Modern Love: meu namorado tem duas namoradas. Devo ser a terceira?


Minha mente podia entender de forma racional o poliamor, mas meu coração se rebelou

Por Silva Kuusniemi

Eu estava perambulando pela loja de bebidas por alguns minutos quando o vendedor se aproximou e perguntou se eu precisava de ajuda. Pensei em lhe contar a respeito da minha situação. “Olá”, eu diria. “Estou comprando vinhos para jantar com meu namorado e suas duas companheiras, que encontrarei pela primeira vez. Será que você por acaso teria um vinho branco que diga: 'Peço desculpas. Por favor, gostem de mim?'”

Em vez disso, eu disse: “Estou apenas olhando”. O vendedor sorriu e se afastou.

Ilustração de Brian Rea/The New York Times. 
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Namorar alguém que já estava envolvido em outros relacionamentos tinha suas vantagens. Tendo já navegado no terreno complicado do poliamor por anos, Juhana era um excelente comunicador e emocionalmente letrado - um contraste gritante com os homens monogâmicos que eu havia namorado antes. Além disso, eu não queria deixar de lado nem meus projetos, nem meus amigos, então foi um alívio ter o relacionamento restrito a dias específicos da semana: segundas e quintas, quando a namorada com quem Juhana vivia tinha outros planos.

Nesses dias, às vezes eu visitava o apartamento que eles dividiam, um imóvel arejado em um subúrbio arborizado de Helsinque, onde as janelas davam para um mar de árvores. Lá, Juhana cozinharia para mim. Ele era do tipo que comprava sais aromatizados em lojas especializadas e afiava suas próprias facas, que usava para picar e esmagar o alho até formar uma pasta.

Percebi que ele se orgulhava dessa habilidade, como se fosse algo que marcasse a idade adulta propriamente dita, adquirida logo depois de cruzar uma ponte que eu, aos 27 anos, ainda teria que atravessar.

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Embora suas namoradas não estivessem lá, elas também não estavam totalmente ausentes. Comemos nossos hambúrgueres de tofu em uma mesa entre os autorretratos da namorada com quem ele vivia e as plantas de sua segunda namorada que - dispostas em uma fileira bagunçada, estendiam seus galhos em minha direção -, estavam murchando.

Entre mordidas, Juhana me contou que elas zombavam dele por falar tanto sobre mim. "Elas perguntaram se estou planejando trazer você para jantar em breve. Para exibir você.”

Evitei a questão com uma risada leve. Minhas intenções não eram muito sérias. Eu duvidava que as namoradas de Juhana e eu nos encontrássemos. Até que um dia ele olhou para mim da poltrona do meu quarto, onde gostava de sentar e ler, e disse: "Droga, acho que estou me apaixonando por você."

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Como se suas palavras fossem um catalisador químico, minhas aspirações quanto ao nosso relacionamento começaram a se transformar de saídas para restaurantes e viagens casuais para a construção de um lar.

Essas aspirações de modo algum incluíam suas namoradas, que estavam se tornando cada vez mais difíceis de ignorar. Elas surgiam na conversa. Fotos delas ocupavam a memória do telefone de Juhana. Às vezes, uma delas ligava enquanto ele estava comigo e, depois de conversarem um pouco, ele afastava o telefone e dizia: "Ela está te mandando um oi".

Eu o encarava, muda. O que eu poderia dizer? “Oi, eu não te conheço, mas estou na cama com seu namorado. Eu fantasio com ele deixando você. Estou com ciúmes. Eu queria que você não existisse".

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Dizer qualquer outra coisa parecia hipócrita, então não dizia nada. Com o tempo, como suas mensagens bem-intencionadas ficaram sem resposta, elas pararam.

