Modern Love: Meu marido é dois anos mais velho que meu filho


Nossa diferença de idade de 19 anos parece traiçoeira e gera muita fofoca – mas também é a melhor coisa que já aconteceu comigo

Por Cat Powell-Hoffmann

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE – Nós nos casamos há mais de dois anos, mas ainda temos nossos momentos quase todas as noites. Meus amigos e familiares se irritam quando ignoro suas ligações porque estou arrumando a casa, acendendo velas e preparando o jantar. Por volta das sete da noite, meu marido e eu afundamos nas almofadas do sofá, com os pratos nas mãos, para assistir a um filme ou ouvir música. Nada extravagante, só aconchego e romantismo.

Os amigos dizem: “Espere só até vocês completarem sete anos juntos” ou “Isso é só a fase da lua de mel. Vocês vão enjoar um do outro”.

Pode ser, mas até agora parece que estamos indo na direção oposta.

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É o primeiro casamento dele, e o meu terceiro. Minutos antes de dizermos sim naquele dia chuvoso no cartório, minha futura sogra disse: “Ele será seu último amor e você será o único amor dele”.

No trabalho, ele era espirituoso e dava uma de sedutor sempre que eu estava por perto, o que me fazia ficar vermelha. Foto: Brian Rea/The New York Times

Se você tivesse me perguntado, cinco anos atrás, se eu voltaria a namorar, eu teria dito: “Nem daqui a um milhão de anos”. Eu era uma mulher de meia-idade pedindo o divórcio e dormindo na sala até meu então marido sair de casa. Nossa separação não foi exatamente amigável, mas também não foi uma guerra. Acho que nós dois sabíamos que estava tudo acabado.

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Concordamos que ele poderia levar quase tudo – menos sofá, mesa de centro e tapete de ioga. Ele tinha comprado a maior parte, então parecia justo. Depois que ele partiu, minha vida parecia livre e desimpedida, e eu queria que continuasse assim.

Trabalho como maquiadora freelancer em Portland, Oregon, mas o negócio estava meio devagar naquela época, então, para arranjar uma renda extra, consegui um emprego de caixa no Fred Meyer, o supermercado do bairro, onde conheci Tylan.

Ele era lindo: cabelos compridos, olhos azuis penetrantes e um guarda-roupa meio hippie. E também trabalhava como caixa, mas tinha responsabilidades de gestão.

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Quando veio a pandemia, meu trabalho de maquiagem parou de vez e passei a depender do emprego no Fred Meyer, que, como era uma atividade essencial, continuou aberto mesmo durante o pior da covid.

Não foi fácil. O lugar ficava lotado e estressante, às vezes hostil e até violento. Mas de vez em quando os clientes expressavam gratidão – era como engolir uma colher de chá de ouro em pó, um reforço instantâneo na minha autoestima.

Às vezes, depois do trabalho, nós, funcionários, comprávamos cerveja e ficávamos na calçada, bebendo sob a luz fraca de um poste de rua. Nos dias de folga, fazíamos piquenique no parque ali perto. Minha contribuição geralmente consistia em tortilhas e garrafas de cidra, outros traziam doces e uísque, os mais sofisticados compravam algo quente na confeitaria.

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Tylan geralmente ficava trabalhando durante essas saídas, mas, antes de começar o turno, passava para dar um oi. Eu e ele trocávamos olhares secretos, às vezes rolava um roçar nas pontas dos dedos. Quando ele aparecia, era eletrizante, mas também assustador. Eu me sentia atraída por ele. Mas tinha 46 anos, um a menos que sua mãe, e ele tinha 27, dois a mais que meu filho.

No trabalho, ele era espirituoso e dava uma de sedutor sempre que eu estava por perto, o que me fazia ficar vermelha – e eu nunca fico vermelha. Sempre que ele estava no caixa e eu empacotando, ele sorria para mim e dizia ao cliente: “Esta aqui é a Cat, minha maravilhosa assistente e empacotadora”.

Ele me apresentou o emo-rock e eu lhe apresentei o obscuro slowcore. Tomávamos hidromel, testávamos novas receitas e falávamos sobre música, metas de carreira e, às vezes, nossas vidas amorosas. A minha nem existia e eu estava bem com isso. Ele estava solteiro, esperando a pessoa certa. Algumas vezes até tentei arrumar amigas para ele, mas nunca deu certo.

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Um belo dia, na casa dele, Tylan fez tanta palhaçada e me fez rir tanto que simplesmente botei as pernas no seu colo. Deu uma sensação boa me desembaraçar assim. Eu me lembro da luz nos olhos dele quando isso aconteceu: talvez fosse surpresa, talvez fosse prazer, talvez uma combinação das duas coisas.

