Modern Love: Quando a mudança climática derrete seu relacionamento


Tudo estava indo muito bem até que eu disse a ele para trocar sua lâmpada de querosene por uma de LED

Por Alison Kaplan

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Meu namorado e eu estávamos juntos havia seis meses, quando tivemos a maior briga de nosso relacionamento sobre a pegada de carbono de uma lâmpada de querosene. Tínhamos acabado de jantar na aconchegante cabine de seu veleiro e estávamos prestes a começar um jogo de gin rummy para determinar quem lavaria a louça quando Doug se levantou e bateu com a cabeça no lampião a querosene que pendia do teto. Ele disse um palavrão quando o lampião balançou para frente e para trás, pingando querosene sobre a mesa.

Eu o provoquei porque ele fazia isso quase todas as noites, e então limpei o que havia pingado com um pano gorduroso e contei a ele sobre um livro que eu estava lendo que listava o querosene como um dos combustíveis fósseis mais sujos.

“Acho que deveríamos comprar um lampião diferente”, eu disse. “Talvez de LED.”

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“Adoro este lampião”, disse ele, inclinando-se sobre mim com um fósforo para reacender o pavio. A lâmpada brilhou intensamente por um momento e depois se apagou, sua luz quente e amarela enchendo a cabine.

Ler à luz daquele lampião a querosene era como voltar no tempo. Isso impregnou a cabine com a nostalgia de uma época em que eu nunca havia vivido, uma época em que os marinheiros navegavam pelas estrelas e queimavam óleo de baleia para obter luz.

Muitas vezes desejei ter uma lanterna de cabeça quando Doug me pedia para ler em voz alta para ele no sofá, minha visão já fraca estava sem dúvida piorando enquanto eu apertava os olhos sob o brilho opaco do pavio trêmulo do lampião, mas tudo parecia tão romântico. Lendo histórias de Jack London para meu namorado, sua cabeça em meu colo, o veleiro balançando suavemente com as ondas, uma centena de leões-marinhos latindo como cães e arrotando sob o píer distante - ele estava certo, não seria o mesmo com uma lâmpada de LED.

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Ainda assim, contei a ele sobre o que havia lido, como o querosene é um dos combustíveis fósseis mais sujos e libera dióxido de carbono e monóxido de carbono, ambos terríveis para a qualidade do ar interno. Contei a ele sobre iniciativas na África para substituir lâmpadas e fogões a querosene por energia solar, porque o querosene estava envenenando as pessoas, causando asma, câncer e outras doenças terríveis.

Tropecei em alguns dos fatos. Eu tinha ouvido o livro em fita e, embora tivesse saído convencida de que o lampião era ruim, fui confusa com os detalhes.

Doug percebeu minha hesitação e pude ouvir a dúvida em sua voz quando disse: “Na verdade não parece sujo. Não há fuligem nem cheiro. Acho que está tudo bem”.

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Ele repetia que não conseguia entender por que estávamos brigando por causa de um lampião a querosene Foto: Brian Rea/The New York Times

Ele se sentou e começou a distribuir as cartas, mas eu afastei as minhas. “É um dos combustíveis fósseis mais sujos que existem. E seria tão fácil mudar. Você provavelmente nem notaria, exceto que talvez pudéssemos enxergar de noite. Por que você é tão resistente a fazer algo que é inegavelmente melhor para a Terra?”

“Não me importo com a pegada de carbono de um mísero lampião”, disse ele. “Eu gosto e não vou me livrar dele.”

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“Eu odeio que você seja tão apático”, eu disse.

“Você está sendo ridícula”, disse ele. Havia uma qualidade aguda e alta em sua voz que eu nunca tinha ouvido antes.

Nesse ponto, fiz uma generalização abrangente sobre homens privilegiados e sua falta de empatia, o que o deixou furioso por eu estar transformando isso em um julgamento sobre seu caráter e por ter ficado exaltada por nada.

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Tentei explicar de seis maneiras diferentes por que isso era importante para mim e por que o colapso iminente do mundo natural deveria ser uma explicação suficiente para justificar por que eu estava chateada, mas estava fazendo isso com raiva em minha voz e estava saindo tudo errado.

Ele apenas repetia que não conseguia entender por que estávamos brigando por causa disso, o que me deixou ainda mais frustrada por ele não estar ouvindo.

Depois de uma hora de idas e vindas infrutíferas, eu estava à beira das lágrimas. A situação parecia totalmente irreconciliável.

