Modern Love: o tapa que mudou tudo


Continuei tentando rir e normalizar a agressão sexual dos homens. Por fim, tive que encará-la.

Por Ariella Steinhorn

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Alguns meses atrás, um homem na rua me chamou e depois bateu na minha nádega esquerda. Embora eu estivesse usando um casaco grosso de inverno e o tapa não deixasse marcas, minha pele ficou pulsando. Eu me senti suja. E embora eu não visse sua mão nem mesmo olhasse diretamente para seu rosto, não conseguia parar de visualizar a sujeira endurecida sob suas unhas.

Durante anos, aprendi a me dissociar de situações como essas, para rir delas ou separá-las como algo que está fora da minha vida. Foi especialmente importante para mim deixar esses homens (ou qualquer homem) saberem que não poderiam me machucar de verdade.

Uma agressão física de um assediador não era o padrão, mas, como muitas mulheres, fui assediada rotineiramente simplesmente por ter a aparência que tenho, tive meus limites violados tanto física quanto sexualmente. Começou cedo, quando eu tinha apenas 15 anos, e um grupo de adolescentes do ensino médio me abordou na frente do ponto de ônibus, uma onda de agressões animais que eu não entendia. Talvez eles também não.

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Mais tarde, soube que eles tinham um apelido para mim: “A puta Stein”.

Durante meu primeiro emprego em um restaurante Tex-Mex aos 18 anos, fui a única anfitriã a quem pediram para se vestir com pouca roupa, divertindo desajeitadamente homens bêbados de tequila com três vezes a minha idade. Anos depois, tornou-se uma piada corrente entre meus amigos que eu era uma luz fluorescente atraindo enxames de mariposas macho. Seja qual for o motivo da minha capacidade de atrair esses avanços um tanto estúpidos - seja minha aparência ou mais do que isso - nunca saberei. Começou a parecer algo inevitável.

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas. Foto: Brian Rea/The New York Times
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Agora, aos 30, sei o que você pode dizer e fazer para tentar manter os limites com os homens. Quando eu era mais jovem, não sabia. Aos 17 anos, voltando de Roma para casa, deixei um jovem italiano de 20 e poucos anos massagear minhas costas. Quando ele foi ao banheiro, uma americana de meia-idade que estava por perto me disse: “Você acabou de conhecê-lo - como pôde deixar que ele a tocasse daquele jeito?”

Ao entrar na casa dos 20 anos, fiquei mais dura e com uma espécie de raiva movida pela sobrevivência, sentindo o impulso de me vingar ou revidar. Certa vez, quis contratar um advogado trabalhista para entrar com uma ação legal contra um ex-colega, tendo acordado em sua cama depois de beber demais em uma festa do escritório, sem me lembrar exatamente como cheguei lá.

Contei toda a história ao advogado em uma sala com iluminação fluorescente, construindo meticulosamente uma linha do tempo de meu relacionamento com ele e do incidente. Mas isso não parecia justiça ou cura, e abandonei o esforço.

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Eu mantive a raiva em meu corpo, atacando, deixando-a presa em um lugar de raiva fria e silenciosa, mas não queria me tornar calcificada ou dura. Parecia injusto que eu tivesse que me tornar tão insensível. O que eu mais queria era me mover livre e feliz pelo mundo sem sentir que estava em perigo.

E, de forma egoísta, eu não queria gastar o precioso tempo e os recursos da minha vida para odiar outras pessoas ou responsabilizá-las por seus atos. Seguindo em frente, se os limites fossem violados, eu preferia que eles pensassem que me tiveram, sem nunca me terem de verdade, como punição por seus excessos.

A dissociação tornou-se uma proteção essencial contra a objetificação, uma forma de deixar para trás minha bagagem para me sentir mais leve. Permanecer despreocupada ou insensível era um ato de desafio ao patriarcado, mesmo que isso significasse que, ao longo do caminho, perdesse alguns homens que realmente me amavam.

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Com o tempo, tornei-me muito flexível com meus limites sexuais e românticos e tive dificuldade em permanecer monogâmica. Recusei muitas propostas, mas aceitei passivamente muitas outras. Se fui paquerada, assediada, tocada, humilhada, perseguida ou sim, até mesmo drogada e espancada, tentei rir disso ou aceitar, determinada a não deixar ninguém, nenhum homem ou pessoa que me criticasse, destruir minha alegria ou liberdade. Quanto mais eu conseguia dissociar e desapegar, mais sentia que tinha controle para me impulsionar para frente, vacilando entre congelar e fugir.

Vários homens me disseram que eu me comportava “como um homem” em meus hábitos românticos e de namoro, porque, segundo eles, eu conseguia fazer sexo ou namorar e seguir em frente sem nenhum sentimento de apego, passando de homem para homem. A verdade é que sempre me senti bastante vulnerável, mas não sabia como sobreviver a uma vida aventureira, curiosa ou aberta envolvendo relacionamentos com homens sem algum nível de dissociação.

Mesmo que eu imitasse o que muitos considerariam ser mais um padrão masculino de namoro ou sexo, eu sabia que isso não era o mesmo que ser um homem. Somos criados de maneira muito diferente e não compartilhamos a mesma vulnerabilidade. Os homens não são ensinados a sentir vergonha da mesma forma que as mulheres. Eles não são normalmente chamados de putas. Em geral, eles não precisam se preocupar em levar um tapa na bunda no meio da rua enquanto usam casacos de inverno. Eles não têm tanto medo de serem mortos em algum encontro aleatório.