Quando éramos apenas amigos e colegas de trabalho, a diferença de idade não era uma questão. Mas e como casal? Quando começamos a namorar, fiquei apavorada. Nossa diferença de idade de 19 anos parecia traiçoeira, o tipo de coisa sobre a qual as pessoas ficam fofocando e falando mal. Eu tinha medo que as pessoas pensassem que eu era muito bizarra e me chamassem de papa-anjo ou algo assim. Os poucos selecionados que sabiam do nosso relacionamento às vezes perguntavam: “Como vocês começaram?”

Eu ficava na defensiva e sentia a necessidade de dizer: “Simplesmente aconteceu. Eu não fiquei correndo atrás dele, foi ele que veio atrás de mim!”

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Como coreana adotada nos Estados Unidos, nunca me senti muito normal e abracei uma vida excêntrica, criei meu filho sozinha e não me curvei à pressão das convenções. A pandemia tinha abalado a vida das pessoas de muitas maneiras, levando-as a reavaliar seu trabalho, seu casamento, sua felicidade – ou sua tristeza. Mesmo assim, eu não conseguia enxergar um futuro com Tylan, porque nossa diferença de idade era um tabu para mim.

Mas ele foi incansável. Dizia coisas como: “É só um número, Cat. Eu te amo e adoro até essas ruguinhas nos seus olhos”.

Eu não sabia que tinha pés de galinha, mas agora, além das rugas, tinha uma série de perguntas: tudo bem para ele se não tivéssemos filhos? Ele ainda iria me desejar quando meus pés de galinha virassem pernas inteiras?

Eu sabia muito bem que esse tipo de romance trazia complicações, mas não tinha certeza se Tylan sabia. Se ficássemos juntos, ele iria me ver envelhecer e talvez até enfrentar problemas de saúde que vêm com a idade e tudo mais. Será que ele mudaria de ideia sobre mim? Eu achava que o importante na meia-idade era ter confiança e estabilidade, mas aqui estava eu, me sentindo pequena e insegura.

Além disso, tinha a questão de conhecer seus amigos e familiares. Tylan dizia coisas tipo: “Eles vão adorar você, porque eu adoro”. Mas eu sabia que seria mais fácil me adorar se tivéssemos idades mais próximas. Mesmo 10 anos de diferença já é muito mais aceitável do que 19. Você simplesmente não ouve falar de casais com tanta diferença de idade, especialmente quando a mulher é a mais velha.

No primeiro ano, conseguimos manter um relacionamento tranquilo. Mergulhamos pelados no rio à meia-noite, demos amassos no nosso pufe de veludo, acampamos no meio da sala com uma barraca de lençóis. E, então, um belo dia, Tylan se ajoelhou e me pediu em casamento. Fiquei atordoada, sem palavras. Só quando Tylan perguntou “Sim ou não?” é que balancei a cabeça e balbuciei: “Sim!”

Tylan fez o pedido com um daqueles anéis que vêm nas embalagens de chocolate. Dei um igual para ele. A cada poucos meses, trocávamos nossos anéis de noivado numa loja de bugigangas. A essa altura, já morávamos juntos e os colegas de trabalho começavam a suspeitar. Especialmente por causa dos nossos dedos cheios de joias.

A notícia acabou se espalhando – e chocou todo mundo que nos conhecia. Eu já tinha contado ao meu filho, que a princípio se opôs. Quando eu tentava conversar com ele sobre o assunto, ele me dispensava dizendo: “Não estou pronto, mãe. É muito esquisito para mim”.

Parecia que eu estava confessando um pecado e, ainda assim, mesmo com todas as histórias sombrias que passavam na minha cabeça, também parecia a coisa certa a se fazer. Entendi as reservas do meu filho, então lhe dei mais tempo. Mas não demorou muito. Assim que ele viu a alegria nos meus olhos e ouviu as risadas tarde da noite na sala de estar, ele começou a se dar bem com Tylan. Acho que meu filho nunca me viu tão contente e viva com mais ninguém.

No dia do nosso casamento, ele disse: “Mãe, estou muito feliz por você. Tylan é um cara bacana. Eu aprovo”. Ouvir sua aprovação me trouxe de volta aquelas colheres de chá de ouro em pó – mas dessa vez era uma concha cheia até a boca.

Meu casamento não é nem um pouco convencional, mas é perfeito para nós. Tylan traz à tona o que há de melhor em mim e gosto de pensar que faço o mesmo por ele. Sou uma mulher com história e experiência, o que o entusiasma. Ele é um homem com novas perspectivas e sensibilidades, o que me ensina muito. Não é uma coisa fácil de se encontrar na mesma faixa etária.