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Eu sabia que tinha ido longe demais, mas não conseguia parar. Doug indiscutivelmente não é apático quando se trata do meio ambiente. Ele passou a maior parte de sua vida adulta no campo da conservação marinha, trabalhando como mergulhador de pesquisa coletando dados sobre florestas de algas e, mais recentemente, trabalhando para a National Geographic no Pristine Seas Project, que ajudou a criar 26 das maiores reservas marinhas do planeta. Foi o amor compartilhado pelo mundo natural que nos uniu: conhecemos-nos em uma viagem de rafting de 20 dias pelo Grand Canyon.

Ainda assim, eu me preocupava que os grandes problemas do mundo não parecessem afetar Doug da mesma forma que me afetavam. Nossas inclinações políticas estavam mais ou menos alinhadas e compartilhávamos sonhos semelhantes para o futuro, então não entendi como ele conseguia viver sua vida sem sucumbir ao mesmo medo existencial e raiva que me atormentavam.

Foi um espaço estranho para eu navegar, invejando sua capacidade de se contentar em um mundo tão imperfeito, ao mesmo tempo em que me ressentia do privilégio que permitia que ele se sentisse assim. E em vez de explicar tudo isso a ele, eu havia começado uma briga por causa de um lampião.

Foi nesse ponto que Doug disse que era possível que o lampião nem fosse a querosene. Ele sabia que havia comprado o combustível na Ace Hardware, mas não tinha certeza do que era.

Empurramos para o lado uma almofada do sofá e tiramos a garrafa de combustível do compartimento de armazenamento.

As palavras “Óleo de Parafina para Lâmpada” apareciam em fonte verde na frente. Ao pesquisar no Google, descobri que o óleo de parafina é mais refinado que o querosene e também não possui muitas das impurezas do querosene, o que faz com que sua queima seja relativamente limpa, com menos poluentes, com o benefício adicional de não ter o odor desagradável do querosene.

Olhei para Doug, estupefata, e então corri para o convés para lavar a louça. Eu obviamente tinha perdido, mas quando você passa uma hora brigando por um lampião de querosene que nem é abastecido a querosene, ninguém ganha.

Acordei na manhã seguinte me sentindo envergonhada, minha raiva transformada em arrependimento depois de uma noite mal dormida. Eu tinha de ir trabalhar, onde passava o dia realizando trabalhos braçais tediosos para um fundo de terras local. Estávamos trabalhando para restaurar as comunidades de plantas nativas no hábitat sensível das dunas da costa da Califórnia - uma causa na qual eu certamente acreditava, mas o trabalho em si me deixaria com oito horas solitárias para refazer cada linha do meu argumento infundado.

Doug se ofereceu para me levar até o píer no bote, mas eu disse a ele para voltar a dormir, que eu pegaria a prancha de remo. O sol tinha acabado de chegar ao topo das colinas acima do porto, e a água parecia um lençol de vidro. Os pescadores partiram antes do amanhecer e os turistas e banhistas ainda não tinham chegado, então o porto estava tranquilo, exceto pelas pequenas ondas quebrando na areia e o ocasional barulho de um pelicano. Amarrei a prancha de remo e subi a escada frágil até o píer, onde peguei meu telefone e mandei uma mensagem para ele: “Sinto muito”.

Seis meses depois, estávamos indo para o sul com vento nas velas, rumo ao México. Durante oito semanas navegamos de Port San Luis a Puerto Vallarta, percorrendo cerca de 2.250 km a uma velocidade média de 8 km por hora.

Ao longo do caminho, Doug me ensinou como estimar a velocidade do vento, como definir um curso e como ajustar as velas. Ele me ensinou sobre as florestas de algas, a Oscilação Madden-Julian e os padrões migratórios das baleias. Ele me ensinou a mergulhar para pegar vieiras, como carregar um arpão e como limpar e filetar um peixe quando finalmente peguei um. Ele me fez pular no mar no meio do Pacífico, onde a água tinha 2.000 pés de profundidade, para nadar com as arraias.

Enquanto caminhávamos lentamente para o sul, Doug me lembrou por que eu havia me juntado ao movimento ambiental. Sua vida ecologicamente consciente foi impulsionada por sua admiração pelo mundo natural - uma admiração tão pura que é quase infantil. E embora a minha tenha começado assim, ela se transformou ao longo dos anos em algo motivado principalmente pela raiva pelo que estamos perdendo.