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Tendo experimentado essa vergonha e medo, aprendi em certos momentos a me separar de mim mesma - a dizer a mim mesma que isso estava acontecendo com alguém que não era eu.

Quando levei o tapa na rua naquele dia, algumas pessoas viram isso acontecer. “Oh meu Deus, você está bem?” uma delas perguntou. Em vez de perguntar: “Como você pôde deixá-lo fazer isso?” outra pessoa disse: “Você está bem?”

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas.

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Odiava a ideia de me definir como vítima, talvez porque isso também exigisse o reconhecimento de um criminoso. Eu não queria ver o mundo humano como tão cruel, tão inerentemente animal. Embora eu carregasse comigo o conhecimento do que alguns homens eram capazes de fazer com meu corpo em uma existência sem limites, não podia olhar diretamente para aquele vazio, nem queria ficar atolada em ódio por essas dezenas de criminosos.

Mas aqui estava eu, confrontada com a realidade de que esse homem da rua não poderia ser definido como outra coisa senão um criminoso. As testemunhas empáticas da situação me impossibilitaram de deixar aquilo pra lá, deixar aquilo escondido em um lugar privado com a porta trancada.

A princípio, meus medos mais profundos flutuaram ao meu redor: você trouxe isso para si mesma. Sua própria existência é uma incitação ao caos e à desordem. Como a luz fluorescente atraindo as mariposas, aquilo era natural, o propósito do meu ser.

Mas eu não queria ser uma luz fluorescente, a luz clínica de uma sala de exames, desprovida de sentimento. Eu queria ser um brilho quente e incandescente - como um vaga-lume ou talvez uma lareira convidativa. Eu não queria ficar congelada. Eu queria derreter.

Como esse ataque ocorreu à vista do público, achei impossível racionalizar por que ele havia me dado o tapa e achei impossível me afastar daquilo. Eu não tinha concordado em ser tocada por este homem, nunca. Eu não sabia o nome dele, nem ele sabia o meu.

As únicas palavras que ele me disse foram: “Quanto você custa?”

E então eu prestei queixa e a unidade de vítimas especiais do Departamento de Polícia de Nova York encontrou imagens de câmera do tapa, o que tornou aquilo ainda mais real. Isso não era uma coisa para rir ou afastar de mim. Foi um crime.

Quando contei à minha terapeuta sobre o incidente, ela mandou uma mensagem de texto: “Alguns homens podem ser terríveis e você já viu muito disso”.

Suponho que o que mais me perturba sobre o que aconteceu na rua naquele dia é que, pela primeira vez na minha vida, lembrei-me dos inúmeros incidentes anteriores que aconteceram comigo ao longo dos anos, começando quando eu tinha apenas 15 anos, e de repente eu vi todos aqueles homens de forma diferente. Tive dificuldades para diferenciar esse espancador dos outros que deixei fazer o que queriam comigo.

Depois dessa constatação veio outra, mais importante: sou uma pessoa que merece proteção. Posso me tornar minha própria observadora, uma versão mais gentil e menos crítica daquela mulher de meia-idade no avião. Os limites me deixam segura e sou uma pessoa que merece segurança.

A liberdade e o espírito livre não deveriam ter o custo de ser um depósito para os impulsos carnais dos homens. Os homens não precisam possuir meu corpo, mas eu tenho que possuir meu corpo. E ainda posso ser leve. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Alguns meses atrás, um homem na rua me chamou e depois bateu na minha nádega esquerda. Embora eu estivesse usando um casaco grosso de inverno e o tapa não deixasse marcas, minha pele ficou pulsando. Eu me senti suja. E embora eu não visse sua mão nem mesmo olhasse diretamente para seu rosto, não conseguia parar de visualizar a sujeira endurecida sob suas unhas.

Durante anos, aprendi a me dissociar de situações como essas, para rir delas ou separá-las como algo que está fora da minha vida. Foi especialmente importante para mim deixar esses homens (ou qualquer homem) saberem que não poderiam me machucar de verdade.

Uma agressão física de um assediador não era o padrão, mas, como muitas mulheres, fui assediada rotineiramente simplesmente por ter a aparência que tenho, tive meus limites violados tanto física quanto sexualmente. Começou cedo, quando eu tinha apenas 15 anos, e um grupo de adolescentes do ensino médio me abordou na frente do ponto de ônibus, uma onda de agressões animais que eu não entendia. Talvez eles também não.

Mais tarde, soube que eles tinham um apelido para mim: “A puta Stein”.

Durante meu primeiro emprego em um restaurante Tex-Mex aos 18 anos, fui a única anfitriã a quem pediram para se vestir com pouca roupa, divertindo desajeitadamente homens bêbados de tequila com três vezes a minha idade. Anos depois, tornou-se uma piada corrente entre meus amigos que eu era uma luz fluorescente atraindo enxames de mariposas macho. Seja qual for o motivo da minha capacidade de atrair esses avanços um tanto estúpidos - seja minha aparência ou mais do que isso - nunca saberei. Começou a parecer algo inevitável.

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas. Foto: Brian Rea/The New York Times

Agora, aos 30, sei o que você pode dizer e fazer para tentar manter os limites com os homens. Quando eu era mais jovem, não sabia. Aos 17 anos, voltando de Roma para casa, deixei um jovem italiano de 20 e poucos anos massagear minhas costas. Quando ele foi ao banheiro, uma americana de meia-idade que estava por perto me disse: “Você acabou de conhecê-lo - como pôde deixar que ele a tocasse daquele jeito?”