Muitas vezes me perguntei o que havia de errado comigo. Tirando alguns textos religiosos - e a literatura romântica que povoava minha estante - onde foi universalmente decretado que um relacionamento amoroso só poderia envolver dois parceiros? Uma breve pesquisa sugeriu que crianças criadas em relacionamentos poliamorosos estáveis se saíram bem. Pessoas em casamentos abertos deram entrevistas otimistas e esclarecedoras. Estatísticas a respeito de traição pareciam apoiar a noção de que os humanos, assim como a grande maioria do reino animal, não eram “feitos” para a exclusividade.

Embora minha mente aceitasse esse raciocínio, meu coração - impulsionado pelos Austens e Brontës de minha estante - se rebelava.

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Por que a comunidade do poliamor reformulou a adrenalina de se apaixonar como uma “nova energia de relacionamento” (NER, para os íntimos)? Por que alguém se esforçaria para transformar o amor em algo como uma startup, com um jargão próprio e vocabulário abreviado?  E como Juhana poderia me encorajar a buscar outros relacionamentos? Eu realmente havia despertado pouquíssimos sentimentos nele a ponto de ele não se importar se eu namorasse outra pessoa?

“Estou disposto a suportar o desconforto”, ele respondia, “porque você vale a pena”.

Mas por que ele não poderia estar disposto a suportar o desconforto de se privar de outra pessoa? Por que, eu queria saber, uma dor era fundamentalmente mais aceitável do que a outra?

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Eu sujeitei Juhana a conversas dolorosas e a muitos ataques de fúria durante os quais eu exigia que nós terminássemos, que ele terminasse com suas namoradas e que ele não terminasse com elas - geralmente na mesma conversa.

Depois de uma semana particularmente turbulenta, enquanto estávamos deitados em meu futon, perguntei a Juhana o que suas namoradas pensavam de mim. Ele hesitou. “Bem, basicamente elas estão felizes por termos nos encontrado”, disse ele. “Mas estão um pouco mais cautelosas agora. Elas estão com medo de que talvez você seja manipuladora”.

Lembrei mentalmente de tudo que pensava a respeito de mim mesma - aventureira, de mente aberta, criativa. Doeu ter "maquiavélica" adicionada a essa lista.

“Acho que gostaria de conhecer suas namoradas”, disse. “Talvez pudéssemos jantar algum dia? Eu levo o vinho".

“Elas preferem branco”, disse Juhana. Ele sabia que, caso eu pudesse escolher, optaria pelo tinto.

E foi assim que acabei naquela loja de bebidas, olhando para as fileiras reluzentes de garrafas importadas do Chile e da África do Sul. Minha situação parecia como outro país estrangeiro, em cujo território eu tropecei, senti-me idiota e me perdi.

Imaginei o jantar. Eles colocariam a mão na cintura um do outro enquanto pegavam os pratos na cozinha? Elas me encarariam em uma fileira, como se fosse uma entrevista? Suas namoradas usariam batom, ririam de minhas piadas, serviriam sobremesa? Será que elas, como em meu pesadelo recorrente, lentamente me observariam e olhariam de volta para Juhana, como se perguntassem: "Ela?".

Depois, tentaria organizar meus pensamentos em relação ao que tudo isso significava e o que eu queria. Talvez eu entendesse o que o amor realmente era - se significava segurar ou deixar ir.

Veja, houve um período no início de nosso relacionamento em que Juhana se perguntou se ele era poliamorista no final das contas. Talvez a intensidade de seus sentimentos, sua obstinação, significassem algo. “Se eu fosse livre”, dizia ele, “seríamos exclusivos?”

Ele brincou com essa ideia por semanas, expressando esperança de que um raio de clareza caísse dos céus e o levasse em algum momento a fazer uma escolha. Mas nenhum milagre aconteceu.

Juhana era religioso em relação a algo que eu não era. Pensei muitas vezes em como ele disse que às vezes lutava com sua fé, mas no final das contas, diariamente, fazia a escolha de acreditar.

Por que, eu me perguntava, essa escolha não era aplicável também ao amor?

