Joe Biden descreveu a relutante atitude do presidente Donald Trump diante da necessidade de usar máscaras como “coisa de machão”, e não foi a primeira vez que ele descreveu o adversário nesses termos. Tomi Lahren, comentarista conservadora e apresentadora da Fox Nation, respondeu que Biden “poderia aproveitar e trazer sua máscara em uma bolsinha".
Esses foram alguns dos comentários mais diretos associando estereótipos de aparência e comportamento associados aos machões às precauções básicas recomendadas por médicos, epidemiologistas e outros especialistas para evitar o mortífero e altamente contagioso coronavírus.
O tema está presente desde o início da pandemia. Alguns especialistas que estudam masculinidade e saúde pública dizem que a ideia segundo a qual usar máscaras e seguir as recomendações de distanciamento social seria frescura trouxe um custo destrutivo. O vírus infectou mais homens do que mulheres, e causou muito mais mortes entre eles.
Os especialistas dizem que as práticas mais recomendadas de saúde pública se chocaram com várias das demandas sociais que os homens de muitas culturas são pressionados a seguir como forma de afirmar sua masculinidade: demonstrar força em vez de fraqueza, disposição em enfrentar os riscos, ocultar o medo e dar a aparência de estar no controle.
A resistência dos homens às demonstrações de fraqueza — e sua tendência a enfrentar riscos — já tinha sido averiguada pelos cientistas muito antes da covid-19. Estudos mostraram que a probabilidade de usar cinto de segurança e capacete ou tomar a vacina contra a gripe é maior entre as mulheres do que entre os homens. Eles têm mais probabilidade de dirigir em alta velocidade ou embriagados.
É menos provável que busquem atendimento médico. Algumas pesquisas iniciais indicam que um padrão semelhante pode ser observado no caso do coronavírus. Um levantamento da covid-19 realizada pela Gallup revela que a probabilidade de tomar precauções contra o coronavírus, como usar máscaras fora de casa, é maior entre as americanas do que entre os americanos.
Outros levantamentos recentes revelaram que entre os homens é mais comum elogiar Trump pela sua resposta à pandemia do que entre as mulheres. “Reconhecer uma ameaça é como aparentar fraqueza, e isso leva às demonstrações de fanfarronice", disse Peter Glick, professor de ciências sociais da Universidade Lawrence.
De acordo com ele, quando usamos uma máscara, “o recado subjacente é, ‘Tenho medo de pegar essa doença’”. Trump tende q rejeitar tudo que possa ser visto como sinal de fraqueza ou de falta de controle. Seu comportamento e seus comentários depois de ter sido hospitalizado, em meio a um crescente surto da doença entre seu círculo mais próximo, também expuseram uma Casa Branca que ignorou as precauções básicas defendidas pelos especialistas em saúde do próprio governo.
E muitos americanos que admiram Trump estão seguindo o exemplo dele, optando por não respeitar as medidas de proteção que, de acordo com as autoridades de saúde, são cruciais para retardar a disseminação do vírus. Não se trata de um problema novo para quem trabalha com as mensagens de saúde pública.
Stacey Hust, professora-assistente de comunicação da Universidade Estadual de Washington, disse que as campanhas de prevenção contra o abuso sexual tentam apelar a ideais masculinos, tornando comportamentos melhores “dignos do macho alfa". Costuma ser mais difícil comunicar-se com aqueles que se identificam muito com características masculinas tradicionais.
Como exemplo, quanto mais uma pessoa se identifica com esses traços masculinos, menor a probabilidade de usar preservativo durante o sexo, disse ela. “Acho que isso se traduz muito claramente em uma tendência masculina a não usar as máscaras", disse ela. “É realmente uma questão de não demonstrar fraqueza ou medo, o desejo de não demonstrar nenhuma vulnerabilidade.” Biden, que segue à risca as recomendações para o uso de máscaras e observa o distanciamento social, criticou Trump consistentemente por sua abordagem para as precauções pessoais contra o coronavírus.
Em maio, ele descreveu Trump como “falsamente masculino” por sua recusa em usar a máscara, dizendo que tal precaução seria uma demonstração de liderança, e não de fraqueza. No começo, Trump se recusava a usar máscara em público. Raramente, foi fotografado usando uma delas, mas seguiu fazendo pouco da sua eficácia.
Ele caçoou de Biden por usar máscaras e fez questão de removê-la do rosto na sacada da Casa Branca quando voltou do Centro Médico Militar Nacional Walter Reed na segunda feira. Continuou a organizar grandes comícios de campanha e outros eventos que não seguem as recomendações de distanciamento social. Theresa Vescio, professora de psicologia e estudos da mulher, do gênero e da sexualidade da Universidade Estadual da Pensilvânia, disse que Trump frequentemente se envolve em “concursos de masculinidade” como presidente e candidato.
Ele diminuiu rivais homens — referindo-se repetidamente ao ex-prefeito de Nova York, Michael R. Bloomberg, como “Mini Mike", por exemplo — e, durante as primárias republicanas de 2016, defendeu o tamanho do próprio pênis depois de ser atacado pelo senador Marco Rubio.
E os republicanos conseguiram se apresentar como o partido dos homens que levam sua masculinidade a sério. Em pesquisa com Nathaniel Schermerhorn, estudante de pós-graduação da Penn State, Theresa Vescio descobriu uma forte correlação entre o grau de defesa dos ideais masculinos tradicionais — mesmo entre mulheres que valorizam homens tradicionalmente masculinos — e a lealdade ao partido republicano. Pesquisas de opinião mostram que Trump tem mais apoio entre os homens do que entre as mulheres.
“É algo que os republicanos fazem desde 2016, associando os democratas a características femininas ou dizendo que são insuficientemente masculinos", disse ela. Muitos dos defensores de Trump admiram seu estilo agressivo, disse Glick, enxergando nele um modelo de domínio masculino. Foi uma oportunidade perdida logo no início da pandemia.
O presidente poderia ter usado sua autoridade para mudar a percepção negativa do uso de máscaras e outras precauções entre aqueles que valorizam características tradicionalmente masculinas, disse ele. “Ele poderia ter ajudado", disse Glick. “Mas, a essa altura, é difícil voltar atrás”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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