Ao entrar na casa dos 20 anos, fiquei mais dura e com uma espécie de raiva movida pela sobrevivência, sentindo o impulso de me vingar ou revidar. Certa vez, quis contratar um advogado trabalhista para entrar com uma ação legal contra um ex-colega, tendo acordado em sua cama depois de beber demais em uma festa do escritório, sem me lembrar exatamente como cheguei lá.

Contei toda a história ao advogado em uma sala com iluminação fluorescente, construindo meticulosamente uma linha do tempo de meu relacionamento com ele e do incidente. Mas isso não parecia justiça ou cura, e abandonei o esforço.

Eu mantive a raiva em meu corpo, atacando, deixando-a presa em um lugar de raiva fria e silenciosa, mas não queria me tornar calcificada ou dura. Parecia injusto que eu tivesse que me tornar tão insensível. O que eu mais queria era me mover livre e feliz pelo mundo sem sentir que estava em perigo.

E, de forma egoísta, eu não queria gastar o precioso tempo e os recursos da minha vida para odiar outras pessoas ou responsabilizá-las por seus atos. Seguindo em frente, se os limites fossem violados, eu preferia que eles pensassem que me tiveram, sem nunca me terem de verdade, como punição por seus excessos.

A dissociação tornou-se uma proteção essencial contra a objetificação, uma forma de deixar para trás minha bagagem para me sentir mais leve. Permanecer despreocupada ou insensível era um ato de desafio ao patriarcado, mesmo que isso significasse que, ao longo do caminho, perdesse alguns homens que realmente me amavam.

Com o tempo, tornei-me muito flexível com meus limites sexuais e românticos e tive dificuldade em permanecer monogâmica. Recusei muitas propostas, mas aceitei passivamente muitas outras. Se fui paquerada, assediada, tocada, humilhada, perseguida ou sim, até mesmo drogada e espancada, tentei rir disso ou aceitar, determinada a não deixar ninguém, nenhum homem ou pessoa que me criticasse, destruir minha alegria ou liberdade. Quanto mais eu conseguia dissociar e desapegar, mais sentia que tinha controle para me impulsionar para frente, vacilando entre congelar e fugir.

Vários homens me disseram que eu me comportava “como um homem” em meus hábitos românticos e de namoro, porque, segundo eles, eu conseguia fazer sexo ou namorar e seguir em frente sem nenhum sentimento de apego, passando de homem para homem. A verdade é que sempre me senti bastante vulnerável, mas não sabia como sobreviver a uma vida aventureira, curiosa ou aberta envolvendo relacionamentos com homens sem algum nível de dissociação.

Mesmo que eu imitasse o que muitos considerariam ser mais um padrão masculino de namoro ou sexo, eu sabia que isso não era o mesmo que ser um homem. Somos criados de maneira muito diferente e não compartilhamos a mesma vulnerabilidade. Os homens não são ensinados a sentir vergonha da mesma forma que as mulheres. Eles não são normalmente chamados de putas. Em geral, eles não precisam se preocupar em levar um tapa na bunda no meio da rua enquanto usam casacos de inverno. Eles não têm tanto medo de serem mortos em algum encontro aleatório.

Tendo experimentado essa vergonha e medo, aprendi em certos momentos a me separar de mim mesma - a dizer a mim mesma que isso estava acontecendo com alguém que não era eu.

Quando levei o tapa na rua naquele dia, algumas pessoas viram isso acontecer. “Oh meu Deus, você está bem?” uma delas perguntou. Em vez de perguntar: “Como você pôde deixá-lo fazer isso?” outra pessoa disse: “Você está bem?”

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas.

Odiava a ideia de me definir como vítima, talvez porque isso também exigisse o reconhecimento de um criminoso. Eu não queria ver o mundo humano como tão cruel, tão inerentemente animal. Embora eu carregasse comigo o conhecimento do que alguns homens eram capazes de fazer com meu corpo em uma existência sem limites, não podia olhar diretamente para aquele vazio, nem queria ficar atolada em ódio por essas dezenas de criminosos.

Mas aqui estava eu, confrontada com a realidade de que esse homem da rua não poderia ser definido como outra coisa senão um criminoso. As testemunhas empáticas da situação me impossibilitaram de deixar aquilo pra lá, deixar aquilo escondido em um lugar privado com a porta trancada.

A princípio, meus medos mais profundos flutuaram ao meu redor: você trouxe isso para si mesma. Sua própria existência é uma incitação ao caos e à desordem. Como a luz fluorescente atraindo as mariposas, aquilo era natural, o propósito do meu ser.

Mas eu não queria ser uma luz fluorescente, a luz clínica de uma sala de exames, desprovida de sentimento. Eu queria ser um brilho quente e incandescente - como um vaga-lume ou talvez uma lareira convidativa. Eu não queria ficar congelada. Eu queria derreter.

Como esse ataque ocorreu à vista do público, achei impossível racionalizar por que ele havia me dado o tapa e achei impossível me afastar daquilo. Eu não tinha concordado em ser tocada por este homem, nunca. Eu não sabia o nome dele, nem ele sabia o meu.

As únicas palavras que ele me disse foram: “Quanto você custa?”

E então eu prestei queixa e a unidade de vítimas especiais do Departamento de Polícia de Nova York encontrou imagens de câmera do tapa, o que tornou aquilo ainda mais real. Isso não era uma coisa para rir ou afastar de mim. Foi um crime.