No final das contas, o jantar nunca aconteceu. Uma data provisória foi marcada e depois adiada por causa de um conflito de agendas com sua segunda namorada. O Natal chegou e foi embora. Terminei com Juhana e bebi o vinho que comprei para o jantar. Pêssego, damasco, Netflix e coração partido.

Semanas depois, conversamos. Juhana havia chegado à conclusão de que a disposição para relacionamentos poliamorosos ou monogâmicos era algo inato, como a orientação sexual. Talvez fosse mesmo algo genético, como acontece com os monogâmicos arganazes do campo e seus primos promíscuos do gênero Microtus, que têm diferentes quantidades de emissores de ocitocina ou receptores de vasopressina em seus cérebros.

“Simplesmente não teríamos dado certo porque somos muito diferentes”, disse ele. “Eu sou poliamorista e você é monogâmica. Não é culpa de ninguém”.

Mas meu amor parecia menos com algo baseado na ciência e cada vez mais com uma fé. Não é que eu não pudesse amar várias pessoas ao mesmo tempo, mas eu não faria isso. Não porque achasse que era eticamente errado, impraticável ou muito difícil, mas porque era um sacrilégio para a ideia de amor que eu tinha.

Enquanto o poliamor reconhece a beleza de um panteão de parceiros com os quais você pode expressar diferentes facetas de si mesmo, uma visão monogâmica e monoteísta eleva um amante acima de todos os outros.

Os discípulos de ambas os lados se submetem a um grau de sofrimento: o poliamorista deve lidar com o ciúme, os inúmeros compromissos na agenda e a dinâmica interpessoal complexa; e o monogâmico deve aceitar a falta de diversidade e novidade e a seriedade do compromisso em uma cultura de muitas opções. Talvez para aqueles de nós que não são arganazes do campo, o pré-requisito que determina a preferência ou o sucesso em qualquer forma de relacionamento seja simplesmente acreditar nisso.

Não acho que teria descoberto no jantar tudo o que esperava, assim como nenhum raio esclarecedor nunca caiu dos céus para ajudar Juhana. Não há respostas no amor, eu acho. Apenas escolhas feitas na ausência de uma verdade objetiva. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Eu estava perambulando pela loja de bebidas por alguns minutos quando o vendedor se aproximou e perguntou se eu precisava de ajuda. Pensei em lhe contar a respeito da minha situação. “Olá”, eu diria. “Estou comprando vinhos para jantar com meu namorado e suas duas companheiras, que encontrarei pela primeira vez. Será que você por acaso teria um vinho branco que diga: 'Peço desculpas. Por favor, gostem de mim?'”

Em vez disso, eu disse: “Estou apenas olhando”. O vendedor sorriu e se afastou.

Ilustração de Brian Rea/The New York Times. 

Namorar alguém que já estava envolvido em outros relacionamentos tinha suas vantagens. Tendo já navegado no terreno complicado do poliamor por anos, Juhana era um excelente comunicador e emocionalmente letrado - um contraste gritante com os homens monogâmicos que eu havia namorado antes. Além disso, eu não queria deixar de lado nem meus projetos, nem meus amigos, então foi um alívio ter o relacionamento restrito a dias específicos da semana: segundas e quintas, quando a namorada com quem Juhana vivia tinha outros planos.

Nesses dias, às vezes eu visitava o apartamento que eles dividiam, um imóvel arejado em um subúrbio arborizado de Helsinque, onde as janelas davam para um mar de árvores. Lá, Juhana cozinharia para mim. Ele era do tipo que comprava sais aromatizados em lojas especializadas e afiava suas próprias facas, que usava para picar e esmagar o alho até formar uma pasta.

Percebi que ele se orgulhava dessa habilidade, como se fosse algo que marcasse a idade adulta propriamente dita, adquirida logo depois de cruzar uma ponte que eu, aos 27 anos, ainda teria que atravessar.