Sim, às vezes ainda me preocupo com o que as pessoas pensam. Mas, se elas repararem nos meus pés de galinha, vão saber que é porque estou sempre sorrindo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE – Nós nos casamos há mais de dois anos, mas ainda temos nossos momentos quase todas as noites. Meus amigos e familiares se irritam quando ignoro suas ligações porque estou arrumando a casa, acendendo velas e preparando o jantar. Por volta das sete da noite, meu marido e eu afundamos nas almofadas do sofá, com os pratos nas mãos, para assistir a um filme ou ouvir música. Nada extravagante, só aconchego e romantismo.

Os amigos dizem: “Espere só até vocês completarem sete anos juntos” ou “Isso é só a fase da lua de mel. Vocês vão enjoar um do outro”.

Pode ser, mas até agora parece que estamos indo na direção oposta.

É o primeiro casamento dele, e o meu terceiro. Minutos antes de dizermos sim naquele dia chuvoso no cartório, minha futura sogra disse: “Ele será seu último amor e você será o único amor dele”.

No trabalho, ele era espirituoso e dava uma de sedutor sempre que eu estava por perto, o que me fazia ficar vermelha. Foto: Brian Rea/The New York Times

Se você tivesse me perguntado, cinco anos atrás, se eu voltaria a namorar, eu teria dito: “Nem daqui a um milhão de anos”. Eu era uma mulher de meia-idade pedindo o divórcio e dormindo na sala até meu então marido sair de casa. Nossa separação não foi exatamente amigável, mas também não foi uma guerra. Acho que nós dois sabíamos que estava tudo acabado.

Concordamos que ele poderia levar quase tudo – menos sofá, mesa de centro e tapete de ioga. Ele tinha comprado a maior parte, então parecia justo. Depois que ele partiu, minha vida parecia livre e desimpedida, e eu queria que continuasse assim.

Trabalho como maquiadora freelancer em Portland, Oregon, mas o negócio estava meio devagar naquela época, então, para arranjar uma renda extra, consegui um emprego de caixa no Fred Meyer, o supermercado do bairro, onde conheci Tylan.

Ele era lindo: cabelos compridos, olhos azuis penetrantes e um guarda-roupa meio hippie. E também trabalhava como caixa, mas tinha responsabilidades de gestão.

Quando veio a pandemia, meu trabalho de maquiagem parou de vez e passei a depender do emprego no Fred Meyer, que, como era uma atividade essencial, continuou aberto mesmo durante o pior da covid.

Não foi fácil. O lugar ficava lotado e estressante, às vezes hostil e até violento. Mas de vez em quando os clientes expressavam gratidão – era como engolir uma colher de chá de ouro em pó, um reforço instantâneo na minha autoestima.

Às vezes, depois do trabalho, nós, funcionários, comprávamos cerveja e ficávamos na calçada, bebendo sob a luz fraca de um poste de rua. Nos dias de folga, fazíamos piquenique no parque ali perto. Minha contribuição geralmente consistia em tortilhas e garrafas de cidra, outros traziam doces e uísque, os mais sofisticados compravam algo quente na confeitaria.

Tylan geralmente ficava trabalhando durante essas saídas, mas, antes de começar o turno, passava para dar um oi. Eu e ele trocávamos olhares secretos, às vezes rolava um roçar nas pontas dos dedos. Quando ele aparecia, era eletrizante, mas também assustador. Eu me sentia atraída por ele. Mas tinha 46 anos, um a menos que sua mãe, e ele tinha 27, dois a mais que meu filho.

No trabalho, ele era espirituoso e dava uma de sedutor sempre que eu estava por perto, o que me fazia ficar vermelha – e eu nunca fico vermelha. Sempre que ele estava no caixa e eu empacotando, ele sorria para mim e dizia ao cliente: “Esta aqui é a Cat, minha maravilhosa assistente e empacotadora”.

Ele me apresentou o emo-rock e eu lhe apresentei o obscuro slowcore. Tomávamos hidromel, testávamos novas receitas e falávamos sobre música, metas de carreira e, às vezes, nossas vidas amorosas. A minha nem existia e eu estava bem com isso. Ele estava solteiro, esperando a pessoa certa. Algumas vezes até tentei arrumar amigas para ele, mas nunca deu certo.

Um belo dia, na casa dele, Tylan fez tanta palhaçada e me fez rir tanto que simplesmente botei as pernas no seu colo. Deu uma sensação boa me desembaraçar assim. Eu me lembro da luz nos olhos dele quando isso aconteceu: talvez fosse surpresa, talvez fosse prazer, talvez uma combinação das duas coisas.