Quando contei à minha terapeuta sobre o incidente, ela mandou uma mensagem de texto: “Alguns homens podem ser terríveis e você já viu muito disso”.

Suponho que o que mais me perturba sobre o que aconteceu na rua naquele dia é que, pela primeira vez na minha vida, lembrei-me dos inúmeros incidentes anteriores que aconteceram comigo ao longo dos anos, começando quando eu tinha apenas 15 anos, e de repente eu vi todos aqueles homens de forma diferente. Tive dificuldades para diferenciar esse espancador dos outros que deixei fazer o que queriam comigo.

Depois dessa constatação veio outra, mais importante: sou uma pessoa que merece proteção. Posso me tornar minha própria observadora, uma versão mais gentil e menos crítica daquela mulher de meia-idade no avião. Os limites me deixam segura e sou uma pessoa que merece segurança.

A liberdade e o espírito livre não deveriam ter o custo de ser um depósito para os impulsos carnais dos homens. Os homens não precisam possuir meu corpo, mas eu tenho que possuir meu corpo. E ainda posso ser leve. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Alguns meses atrás, um homem na rua me chamou e depois bateu na minha nádega esquerda. Embora eu estivesse usando um casaco grosso de inverno e o tapa não deixasse marcas, minha pele ficou pulsando. Eu me senti suja. E embora eu não visse sua mão nem mesmo olhasse diretamente para seu rosto, não conseguia parar de visualizar a sujeira endurecida sob suas unhas.

Durante anos, aprendi a me dissociar de situações como essas, para rir delas ou separá-las como algo que está fora da minha vida. Foi especialmente importante para mim deixar esses homens (ou qualquer homem) saberem que não poderiam me machucar de verdade.

Uma agressão física de um assediador não era o padrão, mas, como muitas mulheres, fui assediada rotineiramente simplesmente por ter a aparência que tenho, tive meus limites violados tanto física quanto sexualmente. Começou cedo, quando eu tinha apenas 15 anos, e um grupo de adolescentes do ensino médio me abordou na frente do ponto de ônibus, uma onda de agressões animais que eu não entendia. Talvez eles também não.

Mais tarde, soube que eles tinham um apelido para mim: “A puta Stein”.

Durante meu primeiro emprego em um restaurante Tex-Mex aos 18 anos, fui a única anfitriã a quem pediram para se vestir com pouca roupa, divertindo desajeitadamente homens bêbados de tequila com três vezes a minha idade. Anos depois, tornou-se uma piada corrente entre meus amigos que eu era uma luz fluorescente atraindo enxames de mariposas macho. Seja qual for o motivo da minha capacidade de atrair esses avanços um tanto estúpidos - seja minha aparência ou mais do que isso - nunca saberei. Começou a parecer algo inevitável.

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas. Foto: Brian Rea/The New York Times

Agora, aos 30, sei o que você pode dizer e fazer para tentar manter os limites com os homens. Quando eu era mais jovem, não sabia. Aos 17 anos, voltando de Roma para casa, deixei um jovem italiano de 20 e poucos anos massagear minhas costas. Quando ele foi ao banheiro, uma americana de meia-idade que estava por perto me disse: “Você acabou de conhecê-lo - como pôde deixar que ele a tocasse daquele jeito?”

Ao entrar na casa dos 20 anos, fiquei mais dura e com uma espécie de raiva movida pela sobrevivência, sentindo o impulso de me vingar ou revidar. Certa vez, quis contratar um advogado trabalhista para entrar com uma ação legal contra um ex-colega, tendo acordado em sua cama depois de beber demais em uma festa do escritório, sem me lembrar exatamente como cheguei lá.

Contei toda a história ao advogado em uma sala com iluminação fluorescente, construindo meticulosamente uma linha do tempo de meu relacionamento com ele e do incidente. Mas isso não parecia justiça ou cura, e abandonei o esforço.

Eu mantive a raiva em meu corpo, atacando, deixando-a presa em um lugar de raiva fria e silenciosa, mas não queria me tornar calcificada ou dura. Parecia injusto que eu tivesse que me tornar tão insensível. O que eu mais queria era me mover livre e feliz pelo mundo sem sentir que estava em perigo.

E, de forma egoísta, eu não queria gastar o precioso tempo e os recursos da minha vida para odiar outras pessoas ou responsabilizá-las por seus atos. Seguindo em frente, se os limites fossem violados, eu preferia que eles pensassem que me tiveram, sem nunca me terem de verdade, como punição por seus excessos.

A dissociação tornou-se uma proteção essencial contra a objetificação, uma forma de deixar para trás minha bagagem para me sentir mais leve. Permanecer despreocupada ou insensível era um ato de desafio ao patriarcado, mesmo que isso significasse que, ao longo do caminho, perdesse alguns homens que realmente me amavam.

Com o tempo, tornei-me muito flexível com meus limites sexuais e românticos e tive dificuldade em permanecer monogâmica. Recusei muitas propostas, mas aceitei passivamente muitas outras. Se fui paquerada, assediada, tocada, humilhada, perseguida ou sim, até mesmo drogada e espancada, tentei rir disso ou aceitar, determinada a não deixar ninguém, nenhum homem ou pessoa que me criticasse, destruir minha alegria ou liberdade. Quanto mais eu conseguia dissociar e desapegar, mais sentia que tinha controle para me impulsionar para frente, vacilando entre congelar e fugir.

