THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Eu sou muçulmano. Meu sogro em potencial, Bob, é cristão evangélico. Eu queria passar o resto da minha vida com a filha dele, Jillian, mas Bob tinha sérias preocupações sobre esse plano.
“E se ele exercer a masculinidade muçulmana sobre você?” ele perguntou a Jillian.
Quando Jillian me contou sobre o comentário de seu pai, pensei: “Eu mal tenho masculinidade. Como vou ter a masculinidade muçulmana?”
Em 2013, eu namorava Jillian há pouco mais de um ano. Ela tornou a faculdade de medicina suportável na Universidade de Wisconsin, onde durante nosso terceiro ano ficamos no mesmo hospital para nosso rodízio de psiquiatria. Depois que terminamos, Jillian organizou uma festa com o tema do Cubo Mágico, eu troquei de roupa com outros colegas e acabei todo vestido de amarelo, incluindo uma meia-calça amarela nada agradável.
Eu não tinha dado em cima dela durante a festa, então fiquei por perto depois que todos saíram, oferecendo-me para ajudar na limpeza. Antes que eu percebesse, as colegas de quarto de Jillian estavam dormindo e eu estava sentado no sofá sozinho com ela, conversando sobre o que ela deveria dizer no funeral de seu avô no dia seguinte. Acho que dei um bom conselho a ela; no final da noite, nós nos beijamos.
Nos meses seguintes, tivemos uma série de encontros por todo o estado de Wisconsin enquanto trabalhávamos em nossas diferentes rotações clínicas. Quando eu terminava os dias no serviço de cirurgia geral em Madison, encontrava Jillian do lado de fora da biblioteca da faculdade de medicina e conversávamos sobre nossos pacientes. Os dias eram longos, eu acordava às 3 da manhã, mas sempre ansiava por vê-la. Foi nesses momentos que pensei que poderia fazer isso pelo resto da minha vida.
No início do nosso quarto ano na faculdade de medicina, houve um momento de decisão para nós. Para continuarmos juntos, precisaríamos solicitar uma “combinação de casal” para garantir que estaríamos na mesma cidade para residência. Eu não continuaria nosso relacionamento se estivéssemos em estados diferentes. Para mim, isso era quase impossível, especialmente considerando o quão intenso é o treinamento médico. Quando Jillian trouxe a ideia de fazer a combinação, hesitei.
Não sou um muçulmano devoto - não tenho disciplina para orar cinco vezes ao dia. Nem tenho certeza se poderia tomar remédios duas vezes ao dia se minha vida dependesse disso. Mas acredito em Deus e jejuo durante o Ramadã.
Jillian é agnóstica, mas foi criada por um pai evangélico que se refere ao Islã como “uma religião da espada”. Meu pai é um muçulmano conservador. Pude ver os trens colidindo desde o momento em que ela trouxe a ideia da combinação. Antes de pensar em envolver nossas famílias, eu precisava pensar sobre o relacionamento com Jillian e se éramos compatíveis a longo prazo.
No papel, éramos muito diferentes. Ela era de uma pequena cidade em Wisconsin. Eu nasci em Bangladesh. Criado na América com outros muçulmanos, acreditava que estava destinado a me casar com uma muçulmana. Contaram-me histórias de casamentos que desmoronaram porque um muçulmano se casou com alguém de fora de sua fé.
Todos os meus três irmãos mais velhos se casaram dentro da fé. E eles estavam preocupados que Jillian e eu fôssemos muito diferentes. Em vez de dar o voto de confiança que eu buscava tão desesperadamente, eles pediram cautela.
Consultei meus amigos do sul da Ásia, amigos da faculdade e de infância, que também me alertaram sobre o casamento fora da minha fé e cultura. Às vezes, quando Jillian dormia em minha cama, eu chorava, olhando para ela, pensando em um mundo sem ela.
Mas quando olhava para nosso relacionamento fora da restrição da religião, me sentia confortável. Ríamos muito e entendíamos as piadas um do outro. Jillian e eu tínhamos o mesmo nível econômico, o que eu valorizava porque havia lido artigos que diziam que o divórcio na América geralmente ocorre por questões financeiras.
Nem ela nem eu tínhamos muito dinheiro, nós dois estávamos endividados por conta do pagamento da faculdade e estávamos igualmente comprometidos em viver dentro de nossas possibilidades. Eu não queria jogar fora o que Jillian e eu tínhamos juntos simplesmente porque nossas crenças religiosas eram diferentes.