Embora suas namoradas não estivessem lá, elas também não estavam totalmente ausentes. Comemos nossos hambúrgueres de tofu em uma mesa entre os autorretratos da namorada com quem ele vivia e as plantas de sua segunda namorada que - dispostas em uma fileira bagunçada, estendiam seus galhos em minha direção -, estavam murchando.

Entre mordidas, Juhana me contou que elas zombavam dele por falar tanto sobre mim. "Elas perguntaram se estou planejando trazer você para jantar em breve. Para exibir você.”

Evitei a questão com uma risada leve. Minhas intenções não eram muito sérias. Eu duvidava que as namoradas de Juhana e eu nos encontrássemos. Até que um dia ele olhou para mim da poltrona do meu quarto, onde gostava de sentar e ler, e disse: "Droga, acho que estou me apaixonando por você."

Como se suas palavras fossem um catalisador químico, minhas aspirações quanto ao nosso relacionamento começaram a se transformar de saídas para restaurantes e viagens casuais para a construção de um lar.

Essas aspirações de modo algum incluíam suas namoradas, que estavam se tornando cada vez mais difíceis de ignorar. Elas surgiam na conversa. Fotos delas ocupavam a memória do telefone de Juhana. Às vezes, uma delas ligava enquanto ele estava comigo e, depois de conversarem um pouco, ele afastava o telefone e dizia: "Ela está te mandando um oi".

Eu o encarava, muda. O que eu poderia dizer? “Oi, eu não te conheço, mas estou na cama com seu namorado. Eu fantasio com ele deixando você. Estou com ciúmes. Eu queria que você não existisse".

Dizer qualquer outra coisa parecia hipócrita, então não dizia nada. Com o tempo, como suas mensagens bem-intencionadas ficaram sem resposta, elas pararam.

Muitas vezes me perguntei o que havia de errado comigo. Tirando alguns textos religiosos - e a literatura romântica que povoava minha estante - onde foi universalmente decretado que um relacionamento amoroso só poderia envolver dois parceiros? Uma breve pesquisa sugeriu que crianças criadas em relacionamentos poliamorosos estáveis se saíram bem. Pessoas em casamentos abertos deram entrevistas otimistas e esclarecedoras. Estatísticas a respeito de traição pareciam apoiar a noção de que os humanos, assim como a grande maioria do reino animal, não eram “feitos” para a exclusividade.

Embora minha mente aceitasse esse raciocínio, meu coração - impulsionado pelos Austens e Brontës de minha estante - se rebelava.

Por que a comunidade do poliamor reformulou a adrenalina de se apaixonar como uma “nova energia de relacionamento” (NER, para os íntimos)? Por que alguém se esforçaria para transformar o amor em algo como uma startup, com um jargão próprio e vocabulário abreviado?  E como Juhana poderia me encorajar a buscar outros relacionamentos? Eu realmente havia despertado pouquíssimos sentimentos nele a ponto de ele não se importar se eu namorasse outra pessoa?

“Estou disposto a suportar o desconforto”, ele respondia, “porque você vale a pena”.

Mas por que ele não poderia estar disposto a suportar o desconforto de se privar de outra pessoa? Por que, eu queria saber, uma dor era fundamentalmente mais aceitável do que a outra?

Eu sujeitei Juhana a conversas dolorosas e a muitos ataques de fúria durante os quais eu exigia que nós terminássemos, que ele terminasse com suas namoradas e que ele não terminasse com elas - geralmente na mesma conversa.

Depois de uma semana particularmente turbulenta, enquanto estávamos deitados em meu futon, perguntei a Juhana o que suas namoradas pensavam de mim. Ele hesitou. “Bem, basicamente elas estão felizes por termos nos encontrado”, disse ele. “Mas estão um pouco mais cautelosas agora. Elas estão com medo de que talvez você seja manipuladora”.

Lembrei mentalmente de tudo que pensava a respeito de mim mesma - aventureira, de mente aberta, criativa. Doeu ter "maquiavélica" adicionada a essa lista.

