Modern Love: Quando um caso de verão dura 12 anos é hora de repensar


A nossa relação deveria ser breve e casual. Só que nunca conseguimos desfazê-la

Por Sheila Ongwae
Atualização:

Albert e eu nos conhecemos à maneira antiga: uma amiga em comum nos apresentou numa festa no verão. Estávamos encostados no balcão da cozinha, repleto de copos de papelão, garrafas de sucos de frutas e pirulitos.

Não falamos muito naquele primeiro encontro. Eu não parava de reparar nos seus olhos cor de âmbar, lábios carnudos e mãos fortes. Ele parecia encaixar bem no perfil para ter um ótimo caso (o meu primeiro), alguém que eu pudesse usar para um sexo descomplicado.

Ilustração de Brian Rea/The New York Times. 
continua após a publicidade

Depois da festa, pedi à amiga em comum que nos apresentasse. Ela concordou, mas disse: “Acho ele legal, desde que você não queira nada sério”.

“Perfeito”, pensei. Não tinha mesmo nenhuma intenção de levá-lo a sério ou mesmo de continuar encontrando com ele depois daquele verão. Ele não era o meu tipo.

Albert era um homem ocupado: estudava construção em uma escola técnica; era dono de uma empresa pequena de entretenimento; empresário do início de carreira de amigos rappers; desenhava e vendia camisetas brancas com frases ilustradas com fonte gótica. E, além disso, era pai de duas crianças, de mulheres diferentes, com as quais não tinha uma relação séria nesses momentos.

continua após a publicidade

Nós tínhamos algumas coisas em comum. Albert tinha cerca de um ano a mais do que eu, havia crescido a menos de 20 minutos do lugar onde eu cresci, e também era oriundo das escolas públicas de Los Angeles. Entretanto, nós nos idealizamos reciprocamente baseados em nossas diferenças, percebendo o outro através das lentes dos clichês estereotipados de negros.

Para ser franca, eu reduzi Albert a um “cara da quebrada”. E aos seus olhos, eu era uma garota nerd, magrinha, negra de pele clara, que falava inglês com a ressonância correta e expressões adequadas para uma assimilação perfeita em espaços dominados pelos brancos. Frequentemente, ele me chamava de “branqueada” e ria do meu desejo de estudar em instituições de ensino superior predominantemente brancas, de viajar para outros países e de respeitar as regras.

Eu estava prestes a entrar em uma época da minha vida em que achava que me sentiria negligente por nunca ter experimentado pelo menos uma relação sexual casual. Queria que este verão constituísse um marco na minha vida antes de começar minha visão certinha de adulta respeitável. Um verão em que eu me concederia os prazeres de viver a vida fora do script.

continua após a publicidade

Tinha 23 anos, era solteira e estava de volta a Los Angeles depois de passar um ano morando em Hong Kong com uma bolsa de estudos de prestígio. Voltara para casa para apresentar meu pedido de matrícula numa faculdade de direito antes de partir para destinos internacionais em um segundo ano sabático. Queria algo para fazer entre a prática de jogos de lógica e a escrita de declarações sobre o motivo pelo qual eu achava que ir para uma faculdade de direito em Nova York seria um empreendimento frutífero.

Albert preenchia esses momentos. E se tornou algo meu.

No começo, ficamos muito bem mantendo as coisas de maneira superficial e representando os rótulos que colocamos um no outro. Eu queria um bom sexo com Albert – muito sexo – e nada mais. Ele parecia compreender.

continua após a publicidade

“Então, digamos que eu decida fazer sexo com você esta noite”, eu disse. “E depois?” “Depois, espero que possamos fazer isso mais vezes”, respondeu Albert.

Sem que a gente soubesse na época, suas palavras foram como um feitiço que soldou firmemente a nossa ligação.

A nossa distância emocional nos permitia ser vulneráveis e sem restrições como não poderíamos ser com qualquer outra pessoa. Éramos honestos um com o outro. Sem nenhum jogo.

continua após a publicidade

Para as minhas amigas que criticavam o meu envolvimento com um homem que não tinha um diploma ou uma profissão atraente, deixei claro que o nosso caso seria temporário e que as nossas intenções eram mútuas.