Doug ama o oceano e, ao longo de nossa viagem, ele me mostrou um milhão de razões para esse amor. Isso me fez amá-lo e querer salvá-lo também. Os esforços para preservar nosso planeta são muitas vezes alimentados pela fúria e pelo medo, mas também podem ser alimentados pela esperança. A vida simples e alegre que Doug me apresentou no mar – movida pelo vento, sol e correntes oceânicas – me deu esperança e me lembrou que há uma maneira melhor de lutar. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Meu namorado e eu estávamos juntos havia seis meses, quando tivemos a maior briga de nosso relacionamento sobre a pegada de carbono de uma lâmpada de querosene. Tínhamos acabado de jantar na aconchegante cabine de seu veleiro e estávamos prestes a começar um jogo de gin rummy para determinar quem lavaria a louça quando Doug se levantou e bateu com a cabeça no lampião a querosene que pendia do teto. Ele disse um palavrão quando o lampião balançou para frente e para trás, pingando querosene sobre a mesa.

Eu o provoquei porque ele fazia isso quase todas as noites, e então limpei o que havia pingado com um pano gorduroso e contei a ele sobre um livro que eu estava lendo que listava o querosene como um dos combustíveis fósseis mais sujos.

“Acho que deveríamos comprar um lampião diferente”, eu disse. “Talvez de LED.”

“Adoro este lampião”, disse ele, inclinando-se sobre mim com um fósforo para reacender o pavio. A lâmpada brilhou intensamente por um momento e depois se apagou, sua luz quente e amarela enchendo a cabine.

Ler à luz daquele lampião a querosene era como voltar no tempo. Isso impregnou a cabine com a nostalgia de uma época em que eu nunca havia vivido, uma época em que os marinheiros navegavam pelas estrelas e queimavam óleo de baleia para obter luz.

Muitas vezes desejei ter uma lanterna de cabeça quando Doug me pedia para ler em voz alta para ele no sofá, minha visão já fraca estava sem dúvida piorando enquanto eu apertava os olhos sob o brilho opaco do pavio trêmulo do lampião, mas tudo parecia tão romântico. Lendo histórias de Jack London para meu namorado, sua cabeça em meu colo, o veleiro balançando suavemente com as ondas, uma centena de leões-marinhos latindo como cães e arrotando sob o píer distante - ele estava certo, não seria o mesmo com uma lâmpada de LED.

Ainda assim, contei a ele sobre o que havia lido, como o querosene é um dos combustíveis fósseis mais sujos e libera dióxido de carbono e monóxido de carbono, ambos terríveis para a qualidade do ar interno. Contei a ele sobre iniciativas na África para substituir lâmpadas e fogões a querosene por energia solar, porque o querosene estava envenenando as pessoas, causando asma, câncer e outras doenças terríveis.

Tropecei em alguns dos fatos. Eu tinha ouvido o livro em fita e, embora tivesse saído convencida de que o lampião era ruim, fui confusa com os detalhes.

Doug percebeu minha hesitação e pude ouvir a dúvida em sua voz quando disse: “Na verdade não parece sujo. Não há fuligem nem cheiro. Acho que está tudo bem”.

Ele repetia que não conseguia entender por que estávamos brigando por causa de um lampião a querosene Foto: Brian Rea/The New York Times

Ele se sentou e começou a distribuir as cartas, mas eu afastei as minhas. “É um dos combustíveis fósseis mais sujos que existem. E seria tão fácil mudar. Você provavelmente nem notaria, exceto que talvez pudéssemos enxergar de noite. Por que você é tão resistente a fazer algo que é inegavelmente melhor para a Terra?”

“Não me importo com a pegada de carbono de um mísero lampião”, disse ele. “Eu gosto e não vou me livrar dele.”

“Eu odeio que você seja tão apático”, eu disse.

“Você está sendo ridícula”, disse ele. Havia uma qualidade aguda e alta em sua voz que eu nunca tinha ouvido antes.

Nesse ponto, fiz uma generalização abrangente sobre homens privilegiados e sua falta de empatia, o que o deixou furioso por eu estar transformando isso em um julgamento sobre seu caráter e por ter ficado exaltada por nada.

Tentei explicar de seis maneiras diferentes por que isso era importante para mim e por que o colapso iminente do mundo natural deveria ser uma explicação suficiente para justificar por que eu estava chateada, mas estava fazendo isso com raiva em minha voz e estava saindo tudo errado.

Ele apenas repetia que não conseguia entender por que estávamos brigando por causa disso, o que me deixou ainda mais frustrada por ele não estar ouvindo.

Depois de uma hora de idas e vindas infrutíferas, eu estava à beira das lágrimas. A situação parecia totalmente irreconciliável.