Quando éramos apenas amigos e colegas de trabalho, a diferença de idade não era uma questão. Mas e como casal? Quando começamos a namorar, fiquei apavorada. Nossa diferença de idade de 19 anos parecia traiçoeira, o tipo de coisa sobre a qual as pessoas ficam fofocando e falando mal. Eu tinha medo que as pessoas pensassem que eu era muito bizarra e me chamassem de papa-anjo ou algo assim. Os poucos selecionados que sabiam do nosso relacionamento às vezes perguntavam: “Como vocês começaram?”

Eu ficava na defensiva e sentia a necessidade de dizer: “Simplesmente aconteceu. Eu não fiquei correndo atrás dele, foi ele que veio atrás de mim!”

Como coreana adotada nos Estados Unidos, nunca me senti muito normal e abracei uma vida excêntrica, criei meu filho sozinha e não me curvei à pressão das convenções. A pandemia tinha abalado a vida das pessoas de muitas maneiras, levando-as a reavaliar seu trabalho, seu casamento, sua felicidade – ou sua tristeza. Mesmo assim, eu não conseguia enxergar um futuro com Tylan, porque nossa diferença de idade era um tabu para mim.

Mas ele foi incansável. Dizia coisas como: “É só um número, Cat. Eu te amo e adoro até essas ruguinhas nos seus olhos”.

Eu não sabia que tinha pés de galinha, mas agora, além das rugas, tinha uma série de perguntas: tudo bem para ele se não tivéssemos filhos? Ele ainda iria me desejar quando meus pés de galinha virassem pernas inteiras?

Eu sabia muito bem que esse tipo de romance trazia complicações, mas não tinha certeza se Tylan sabia. Se ficássemos juntos, ele iria me ver envelhecer e talvez até enfrentar problemas de saúde que vêm com a idade e tudo mais. Será que ele mudaria de ideia sobre mim? Eu achava que o importante na meia-idade era ter confiança e estabilidade, mas aqui estava eu, me sentindo pequena e insegura.

Além disso, tinha a questão de conhecer seus amigos e familiares. Tylan dizia coisas tipo: “Eles vão adorar você, porque eu adoro”. Mas eu sabia que seria mais fácil me adorar se tivéssemos idades mais próximas. Mesmo 10 anos de diferença já é muito mais aceitável do que 19. Você simplesmente não ouve falar de casais com tanta diferença de idade, especialmente quando a mulher é a mais velha.

No primeiro ano, conseguimos manter um relacionamento tranquilo. Mergulhamos pelados no rio à meia-noite, demos amassos no nosso pufe de veludo, acampamos no meio da sala com uma barraca de lençóis. E, então, um belo dia, Tylan se ajoelhou e me pediu em casamento. Fiquei atordoada, sem palavras. Só quando Tylan perguntou “Sim ou não?” é que balancei a cabeça e balbuciei: “Sim!”

Tylan fez o pedido com um daqueles anéis que vêm nas embalagens de chocolate. Dei um igual para ele. A cada poucos meses, trocávamos nossos anéis de noivado numa loja de bugigangas. A essa altura, já morávamos juntos e os colegas de trabalho começavam a suspeitar. Especialmente por causa dos nossos dedos cheios de joias.

A notícia acabou se espalhando – e chocou todo mundo que nos conhecia. Eu já tinha contado ao meu filho, que a princípio se opôs. Quando eu tentava conversar com ele sobre o assunto, ele me dispensava dizendo: “Não estou pronto, mãe. É muito esquisito para mim”.

Parecia que eu estava confessando um pecado e, ainda assim, mesmo com todas as histórias sombrias que passavam na minha cabeça, também parecia a coisa certa a se fazer. Entendi as reservas do meu filho, então lhe dei mais tempo. Mas não demorou muito. Assim que ele viu a alegria nos meus olhos e ouviu as risadas tarde da noite na sala de estar, ele começou a se dar bem com Tylan. Acho que meu filho nunca me viu tão contente e viva com mais ninguém.

No dia do nosso casamento, ele disse: “Mãe, estou muito feliz por você. Tylan é um cara bacana. Eu aprovo”. Ouvir sua aprovação me trouxe de volta aquelas colheres de chá de ouro em pó – mas dessa vez era uma concha cheia até a boca.

Meu casamento não é nem um pouco convencional, mas é perfeito para nós. Tylan traz à tona o que há de melhor em mim e gosto de pensar que faço o mesmo por ele. Sou uma mulher com história e experiência, o que o entusiasma. Ele é um homem com novas perspectivas e sensibilidades, o que me ensina muito. Não é uma coisa fácil de se encontrar na mesma faixa etária.

