THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - ROMA - Para um homem que há quase 50 anos faz as plateias morrerem de medo, o cineasta Dario Argento não tem nada de assustador.
Fala mansa, um tanto reservado até, ele se confessou ansioso por concluir a entrevista recente para poder visitar os netos - filhos de sua filha, a atriz Asia Argento - antes de viajar no dia seguinte a Nova York, onde Beware of Dario Argento: A 20-film Retrospective seria exibida no Lincoln Center. “Vou ficar sem vê-los por um bom tempo”, explicou antes de dispensar o entrevistador à porta. Difícil imaginar um “mestre do terror” agindo assim.
O que não significa que, aos 81 anos, o italiano não esteja pronto a encarar caos ou sanguinolência. Seu filme mais recente, Dark Glasses, que foi lançado no Festival Internacional de Cinema de Berlim e estreou na América do Norte durante a retrospectiva do Lincoln Center, conta com os elementos clássicos pelos quais é reconhecido: música vibrante geralmente antecedendo coisas ruins; assassinatos violentos e grotescos; perseguições tensas (aqui envolvendo uma protagonista cega); e várias reviravoltas. Desta vez, porém, o filme é surpreendentemente terno, pois trata da relação entre uma mulher e um garoto ligados por uma tragédia.
“É um filme diferente dos outros que já fiz, e no fim dá até para dar uma choradinha”, diz ele na sala de estar cheia de antiguidades de sua casa, em um bairro exclusivo de Roma. A estante imensa que ocupa uma das paredes está lotada dos prêmios que ganhou ao longo dos anos.
Recentemente, ele teve de abrir espaço para mais dois, conquistados em agosto passado no Festival de Cinema de Locarno, na Suíça: um pelo conjunto da obra, entregue pelo diretor John Landis, que confessou na cerimônia fazer questão de ofertá-lo pessoalmente; o outro, em reconhecimento à sua estreia como ator em Vortex, longa emocionante de Gaspar Noé sobre o declínio de um casal de idosos. (Argento fez uma ponta como coroinha em um longa de 1966, mas não apareceu nos créditos.)
É uma carreira e tanto para um homem que começou como jornalista, passando depois a crítico de cinema de um jornal romano de esquerda, e inclui o roteiro do clássico Era Uma Vez no Oeste (1968) ao lado do próprio diretor, Sergio Leone, e Bernardo Bertolucci; a parceria com George A. Romero no longa de apocalipse zumbi que fez escola, Despertar dos Mortos (1978); e os dois livros que escreveu recentemente, a autobiografia Fear e uma antologia de histórias de terror, Horror (2018).
Argento revelou que levou o primeiro susto ainda bem pequeno, quando seus pais - ele, produtor cinematográfico; ela, fotógrafa famosa - o levaram para ver uma produção de Hamlet em Roma. “Quando o fantasma do pai de Hamlet apareceu, quase entrei em convulsão, mas ao mesmo tempo fiquei muito intrigado. Uma semente plantada aí germinou.”
Dark Glasses é considerado um “giallo” - gênero amplo do cinema italiano que pode conter elementos dos romances policiais e histórias de detetives, com crime ou terror, incluindo o subgênero esquartejador. Argento é considerado o maior mestre da categoria.
Como era de esperar, as mortes no longa são violência explícita, a começar com o estrangulamento de uma prostituta ainda no início da história. As mulheres brutalmente assassinadas são o mote perturbador desse gênero, mas Argento rebateu, alegando que também “matou um monte de homens” de maneiras igualmente grotescas. “E também criei muitas personagens femininas corajosas, principalmente as encarnadas por minha filha, Asia, minha protagonista durante muitos anos. Ela interpretou inúmeros papéis fortes.”
Argento surgiu no cenário cinematográfico italiano em 1970, com O Pássaro das Plumas de Cristal, giallo estiloso e visualmente exuberante que marcou sua ascensão e lhe rendeu o apelido de “Hitchcock italiano”. “Os filmes do Argento normalmente são cheios de surpresas e reviravoltas, mas, ao mesmo tempo, ele levou para a tela um visual de ‘bravura’ que influenciou outros diretores e acabou lhe garantindo a fama de cult entre os fãs mais ávidos”, explicou Russ Hunter, especialista em filmes italianos que leciona na Universidade da Nortúmbria, no norte da Inglaterra.
Com Prelúdio para Matar (1975), um de seus filmes mais respeitados, Argento usou movimentos cinéticos de câmera e visual opulento para gerar drama (sem falar nos efeitos especiais de Carlo Rambaldi, que faturou três Óscares). Em Suspiria (1977), recorreu à luz e à cor para obter o mesmo efeito. “Usou a saturação de uma forma fantástica, criando um clima sobrenatural. São os contrastes que geram ambientes perturbadores e misteriosos”, completou Hunter.
Luigi Cozzi, diretor que trabalhou com Argento em diversos filmes, contou que levou três meses para achar um equipamento que criasse o efeito que o parceiro queria para um acidente de carro em câmera lenta no fim de Quatro Moscas no Veludo Cinza (1971). “Acabei achando uma que registrava três mil quadros por segundo, usada para monitorar o desgaste das rodas dos trens, na Universidade de Nápoles, e aluguei. A cena teve um minuto e meio de duração.”
“Outro diretor teria se virado, dado um jeito, mas não Dario”, completou Cozzi em entrevista em uma loja chamada Profondo Rosso (título original italiano de “Prelúdio para Matar”), que os dois abriram juntos em 1989, em Roma. Lotada de acessórios, livros e filmes de terror, além de máscaras e próteses falsas, ela também abriga um museu dedicado a Argento, exibindo os objetos usados em seus filmes (no subsolo, naturalmente). “Volta e meia ele aparece por aqui, mas no Dia das Bruxas a visita é obrigatória. Dario inovou a linguagem dos filmes de terror”, concluiu Cozzi.
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times