Eu sabia que tinha ido longe demais, mas não conseguia parar. Doug indiscutivelmente não é apático quando se trata do meio ambiente. Ele passou a maior parte de sua vida adulta no campo da conservação marinha, trabalhando como mergulhador de pesquisa coletando dados sobre florestas de algas e, mais recentemente, trabalhando para a National Geographic no Pristine Seas Project, que ajudou a criar 26 das maiores reservas marinhas do planeta. Foi o amor compartilhado pelo mundo natural que nos uniu: conhecemos-nos em uma viagem de rafting de 20 dias pelo Grand Canyon.

Ainda assim, eu me preocupava que os grandes problemas do mundo não parecessem afetar Doug da mesma forma que me afetavam. Nossas inclinações políticas estavam mais ou menos alinhadas e compartilhávamos sonhos semelhantes para o futuro, então não entendi como ele conseguia viver sua vida sem sucumbir ao mesmo medo existencial e raiva que me atormentavam.

Foi um espaço estranho para eu navegar, invejando sua capacidade de se contentar em um mundo tão imperfeito, ao mesmo tempo em que me ressentia do privilégio que permitia que ele se sentisse assim. E em vez de explicar tudo isso a ele, eu havia começado uma briga por causa de um lampião.

Foi nesse ponto que Doug disse que era possível que o lampião nem fosse a querosene. Ele sabia que havia comprado o combustível na Ace Hardware, mas não tinha certeza do que era.

Empurramos para o lado uma almofada do sofá e tiramos a garrafa de combustível do compartimento de armazenamento.

As palavras “Óleo de Parafina para Lâmpada” apareciam em fonte verde na frente. Ao pesquisar no Google, descobri que o óleo de parafina é mais refinado que o querosene e também não possui muitas das impurezas do querosene, o que faz com que sua queima seja relativamente limpa, com menos poluentes, com o benefício adicional de não ter o odor desagradável do querosene.

Olhei para Doug, estupefata, e então corri para o convés para lavar a louça. Eu obviamente tinha perdido, mas quando você passa uma hora brigando por um lampião de querosene que nem é abastecido a querosene, ninguém ganha.

Acordei na manhã seguinte me sentindo envergonhada, minha raiva transformada em arrependimento depois de uma noite mal dormida. Eu tinha de ir trabalhar, onde passava o dia realizando trabalhos braçais tediosos para um fundo de terras local. Estávamos trabalhando para restaurar as comunidades de plantas nativas no hábitat sensível das dunas da costa da Califórnia - uma causa na qual eu certamente acreditava, mas o trabalho em si me deixaria com oito horas solitárias para refazer cada linha do meu argumento infundado.

Doug se ofereceu para me levar até o píer no bote, mas eu disse a ele para voltar a dormir, que eu pegaria a prancha de remo. O sol tinha acabado de chegar ao topo das colinas acima do porto, e a água parecia um lençol de vidro. Os pescadores partiram antes do amanhecer e os turistas e banhistas ainda não tinham chegado, então o porto estava tranquilo, exceto pelas pequenas ondas quebrando na areia e o ocasional barulho de um pelicano. Amarrei a prancha de remo e subi a escada frágil até o píer, onde peguei meu telefone e mandei uma mensagem para ele: “Sinto muito”.

Seis meses depois, estávamos indo para o sul com vento nas velas, rumo ao México. Durante oito semanas navegamos de Port San Luis a Puerto Vallarta, percorrendo cerca de 2.250 km a uma velocidade média de 8 km por hora.

Ao longo do caminho, Doug me ensinou como estimar a velocidade do vento, como definir um curso e como ajustar as velas. Ele me ensinou sobre as florestas de algas, a Oscilação Madden-Julian e os padrões migratórios das baleias. Ele me ensinou a mergulhar para pegar vieiras, como carregar um arpão e como limpar e filetar um peixe quando finalmente peguei um. Ele me fez pular no mar no meio do Pacífico, onde a água tinha 2.000 pés de profundidade, para nadar com as arraias.

Enquanto caminhávamos lentamente para o sul, Doug me lembrou por que eu havia me juntado ao movimento ambiental. Sua vida ecologicamente consciente foi impulsionada por sua admiração pelo mundo natural - uma admiração tão pura que é quase infantil. E embora a minha tenha começado assim, ela se transformou ao longo dos anos em algo motivado principalmente pela raiva pelo que estamos perdendo.