Vários homens me disseram que eu me comportava “como um homem” em meus hábitos românticos e de namoro, porque, segundo eles, eu conseguia fazer sexo ou namorar e seguir em frente sem nenhum sentimento de apego, passando de homem para homem. A verdade é que sempre me senti bastante vulnerável, mas não sabia como sobreviver a uma vida aventureira, curiosa ou aberta envolvendo relacionamentos com homens sem algum nível de dissociação.

Mesmo que eu imitasse o que muitos considerariam ser mais um padrão masculino de namoro ou sexo, eu sabia que isso não era o mesmo que ser um homem. Somos criados de maneira muito diferente e não compartilhamos a mesma vulnerabilidade. Os homens não são ensinados a sentir vergonha da mesma forma que as mulheres. Eles não são normalmente chamados de putas. Em geral, eles não precisam se preocupar em levar um tapa na bunda no meio da rua enquanto usam casacos de inverno. Eles não têm tanto medo de serem mortos em algum encontro aleatório.

Tendo experimentado essa vergonha e medo, aprendi em certos momentos a me separar de mim mesma - a dizer a mim mesma que isso estava acontecendo com alguém que não era eu.

Quando levei o tapa na rua naquele dia, algumas pessoas viram isso acontecer. “Oh meu Deus, você está bem?” uma delas perguntou. Em vez de perguntar: “Como você pôde deixá-lo fazer isso?” outra pessoa disse: “Você está bem?”

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas.

Odiava a ideia de me definir como vítima, talvez porque isso também exigisse o reconhecimento de um criminoso. Eu não queria ver o mundo humano como tão cruel, tão inerentemente animal. Embora eu carregasse comigo o conhecimento do que alguns homens eram capazes de fazer com meu corpo em uma existência sem limites, não podia olhar diretamente para aquele vazio, nem queria ficar atolada em ódio por essas dezenas de criminosos.

Mas aqui estava eu, confrontada com a realidade de que esse homem da rua não poderia ser definido como outra coisa senão um criminoso. As testemunhas empáticas da situação me impossibilitaram de deixar aquilo pra lá, deixar aquilo escondido em um lugar privado com a porta trancada.

A princípio, meus medos mais profundos flutuaram ao meu redor: você trouxe isso para si mesma. Sua própria existência é uma incitação ao caos e à desordem. Como a luz fluorescente atraindo as mariposas, aquilo era natural, o propósito do meu ser.

Mas eu não queria ser uma luz fluorescente, a luz clínica de uma sala de exames, desprovida de sentimento. Eu queria ser um brilho quente e incandescente - como um vaga-lume ou talvez uma lareira convidativa. Eu não queria ficar congelada. Eu queria derreter.

Como esse ataque ocorreu à vista do público, achei impossível racionalizar por que ele havia me dado o tapa e achei impossível me afastar daquilo. Eu não tinha concordado em ser tocada por este homem, nunca. Eu não sabia o nome dele, nem ele sabia o meu.

As únicas palavras que ele me disse foram: “Quanto você custa?”

E então eu prestei queixa e a unidade de vítimas especiais do Departamento de Polícia de Nova York encontrou imagens de câmera do tapa, o que tornou aquilo ainda mais real. Isso não era uma coisa para rir ou afastar de mim. Foi um crime.

Quando contei à minha terapeuta sobre o incidente, ela mandou uma mensagem de texto: “Alguns homens podem ser terríveis e você já viu muito disso”.

Suponho que o que mais me perturba sobre o que aconteceu na rua naquele dia é que, pela primeira vez na minha vida, lembrei-me dos inúmeros incidentes anteriores que aconteceram comigo ao longo dos anos, começando quando eu tinha apenas 15 anos, e de repente eu vi todos aqueles homens de forma diferente. Tive dificuldades para diferenciar esse espancador dos outros que deixei fazer o que queriam comigo.

Depois dessa constatação veio outra, mais importante: sou uma pessoa que merece proteção. Posso me tornar minha própria observadora, uma versão mais gentil e menos crítica daquela mulher de meia-idade no avião. Os limites me deixam segura e sou uma pessoa que merece segurança.

A liberdade e o espírito livre não deveriam ter o custo de ser um depósito para os impulsos carnais dos homens. Os homens não precisam possuir meu corpo, mas eu tenho que possuir meu corpo. E ainda posso ser leve. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Alguns meses atrás, um homem na rua me chamou e depois bateu na minha nádega esquerda. Embora eu estivesse usando um casaco grosso de inverno e o tapa não deixasse marcas, minha pele ficou pulsando. Eu me senti suja. E embora eu não visse sua mão nem mesmo olhasse diretamente para seu rosto, não conseguia parar de visualizar a sujeira endurecida sob suas unhas.

Durante anos, aprendi a me dissociar de situações como essas, para rir delas ou separá-las como algo que está fora da minha vida. Foi especialmente importante para mim deixar esses homens (ou qualquer homem) saberem que não poderiam me machucar de verdade.

Uma agressão física de um assediador não era o padrão, mas, como muitas mulheres, fui assediada rotineiramente simplesmente por ter a aparência que tenho, tive meus limites violados tanto física quanto sexualmente. Começou cedo, quando eu tinha apenas 15 anos, e um grupo de adolescentes do ensino médio me abordou na frente do ponto de ônibus, uma onda de agressões animais que eu não entendia. Talvez eles também não.