“Acho que gostaria de conhecer suas namoradas”, disse. “Talvez pudéssemos jantar algum dia? Eu levo o vinho".

“Elas preferem branco”, disse Juhana. Ele sabia que, caso eu pudesse escolher, optaria pelo tinto.

E foi assim que acabei naquela loja de bebidas, olhando para as fileiras reluzentes de garrafas importadas do Chile e da África do Sul. Minha situação parecia como outro país estrangeiro, em cujo território eu tropecei, senti-me idiota e me perdi.

Imaginei o jantar. Eles colocariam a mão na cintura um do outro enquanto pegavam os pratos na cozinha? Elas me encarariam em uma fileira, como se fosse uma entrevista? Suas namoradas usariam batom, ririam de minhas piadas, serviriam sobremesa? Será que elas, como em meu pesadelo recorrente, lentamente me observariam e olhariam de volta para Juhana, como se perguntassem: "Ela?".

Depois, tentaria organizar meus pensamentos em relação ao que tudo isso significava e o que eu queria. Talvez eu entendesse o que o amor realmente era - se significava segurar ou deixar ir.

Veja, houve um período no início de nosso relacionamento em que Juhana se perguntou se ele era poliamorista no final das contas. Talvez a intensidade de seus sentimentos, sua obstinação, significassem algo. “Se eu fosse livre”, dizia ele, “seríamos exclusivos?”

Ele brincou com essa ideia por semanas, expressando esperança de que um raio de clareza caísse dos céus e o levasse em algum momento a fazer uma escolha. Mas nenhum milagre aconteceu.

Juhana era religioso em relação a algo que eu não era. Pensei muitas vezes em como ele disse que às vezes lutava com sua fé, mas no final das contas, diariamente, fazia a escolha de acreditar.

Por que, eu me perguntava, essa escolha não era aplicável também ao amor?

No final das contas, o jantar nunca aconteceu. Uma data provisória foi marcada e depois adiada por causa de um conflito de agendas com sua segunda namorada. O Natal chegou e foi embora. Terminei com Juhana e bebi o vinho que comprei para o jantar. Pêssego, damasco, Netflix e coração partido.

Semanas depois, conversamos. Juhana havia chegado à conclusão de que a disposição para relacionamentos poliamorosos ou monogâmicos era algo inato, como a orientação sexual. Talvez fosse mesmo algo genético, como acontece com os monogâmicos arganazes do campo e seus primos promíscuos do gênero Microtus, que têm diferentes quantidades de emissores de ocitocina ou receptores de vasopressina em seus cérebros.

“Simplesmente não teríamos dado certo porque somos muito diferentes”, disse ele. “Eu sou poliamorista e você é monogâmica. Não é culpa de ninguém”.

Mas meu amor parecia menos com algo baseado na ciência e cada vez mais com uma fé. Não é que eu não pudesse amar várias pessoas ao mesmo tempo, mas eu não faria isso. Não porque achasse que era eticamente errado, impraticável ou muito difícil, mas porque era um sacrilégio para a ideia de amor que eu tinha.

Enquanto o poliamor reconhece a beleza de um panteão de parceiros com os quais você pode expressar diferentes facetas de si mesmo, uma visão monogâmica e monoteísta eleva um amante acima de todos os outros.

Os discípulos de ambas os lados se submetem a um grau de sofrimento: o poliamorista deve lidar com o ciúme, os inúmeros compromissos na agenda e a dinâmica interpessoal complexa; e o monogâmico deve aceitar a falta de diversidade e novidade e a seriedade do compromisso em uma cultura de muitas opções. Talvez para aqueles de nós que não são arganazes do campo, o pré-requisito que determina a preferência ou o sucesso em qualquer forma de relacionamento seja simplesmente acreditar nisso.