Sim, às vezes ainda me preocupo com o que as pessoas pensam. Mas, se elas repararem nos meus pés de galinha, vão saber que é porque estou sempre sorrindo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE – Nós nos casamos há mais de dois anos, mas ainda temos nossos momentos quase todas as noites. Meus amigos e familiares se irritam quando ignoro suas ligações porque estou arrumando a casa, acendendo velas e preparando o jantar. Por volta das sete da noite, meu marido e eu afundamos nas almofadas do sofá, com os pratos nas mãos, para assistir a um filme ou ouvir música. Nada extravagante, só aconchego e romantismo.

Os amigos dizem: “Espere só até vocês completarem sete anos juntos” ou “Isso é só a fase da lua de mel. Vocês vão enjoar um do outro”.

Pode ser, mas até agora parece que estamos indo na direção oposta.

É o primeiro casamento dele, e o meu terceiro. Minutos antes de dizermos sim naquele dia chuvoso no cartório, minha futura sogra disse: “Ele será seu último amor e você será o único amor dele”.

No trabalho, ele era espirituoso e dava uma de sedutor sempre que eu estava por perto, o que me fazia ficar vermelha. Foto: Brian Rea/The New York Times

Se você tivesse me perguntado, cinco anos atrás, se eu voltaria a namorar, eu teria dito: “Nem daqui a um milhão de anos”. Eu era uma mulher de meia-idade pedindo o divórcio e dormindo na sala até meu então marido sair de casa. Nossa separação não foi exatamente amigável, mas também não foi uma guerra. Acho que nós dois sabíamos que estava tudo acabado.

Concordamos que ele poderia levar quase tudo – menos sofá, mesa de centro e tapete de ioga. Ele tinha comprado a maior parte, então parecia justo. Depois que ele partiu, minha vida parecia livre e desimpedida, e eu queria que continuasse assim.

Trabalho como maquiadora freelancer em Portland, Oregon, mas o negócio estava meio devagar naquela época, então, para arranjar uma renda extra, consegui um emprego de caixa no Fred Meyer, o supermercado do bairro, onde conheci Tylan.

Ele era lindo: cabelos compridos, olhos azuis penetrantes e um guarda-roupa meio hippie. E também trabalhava como caixa, mas tinha responsabilidades de gestão.

Quando veio a pandemia, meu trabalho de maquiagem parou de vez e passei a depender do emprego no Fred Meyer, que, como era uma atividade essencial, continuou aberto mesmo durante o pior da covid.

Não foi fácil. O lugar ficava lotado e estressante, às vezes hostil e até violento. Mas de vez em quando os clientes expressavam gratidão – era como engolir uma colher de chá de ouro em pó, um reforço instantâneo na minha autoestima.

Às vezes, depois do trabalho, nós, funcionários, comprávamos cerveja e ficávamos na calçada, bebendo sob a luz fraca de um poste de rua. Nos dias de folga, fazíamos piquenique no parque ali perto. Minha contribuição geralmente consistia em tortilhas e garrafas de cidra, outros traziam doces e uísque, os mais sofisticados compravam algo quente na confeitaria.

Tylan geralmente ficava trabalhando durante essas saídas, mas, antes de começar o turno, passava para dar um oi. Eu e ele trocávamos olhares secretos, às vezes rolava um roçar nas pontas dos dedos. Quando ele aparecia, era eletrizante, mas também assustador. Eu me sentia atraída por ele. Mas tinha 46 anos, um a menos que sua mãe, e ele tinha 27, dois a mais que meu filho.

No trabalho, ele era espirituoso e dava uma de sedutor sempre que eu estava por perto, o que me fazia ficar vermelha – e eu nunca fico vermelha. Sempre que ele estava no caixa e eu empacotando, ele sorria para mim e dizia ao cliente: “Esta aqui é a Cat, minha maravilhosa assistente e empacotadora”.

Ele me apresentou o emo-rock e eu lhe apresentei o obscuro slowcore. Tomávamos hidromel, testávamos novas receitas e falávamos sobre música, metas de carreira e, às vezes, nossas vidas amorosas. A minha nem existia e eu estava bem com isso. Ele estava solteiro, esperando a pessoa certa. Algumas vezes até tentei arrumar amigas para ele, mas nunca deu certo.

Um belo dia, na casa dele, Tylan fez tanta palhaçada e me fez rir tanto que simplesmente botei as pernas no seu colo. Deu uma sensação boa me desembaraçar assim. Eu me lembro da luz nos olhos dele quando isso aconteceu: talvez fosse surpresa, talvez fosse prazer, talvez uma combinação das duas coisas.