Doug ama o oceano e, ao longo de nossa viagem, ele me mostrou um milhão de razões para esse amor. Isso me fez amá-lo e querer salvá-lo também. Os esforços para preservar nosso planeta são muitas vezes alimentados pela fúria e pelo medo, mas também podem ser alimentados pela esperança. A vida simples e alegre que Doug me apresentou no mar – movida pelo vento, sol e correntes oceânicas – me deu esperança e me lembrou que há uma maneira melhor de lutar. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Meu namorado e eu estávamos juntos havia seis meses, quando tivemos a maior briga de nosso relacionamento sobre a pegada de carbono de uma lâmpada de querosene. Tínhamos acabado de jantar na aconchegante cabine de seu veleiro e estávamos prestes a começar um jogo de gin rummy para determinar quem lavaria a louça quando Doug se levantou e bateu com a cabeça no lampião a querosene que pendia do teto. Ele disse um palavrão quando o lampião balançou para frente e para trás, pingando querosene sobre a mesa.

Eu o provoquei porque ele fazia isso quase todas as noites, e então limpei o que havia pingado com um pano gorduroso e contei a ele sobre um livro que eu estava lendo que listava o querosene como um dos combustíveis fósseis mais sujos.

“Acho que deveríamos comprar um lampião diferente”, eu disse. “Talvez de LED.”

“Adoro este lampião”, disse ele, inclinando-se sobre mim com um fósforo para reacender o pavio. A lâmpada brilhou intensamente por um momento e depois se apagou, sua luz quente e amarela enchendo a cabine.

Ler à luz daquele lampião a querosene era como voltar no tempo. Isso impregnou a cabine com a nostalgia de uma época em que eu nunca havia vivido, uma época em que os marinheiros navegavam pelas estrelas e queimavam óleo de baleia para obter luz.

Muitas vezes desejei ter uma lanterna de cabeça quando Doug me pedia para ler em voz alta para ele no sofá, minha visão já fraca estava sem dúvida piorando enquanto eu apertava os olhos sob o brilho opaco do pavio trêmulo do lampião, mas tudo parecia tão romântico. Lendo histórias de Jack London para meu namorado, sua cabeça em meu colo, o veleiro balançando suavemente com as ondas, uma centena de leões-marinhos latindo como cães e arrotando sob o píer distante - ele estava certo, não seria o mesmo com uma lâmpada de LED.

Ainda assim, contei a ele sobre o que havia lido, como o querosene é um dos combustíveis fósseis mais sujos e libera dióxido de carbono e monóxido de carbono, ambos terríveis para a qualidade do ar interno. Contei a ele sobre iniciativas na África para substituir lâmpadas e fogões a querosene por energia solar, porque o querosene estava envenenando as pessoas, causando asma, câncer e outras doenças terríveis.

Tropecei em alguns dos fatos. Eu tinha ouvido o livro em fita e, embora tivesse saído convencida de que o lampião era ruim, fui confusa com os detalhes.

Doug percebeu minha hesitação e pude ouvir a dúvida em sua voz quando disse: “Na verdade não parece sujo. Não há fuligem nem cheiro. Acho que está tudo bem”.

Ele repetia que não conseguia entender por que estávamos brigando por causa de um lampião a querosene Foto: Brian Rea/The New York Times

Ele se sentou e começou a distribuir as cartas, mas eu afastei as minhas. “É um dos combustíveis fósseis mais sujos que existem. E seria tão fácil mudar. Você provavelmente nem notaria, exceto que talvez pudéssemos enxergar de noite. Por que você é tão resistente a fazer algo que é inegavelmente melhor para a Terra?”

“Não me importo com a pegada de carbono de um mísero lampião”, disse ele. “Eu gosto e não vou me livrar dele.”

“Eu odeio que você seja tão apático”, eu disse.

“Você está sendo ridícula”, disse ele. Havia uma qualidade aguda e alta em sua voz que eu nunca tinha ouvido antes.

Nesse ponto, fiz uma generalização abrangente sobre homens privilegiados e sua falta de empatia, o que o deixou furioso por eu estar transformando isso em um julgamento sobre seu caráter e por ter ficado exaltada por nada.

Tentei explicar de seis maneiras diferentes por que isso era importante para mim e por que o colapso iminente do mundo natural deveria ser uma explicação suficiente para justificar por que eu estava chateada, mas estava fazendo isso com raiva em minha voz e estava saindo tudo errado.

Ele apenas repetia que não conseguia entender por que estávamos brigando por causa disso, o que me deixou ainda mais frustrada por ele não estar ouvindo.

Depois de uma hora de idas e vindas infrutíferas, eu estava à beira das lágrimas. A situação parecia totalmente irreconciliável.