Eu não me importava com o ego de Albert. Não ligava para os seus sentimentos. E me sentia livre para dizer a ele o que eu queria e não queria. Ele estava disposto a satisfazer as minhas curiosidades porque eu ousava compartilhá-las com ele.

Naquele verão, passamos todos os momentos livres que tínhamos agarrados, em geral no quarto dele na casa do tio. Albert se encontrava comigo do lado de fora e me dizia onde seria seguro estacionar o meu carro. Ele me levava para almoçar no Subway quando precisávamos de uma pausa. Quando sentíamos a necessidade de fazer exercícios ao ar livre, corríamos pelas dunas de areia, perto de Manhattan Beach.

continua após a publicidade

Quando estávamos distantes, ele me telefonava para saber como estavam indo meus formulários de matrícula. A cada gesto delicado e atencioso, eu sentia que os nossos limites emocionais começavam a se desfazer.

Depois daquele verão, a minha situação com Albert me acompanhou pelo mundo afora e na volta – pelos 12 anos seguintes. Ele se tornou o meu namorado, meu amante intermitente.

Quando estávamos juntos e eu estava longe, mandava e-mails para ele e textos com imagens em que aparecia em festas no Rio de Janeiro, bebendo cerveja em Barcelona e tomando sol no Haiti. Eu mandava instruções detalhadas explicando que números ele deveria apertar no seu celular para falar com o meu aparelho pré-pago. Trocamos muitas mensagens falando da contagem regressiva dos dias até estarmos juntos de novo: “Só faltam 49 dias...”

Ele era a primeira pessoa que eu informava quando visitava Los Angeles, mesmo que fosse apenas por alguns dias, e sempre tínhamos tempo para saber das últimas novidades um do outro.

Quando ficávamos longe um do outro, era porque eu estava em um relacionamento sério. Encontros de verdade para mim e Albert estavam estritamente fora de questão e os nossos e-mails e as mensagens escritas não passavam de frases feitas, de clichês: “Como tem passado?”, “Feliz Aniversário!”, “Espero que você e a sua família tenham férias sensacionais”.

Voltamos a manter conversas educadas e amistosas quando me mudei novamente para Los Angeles indefinidamente aos 30 anos. Mandei um e-mail para ele dizendo que estava na cidade, acrescentando: “A não ser que o destino determine que os nossos caminhos se cruzem por acidente, um encontro não será viável neste momento”.

“Continuo sendo um dos seus maiores fãs”, ele escreveu, “e espero que você também seja feliz”.

Não podia voltar com ele porque havia começado a namorar um velho amigo da universidade, cujo histórico era semelhante ao meu: filho de imigrantes negros, formado em uma universidade de ponta, um exemplo de desenvolvimento corporativo. Pensei que casaria com esse homem de grandes realizações. Também pensei que finalmente havia cortado os laços que me prendiam a Albert.

Errei nos dois casos.

No ano passado, quatro meses depois de terminar com aquele homem faltando poucos meses para nos casarmos, Albert e eu voltamos – mais uma vez – a Manhattan Beach. Finalmente, estávamos no mesmo lugar e solteiros ao mesmo tempo. E as coisas pareciam diferentes porque eram diferentes.

Aos 34 anos, eu não estava mais advogando em direito corporativo, havia sido traída pelo amor e estava desempregada. O choque, o constrangimento e a tristeza por ter de cancelar o meu casamento e desligar a minha vida do ex começaram a desaparecer. Minhas recentes experiências haviam colocado o meu roteiro em uma trituradora industrial.

Fiquei sabendo que a vida havia ensinado a Albert lições semelhantes.

“Não tenho família”, ele disse de uma forma leviana quando perguntei como eles estavam.