Quando éramos apenas amigos e colegas de trabalho, a diferença de idade não era uma questão. Mas e como casal? Quando começamos a namorar, fiquei apavorada. Nossa diferença de idade de 19 anos parecia traiçoeira, o tipo de coisa sobre a qual as pessoas ficam fofocando e falando mal. Eu tinha medo que as pessoas pensassem que eu era muito bizarra e me chamassem de papa-anjo ou algo assim. Os poucos selecionados que sabiam do nosso relacionamento às vezes perguntavam: “Como vocês começaram?”

Eu ficava na defensiva e sentia a necessidade de dizer: “Simplesmente aconteceu. Eu não fiquei correndo atrás dele, foi ele que veio atrás de mim!”

Como coreana adotada nos Estados Unidos, nunca me senti muito normal e abracei uma vida excêntrica, criei meu filho sozinha e não me curvei à pressão das convenções. A pandemia tinha abalado a vida das pessoas de muitas maneiras, levando-as a reavaliar seu trabalho, seu casamento, sua felicidade – ou sua tristeza. Mesmo assim, eu não conseguia enxergar um futuro com Tylan, porque nossa diferença de idade era um tabu para mim.

Mas ele foi incansável. Dizia coisas como: “É só um número, Cat. Eu te amo e adoro até essas ruguinhas nos seus olhos”.

Eu não sabia que tinha pés de galinha, mas agora, além das rugas, tinha uma série de perguntas: tudo bem para ele se não tivéssemos filhos? Ele ainda iria me desejar quando meus pés de galinha virassem pernas inteiras?

Eu sabia muito bem que esse tipo de romance trazia complicações, mas não tinha certeza se Tylan sabia. Se ficássemos juntos, ele iria me ver envelhecer e talvez até enfrentar problemas de saúde que vêm com a idade e tudo mais. Será que ele mudaria de ideia sobre mim? Eu achava que o importante na meia-idade era ter confiança e estabilidade, mas aqui estava eu, me sentindo pequena e insegura.

Além disso, tinha a questão de conhecer seus amigos e familiares. Tylan dizia coisas tipo: “Eles vão adorar você, porque eu adoro”. Mas eu sabia que seria mais fácil me adorar se tivéssemos idades mais próximas. Mesmo 10 anos de diferença já é muito mais aceitável do que 19. Você simplesmente não ouve falar de casais com tanta diferença de idade, especialmente quando a mulher é a mais velha.

No primeiro ano, conseguimos manter um relacionamento tranquilo. Mergulhamos pelados no rio à meia-noite, demos amassos no nosso pufe de veludo, acampamos no meio da sala com uma barraca de lençóis. E, então, um belo dia, Tylan se ajoelhou e me pediu em casamento. Fiquei atordoada, sem palavras. Só quando Tylan perguntou “Sim ou não?” é que balancei a cabeça e balbuciei: “Sim!”

Tylan fez o pedido com um daqueles anéis que vêm nas embalagens de chocolate. Dei um igual para ele. A cada poucos meses, trocávamos nossos anéis de noivado numa loja de bugigangas. A essa altura, já morávamos juntos e os colegas de trabalho começavam a suspeitar. Especialmente por causa dos nossos dedos cheios de joias.

A notícia acabou se espalhando – e chocou todo mundo que nos conhecia. Eu já tinha contado ao meu filho, que a princípio se opôs. Quando eu tentava conversar com ele sobre o assunto, ele me dispensava dizendo: “Não estou pronto, mãe. É muito esquisito para mim”.

Parecia que eu estava confessando um pecado e, ainda assim, mesmo com todas as histórias sombrias que passavam na minha cabeça, também parecia a coisa certa a se fazer. Entendi as reservas do meu filho, então lhe dei mais tempo. Mas não demorou muito. Assim que ele viu a alegria nos meus olhos e ouviu as risadas tarde da noite na sala de estar, ele começou a se dar bem com Tylan. Acho que meu filho nunca me viu tão contente e viva com mais ninguém.

No dia do nosso casamento, ele disse: “Mãe, estou muito feliz por você. Tylan é um cara bacana. Eu aprovo”. Ouvir sua aprovação me trouxe de volta aquelas colheres de chá de ouro em pó – mas dessa vez era uma concha cheia até a boca.

Meu casamento não é nem um pouco convencional, mas é perfeito para nós. Tylan traz à tona o que há de melhor em mim e gosto de pensar que faço o mesmo por ele. Sou uma mulher com história e experiência, o que o entusiasma. Ele é um homem com novas perspectivas e sensibilidades, o que me ensina muito. Não é uma coisa fácil de se encontrar na mesma faixa etária.