Eu sabia que tinha ido longe demais, mas não conseguia parar. Doug indiscutivelmente não é apático quando se trata do meio ambiente. Ele passou a maior parte de sua vida adulta no campo da conservação marinha, trabalhando como mergulhador de pesquisa coletando dados sobre florestas de algas e, mais recentemente, trabalhando para a National Geographic no Pristine Seas Project, que ajudou a criar 26 das maiores reservas marinhas do planeta. Foi o amor compartilhado pelo mundo natural que nos uniu: conhecemos-nos em uma viagem de rafting de 20 dias pelo Grand Canyon.

Ainda assim, eu me preocupava que os grandes problemas do mundo não parecessem afetar Doug da mesma forma que me afetavam. Nossas inclinações políticas estavam mais ou menos alinhadas e compartilhávamos sonhos semelhantes para o futuro, então não entendi como ele conseguia viver sua vida sem sucumbir ao mesmo medo existencial e raiva que me atormentavam.

Foi um espaço estranho para eu navegar, invejando sua capacidade de se contentar em um mundo tão imperfeito, ao mesmo tempo em que me ressentia do privilégio que permitia que ele se sentisse assim. E em vez de explicar tudo isso a ele, eu havia começado uma briga por causa de um lampião.

Foi nesse ponto que Doug disse que era possível que o lampião nem fosse a querosene. Ele sabia que havia comprado o combustível na Ace Hardware, mas não tinha certeza do que era.

Empurramos para o lado uma almofada do sofá e tiramos a garrafa de combustível do compartimento de armazenamento.

As palavras “Óleo de Parafina para Lâmpada” apareciam em fonte verde na frente. Ao pesquisar no Google, descobri que o óleo de parafina é mais refinado que o querosene e também não possui muitas das impurezas do querosene, o que faz com que sua queima seja relativamente limpa, com menos poluentes, com o benefício adicional de não ter o odor desagradável do querosene.

Olhei para Doug, estupefata, e então corri para o convés para lavar a louça. Eu obviamente tinha perdido, mas quando você passa uma hora brigando por um lampião de querosene que nem é abastecido a querosene, ninguém ganha.

Acordei na manhã seguinte me sentindo envergonhada, minha raiva transformada em arrependimento depois de uma noite mal dormida. Eu tinha de ir trabalhar, onde passava o dia realizando trabalhos braçais tediosos para um fundo de terras local. Estávamos trabalhando para restaurar as comunidades de plantas nativas no hábitat sensível das dunas da costa da Califórnia - uma causa na qual eu certamente acreditava, mas o trabalho em si me deixaria com oito horas solitárias para refazer cada linha do meu argumento infundado.

Doug se ofereceu para me levar até o píer no bote, mas eu disse a ele para voltar a dormir, que eu pegaria a prancha de remo. O sol tinha acabado de chegar ao topo das colinas acima do porto, e a água parecia um lençol de vidro. Os pescadores partiram antes do amanhecer e os turistas e banhistas ainda não tinham chegado, então o porto estava tranquilo, exceto pelas pequenas ondas quebrando na areia e o ocasional barulho de um pelicano. Amarrei a prancha de remo e subi a escada frágil até o píer, onde peguei meu telefone e mandei uma mensagem para ele: “Sinto muito”.

Seis meses depois, estávamos indo para o sul com vento nas velas, rumo ao México. Durante oito semanas navegamos de Port San Luis a Puerto Vallarta, percorrendo cerca de 2.250 km a uma velocidade média de 8 km por hora.

Ao longo do caminho, Doug me ensinou como estimar a velocidade do vento, como definir um curso e como ajustar as velas. Ele me ensinou sobre as florestas de algas, a Oscilação Madden-Julian e os padrões migratórios das baleias. Ele me ensinou a mergulhar para pegar vieiras, como carregar um arpão e como limpar e filetar um peixe quando finalmente peguei um. Ele me fez pular no mar no meio do Pacífico, onde a água tinha 2.000 pés de profundidade, para nadar com as arraias.

Enquanto caminhávamos lentamente para o sul, Doug me lembrou por que eu havia me juntado ao movimento ambiental. Sua vida ecologicamente consciente foi impulsionada por sua admiração pelo mundo natural - uma admiração tão pura que é quase infantil. E embora a minha tenha começado assim, ela se transformou ao longo dos anos em algo motivado principalmente pela raiva pelo que estamos perdendo.