Mais tarde, soube que eles tinham um apelido para mim: “A puta Stein”.

Durante meu primeiro emprego em um restaurante Tex-Mex aos 18 anos, fui a única anfitriã a quem pediram para se vestir com pouca roupa, divertindo desajeitadamente homens bêbados de tequila com três vezes a minha idade. Anos depois, tornou-se uma piada corrente entre meus amigos que eu era uma luz fluorescente atraindo enxames de mariposas macho. Seja qual for o motivo da minha capacidade de atrair esses avanços um tanto estúpidos - seja minha aparência ou mais do que isso - nunca saberei. Começou a parecer algo inevitável.

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas. Foto: Brian Rea/The New York Times

Agora, aos 30, sei o que você pode dizer e fazer para tentar manter os limites com os homens. Quando eu era mais jovem, não sabia. Aos 17 anos, voltando de Roma para casa, deixei um jovem italiano de 20 e poucos anos massagear minhas costas. Quando ele foi ao banheiro, uma americana de meia-idade que estava por perto me disse: “Você acabou de conhecê-lo - como pôde deixar que ele a tocasse daquele jeito?”

Ao entrar na casa dos 20 anos, fiquei mais dura e com uma espécie de raiva movida pela sobrevivência, sentindo o impulso de me vingar ou revidar. Certa vez, quis contratar um advogado trabalhista para entrar com uma ação legal contra um ex-colega, tendo acordado em sua cama depois de beber demais em uma festa do escritório, sem me lembrar exatamente como cheguei lá.

Contei toda a história ao advogado em uma sala com iluminação fluorescente, construindo meticulosamente uma linha do tempo de meu relacionamento com ele e do incidente. Mas isso não parecia justiça ou cura, e abandonei o esforço.

Eu mantive a raiva em meu corpo, atacando, deixando-a presa em um lugar de raiva fria e silenciosa, mas não queria me tornar calcificada ou dura. Parecia injusto que eu tivesse que me tornar tão insensível. O que eu mais queria era me mover livre e feliz pelo mundo sem sentir que estava em perigo.

E, de forma egoísta, eu não queria gastar o precioso tempo e os recursos da minha vida para odiar outras pessoas ou responsabilizá-las por seus atos. Seguindo em frente, se os limites fossem violados, eu preferia que eles pensassem que me tiveram, sem nunca me terem de verdade, como punição por seus excessos.

A dissociação tornou-se uma proteção essencial contra a objetificação, uma forma de deixar para trás minha bagagem para me sentir mais leve. Permanecer despreocupada ou insensível era um ato de desafio ao patriarcado, mesmo que isso significasse que, ao longo do caminho, perdesse alguns homens que realmente me amavam.

Com o tempo, tornei-me muito flexível com meus limites sexuais e românticos e tive dificuldade em permanecer monogâmica. Recusei muitas propostas, mas aceitei passivamente muitas outras. Se fui paquerada, assediada, tocada, humilhada, perseguida ou sim, até mesmo drogada e espancada, tentei rir disso ou aceitar, determinada a não deixar ninguém, nenhum homem ou pessoa que me criticasse, destruir minha alegria ou liberdade. Quanto mais eu conseguia dissociar e desapegar, mais sentia que tinha controle para me impulsionar para frente, vacilando entre congelar e fugir.

Vários homens me disseram que eu me comportava “como um homem” em meus hábitos românticos e de namoro, porque, segundo eles, eu conseguia fazer sexo ou namorar e seguir em frente sem nenhum sentimento de apego, passando de homem para homem. A verdade é que sempre me senti bastante vulnerável, mas não sabia como sobreviver a uma vida aventureira, curiosa ou aberta envolvendo relacionamentos com homens sem algum nível de dissociação.

Mesmo que eu imitasse o que muitos considerariam ser mais um padrão masculino de namoro ou sexo, eu sabia que isso não era o mesmo que ser um homem. Somos criados de maneira muito diferente e não compartilhamos a mesma vulnerabilidade. Os homens não são ensinados a sentir vergonha da mesma forma que as mulheres. Eles não são normalmente chamados de putas. Em geral, eles não precisam se preocupar em levar um tapa na bunda no meio da rua enquanto usam casacos de inverno. Eles não têm tanto medo de serem mortos em algum encontro aleatório.

Tendo experimentado essa vergonha e medo, aprendi em certos momentos a me separar de mim mesma - a dizer a mim mesma que isso estava acontecendo com alguém que não era eu.

Quando levei o tapa na rua naquele dia, algumas pessoas viram isso acontecer. “Oh meu Deus, você está bem?” uma delas perguntou. Em vez de perguntar: “Como você pôde deixá-lo fazer isso?” outra pessoa disse: “Você está bem?”

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas.

Odiava a ideia de me definir como vítima, talvez porque isso também exigisse o reconhecimento de um criminoso. Eu não queria ver o mundo humano como tão cruel, tão inerentemente animal. Embora eu carregasse comigo o conhecimento do que alguns homens eram capazes de fazer com meu corpo em uma existência sem limites, não podia olhar diretamente para aquele vazio, nem queria ficar atolada em ódio por essas dezenas de criminosos.

Mas aqui estava eu, confrontada com a realidade de que esse homem da rua não poderia ser definido como outra coisa senão um criminoso. As testemunhas empáticas da situação me impossibilitaram de deixar aquilo pra lá, deixar aquilo escondido em um lugar privado com a porta trancada.