Sim, às vezes ainda me preocupo com o que as pessoas pensam. Mas, se elas repararem nos meus pés de galinha, vão saber que é porque estou sempre sorrindo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE – Nós nos casamos há mais de dois anos, mas ainda temos nossos momentos quase todas as noites. Meus amigos e familiares se irritam quando ignoro suas ligações porque estou arrumando a casa, acendendo velas e preparando o jantar. Por volta das sete da noite, meu marido e eu afundamos nas almofadas do sofá, com os pratos nas mãos, para assistir a um filme ou ouvir música. Nada extravagante, só aconchego e romantismo.

Os amigos dizem: “Espere só até vocês completarem sete anos juntos” ou “Isso é só a fase da lua de mel. Vocês vão enjoar um do outro”.

Pode ser, mas até agora parece que estamos indo na direção oposta.

É o primeiro casamento dele, e o meu terceiro. Minutos antes de dizermos sim naquele dia chuvoso no cartório, minha futura sogra disse: “Ele será seu último amor e você será o único amor dele”.

No trabalho, ele era espirituoso e dava uma de sedutor sempre que eu estava por perto, o que me fazia ficar vermelha. Foto: Brian Rea/The New York Times

Se você tivesse me perguntado, cinco anos atrás, se eu voltaria a namorar, eu teria dito: “Nem daqui a um milhão de anos”. Eu era uma mulher de meia-idade pedindo o divórcio e dormindo na sala até meu então marido sair de casa. Nossa separação não foi exatamente amigável, mas também não foi uma guerra. Acho que nós dois sabíamos que estava tudo acabado.

Concordamos que ele poderia levar quase tudo – menos sofá, mesa de centro e tapete de ioga. Ele tinha comprado a maior parte, então parecia justo. Depois que ele partiu, minha vida parecia livre e desimpedida, e eu queria que continuasse assim.

Trabalho como maquiadora freelancer em Portland, Oregon, mas o negócio estava meio devagar naquela época, então, para arranjar uma renda extra, consegui um emprego de caixa no Fred Meyer, o supermercado do bairro, onde conheci Tylan.

Ele era lindo: cabelos compridos, olhos azuis penetrantes e um guarda-roupa meio hippie. E também trabalhava como caixa, mas tinha responsabilidades de gestão.

Quando veio a pandemia, meu trabalho de maquiagem parou de vez e passei a depender do emprego no Fred Meyer, que, como era uma atividade essencial, continuou aberto mesmo durante o pior da covid.

Não foi fácil. O lugar ficava lotado e estressante, às vezes hostil e até violento. Mas de vez em quando os clientes expressavam gratidão – era como engolir uma colher de chá de ouro em pó, um reforço instantâneo na minha autoestima.

Às vezes, depois do trabalho, nós, funcionários, comprávamos cerveja e ficávamos na calçada, bebendo sob a luz fraca de um poste de rua. Nos dias de folga, fazíamos piquenique no parque ali perto. Minha contribuição geralmente consistia em tortilhas e garrafas de cidra, outros traziam doces e uísque, os mais sofisticados compravam algo quente na confeitaria.

Tylan geralmente ficava trabalhando durante essas saídas, mas, antes de começar o turno, passava para dar um oi. Eu e ele trocávamos olhares secretos, às vezes rolava um roçar nas pontas dos dedos. Quando ele aparecia, era eletrizante, mas também assustador. Eu me sentia atraída por ele. Mas tinha 46 anos, um a menos que sua mãe, e ele tinha 27, dois a mais que meu filho.

No trabalho, ele era espirituoso e dava uma de sedutor sempre que eu estava por perto, o que me fazia ficar vermelha – e eu nunca fico vermelha. Sempre que ele estava no caixa e eu empacotando, ele sorria para mim e dizia ao cliente: “Esta aqui é a Cat, minha maravilhosa assistente e empacotadora”.

Ele me apresentou o emo-rock e eu lhe apresentei o obscuro slowcore. Tomávamos hidromel, testávamos novas receitas e falávamos sobre música, metas de carreira e, às vezes, nossas vidas amorosas. A minha nem existia e eu estava bem com isso. Ele estava solteiro, esperando a pessoa certa. Algumas vezes até tentei arrumar amigas para ele, mas nunca deu certo.

Um belo dia, na casa dele, Tylan fez tanta palhaçada e me fez rir tanto que simplesmente botei as pernas no seu colo. Deu uma sensação boa me desembaraçar assim. Eu me lembro da luz nos olhos dele quando isso aconteceu: talvez fosse surpresa, talvez fosse prazer, talvez uma combinação das duas coisas.

