Modern Love: ‘Posso não conseguir ter filhos e estou aliviada’


Na minha família, as mulheres carregam a profunda culpa da maternidade fracassada

Por Teresa Pham-Carsillo
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando eu tinha 16 anos, minha mãe me disse que aquela era a idade mais feliz. Tornar-se mulher, sair de casa, ingressar no mercado de trabalho, ter filhos - essas fases, segundo ela, seriam todas marcadas por sofrimento e decepção.

Eu não sabia como dizer a ela que me sentia sufocada e ansiosa o tempo todo, então fingia ser a garota alegre e despreocupada que ela queria que eu fosse.

“Eu era mais feliz quando tinha a sua idade”, disse ela. “Linda. Livre. Você deveria aproveitar agora, antes que acabe”.

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Eu não sentia nenhuma dessas coisas, apenas a certeza, em pânico, de que as coisas precisavam melhorar. Mas como eu poderia questionar alguém que já me abraçou com seu corpo tão amoroso?

'Minha mãe costumava sugerir que eu mentisse ou omitisse a falta do meu ovário. Ela dizia que eu deveria usar maiôs inteiros para esconder a cicatriz.' Foto: Brian Rea/The New York Times

“Eu era a pessoa mais bonita da minha família”, minha mãe me disse mais de uma vez. “Tantos homens queriam se casar comigo. Eles procuraram meus pais e imploraram para me cortejar. Eu poderia ter me casado com qualquer um. Um médico do Texas. Um empresário francês”.

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Em vez disso, ela se casou com meu pai, um católico vietnamita de boa família. Ela se mudou de sua comunidade fechada em Santa Ana, na Califórnia, para San José, uma distância que a fez sentir-se perdida no mar. Ela tinha 22 anos e um marido de 33 que ela mal conhecia. Eu fui a primeira filha deles. Nos anos seguintes, ela continuou tentando gerar uma ninhada de filhos, determinada a seguir o exemplo de minha avó, que teve 10 filhos.

Eu tinha 4 anos quando me tornei irmã mais velha. Eu tinha 4 anos quando uma dor aguda atingiu meu abdômen. Eu tinha 4 anos quando os médicos realizaram uma cultura de minhas células e descobriram que eram malignas. Eu tinha 4 anos quando as enfermeiras me levaram para uma sala fria e iluminada e um cirurgião removeu meu ovário direito e, com ele, metade dos meus óvulos. Mesmo assim, senti-me desesperadamente responsável pelo medo e exaustão dos meus pais, pela dor da minha mãe pelos filhos que talvez eu nunca tenha.

Doze anos depois, minha mãe sofreu outro aborto, o último de vários que me lembro da minha infância.

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Desta vez, porém, eu tinha idade suficiente para compreender a raiz do seu desespero, para saber que ela se transformaria numa sombra pálida de si mesma durante meses. Além de mim, apenas uma gravidez foi bem sucedida - a do meu irmão mais novo, cujos olhos grandes e líquidos refletiam a minha própria ansiedade cada vez que a mortalha caía sobre a nossa casa.

Não pude deixar de imaginar meus irmãos fantasmas. Uma irmã rebelde e de mente aberta para compartilhar segredos no meio da noite. Um segundo irmão mais novo, mais travesso, para suportar o fardo de aliviar o clima fúnebre.

Durante a última gravidez da minha mãe, nossa família estava esperançosa o suficiente para dar um nome ao bebê: Patricia, ou Trish, como apelido. Após o aborto, deitei-me na cama e imaginei futuros alternativos. Neles, minha irmã mais nova cresceu e se tornou uma artista. Juntas, publicamos livros ilustrados, construindo mundos impenetráveis onde ninguém poderia nos machucar, onde não podíamos ouvir nossa mãe soluçando no quarto ao lado.

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Sempre carreguei a consciência dos bebês mortos que minha mãe lamentava. Sentia a responsabilidade de compensar a perda deles, de ser cinco filhas num só corpo. A inteligente, a amorosa, a pateta, a vaidosa, a ovelha negra.

Quando minha mãe me comprava roupas e arrumava meu cabelo, eu sorria e deixava, mantendo os braços acima da cabeça como uma boneca obediente. Mesmo na adolescência, quando eu não estava mais apegada a lindos babados em tons pastéis e colares de pérolas, deixava que ela me envolvesse em fantasias.

Quando fiz um curso de escrita criativa durante meu primeiro ano de faculdade, um colega criticou minha escrita dizendo: “Seus personagens são camaleões. Eles não têm um ponto de vista forte. Eles não se conhecem. Eles não são críveis”

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Fiquei ali sentada tentando me transformar no tipo de pessoa que pertencia a uma oficina de escrita, fazendo anotações para melhorias futuras.

Minha mãe costumava sugerir que eu mentisse ou omitisse a falta do meu ovário. Ela dizia que eu deveria usar maiôs inteiros para esconder a cicatriz.