Ele me disse que estava concentrado em expandir a sua empresa de mudanças e em ser um bom pai. Ele teve mais uma filha da mãe de seu segundo filho, e embora tivessem tentado viver juntos como um casal, terminaram e decidiram que seria melhor ficarem separados, mas ambos responsáveis pelas filhas. Nós dois estávamos curando traumas de relacionamentos vivendo vidas de ficção.

Albert disse que eu não saí de sua cabeça nos últimos quatro anos. “Você é excepcional”, afirmou. “Amei você, só não sabia como tratá-la. Agora sei”.

Falei que ele era, em parte, responsável pelo meu crescimento entre relacionamentos de longo prazo. O nosso vínculo era um constante lembrete de que havia alguém que existia e que poderia fazer com que eu me sentisse livre e aberta e com o qual poderia ser totalmente honesta. Mesmo durante o meu relacionamento com o homem com quem planejara casar, a minha ligação com Albert frequentemente me lembrava de que eu merecia alguém com quem me sentisse segura para revelar todo o meu íntimo – o melhor de mim mesma.

Nenhum de nós tinha pressa de ligarmos as nossas vidas indissoluvelmente em um novo relacionamento que exigia rótulos.

“Quero que você me leve com você,” disse a Albert. “Quero que comecemos a namorar de verdade”.

“Seja lá quanto tempo passaremos juntos”, ele disse, “vou tentar fazer valer a pena”.

Naquele dia, nos separamos com um longo abraço, um beijo no meu pescoço e um aperto nos braços.

Albert e eu estamos cansados de estar amarrados aos nossos papéis de companheiros inadequados, deliciosamente incorretos na narrativa da vida do outro. Depois de 12 anos de algo casual, está na hora de sermos algo mais. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Albert e eu nos conhecemos à maneira antiga: uma amiga em comum nos apresentou numa festa no verão. Estávamos encostados no balcão da cozinha, repleto de copos de papelão, garrafas de sucos de frutas e pirulitos.

Não falamos muito naquele primeiro encontro. Eu não parava de reparar nos seus olhos cor de âmbar, lábios carnudos e mãos fortes. Ele parecia encaixar bem no perfil para ter um ótimo caso (o meu primeiro), alguém que eu pudesse usar para um sexo descomplicado.

Ilustração de Brian Rea/The New York Times. 

Depois da festa, pedi à amiga em comum que nos apresentasse. Ela concordou, mas disse: “Acho ele legal, desde que você não queira nada sério”.

“Perfeito”, pensei. Não tinha mesmo nenhuma intenção de levá-lo a sério ou mesmo de continuar encontrando com ele depois daquele verão. Ele não era o meu tipo.

Albert era um homem ocupado: estudava construção em uma escola técnica; era dono de uma empresa pequena de entretenimento; empresário do início de carreira de amigos rappers; desenhava e vendia camisetas brancas com frases ilustradas com fonte gótica. E, além disso, era pai de duas crianças, de mulheres diferentes, com as quais não tinha uma relação séria nesses momentos.

Nós tínhamos algumas coisas em comum. Albert tinha cerca de um ano a mais do que eu, havia crescido a menos de 20 minutos do lugar onde eu cresci, e também era oriundo das escolas públicas de Los Angeles. Entretanto, nós nos idealizamos reciprocamente baseados em nossas diferenças, percebendo o outro através das lentes dos clichês estereotipados de negros.

Para ser franca, eu reduzi Albert a um “cara da quebrada”. E aos seus olhos, eu era uma garota nerd, magrinha, negra de pele clara, que falava inglês com a ressonância correta e expressões adequadas para uma assimilação perfeita em espaços dominados pelos brancos. Frequentemente, ele me chamava de “branqueada” e ria do meu desejo de estudar em instituições de ensino superior predominantemente brancas, de viajar para outros países e de respeitar as regras.

Eu estava prestes a entrar em uma época da minha vida em que achava que me sentiria negligente por nunca ter experimentado pelo menos uma relação sexual casual. Queria que este verão constituísse um marco na minha vida antes de começar minha visão certinha de adulta respeitável. Um verão em que eu me concederia os prazeres de viver a vida fora do script.