Quando éramos apenas amigos e colegas de trabalho, a diferença de idade não era uma questão. Mas e como casal? Quando começamos a namorar, fiquei apavorada. Nossa diferença de idade de 19 anos parecia traiçoeira, o tipo de coisa sobre a qual as pessoas ficam fofocando e falando mal. Eu tinha medo que as pessoas pensassem que eu era muito bizarra e me chamassem de papa-anjo ou algo assim. Os poucos selecionados que sabiam do nosso relacionamento às vezes perguntavam: “Como vocês começaram?”

Eu ficava na defensiva e sentia a necessidade de dizer: “Simplesmente aconteceu. Eu não fiquei correndo atrás dele, foi ele que veio atrás de mim!”

Como coreana adotada nos Estados Unidos, nunca me senti muito normal e abracei uma vida excêntrica, criei meu filho sozinha e não me curvei à pressão das convenções. A pandemia tinha abalado a vida das pessoas de muitas maneiras, levando-as a reavaliar seu trabalho, seu casamento, sua felicidade – ou sua tristeza. Mesmo assim, eu não conseguia enxergar um futuro com Tylan, porque nossa diferença de idade era um tabu para mim.

Mas ele foi incansável. Dizia coisas como: “É só um número, Cat. Eu te amo e adoro até essas ruguinhas nos seus olhos”.

Eu não sabia que tinha pés de galinha, mas agora, além das rugas, tinha uma série de perguntas: tudo bem para ele se não tivéssemos filhos? Ele ainda iria me desejar quando meus pés de galinha virassem pernas inteiras?

Eu sabia muito bem que esse tipo de romance trazia complicações, mas não tinha certeza se Tylan sabia. Se ficássemos juntos, ele iria me ver envelhecer e talvez até enfrentar problemas de saúde que vêm com a idade e tudo mais. Será que ele mudaria de ideia sobre mim? Eu achava que o importante na meia-idade era ter confiança e estabilidade, mas aqui estava eu, me sentindo pequena e insegura.

Além disso, tinha a questão de conhecer seus amigos e familiares. Tylan dizia coisas tipo: “Eles vão adorar você, porque eu adoro”. Mas eu sabia que seria mais fácil me adorar se tivéssemos idades mais próximas. Mesmo 10 anos de diferença já é muito mais aceitável do que 19. Você simplesmente não ouve falar de casais com tanta diferença de idade, especialmente quando a mulher é a mais velha.

No primeiro ano, conseguimos manter um relacionamento tranquilo. Mergulhamos pelados no rio à meia-noite, demos amassos no nosso pufe de veludo, acampamos no meio da sala com uma barraca de lençóis. E, então, um belo dia, Tylan se ajoelhou e me pediu em casamento. Fiquei atordoada, sem palavras. Só quando Tylan perguntou “Sim ou não?” é que balancei a cabeça e balbuciei: “Sim!”

Tylan fez o pedido com um daqueles anéis que vêm nas embalagens de chocolate. Dei um igual para ele. A cada poucos meses, trocávamos nossos anéis de noivado numa loja de bugigangas. A essa altura, já morávamos juntos e os colegas de trabalho começavam a suspeitar. Especialmente por causa dos nossos dedos cheios de joias.

A notícia acabou se espalhando – e chocou todo mundo que nos conhecia. Eu já tinha contado ao meu filho, que a princípio se opôs. Quando eu tentava conversar com ele sobre o assunto, ele me dispensava dizendo: “Não estou pronto, mãe. É muito esquisito para mim”.

Parecia que eu estava confessando um pecado e, ainda assim, mesmo com todas as histórias sombrias que passavam na minha cabeça, também parecia a coisa certa a se fazer. Entendi as reservas do meu filho, então lhe dei mais tempo. Mas não demorou muito. Assim que ele viu a alegria nos meus olhos e ouviu as risadas tarde da noite na sala de estar, ele começou a se dar bem com Tylan. Acho que meu filho nunca me viu tão contente e viva com mais ninguém.

No dia do nosso casamento, ele disse: “Mãe, estou muito feliz por você. Tylan é um cara bacana. Eu aprovo”. Ouvir sua aprovação me trouxe de volta aquelas colheres de chá de ouro em pó – mas dessa vez era uma concha cheia até a boca.

Meu casamento não é nem um pouco convencional, mas é perfeito para nós. Tylan traz à tona o que há de melhor em mim e gosto de pensar que faço o mesmo por ele. Sou uma mulher com história e experiência, o que o entusiasma. Ele é um homem com novas perspectivas e sensibilidades, o que me ensina muito. Não é uma coisa fácil de se encontrar na mesma faixa etária.

Sim, às vezes ainda me preocupo com o que as pessoas pensam. Mas, se elas repararem nos meus pés de galinha, vão saber que é porque estou sempre sorrindo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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