“As pessoas olharão para você de maneira diferente se souberem”, disse ela. “Você deveria dizer que teve outro tipo de câncer. Ou finja que nunca teve câncer. Você era tão jovem”.

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Ela tremia com o terror de que o mundo me visse como menos completa, menos amável por meu sistema reprodutivo danificado.

Ao ler Lacan pela primeira vez aos 20 anos, grifei: “Todos os tipos de coisas neste mundo se comportam como espelhos”.

Eu ansiava por ser mais do que um reflexo das partes fragmentadas de outra pessoa.

Eu não estava sozinha ao suspeitar que meu corpo não era totalmente meu. Meus primos escondiam tatuagens sob suéteres e mangas compridas. Eles se preocupavam com cortes de cabelo que seus pais poderiam odiar. Minha mãe evitava usar shorts porque uma vez sua irmã mais velha lhe disse que ela tinha músculos feios na panturrilha. Quando uma parente distante engordou depois de ter um filho e postou fotos das férias na praia, ouvi minhas tias e minha mãe fofocando sobre a ousadia de exibir um corpo maior.

Eu tinha 32 anos quando ganhei coragem para pintar meu cabelo de roxo brilhante, e só fiz isso depois de me mudar para a Virgínia e colocar 4300 Km de distância entre mim e minha família. A primeira vez que minha mãe me viu pelo FaceTime com meu cabelo novo, ela me olhou como se eu fosse um estranho. Mais tarde, ela me mandou uma mensagem dizendo que eu era mais bonita com minha cor natural de cabelo.

“Que pena que você teve que se mudar para tão longe”, ela costumava dizer quando conversávamos ao telefone. “Você deve estar tão sozinha. Que triste.”

Minha solidão e tristeza decorriam do isolamento de uma pandemia, não da distância. Na Virgínia, quando as coisas melhoraram, finalmente tive espaço para respirar.

Minha prima, que é lésbica e isso ainda é encarado como um segredo, me chamou de lado em um casamento de família e disse: “Meus pais querem que eu vá à França para conhecer um homem que está tendo problemas para encontrar uma esposa. A mãe dele está aqui e pediu que me mandassem. Como se eu fosse algo a ser encomendado na Amazon.”

Nós rimos, embriagadas com champanhe. Eu disse a ela para pegar a passagem de avião grátis para Paris e encontrar sua futura esposa.

Na manhã seguinte, acordamos antes de todo mundo e fomos até a praia. Sentadas com nossos cafés, dissemos uma à outra: estou tão cansada.

Mais ou menos na mesma época, finalmente vi as fichas médicas de quando tive câncer. O fichário ficou à vista de todos em uma prateleira durante quase toda a minha vida, mas todos nós fingimos que ele não existia. Foi só quando comecei a pensar em constituir família que fui olhar.

Ao lê-las, descobri que possuo uma translocação cromossômica que dobra o risco de aborto espontâneo. Na minha família, as mulheres carregam a profunda culpa da maternidade fracassada: minha mãe e seus abortos; minha avó que perdeu dois filhos durante o período da fome; uma tia cujo filho se afogou quando fugiram do Vietnã de barco; as primas que sofreram abortos espontâneos e lutam contra a infertilidade sozinhas.

Carrego minha própria vergonha secreta - quando soube de minhas chances cada vez menores de conceber um filho, senti tristeza, sim, mas principalmente alívio. Há muito tempo eu temia ter uma filha e a necessidade de proteger tanto a autonomia dela quanto a minha. Esta foi uma lição que herdei da minha mãe, tias e avós: ser mulher é lutar pelas partes vitais do seu corpo enquanto outras pessoas reivindicam a propriedade dele.

Sempre soube que minha mãe me ama mais do que a si mesma, fato que traz mais culpa do que conforto. Minha mãe me ama - o bebê chorão que sou, puro em meu potencial - mas a que custo?

Algumas mães veem corpos e mentes como argila a ser moldada, um segundo esboço de escultura da vida que desejavam para si. Quando me olho no espelho, vejo a mim mesma, mas também as muitas versões que poderiam ter existido. Em algum lugar ali está a filha que minha mãe imaginou quando me segurou pela primeira vez.

Muitas vezes desejei ser a panaceia viva para a dor que ela sentiu quando era uma criança refugiada, uma menina impotente num país muitas vezes hostil e uma jovem esposa solitária. Às vezes, dar-me permissão para ser outra coisa - o eu que se sente mais terno e verdadeiro - parece uma traição imperdoável.

Mas não posso entregar a narrativa da minha vida a outra pessoa, mesmo que a sua intenção seja poupar-me da dor que vive nos seus ossos, calcificados através de gerações de traumas. Provavelmente nunca saberei o que é segurar meu próprio bebê e imaginar uma vida inteira para ele, mas posso acalmar a criança dentro de mim.