Tinha 23 anos, era solteira e estava de volta a Los Angeles depois de passar um ano morando em Hong Kong com uma bolsa de estudos de prestígio. Voltara para casa para apresentar meu pedido de matrícula numa faculdade de direito antes de partir para destinos internacionais em um segundo ano sabático. Queria algo para fazer entre a prática de jogos de lógica e a escrita de declarações sobre o motivo pelo qual eu achava que ir para uma faculdade de direito em Nova York seria um empreendimento frutífero.

Albert preenchia esses momentos. E se tornou algo meu.

No começo, ficamos muito bem mantendo as coisas de maneira superficial e representando os rótulos que colocamos um no outro. Eu queria um bom sexo com Albert – muito sexo – e nada mais. Ele parecia compreender.

“Então, digamos que eu decida fazer sexo com você esta noite”, eu disse. “E depois?” “Depois, espero que possamos fazer isso mais vezes”, respondeu Albert.

Sem que a gente soubesse na época, suas palavras foram como um feitiço que soldou firmemente a nossa ligação.

A nossa distância emocional nos permitia ser vulneráveis e sem restrições como não poderíamos ser com qualquer outra pessoa. Éramos honestos um com o outro. Sem nenhum jogo.

Para as minhas amigas que criticavam o meu envolvimento com um homem que não tinha um diploma ou uma profissão atraente, deixei claro que o nosso caso seria temporário e que as nossas intenções eram mútuas.

Eu não me importava com o ego de Albert. Não ligava para os seus sentimentos. E me sentia livre para dizer a ele o que eu queria e não queria. Ele estava disposto a satisfazer as minhas curiosidades porque eu ousava compartilhá-las com ele.

Naquele verão, passamos todos os momentos livres que tínhamos agarrados, em geral no quarto dele na casa do tio. Albert se encontrava comigo do lado de fora e me dizia onde seria seguro estacionar o meu carro. Ele me levava para almoçar no Subway quando precisávamos de uma pausa. Quando sentíamos a necessidade de fazer exercícios ao ar livre, corríamos pelas dunas de areia, perto de Manhattan Beach.

Quando estávamos distantes, ele me telefonava para saber como estavam indo meus formulários de matrícula. A cada gesto delicado e atencioso, eu sentia que os nossos limites emocionais começavam a se desfazer.

Depois daquele verão, a minha situação com Albert me acompanhou pelo mundo afora e na volta – pelos 12 anos seguintes. Ele se tornou o meu namorado, meu amante intermitente.

Quando estávamos juntos e eu estava longe, mandava e-mails para ele e textos com imagens em que aparecia em festas no Rio de Janeiro, bebendo cerveja em Barcelona e tomando sol no Haiti. Eu mandava instruções detalhadas explicando que números ele deveria apertar no seu celular para falar com o meu aparelho pré-pago. Trocamos muitas mensagens falando da contagem regressiva dos dias até estarmos juntos de novo: “Só faltam 49 dias...”

Ele era a primeira pessoa que eu informava quando visitava Los Angeles, mesmo que fosse apenas por alguns dias, e sempre tínhamos tempo para saber das últimas novidades um do outro.

Quando ficávamos longe um do outro, era porque eu estava em um relacionamento sério. Encontros de verdade para mim e Albert estavam estritamente fora de questão e os nossos e-mails e as mensagens escritas não passavam de frases feitas, de clichês: “Como tem passado?”, “Feliz Aniversário!”, “Espero que você e a sua família tenham férias sensacionais”.

Voltamos a manter conversas educadas e amistosas quando me mudei novamente para Los Angeles indefinidamente aos 30 anos. Mandei um e-mail para ele dizendo que estava na cidade, acrescentando: “A não ser que o destino determine que os nossos caminhos se cruzem por acidente, um encontro não será viável neste momento”.

“Continuo sendo um dos seus maiores fãs”, ele escreveu, “e espero que você também seja feliz”.