Doug ama o oceano e, ao longo de nossa viagem, ele me mostrou um milhão de razões para esse amor. Isso me fez amá-lo e querer salvá-lo também. Os esforços para preservar nosso planeta são muitas vezes alimentados pela fúria e pelo medo, mas também podem ser alimentados pela esperança. A vida simples e alegre que Doug me apresentou no mar – movida pelo vento, sol e correntes oceânicas – me deu esperança e me lembrou que há uma maneira melhor de lutar. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Meu namorado e eu estávamos juntos havia seis meses, quando tivemos a maior briga de nosso relacionamento sobre a pegada de carbono de uma lâmpada de querosene. Tínhamos acabado de jantar na aconchegante cabine de seu veleiro e estávamos prestes a começar um jogo de gin rummy para determinar quem lavaria a louça quando Doug se levantou e bateu com a cabeça no lampião a querosene que pendia do teto. Ele disse um palavrão quando o lampião balançou para frente e para trás, pingando querosene sobre a mesa.

Eu o provoquei porque ele fazia isso quase todas as noites, e então limpei o que havia pingado com um pano gorduroso e contei a ele sobre um livro que eu estava lendo que listava o querosene como um dos combustíveis fósseis mais sujos.

“Acho que deveríamos comprar um lampião diferente”, eu disse. “Talvez de LED.”

“Adoro este lampião”, disse ele, inclinando-se sobre mim com um fósforo para reacender o pavio. A lâmpada brilhou intensamente por um momento e depois se apagou, sua luz quente e amarela enchendo a cabine.

Ler à luz daquele lampião a querosene era como voltar no tempo. Isso impregnou a cabine com a nostalgia de uma época em que eu nunca havia vivido, uma época em que os marinheiros navegavam pelas estrelas e queimavam óleo de baleia para obter luz.

Muitas vezes desejei ter uma lanterna de cabeça quando Doug me pedia para ler em voz alta para ele no sofá, minha visão já fraca estava sem dúvida piorando enquanto eu apertava os olhos sob o brilho opaco do pavio trêmulo do lampião, mas tudo parecia tão romântico. Lendo histórias de Jack London para meu namorado, sua cabeça em meu colo, o veleiro balançando suavemente com as ondas, uma centena de leões-marinhos latindo como cães e arrotando sob o píer distante - ele estava certo, não seria o mesmo com uma lâmpada de LED.

Ainda assim, contei a ele sobre o que havia lido, como o querosene é um dos combustíveis fósseis mais sujos e libera dióxido de carbono e monóxido de carbono, ambos terríveis para a qualidade do ar interno. Contei a ele sobre iniciativas na África para substituir lâmpadas e fogões a querosene por energia solar, porque o querosene estava envenenando as pessoas, causando asma, câncer e outras doenças terríveis.

Tropecei em alguns dos fatos. Eu tinha ouvido o livro em fita e, embora tivesse saído convencida de que o lampião era ruim, fui confusa com os detalhes.

Doug percebeu minha hesitação e pude ouvir a dúvida em sua voz quando disse: “Na verdade não parece sujo. Não há fuligem nem cheiro. Acho que está tudo bem”.

Ele repetia que não conseguia entender por que estávamos brigando por causa de um lampião a querosene Foto: Brian Rea/The New York Times

Ele se sentou e começou a distribuir as cartas, mas eu afastei as minhas. “É um dos combustíveis fósseis mais sujos que existem. E seria tão fácil mudar. Você provavelmente nem notaria, exceto que talvez pudéssemos enxergar de noite. Por que você é tão resistente a fazer algo que é inegavelmente melhor para a Terra?”

“Não me importo com a pegada de carbono de um mísero lampião”, disse ele. “Eu gosto e não vou me livrar dele.”

“Eu odeio que você seja tão apático”, eu disse.

“Você está sendo ridícula”, disse ele. Havia uma qualidade aguda e alta em sua voz que eu nunca tinha ouvido antes.

Nesse ponto, fiz uma generalização abrangente sobre homens privilegiados e sua falta de empatia, o que o deixou furioso por eu estar transformando isso em um julgamento sobre seu caráter e por ter ficado exaltada por nada.

Tentei explicar de seis maneiras diferentes por que isso era importante para mim e por que o colapso iminente do mundo natural deveria ser uma explicação suficiente para justificar por que eu estava chateada, mas estava fazendo isso com raiva em minha voz e estava saindo tudo errado.

Ele apenas repetia que não conseguia entender por que estávamos brigando por causa disso, o que me deixou ainda mais frustrada por ele não estar ouvindo.

Depois de uma hora de idas e vindas infrutíferas, eu estava à beira das lágrimas. A situação parecia totalmente irreconciliável.

Eu sabia que tinha ido longe demais, mas não conseguia parar. Doug indiscutivelmente não é apático quando se trata do meio ambiente. Ele passou a maior parte de sua vida adulta no campo da conservação marinha, trabalhando como mergulhador de pesquisa coletando dados sobre florestas de algas e, mais recentemente, trabalhando para a National Geographic no Pristine Seas Project, que ajudou a criar 26 das maiores reservas marinhas do planeta. Foi o amor compartilhado pelo mundo natural que nos uniu: conhecemos-nos em uma viagem de rafting de 20 dias pelo Grand Canyon.