Direi a ela minha verdade mais arduamente conquistada: que ela pode ser amada e livre. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando eu tinha 16 anos, minha mãe me disse que aquela era a idade mais feliz. Tornar-se mulher, sair de casa, ingressar no mercado de trabalho, ter filhos - essas fases, segundo ela, seriam todas marcadas por sofrimento e decepção.

Eu não sabia como dizer a ela que me sentia sufocada e ansiosa o tempo todo, então fingia ser a garota alegre e despreocupada que ela queria que eu fosse.

“Eu era mais feliz quando tinha a sua idade”, disse ela. “Linda. Livre. Você deveria aproveitar agora, antes que acabe”.

Eu não sentia nenhuma dessas coisas, apenas a certeza, em pânico, de que as coisas precisavam melhorar. Mas como eu poderia questionar alguém que já me abraçou com seu corpo tão amoroso?

'Minha mãe costumava sugerir que eu mentisse ou omitisse a falta do meu ovário. Ela dizia que eu deveria usar maiôs inteiros para esconder a cicatriz.' Foto: Brian Rea/The New York Times

“Eu era a pessoa mais bonita da minha família”, minha mãe me disse mais de uma vez. “Tantos homens queriam se casar comigo. Eles procuraram meus pais e imploraram para me cortejar. Eu poderia ter me casado com qualquer um. Um médico do Texas. Um empresário francês”.

Em vez disso, ela se casou com meu pai, um católico vietnamita de boa família. Ela se mudou de sua comunidade fechada em Santa Ana, na Califórnia, para San José, uma distância que a fez sentir-se perdida no mar. Ela tinha 22 anos e um marido de 33 que ela mal conhecia. Eu fui a primeira filha deles. Nos anos seguintes, ela continuou tentando gerar uma ninhada de filhos, determinada a seguir o exemplo de minha avó, que teve 10 filhos.

Eu tinha 4 anos quando me tornei irmã mais velha. Eu tinha 4 anos quando uma dor aguda atingiu meu abdômen. Eu tinha 4 anos quando os médicos realizaram uma cultura de minhas células e descobriram que eram malignas. Eu tinha 4 anos quando as enfermeiras me levaram para uma sala fria e iluminada e um cirurgião removeu meu ovário direito e, com ele, metade dos meus óvulos. Mesmo assim, senti-me desesperadamente responsável pelo medo e exaustão dos meus pais, pela dor da minha mãe pelos filhos que talvez eu nunca tenha.

Doze anos depois, minha mãe sofreu outro aborto, o último de vários que me lembro da minha infância.

Desta vez, porém, eu tinha idade suficiente para compreender a raiz do seu desespero, para saber que ela se transformaria numa sombra pálida de si mesma durante meses. Além de mim, apenas uma gravidez foi bem sucedida - a do meu irmão mais novo, cujos olhos grandes e líquidos refletiam a minha própria ansiedade cada vez que a mortalha caía sobre a nossa casa.

Não pude deixar de imaginar meus irmãos fantasmas. Uma irmã rebelde e de mente aberta para compartilhar segredos no meio da noite. Um segundo irmão mais novo, mais travesso, para suportar o fardo de aliviar o clima fúnebre.

Durante a última gravidez da minha mãe, nossa família estava esperançosa o suficiente para dar um nome ao bebê: Patricia, ou Trish, como apelido. Após o aborto, deitei-me na cama e imaginei futuros alternativos. Neles, minha irmã mais nova cresceu e se tornou uma artista. Juntas, publicamos livros ilustrados, construindo mundos impenetráveis onde ninguém poderia nos machucar, onde não podíamos ouvir nossa mãe soluçando no quarto ao lado.

Sempre carreguei a consciência dos bebês mortos que minha mãe lamentava. Sentia a responsabilidade de compensar a perda deles, de ser cinco filhas num só corpo. A inteligente, a amorosa, a pateta, a vaidosa, a ovelha negra.

Quando minha mãe me comprava roupas e arrumava meu cabelo, eu sorria e deixava, mantendo os braços acima da cabeça como uma boneca obediente. Mesmo na adolescência, quando eu não estava mais apegada a lindos babados em tons pastéis e colares de pérolas, deixava que ela me envolvesse em fantasias.

Quando fiz um curso de escrita criativa durante meu primeiro ano de faculdade, um colega criticou minha escrita dizendo: “Seus personagens são camaleões. Eles não têm um ponto de vista forte. Eles não se conhecem. Eles não são críveis”

Fiquei ali sentada tentando me transformar no tipo de pessoa que pertencia a uma oficina de escrita, fazendo anotações para melhorias futuras.

Minha mãe costumava sugerir que eu mentisse ou omitisse a falta do meu ovário. Ela dizia que eu deveria usar maiôs inteiros para esconder a cicatriz.