Não podia voltar com ele porque havia começado a namorar um velho amigo da universidade, cujo histórico era semelhante ao meu: filho de imigrantes negros, formado em uma universidade de ponta, um exemplo de desenvolvimento corporativo. Pensei que casaria com esse homem de grandes realizações. Também pensei que finalmente havia cortado os laços que me prendiam a Albert.

Errei nos dois casos.

No ano passado, quatro meses depois de terminar com aquele homem faltando poucos meses para nos casarmos, Albert e eu voltamos – mais uma vez – a Manhattan Beach. Finalmente, estávamos no mesmo lugar e solteiros ao mesmo tempo. E as coisas pareciam diferentes porque eram diferentes.

Aos 34 anos, eu não estava mais advogando em direito corporativo, havia sido traída pelo amor e estava desempregada. O choque, o constrangimento e a tristeza por ter de cancelar o meu casamento e desligar a minha vida do ex começaram a desaparecer. Minhas recentes experiências haviam colocado o meu roteiro em uma trituradora industrial.

Fiquei sabendo que a vida havia ensinado a Albert lições semelhantes.

“Não tenho família”, ele disse de uma forma leviana quando perguntei como eles estavam.

Ele me disse que estava concentrado em expandir a sua empresa de mudanças e em ser um bom pai. Ele teve mais uma filha da mãe de seu segundo filho, e embora tivessem tentado viver juntos como um casal, terminaram e decidiram que seria melhor ficarem separados, mas ambos responsáveis pelas filhas. Nós dois estávamos curando traumas de relacionamentos vivendo vidas de ficção.

Albert disse que eu não saí de sua cabeça nos últimos quatro anos. “Você é excepcional”, afirmou. “Amei você, só não sabia como tratá-la. Agora sei”.

Falei que ele era, em parte, responsável pelo meu crescimento entre relacionamentos de longo prazo. O nosso vínculo era um constante lembrete de que havia alguém que existia e que poderia fazer com que eu me sentisse livre e aberta e com o qual poderia ser totalmente honesta. Mesmo durante o meu relacionamento com o homem com quem planejara casar, a minha ligação com Albert frequentemente me lembrava de que eu merecia alguém com quem me sentisse segura para revelar todo o meu íntimo – o melhor de mim mesma.

Nenhum de nós tinha pressa de ligarmos as nossas vidas indissoluvelmente em um novo relacionamento que exigia rótulos.

“Quero que você me leve com você,” disse a Albert. “Quero que comecemos a namorar de verdade”.

“Seja lá quanto tempo passaremos juntos”, ele disse, “vou tentar fazer valer a pena”.

Naquele dia, nos separamos com um longo abraço, um beijo no meu pescoço e um aperto nos braços.

Albert e eu estamos cansados de estar amarrados aos nossos papéis de companheiros inadequados, deliciosamente incorretos na narrativa da vida do outro. Depois de 12 anos de algo casual, está na hora de sermos algo mais. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Albert e eu nos conhecemos à maneira antiga: uma amiga em comum nos apresentou numa festa no verão. Estávamos encostados no balcão da cozinha, repleto de copos de papelão, garrafas de sucos de frutas e pirulitos.

Não falamos muito naquele primeiro encontro. Eu não parava de reparar nos seus olhos cor de âmbar, lábios carnudos e mãos fortes. Ele parecia encaixar bem no perfil para ter um ótimo caso (o meu primeiro), alguém que eu pudesse usar para um sexo descomplicado.

Ilustração de Brian Rea/The New York Times. 

Depois da festa, pedi à amiga em comum que nos apresentasse. Ela concordou, mas disse: “Acho ele legal, desde que você não queira nada sério”.

“Perfeito”, pensei. Não tinha mesmo nenhuma intenção de levá-lo a sério ou mesmo de continuar encontrando com ele depois daquele verão. Ele não era o meu tipo.

Albert era um homem ocupado: estudava construção em uma escola técnica; era dono de uma empresa pequena de entretenimento; empresário do início de carreira de amigos rappers; desenhava e vendia camisetas brancas com frases ilustradas com fonte gótica. E, além disso, era pai de duas crianças, de mulheres diferentes, com as quais não tinha uma relação séria nesses momentos.