Ainda assim, eu me preocupava que os grandes problemas do mundo não parecessem afetar Doug da mesma forma que me afetavam. Nossas inclinações políticas estavam mais ou menos alinhadas e compartilhávamos sonhos semelhantes para o futuro, então não entendi como ele conseguia viver sua vida sem sucumbir ao mesmo medo existencial e raiva que me atormentavam.

Foi um espaço estranho para eu navegar, invejando sua capacidade de se contentar em um mundo tão imperfeito, ao mesmo tempo em que me ressentia do privilégio que permitia que ele se sentisse assim. E em vez de explicar tudo isso a ele, eu havia começado uma briga por causa de um lampião.

Foi nesse ponto que Doug disse que era possível que o lampião nem fosse a querosene. Ele sabia que havia comprado o combustível na Ace Hardware, mas não tinha certeza do que era.

Empurramos para o lado uma almofada do sofá e tiramos a garrafa de combustível do compartimento de armazenamento.

As palavras “Óleo de Parafina para Lâmpada” apareciam em fonte verde na frente. Ao pesquisar no Google, descobri que o óleo de parafina é mais refinado que o querosene e também não possui muitas das impurezas do querosene, o que faz com que sua queima seja relativamente limpa, com menos poluentes, com o benefício adicional de não ter o odor desagradável do querosene.

Olhei para Doug, estupefata, e então corri para o convés para lavar a louça. Eu obviamente tinha perdido, mas quando você passa uma hora brigando por um lampião de querosene que nem é abastecido a querosene, ninguém ganha.

Acordei na manhã seguinte me sentindo envergonhada, minha raiva transformada em arrependimento depois de uma noite mal dormida. Eu tinha de ir trabalhar, onde passava o dia realizando trabalhos braçais tediosos para um fundo de terras local. Estávamos trabalhando para restaurar as comunidades de plantas nativas no hábitat sensível das dunas da costa da Califórnia - uma causa na qual eu certamente acreditava, mas o trabalho em si me deixaria com oito horas solitárias para refazer cada linha do meu argumento infundado.

Doug se ofereceu para me levar até o píer no bote, mas eu disse a ele para voltar a dormir, que eu pegaria a prancha de remo. O sol tinha acabado de chegar ao topo das colinas acima do porto, e a água parecia um lençol de vidro. Os pescadores partiram antes do amanhecer e os turistas e banhistas ainda não tinham chegado, então o porto estava tranquilo, exceto pelas pequenas ondas quebrando na areia e o ocasional barulho de um pelicano. Amarrei a prancha de remo e subi a escada frágil até o píer, onde peguei meu telefone e mandei uma mensagem para ele: “Sinto muito”.

Seis meses depois, estávamos indo para o sul com vento nas velas, rumo ao México. Durante oito semanas navegamos de Port San Luis a Puerto Vallarta, percorrendo cerca de 2.250 km a uma velocidade média de 8 km por hora.

Ao longo do caminho, Doug me ensinou como estimar a velocidade do vento, como definir um curso e como ajustar as velas. Ele me ensinou sobre as florestas de algas, a Oscilação Madden-Julian e os padrões migratórios das baleias. Ele me ensinou a mergulhar para pegar vieiras, como carregar um arpão e como limpar e filetar um peixe quando finalmente peguei um. Ele me fez pular no mar no meio do Pacífico, onde a água tinha 2.000 pés de profundidade, para nadar com as arraias.

Enquanto caminhávamos lentamente para o sul, Doug me lembrou por que eu havia me juntado ao movimento ambiental. Sua vida ecologicamente consciente foi impulsionada por sua admiração pelo mundo natural - uma admiração tão pura que é quase infantil. E embora a minha tenha começado assim, ela se transformou ao longo dos anos em algo motivado principalmente pela raiva pelo que estamos perdendo.

Doug ama o oceano e, ao longo de nossa viagem, ele me mostrou um milhão de razões para esse amor. Isso me fez amá-lo e querer salvá-lo também. Os esforços para preservar nosso planeta são muitas vezes alimentados pela fúria e pelo medo, mas também podem ser alimentados pela esperança. A vida simples e alegre que Doug me apresentou no mar – movida pelo vento, sol e correntes oceânicas – me deu esperança e me lembrou que há uma maneira melhor de lutar. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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