“As pessoas olharão para você de maneira diferente se souberem”, disse ela. “Você deveria dizer que teve outro tipo de câncer. Ou finja que nunca teve câncer. Você era tão jovem”.

Ela tremia com o terror de que o mundo me visse como menos completa, menos amável por meu sistema reprodutivo danificado.

Ao ler Lacan pela primeira vez aos 20 anos, grifei: “Todos os tipos de coisas neste mundo se comportam como espelhos”.

Eu ansiava por ser mais do que um reflexo das partes fragmentadas de outra pessoa.

Eu não estava sozinha ao suspeitar que meu corpo não era totalmente meu. Meus primos escondiam tatuagens sob suéteres e mangas compridas. Eles se preocupavam com cortes de cabelo que seus pais poderiam odiar. Minha mãe evitava usar shorts porque uma vez sua irmã mais velha lhe disse que ela tinha músculos feios na panturrilha. Quando uma parente distante engordou depois de ter um filho e postou fotos das férias na praia, ouvi minhas tias e minha mãe fofocando sobre a ousadia de exibir um corpo maior.

Eu tinha 32 anos quando ganhei coragem para pintar meu cabelo de roxo brilhante, e só fiz isso depois de me mudar para a Virgínia e colocar 4300 Km de distância entre mim e minha família. A primeira vez que minha mãe me viu pelo FaceTime com meu cabelo novo, ela me olhou como se eu fosse um estranho. Mais tarde, ela me mandou uma mensagem dizendo que eu era mais bonita com minha cor natural de cabelo.

“Que pena que você teve que se mudar para tão longe”, ela costumava dizer quando conversávamos ao telefone. “Você deve estar tão sozinha. Que triste.”

Minha solidão e tristeza decorriam do isolamento de uma pandemia, não da distância. Na Virgínia, quando as coisas melhoraram, finalmente tive espaço para respirar.

Minha prima, que é lésbica e isso ainda é encarado como um segredo, me chamou de lado em um casamento de família e disse: “Meus pais querem que eu vá à França para conhecer um homem que está tendo problemas para encontrar uma esposa. A mãe dele está aqui e pediu que me mandassem. Como se eu fosse algo a ser encomendado na Amazon.”

Nós rimos, embriagadas com champanhe. Eu disse a ela para pegar a passagem de avião grátis para Paris e encontrar sua futura esposa.

Na manhã seguinte, acordamos antes de todo mundo e fomos até a praia. Sentadas com nossos cafés, dissemos uma à outra: estou tão cansada.

Mais ou menos na mesma época, finalmente vi as fichas médicas de quando tive câncer. O fichário ficou à vista de todos em uma prateleira durante quase toda a minha vida, mas todos nós fingimos que ele não existia. Foi só quando comecei a pensar em constituir família que fui olhar.

Ao lê-las, descobri que possuo uma translocação cromossômica que dobra o risco de aborto espontâneo. Na minha família, as mulheres carregam a profunda culpa da maternidade fracassada: minha mãe e seus abortos; minha avó que perdeu dois filhos durante o período da fome; uma tia cujo filho se afogou quando fugiram do Vietnã de barco; as primas que sofreram abortos espontâneos e lutam contra a infertilidade sozinhas.

Carrego minha própria vergonha secreta - quando soube de minhas chances cada vez menores de conceber um filho, senti tristeza, sim, mas principalmente alívio. Há muito tempo eu temia ter uma filha e a necessidade de proteger tanto a autonomia dela quanto a minha. Esta foi uma lição que herdei da minha mãe, tias e avós: ser mulher é lutar pelas partes vitais do seu corpo enquanto outras pessoas reivindicam a propriedade dele.

Sempre soube que minha mãe me ama mais do que a si mesma, fato que traz mais culpa do que conforto. Minha mãe me ama - o bebê chorão que sou, puro em meu potencial - mas a que custo?

Algumas mães veem corpos e mentes como argila a ser moldada, um segundo esboço de escultura da vida que desejavam para si. Quando me olho no espelho, vejo a mim mesma, mas também as muitas versões que poderiam ter existido. Em algum lugar ali está a filha que minha mãe imaginou quando me segurou pela primeira vez.

Muitas vezes desejei ser a panaceia viva para a dor que ela sentiu quando era uma criança refugiada, uma menina impotente num país muitas vezes hostil e uma jovem esposa solitária. Às vezes, dar-me permissão para ser outra coisa - o eu que se sente mais terno e verdadeiro - parece uma traição imperdoável.

Mas não posso entregar a narrativa da minha vida a outra pessoa, mesmo que a sua intenção seja poupar-me da dor que vive nos seus ossos, calcificados através de gerações de traumas. Provavelmente nunca saberei o que é segurar meu próprio bebê e imaginar uma vida inteira para ele, mas posso acalmar a criança dentro de mim.