A princípio, meus medos mais profundos flutuaram ao meu redor: você trouxe isso para si mesma. Sua própria existência é uma incitação ao caos e à desordem. Como a luz fluorescente atraindo as mariposas, aquilo era natural, o propósito do meu ser.

Mas eu não queria ser uma luz fluorescente, a luz clínica de uma sala de exames, desprovida de sentimento. Eu queria ser um brilho quente e incandescente - como um vaga-lume ou talvez uma lareira convidativa. Eu não queria ficar congelada. Eu queria derreter.

Como esse ataque ocorreu à vista do público, achei impossível racionalizar por que ele havia me dado o tapa e achei impossível me afastar daquilo. Eu não tinha concordado em ser tocada por este homem, nunca. Eu não sabia o nome dele, nem ele sabia o meu.

As únicas palavras que ele me disse foram: “Quanto você custa?”

E então eu prestei queixa e a unidade de vítimas especiais do Departamento de Polícia de Nova York encontrou imagens de câmera do tapa, o que tornou aquilo ainda mais real. Isso não era uma coisa para rir ou afastar de mim. Foi um crime.

Quando contei à minha terapeuta sobre o incidente, ela mandou uma mensagem de texto: “Alguns homens podem ser terríveis e você já viu muito disso”.

Suponho que o que mais me perturba sobre o que aconteceu na rua naquele dia é que, pela primeira vez na minha vida, lembrei-me dos inúmeros incidentes anteriores que aconteceram comigo ao longo dos anos, começando quando eu tinha apenas 15 anos, e de repente eu vi todos aqueles homens de forma diferente. Tive dificuldades para diferenciar esse espancador dos outros que deixei fazer o que queriam comigo.

Depois dessa constatação veio outra, mais importante: sou uma pessoa que merece proteção. Posso me tornar minha própria observadora, uma versão mais gentil e menos crítica daquela mulher de meia-idade no avião. Os limites me deixam segura e sou uma pessoa que merece segurança.

A liberdade e o espírito livre não deveriam ter o custo de ser um depósito para os impulsos carnais dos homens. Os homens não precisam possuir meu corpo, mas eu tenho que possuir meu corpo. E ainda posso ser leve. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Alguns meses atrás, um homem na rua me chamou e depois bateu na minha nádega esquerda. Embora eu estivesse usando um casaco grosso de inverno e o tapa não deixasse marcas, minha pele ficou pulsando. Eu me senti suja. E embora eu não visse sua mão nem mesmo olhasse diretamente para seu rosto, não conseguia parar de visualizar a sujeira endurecida sob suas unhas.

Durante anos, aprendi a me dissociar de situações como essas, para rir delas ou separá-las como algo que está fora da minha vida. Foi especialmente importante para mim deixar esses homens (ou qualquer homem) saberem que não poderiam me machucar de verdade.

Uma agressão física de um assediador não era o padrão, mas, como muitas mulheres, fui assediada rotineiramente simplesmente por ter a aparência que tenho, tive meus limites violados tanto física quanto sexualmente. Começou cedo, quando eu tinha apenas 15 anos, e um grupo de adolescentes do ensino médio me abordou na frente do ponto de ônibus, uma onda de agressões animais que eu não entendia. Talvez eles também não.

Mais tarde, soube que eles tinham um apelido para mim: “A puta Stein”.

Durante meu primeiro emprego em um restaurante Tex-Mex aos 18 anos, fui a única anfitriã a quem pediram para se vestir com pouca roupa, divertindo desajeitadamente homens bêbados de tequila com três vezes a minha idade. Anos depois, tornou-se uma piada corrente entre meus amigos que eu era uma luz fluorescente atraindo enxames de mariposas macho. Seja qual for o motivo da minha capacidade de atrair esses avanços um tanto estúpidos - seja minha aparência ou mais do que isso - nunca saberei. Começou a parecer algo inevitável.

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas. Foto: Brian Rea/The New York Times

Agora, aos 30, sei o que você pode dizer e fazer para tentar manter os limites com os homens. Quando eu era mais jovem, não sabia. Aos 17 anos, voltando de Roma para casa, deixei um jovem italiano de 20 e poucos anos massagear minhas costas. Quando ele foi ao banheiro, uma americana de meia-idade que estava por perto me disse: “Você acabou de conhecê-lo - como pôde deixar que ele a tocasse daquele jeito?”

Ao entrar na casa dos 20 anos, fiquei mais dura e com uma espécie de raiva movida pela sobrevivência, sentindo o impulso de me vingar ou revidar. Certa vez, quis contratar um advogado trabalhista para entrar com uma ação legal contra um ex-colega, tendo acordado em sua cama depois de beber demais em uma festa do escritório, sem me lembrar exatamente como cheguei lá.

Contei toda a história ao advogado em uma sala com iluminação fluorescente, construindo meticulosamente uma linha do tempo de meu relacionamento com ele e do incidente. Mas isso não parecia justiça ou cura, e abandonei o esforço.

Eu mantive a raiva em meu corpo, atacando, deixando-a presa em um lugar de raiva fria e silenciosa, mas não queria me tornar calcificada ou dura. Parecia injusto que eu tivesse que me tornar tão insensível. O que eu mais queria era me mover livre e feliz pelo mundo sem sentir que estava em perigo.

E, de forma egoísta, eu não queria gastar o precioso tempo e os recursos da minha vida para odiar outras pessoas ou responsabilizá-las por seus atos. Seguindo em frente, se os limites fossem violados, eu preferia que eles pensassem que me tiveram, sem nunca me terem de verdade, como punição por seus excessos.

