados de duas a oito semanas, e o contraceptivo Depo-Provera, uma vez a cada três meses. O Cabenuva – combinação do cabotegravir, produzido pela ViiV Healthcare (propriedade majoritária da GSK), e da rilpivirina, da Janssen – é injetado no glúteo a cada dois meses para o tratamento contra o HIV.
Administrado sob a pele do estômago, o cabotegravir produziu mais hematomas e erupções cutâneas do que nos glúteos, e algumas pessoas desenvolveram nódulos que permaneceram durante semanas ou até meses. “Mas com as injeções nos glúteos não se vê nada. Você sente dor durante alguns dias e depois toca a vida normalmente”, explicou Smith.
A ViiV Healthcare está tentando desenvolver uma versão do cabotegravir para ser administrada a cada quatro meses e, por fim, a cada seis meses. A empresa tem como objetivo lançar em 2026 a versão de quatro meses para prevenir o HIV e para seu tratamento em 2027.
Mas injetar medicamento no músculo é difícil para as pessoas com muita gordura corporal ou com implante de silicone nos glúteos, comum em algumas mulheres transgênero. Algumas injeções mais novas que ainda estão em desenvolvimento são administradas sob a pele e evitam esse problema.
O lenacapavir da Gilead, biofarmacêutica multinacional, pode ser administrado como uma injeção subcutânea no estômago a cada seis meses, mas até agora foi autorizado só para pessoas com HIV resistentes a outros medicamentos. A droga está nas últimas etapas de múltiplos ensaios clínicos em diversos grupos, incluindo mulheres cisgênero, como preventivo do HIV de ação prolongada.
O lenacapavir também está sendo testado como tratamento na forma de um comprimido semanal em combinação com outro medicamento, o islatravir, produzido pela Merck. “O ideal é que haja várias opções de ação prolongada, para que as pessoas possam, de fato, escolher entre as que vão funcionar melhor para elas”, comentou o dr. Jared Baeten, vice-presidente da Gilead.
Alguns especialistas apontaram que, para que se torne verdadeiramente acessível a todos, incluindo os que moram longe de um centro de saúde, os pesquisadores também devem elaborar uma injeção de ação prolongada que possa ser autoadministrada – exatamente o que uma equipe está desenvolvendo com o apoio da Unitaid, iniciativa global de saúde, com o intuito de disponibilizá-la em países de baixa e média renda.
“O que é muito emocionante é que isso está sendo produzido de tal forma que, idealmente, vai evitar o ‘efeito gotejamento’ para chegar às pessoas que mais precisam”, disse o dr. Bender Ignacio, que está liderando esse estudo, referindo-se à tendência dos países ricos de serem os primeiros a obter acesso a novos tratamentos.
Como cada composto dos medicamentos foi aprovado independentemente, Bender Ignacio calculou que em cerca de cinco anos as injeções para tratar o HIV podem estar disponíveis.
Muitos produtos, como os do estudo de Bender Ignacio, podem ser adaptados para prevenir o HIV. Até o momento existem só três opções para isso: dois tipos de comprimidos diários e o cabotegravir, que é injetado a cada dois meses no glúteo. “É na prevenção que temos ficado mais para trás na resposta à aids ao longo da última década”, afirmou Warren, da Avac.
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