Direi a ela minha verdade mais arduamente conquistada: que ela pode ser amada e livre. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando eu tinha 16 anos, minha mãe me disse que aquela era a idade mais feliz. Tornar-se mulher, sair de casa, ingressar no mercado de trabalho, ter filhos - essas fases, segundo ela, seriam todas marcadas por sofrimento e decepção.

Eu não sabia como dizer a ela que me sentia sufocada e ansiosa o tempo todo, então fingia ser a garota alegre e despreocupada que ela queria que eu fosse.

“Eu era mais feliz quando tinha a sua idade”, disse ela. “Linda. Livre. Você deveria aproveitar agora, antes que acabe”.

Eu não sentia nenhuma dessas coisas, apenas a certeza, em pânico, de que as coisas precisavam melhorar. Mas como eu poderia questionar alguém que já me abraçou com seu corpo tão amoroso?

'Minha mãe costumava sugerir que eu mentisse ou omitisse a falta do meu ovário. Ela dizia que eu deveria usar maiôs inteiros para esconder a cicatriz.' Foto: Brian Rea/The New York Times

“Eu era a pessoa mais bonita da minha família”, minha mãe me disse mais de uma vez. “Tantos homens queriam se casar comigo. Eles procuraram meus pais e imploraram para me cortejar. Eu poderia ter me casado com qualquer um. Um médico do Texas. Um empresário francês”.

Em vez disso, ela se casou com meu pai, um católico vietnamita de boa família. Ela se mudou de sua comunidade fechada em Santa Ana, na Califórnia, para San José, uma distância que a fez sentir-se perdida no mar. Ela tinha 22 anos e um marido de 33 que ela mal conhecia. Eu fui a primeira filha deles. Nos anos seguintes, ela continuou tentando gerar uma ninhada de filhos, determinada a seguir o exemplo de minha avó, que teve 10 filhos.

Eu tinha 4 anos quando me tornei irmã mais velha. Eu tinha 4 anos quando uma dor aguda atingiu meu abdômen. Eu tinha 4 anos quando os médicos realizaram uma cultura de minhas células e descobriram que eram malignas. Eu tinha 4 anos quando as enfermeiras me levaram para uma sala fria e iluminada e um cirurgião removeu meu ovário direito e, com ele, metade dos meus óvulos. Mesmo assim, senti-me desesperadamente responsável pelo medo e exaustão dos meus pais, pela dor da minha mãe pelos filhos que talvez eu nunca tenha.

Doze anos depois, minha mãe sofreu outro aborto, o último de vários que me lembro da minha infância.

Desta vez, porém, eu tinha idade suficiente para compreender a raiz do seu desespero, para saber que ela se transformaria numa sombra pálida de si mesma durante meses. Além de mim, apenas uma gravidez foi bem sucedida - a do meu irmão mais novo, cujos olhos grandes e líquidos refletiam a minha própria ansiedade cada vez que a mortalha caía sobre a nossa casa.

Não pude deixar de imaginar meus irmãos fantasmas. Uma irmã rebelde e de mente aberta para compartilhar segredos no meio da noite. Um segundo irmão mais novo, mais travesso, para suportar o fardo de aliviar o clima fúnebre.

Durante a última gravidez da minha mãe, nossa família estava esperançosa o suficiente para dar um nome ao bebê: Patricia, ou Trish, como apelido. Após o aborto, deitei-me na cama e imaginei futuros alternativos. Neles, minha irmã mais nova cresceu e se tornou uma artista. Juntas, publicamos livros ilustrados, construindo mundos impenetráveis onde ninguém poderia nos machucar, onde não podíamos ouvir nossa mãe soluçando no quarto ao lado.

Sempre carreguei a consciência dos bebês mortos que minha mãe lamentava. Sentia a responsabilidade de compensar a perda deles, de ser cinco filhas num só corpo. A inteligente, a amorosa, a pateta, a vaidosa, a ovelha negra.

Quando minha mãe me comprava roupas e arrumava meu cabelo, eu sorria e deixava, mantendo os braços acima da cabeça como uma boneca obediente. Mesmo na adolescência, quando eu não estava mais apegada a lindos babados em tons pastéis e colares de pérolas, deixava que ela me envolvesse em fantasias.

Quando fiz um curso de escrita criativa durante meu primeiro ano de faculdade, um colega criticou minha escrita dizendo: “Seus personagens são camaleões. Eles não têm um ponto de vista forte. Eles não se conhecem. Eles não são críveis”

Fiquei ali sentada tentando me transformar no tipo de pessoa que pertencia a uma oficina de escrita, fazendo anotações para melhorias futuras.

Minha mãe costumava sugerir que eu mentisse ou omitisse a falta do meu ovário. Ela dizia que eu deveria usar maiôs inteiros para esconder a cicatriz.