Eu também não queria ser religiosamente rígido. Jillian e eu demos muitas caminhadas pela cidade de Madison, conversando sobre como criaríamos os filhos e como ela apoiaria minha fé muçulmana, mas sem se converter.
Eu queria que ela se convertesse porque isso tornaria minha vida mais fácil e faria meus pais felizes - os mesmos pais que desenraizaram sua família de seis pessoas para recomeçar na América para que meus irmãos e eu pudéssemos ter uma vida melhor. Meu pai, que tinha um MBA em Bangladesh e era um empresário de sucesso, trabalhou como zelador assim que chegou aos Estados Unidos.
Mas eu sabia que não poderia pedir a Jillian que se convertesse por mim. Decidi deixar de pensar que precisava me casar com alguém da mesma fé. Ela e eu tínhamos valores semelhantes - era isso que faria a coisa funcionar.
Eu me comprometi a fazer a “combinação de casal” com Jillian. Já convencer nossos pais de que nosso relacionamento funcionaria exigiria mais esforço.
Jillian conheceu meus pais quando fomos à casa deles em Oshkosh, e fiquei feliz porque meus pais não me expulsaram por trazer alguém para casa que não acreditava na Shahadah, ou fé. Eu estava animado, mas depois que saímos, Jillian parecia perturbada.
Durante o jantar, minha mãe havia dito: “Dois médicos? Como vão ter filhos?” E depois que terminamos, meu pai disse a Jillian: “Você pode se casar com meu filho quando se tornar muçulmana”.
No caminho de volta para Madison, Jillian disse: “Não posso me tornar muçulmana só para me casar com você”.
“Tudo bem, você não precisa”, eu disse.
“Mas como?”
Foi a primeira vez que meus pais a viram, mas eu sabia que, se eles a conhecessem, não fariam objeções ao nosso casamento. Eles veriam nela o que eu vi: uma pessoa gentil, atenciosa e talentosa.
Eu não queria mais que Jillian se convertesse ao Islã; eu só queria que ela o entendesse. Assim ela entenderia a mim e a minha família. Eu precisava que ela entendesse que cresci comendo apenas carne preparada de acordo com a tradição islâmica - ou seja, nada de Big Macs. Para ter a carne halal, meus pais abatiam frangos em nossa garagem.
Por fim, ao passar um tempo com meus pais e cozinhar com minha mãe na cozinha dela, Jillian conquistou a aprovação deles.
O pai de Jillian pensava diferente. Quando ela lhe contou sobre sua intenção de se casar comigo, ele disse: “Você está cometendo um grande erro”.
Bob não participou de nenhuma das reuniões iniciais de nossa família. Meus pais e a mãe de Jillian, Mary (ela e Bob eram divorciados), se davam bem porque Mary se interessava genuinamente por outras pessoas e gostava de conversar com meus pais.
Bob quis se encontrar comigo quando Jillian e eu deixamos claras nossas intenções de casar. Ele e eu nos conhecemos em um pequeno restaurante mexicano em Green Bay. Pedimos burritos e ele me contou sobre suas preocupações.
Bob temia que sua filha se casasse com alguém que a forçaria a fazer coisas que ela não gostaria. Imaginei que ele estava com medo de que eu a obrigasse a usar uma burca ou aderir à lei Sharia, que estava muito nos noticiários na época. Eu poderia dizer que ele estava cuidando de sua filha.
Tentei abordar as preocupações de Bob, deixando meu ego de lado, mas é difícil e estranho tentar refutar as percepções negativas de alguém sobre você. Assegurei a Bob que, na casa onde cresci, minha mãe era a cola que mantinha nossa família unida. Jillian seria o mesmo.
Apesar de minhas garantias, Bob não estava convencido, e percebi que não conseguiria convencê-lo. E tudo bem.
Depois que Jillian e eu conseguimos combinar as residências nas Twin Cities, nos casamos em uma pequena cerimônia na sala de estar dos meus pais com 10 pessoas presentes, incluindo a mãe e a avó de Jillian. Bob não compareceu.
Nove anos depois, Jillian e eu temos dois filhos que tiveram o dom de serem criados por pais de dois países diferentes, duas tradições diferentes e duas religiões diferentes. Quanto a Bob, ele faz visitas ocasionais, ama seus netos e me chama de “um cara legal”. Minha esperança para meus filhos é que eles aprendam com nosso exemplo a se tornarem humanos compassivos que aceitam os outros. Chamo isso de exercer minha masculinidade muçulmana. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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