Nós tínhamos algumas coisas em comum. Albert tinha cerca de um ano a mais do que eu, havia crescido a menos de 20 minutos do lugar onde eu cresci, e também era oriundo das escolas públicas de Los Angeles. Entretanto, nós nos idealizamos reciprocamente baseados em nossas diferenças, percebendo o outro através das lentes dos clichês estereotipados de negros.

Para ser franca, eu reduzi Albert a um “cara da quebrada”. E aos seus olhos, eu era uma garota nerd, magrinha, negra de pele clara, que falava inglês com a ressonância correta e expressões adequadas para uma assimilação perfeita em espaços dominados pelos brancos. Frequentemente, ele me chamava de “branqueada” e ria do meu desejo de estudar em instituições de ensino superior predominantemente brancas, de viajar para outros países e de respeitar as regras.

Eu estava prestes a entrar em uma época da minha vida em que achava que me sentiria negligente por nunca ter experimentado pelo menos uma relação sexual casual. Queria que este verão constituísse um marco na minha vida antes de começar minha visão certinha de adulta respeitável. Um verão em que eu me concederia os prazeres de viver a vida fora do script.

Tinha 23 anos, era solteira e estava de volta a Los Angeles depois de passar um ano morando em Hong Kong com uma bolsa de estudos de prestígio. Voltara para casa para apresentar meu pedido de matrícula numa faculdade de direito antes de partir para destinos internacionais em um segundo ano sabático. Queria algo para fazer entre a prática de jogos de lógica e a escrita de declarações sobre o motivo pelo qual eu achava que ir para uma faculdade de direito em Nova York seria um empreendimento frutífero.

Albert preenchia esses momentos. E se tornou algo meu.

No começo, ficamos muito bem mantendo as coisas de maneira superficial e representando os rótulos que colocamos um no outro. Eu queria um bom sexo com Albert – muito sexo – e nada mais. Ele parecia compreender.

“Então, digamos que eu decida fazer sexo com você esta noite”, eu disse. “E depois?” “Depois, espero que possamos fazer isso mais vezes”, respondeu Albert.

Sem que a gente soubesse na época, suas palavras foram como um feitiço que soldou firmemente a nossa ligação.

A nossa distância emocional nos permitia ser vulneráveis e sem restrições como não poderíamos ser com qualquer outra pessoa. Éramos honestos um com o outro. Sem nenhum jogo.

Para as minhas amigas que criticavam o meu envolvimento com um homem que não tinha um diploma ou uma profissão atraente, deixei claro que o nosso caso seria temporário e que as nossas intenções eram mútuas.

Eu não me importava com o ego de Albert. Não ligava para os seus sentimentos. E me sentia livre para dizer a ele o que eu queria e não queria. Ele estava disposto a satisfazer as minhas curiosidades porque eu ousava compartilhá-las com ele.

Naquele verão, passamos todos os momentos livres que tínhamos agarrados, em geral no quarto dele na casa do tio. Albert se encontrava comigo do lado de fora e me dizia onde seria seguro estacionar o meu carro. Ele me levava para almoçar no Subway quando precisávamos de uma pausa. Quando sentíamos a necessidade de fazer exercícios ao ar livre, corríamos pelas dunas de areia, perto de Manhattan Beach.

Quando estávamos distantes, ele me telefonava para saber como estavam indo meus formulários de matrícula. A cada gesto delicado e atencioso, eu sentia que os nossos limites emocionais começavam a se desfazer.

Depois daquele verão, a minha situação com Albert me acompanhou pelo mundo afora e na volta – pelos 12 anos seguintes. Ele se tornou o meu namorado, meu amante intermitente.

Quando estávamos juntos e eu estava longe, mandava e-mails para ele e textos com imagens em que aparecia em festas no Rio de Janeiro, bebendo cerveja em Barcelona e tomando sol no Haiti. Eu mandava instruções detalhadas explicando que números ele deveria apertar no seu celular para falar com o meu aparelho pré-pago. Trocamos muitas mensagens falando da contagem regressiva dos dias até estarmos juntos de novo: “Só faltam 49 dias...”