“As pessoas olharão para você de maneira diferente se souberem”, disse ela. “Você deveria dizer que teve outro tipo de câncer. Ou finja que nunca teve câncer. Você era tão jovem”.

Ela tremia com o terror de que o mundo me visse como menos completa, menos amável por meu sistema reprodutivo danificado.

Ao ler Lacan pela primeira vez aos 20 anos, grifei: “Todos os tipos de coisas neste mundo se comportam como espelhos”.

Eu ansiava por ser mais do que um reflexo das partes fragmentadas de outra pessoa.

Eu não estava sozinha ao suspeitar que meu corpo não era totalmente meu. Meus primos escondiam tatuagens sob suéteres e mangas compridas. Eles se preocupavam com cortes de cabelo que seus pais poderiam odiar. Minha mãe evitava usar shorts porque uma vez sua irmã mais velha lhe disse que ela tinha músculos feios na panturrilha. Quando uma parente distante engordou depois de ter um filho e postou fotos das férias na praia, ouvi minhas tias e minha mãe fofocando sobre a ousadia de exibir um corpo maior.

Eu tinha 32 anos quando ganhei coragem para pintar meu cabelo de roxo brilhante, e só fiz isso depois de me mudar para a Virgínia e colocar 4300 Km de distância entre mim e minha família. A primeira vez que minha mãe me viu pelo FaceTime com meu cabelo novo, ela me olhou como se eu fosse um estranho. Mais tarde, ela me mandou uma mensagem dizendo que eu era mais bonita com minha cor natural de cabelo.

“Que pena que você teve que se mudar para tão longe”, ela costumava dizer quando conversávamos ao telefone. “Você deve estar tão sozinha. Que triste.”

Minha solidão e tristeza decorriam do isolamento de uma pandemia, não da distância. Na Virgínia, quando as coisas melhoraram, finalmente tive espaço para respirar.

Minha prima, que é lésbica e isso ainda é encarado como um segredo, me chamou de lado em um casamento de família e disse: “Meus pais querem que eu vá à França para conhecer um homem que está tendo problemas para encontrar uma esposa. A mãe dele está aqui e pediu que me mandassem. Como se eu fosse algo a ser encomendado na Amazon.”

Nós rimos, embriagadas com champanhe. Eu disse a ela para pegar a passagem de avião grátis para Paris e encontrar sua futura esposa.

Na manhã seguinte, acordamos antes de todo mundo e fomos até a praia. Sentadas com nossos cafés, dissemos uma à outra: estou tão cansada.

Mais ou menos na mesma época, finalmente vi as fichas médicas de quando tive câncer. O fichário ficou à vista de todos em uma prateleira durante quase toda a minha vida, mas todos nós fingimos que ele não existia. Foi só quando comecei a pensar em constituir família que fui olhar.

Ao lê-las, descobri que possuo uma translocação cromossômica que dobra o risco de aborto espontâneo. Na minha família, as mulheres carregam a profunda culpa da maternidade fracassada: minha mãe e seus abortos; minha avó que perdeu dois filhos durante o período da fome; uma tia cujo filho se afogou quando fugiram do Vietnã de barco; as primas que sofreram abortos espontâneos e lutam contra a infertilidade sozinhas.

Carrego minha própria vergonha secreta - quando soube de minhas chances cada vez menores de conceber um filho, senti tristeza, sim, mas principalmente alívio. Há muito tempo eu temia ter uma filha e a necessidade de proteger tanto a autonomia dela quanto a minha. Esta foi uma lição que herdei da minha mãe, tias e avós: ser mulher é lutar pelas partes vitais do seu corpo enquanto outras pessoas reivindicam a propriedade dele.

Sempre soube que minha mãe me ama mais do que a si mesma, fato que traz mais culpa do que conforto. Minha mãe me ama - o bebê chorão que sou, puro em meu potencial - mas a que custo?

Algumas mães veem corpos e mentes como argila a ser moldada, um segundo esboço de escultura da vida que desejavam para si. Quando me olho no espelho, vejo a mim mesma, mas também as muitas versões que poderiam ter existido. Em algum lugar ali está a filha que minha mãe imaginou quando me segurou pela primeira vez.

Muitas vezes desejei ser a panaceia viva para a dor que ela sentiu quando era uma criança refugiada, uma menina impotente num país muitas vezes hostil e uma jovem esposa solitária. Às vezes, dar-me permissão para ser outra coisa - o eu que se sente mais terno e verdadeiro - parece uma traição imperdoável.

Mas não posso entregar a narrativa da minha vida a outra pessoa, mesmo que a sua intenção seja poupar-me da dor que vive nos seus ossos, calcificados através de gerações de traumas. Provavelmente nunca saberei o que é segurar meu próprio bebê e imaginar uma vida inteira para ele, mas posso acalmar a criança dentro de mim.