A dissociação tornou-se uma proteção essencial contra a objetificação, uma forma de deixar para trás minha bagagem para me sentir mais leve. Permanecer despreocupada ou insensível era um ato de desafio ao patriarcado, mesmo que isso significasse que, ao longo do caminho, perdesse alguns homens que realmente me amavam.

Com o tempo, tornei-me muito flexível com meus limites sexuais e românticos e tive dificuldade em permanecer monogâmica. Recusei muitas propostas, mas aceitei passivamente muitas outras. Se fui paquerada, assediada, tocada, humilhada, perseguida ou sim, até mesmo drogada e espancada, tentei rir disso ou aceitar, determinada a não deixar ninguém, nenhum homem ou pessoa que me criticasse, destruir minha alegria ou liberdade. Quanto mais eu conseguia dissociar e desapegar, mais sentia que tinha controle para me impulsionar para frente, vacilando entre congelar e fugir.

Vários homens me disseram que eu me comportava “como um homem” em meus hábitos românticos e de namoro, porque, segundo eles, eu conseguia fazer sexo ou namorar e seguir em frente sem nenhum sentimento de apego, passando de homem para homem. A verdade é que sempre me senti bastante vulnerável, mas não sabia como sobreviver a uma vida aventureira, curiosa ou aberta envolvendo relacionamentos com homens sem algum nível de dissociação.

Mesmo que eu imitasse o que muitos considerariam ser mais um padrão masculino de namoro ou sexo, eu sabia que isso não era o mesmo que ser um homem. Somos criados de maneira muito diferente e não compartilhamos a mesma vulnerabilidade. Os homens não são ensinados a sentir vergonha da mesma forma que as mulheres. Eles não são normalmente chamados de putas. Em geral, eles não precisam se preocupar em levar um tapa na bunda no meio da rua enquanto usam casacos de inverno. Eles não têm tanto medo de serem mortos em algum encontro aleatório.

Tendo experimentado essa vergonha e medo, aprendi em certos momentos a me separar de mim mesma - a dizer a mim mesma que isso estava acontecendo com alguém que não era eu.

Quando levei o tapa na rua naquele dia, algumas pessoas viram isso acontecer. “Oh meu Deus, você está bem?” uma delas perguntou. Em vez de perguntar: “Como você pôde deixá-lo fazer isso?” outra pessoa disse: “Você está bem?”

Naquele momento, percebi que não estava bem. E desabei diante desta rua de estranhos, tomada por uma torrente de lágrimas.

Odiava a ideia de me definir como vítima, talvez porque isso também exigisse o reconhecimento de um criminoso. Eu não queria ver o mundo humano como tão cruel, tão inerentemente animal. Embora eu carregasse comigo o conhecimento do que alguns homens eram capazes de fazer com meu corpo em uma existência sem limites, não podia olhar diretamente para aquele vazio, nem queria ficar atolada em ódio por essas dezenas de criminosos.

Mas aqui estava eu, confrontada com a realidade de que esse homem da rua não poderia ser definido como outra coisa senão um criminoso. As testemunhas empáticas da situação me impossibilitaram de deixar aquilo pra lá, deixar aquilo escondido em um lugar privado com a porta trancada.

A princípio, meus medos mais profundos flutuaram ao meu redor: você trouxe isso para si mesma. Sua própria existência é uma incitação ao caos e à desordem. Como a luz fluorescente atraindo as mariposas, aquilo era natural, o propósito do meu ser.

Mas eu não queria ser uma luz fluorescente, a luz clínica de uma sala de exames, desprovida de sentimento. Eu queria ser um brilho quente e incandescente - como um vaga-lume ou talvez uma lareira convidativa. Eu não queria ficar congelada. Eu queria derreter.

Como esse ataque ocorreu à vista do público, achei impossível racionalizar por que ele havia me dado o tapa e achei impossível me afastar daquilo. Eu não tinha concordado em ser tocada por este homem, nunca. Eu não sabia o nome dele, nem ele sabia o meu.

As únicas palavras que ele me disse foram: “Quanto você custa?”

E então eu prestei queixa e a unidade de vítimas especiais do Departamento de Polícia de Nova York encontrou imagens de câmera do tapa, o que tornou aquilo ainda mais real. Isso não era uma coisa para rir ou afastar de mim. Foi um crime.

Quando contei à minha terapeuta sobre o incidente, ela mandou uma mensagem de texto: “Alguns homens podem ser terríveis e você já viu muito disso”.

Suponho que o que mais me perturba sobre o que aconteceu na rua naquele dia é que, pela primeira vez na minha vida, lembrei-me dos inúmeros incidentes anteriores que aconteceram comigo ao longo dos anos, começando quando eu tinha apenas 15 anos, e de repente eu vi todos aqueles homens de forma diferente. Tive dificuldades para diferenciar esse espancador dos outros que deixei fazer o que queriam comigo.

Depois dessa constatação veio outra, mais importante: sou uma pessoa que merece proteção. Posso me tornar minha própria observadora, uma versão mais gentil e menos crítica daquela mulher de meia-idade no avião. Os limites me deixam segura e sou uma pessoa que merece segurança.

A liberdade e o espírito livre não deveriam ter o custo de ser um depósito para os impulsos carnais dos homens. Os homens não precisam possuir meu corpo, mas eu tenho que possuir meu corpo. E ainda posso ser leve. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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