Ele era a primeira pessoa que eu informava quando visitava Los Angeles, mesmo que fosse apenas por alguns dias, e sempre tínhamos tempo para saber das últimas novidades um do outro.

Quando ficávamos longe um do outro, era porque eu estava em um relacionamento sério. Encontros de verdade para mim e Albert estavam estritamente fora de questão e os nossos e-mails e as mensagens escritas não passavam de frases feitas, de clichês: “Como tem passado?”, “Feliz Aniversário!”, “Espero que você e a sua família tenham férias sensacionais”.

Voltamos a manter conversas educadas e amistosas quando me mudei novamente para Los Angeles indefinidamente aos 30 anos. Mandei um e-mail para ele dizendo que estava na cidade, acrescentando: “A não ser que o destino determine que os nossos caminhos se cruzem por acidente, um encontro não será viável neste momento”.

“Continuo sendo um dos seus maiores fãs”, ele escreveu, “e espero que você também seja feliz”.

Não podia voltar com ele porque havia começado a namorar um velho amigo da universidade, cujo histórico era semelhante ao meu: filho de imigrantes negros, formado em uma universidade de ponta, um exemplo de desenvolvimento corporativo. Pensei que casaria com esse homem de grandes realizações. Também pensei que finalmente havia cortado os laços que me prendiam a Albert.

Errei nos dois casos.

No ano passado, quatro meses depois de terminar com aquele homem faltando poucos meses para nos casarmos, Albert e eu voltamos – mais uma vez – a Manhattan Beach. Finalmente, estávamos no mesmo lugar e solteiros ao mesmo tempo. E as coisas pareciam diferentes porque eram diferentes.

Aos 34 anos, eu não estava mais advogando em direito corporativo, havia sido traída pelo amor e estava desempregada. O choque, o constrangimento e a tristeza por ter de cancelar o meu casamento e desligar a minha vida do ex começaram a desaparecer. Minhas recentes experiências haviam colocado o meu roteiro em uma trituradora industrial.

Fiquei sabendo que a vida havia ensinado a Albert lições semelhantes.

“Não tenho família”, ele disse de uma forma leviana quando perguntei como eles estavam.

Ele me disse que estava concentrado em expandir a sua empresa de mudanças e em ser um bom pai. Ele teve mais uma filha da mãe de seu segundo filho, e embora tivessem tentado viver juntos como um casal, terminaram e decidiram que seria melhor ficarem separados, mas ambos responsáveis pelas filhas. Nós dois estávamos curando traumas de relacionamentos vivendo vidas de ficção.

Albert disse que eu não saí de sua cabeça nos últimos quatro anos. “Você é excepcional”, afirmou. “Amei você, só não sabia como tratá-la. Agora sei”.

Falei que ele era, em parte, responsável pelo meu crescimento entre relacionamentos de longo prazo. O nosso vínculo era um constante lembrete de que havia alguém que existia e que poderia fazer com que eu me sentisse livre e aberta e com o qual poderia ser totalmente honesta. Mesmo durante o meu relacionamento com o homem com quem planejara casar, a minha ligação com Albert frequentemente me lembrava de que eu merecia alguém com quem me sentisse segura para revelar todo o meu íntimo – o melhor de mim mesma.

Nenhum de nós tinha pressa de ligarmos as nossas vidas indissoluvelmente em um novo relacionamento que exigia rótulos.

“Quero que você me leve com você,” disse a Albert. “Quero que comecemos a namorar de verdade”.

“Seja lá quanto tempo passaremos juntos”, ele disse, “vou tentar fazer valer a pena”.

Naquele dia, nos separamos com um longo abraço, um beijo no meu pescoço e um aperto nos braços.

Albert e eu estamos cansados de estar amarrados aos nossos papéis de companheiros inadequados, deliciosamente incorretos na narrativa da vida do outro. Depois de 12 anos de algo casual, está na hora de sermos algo mais. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Tudo Sobre

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.