Direi a ela minha verdade mais arduamente conquistada: que ela pode ser amada e livre. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando eu tinha 16 anos, minha mãe me disse que aquela era a idade mais feliz. Tornar-se mulher, sair de casa, ingressar no mercado de trabalho, ter filhos - essas fases, segundo ela, seriam todas marcadas por sofrimento e decepção.

Eu não sabia como dizer a ela que me sentia sufocada e ansiosa o tempo todo, então fingia ser a garota alegre e despreocupada que ela queria que eu fosse.

“Eu era mais feliz quando tinha a sua idade”, disse ela. “Linda. Livre. Você deveria aproveitar agora, antes que acabe”.

Eu não sentia nenhuma dessas coisas, apenas a certeza, em pânico, de que as coisas precisavam melhorar. Mas como eu poderia questionar alguém que já me abraçou com seu corpo tão amoroso?

'Minha mãe costumava sugerir que eu mentisse ou omitisse a falta do meu ovário. Ela dizia que eu deveria usar maiôs inteiros para esconder a cicatriz.' Foto: Brian Rea/The New York Times

“Eu era a pessoa mais bonita da minha família”, minha mãe me disse mais de uma vez. “Tantos homens queriam se casar comigo. Eles procuraram meus pais e imploraram para me cortejar. Eu poderia ter me casado com qualquer um. Um médico do Texas. Um empresário francês”.

Em vez disso, ela se casou com meu pai, um católico vietnamita de boa família. Ela se mudou de sua comunidade fechada em Santa Ana, na Califórnia, para San José, uma distância que a fez sentir-se perdida no mar. Ela tinha 22 anos e um marido de 33 que ela mal conhecia. Eu fui a primeira filha deles. Nos anos seguintes, ela continuou tentando gerar uma ninhada de filhos, determinada a seguir o exemplo de minha avó, que teve 10 filhos.

Eu tinha 4 anos quando me tornei irmã mais velha. Eu tinha 4 anos quando uma dor aguda atingiu meu abdômen. Eu tinha 4 anos quando os médicos realizaram uma cultura de minhas células e descobriram que eram malignas. Eu tinha 4 anos quando as enfermeiras me levaram para uma sala fria e iluminada e um cirurgião removeu meu ovário direito e, com ele, metade dos meus óvulos. Mesmo assim, senti-me desesperadamente responsável pelo medo e exaustão dos meus pais, pela dor da minha mãe pelos filhos que talvez eu nunca tenha.

Doze anos depois, minha mãe sofreu outro aborto, o último de vários que me lembro da minha infância.

Desta vez, porém, eu tinha idade suficiente para compreender a raiz do seu desespero, para saber que ela se transformaria numa sombra pálida de si mesma durante meses. Além de mim, apenas uma gravidez foi bem sucedida - a do meu irmão mais novo, cujos olhos grandes e líquidos refletiam a minha própria ansiedade cada vez que a mortalha caía sobre a nossa casa.

Não pude deixar de imaginar meus irmãos fantasmas. Uma irmã rebelde e de mente aberta para compartilhar segredos no meio da noite. Um segundo irmão mais novo, mais travesso, para suportar o fardo de aliviar o clima fúnebre.

Durante a última gravidez da minha mãe, nossa família estava esperançosa o suficiente para dar um nome ao bebê: Patricia, ou Trish, como apelido. Após o aborto, deitei-me na cama e imaginei futuros alternativos. Neles, minha irmã mais nova cresceu e se tornou uma artista. Juntas, publicamos livros ilustrados, construindo mundos impenetráveis onde ninguém poderia nos machucar, onde não podíamos ouvir nossa mãe soluçando no quarto ao lado.

Sempre carreguei a consciência dos bebês mortos que minha mãe lamentava. Sentia a responsabilidade de compensar a perda deles, de ser cinco filhas num só corpo. A inteligente, a amorosa, a pateta, a vaidosa, a ovelha negra.

Quando minha mãe me comprava roupas e arrumava meu cabelo, eu sorria e deixava, mantendo os braços acima da cabeça como uma boneca obediente. Mesmo na adolescência, quando eu não estava mais apegada a lindos babados em tons pastéis e colares de pérolas, deixava que ela me envolvesse em fantasias.

Quando fiz um curso de escrita criativa durante meu primeiro ano de faculdade, um colega criticou minha escrita dizendo: “Seus personagens são camaleões. Eles não têm um ponto de vista forte. Eles não se conhecem. Eles não são críveis”

Fiquei ali sentada tentando me transformar no tipo de pessoa que pertencia a uma oficina de escrita, fazendo anotações para melhorias futuras.

Minha mãe costumava sugerir que eu mentisse ou omitisse a falta do meu ovário. Ela dizia que eu deveria usar maiôs inteiros para esconder a cicatriz.

“As pessoas olharão para você de maneira diferente se souberem”, disse ela. “Você deveria dizer que teve outro tipo de câncer. Ou finja que nunca teve câncer. Você era tão jovem”.

Ela tremia com o terror de que o mundo me visse como menos completa, menos amável por meu sistema reprodutivo danificado.

Ao ler Lacan pela primeira vez aos 20 anos, grifei: “Todos os tipos de coisas neste mundo se comportam como espelhos”.

Eu ansiava por ser mais do que um reflexo das partes fragmentadas de outra pessoa.

Eu não estava sozinha ao suspeitar que meu corpo não era totalmente meu. Meus primos escondiam tatuagens sob suéteres e mangas compridas. Eles se preocupavam com cortes de cabelo que seus pais poderiam odiar. Minha mãe evitava usar shorts porque uma vez sua irmã mais velha lhe disse que ela tinha músculos feios na panturrilha. Quando uma parente distante engordou depois de ter um filho e postou fotos das férias na praia, ouvi minhas tias e minha mãe fofocando sobre a ousadia de exibir um corpo maior.

Eu tinha 32 anos quando ganhei coragem para pintar meu cabelo de roxo brilhante, e só fiz isso depois de me mudar para a Virgínia e colocar 4300 Km de distância entre mim e minha família. A primeira vez que minha mãe me viu pelo FaceTime com meu cabelo novo, ela me olhou como se eu fosse um estranho. Mais tarde, ela me mandou uma mensagem dizendo que eu era mais bonita com minha cor natural de cabelo.

“Que pena que você teve que se mudar para tão longe”, ela costumava dizer quando conversávamos ao telefone. “Você deve estar tão sozinha. Que triste.”

Minha solidão e tristeza decorriam do isolamento de uma pandemia, não da distância. Na Virgínia, quando as coisas melhoraram, finalmente tive espaço para respirar.

Minha prima, que é lésbica e isso ainda é encarado como um segredo, me chamou de lado em um casamento de família e disse: “Meus pais querem que eu vá à França para conhecer um homem que está tendo problemas para encontrar uma esposa. A mãe dele está aqui e pediu que me mandassem. Como se eu fosse algo a ser encomendado na Amazon.”

Nós rimos, embriagadas com champanhe. Eu disse a ela para pegar a passagem de avião grátis para Paris e encontrar sua futura esposa.

Na manhã seguinte, acordamos antes de todo mundo e fomos até a praia. Sentadas com nossos cafés, dissemos uma à outra: estou tão cansada.

Mais ou menos na mesma época, finalmente vi as fichas médicas de quando tive câncer. O fichário ficou à vista de todos em uma prateleira durante quase toda a minha vida, mas todos nós fingimos que ele não existia. Foi só quando comecei a pensar em constituir família que fui olhar.

Ao lê-las, descobri que possuo uma translocação cromossômica que dobra o risco de aborto espontâneo. Na minha família, as mulheres carregam a profunda culpa da maternidade fracassada: minha mãe e seus abortos; minha avó que perdeu dois filhos durante o período da fome; uma tia cujo filho se afogou quando fugiram do Vietnã de barco; as primas que sofreram abortos espontâneos e lutam contra a infertilidade sozinhas.

Carrego minha própria vergonha secreta - quando soube de minhas chances cada vez menores de conceber um filho, senti tristeza, sim, mas principalmente alívio. Há muito tempo eu temia ter uma filha e a necessidade de proteger tanto a autonomia dela quanto a minha. Esta foi uma lição que herdei da minha mãe, tias e avós: ser mulher é lutar pelas partes vitais do seu corpo enquanto outras pessoas reivindicam a propriedade dele.

Sempre soube que minha mãe me ama mais do que a si mesma, fato que traz mais culpa do que conforto. Minha mãe me ama - o bebê chorão que sou, puro em meu potencial - mas a que custo?

Algumas mães veem corpos e mentes como argila a ser moldada, um segundo esboço de escultura da vida que desejavam para si. Quando me olho no espelho, vejo a mim mesma, mas também as muitas versões que poderiam ter existido. Em algum lugar ali está a filha que minha mãe imaginou quando me segurou pela primeira vez.

Muitas vezes desejei ser a panaceia viva para a dor que ela sentiu quando era uma criança refugiada, uma menina impotente num país muitas vezes hostil e uma jovem esposa solitária. Às vezes, dar-me permissão para ser outra coisa - o eu que se sente mais terno e verdadeiro - parece uma traição imperdoável.

Mas não posso entregar a narrativa da minha vida a outra pessoa, mesmo que a sua intenção seja poupar-me da dor que vive nos seus ossos, calcificados através de gerações de traumas. Provavelmente nunca saberei o que é segurar meu próprio bebê e imaginar uma vida inteira para ele, mas posso acalmar a criança dentro de mim.

Direi a ela minha verdade mais arduamente conquistada: que ela pode ser amada e livre. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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