Não acho que teria descoberto no jantar tudo o que esperava, assim como nenhum raio esclarecedor nunca caiu dos céus para ajudar Juhana. Não há respostas no amor, eu acho. Apenas escolhas feitas na ausência de uma verdade objetiva. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Eu estava perambulando pela loja de bebidas por alguns minutos quando o vendedor se aproximou e perguntou se eu precisava de ajuda. Pensei em lhe contar a respeito da minha situação. “Olá”, eu diria. “Estou comprando vinhos para jantar com meu namorado e suas duas companheiras, que encontrarei pela primeira vez. Será que você por acaso teria um vinho branco que diga: 'Peço desculpas. Por favor, gostem de mim?'”

Em vez disso, eu disse: “Estou apenas olhando”. O vendedor sorriu e se afastou.

Ilustração de Brian Rea/The New York Times. 

Namorar alguém que já estava envolvido em outros relacionamentos tinha suas vantagens. Tendo já navegado no terreno complicado do poliamor por anos, Juhana era um excelente comunicador e emocionalmente letrado - um contraste gritante com os homens monogâmicos que eu havia namorado antes. Além disso, eu não queria deixar de lado nem meus projetos, nem meus amigos, então foi um alívio ter o relacionamento restrito a dias específicos da semana: segundas e quintas, quando a namorada com quem Juhana vivia tinha outros planos.

Nesses dias, às vezes eu visitava o apartamento que eles dividiam, um imóvel arejado em um subúrbio arborizado de Helsinque, onde as janelas davam para um mar de árvores. Lá, Juhana cozinharia para mim. Ele era do tipo que comprava sais aromatizados em lojas especializadas e afiava suas próprias facas, que usava para picar e esmagar o alho até formar uma pasta.

Percebi que ele se orgulhava dessa habilidade, como se fosse algo que marcasse a idade adulta propriamente dita, adquirida logo depois de cruzar uma ponte que eu, aos 27 anos, ainda teria que atravessar.

Embora suas namoradas não estivessem lá, elas também não estavam totalmente ausentes. Comemos nossos hambúrgueres de tofu em uma mesa entre os autorretratos da namorada com quem ele vivia e as plantas de sua segunda namorada que - dispostas em uma fileira bagunçada, estendiam seus galhos em minha direção -, estavam murchando.

Entre mordidas, Juhana me contou que elas zombavam dele por falar tanto sobre mim. "Elas perguntaram se estou planejando trazer você para jantar em breve. Para exibir você.”

Evitei a questão com uma risada leve. Minhas intenções não eram muito sérias. Eu duvidava que as namoradas de Juhana e eu nos encontrássemos. Até que um dia ele olhou para mim da poltrona do meu quarto, onde gostava de sentar e ler, e disse: "Droga, acho que estou me apaixonando por você."

Como se suas palavras fossem um catalisador químico, minhas aspirações quanto ao nosso relacionamento começaram a se transformar de saídas para restaurantes e viagens casuais para a construção de um lar.

Essas aspirações de modo algum incluíam suas namoradas, que estavam se tornando cada vez mais difíceis de ignorar. Elas surgiam na conversa. Fotos delas ocupavam a memória do telefone de Juhana. Às vezes, uma delas ligava enquanto ele estava comigo e, depois de conversarem um pouco, ele afastava o telefone e dizia: "Ela está te mandando um oi".

Eu o encarava, muda. O que eu poderia dizer? “Oi, eu não te conheço, mas estou na cama com seu namorado. Eu fantasio com ele deixando você. Estou com ciúmes. Eu queria que você não existisse".

Dizer qualquer outra coisa parecia hipócrita, então não dizia nada. Com o tempo, como suas mensagens bem-intencionadas ficaram sem resposta, elas pararam.

Muitas vezes me perguntei o que havia de errado comigo. Tirando alguns textos religiosos - e a literatura romântica que povoava minha estante - onde foi universalmente decretado que um relacionamento amoroso só poderia envolver dois parceiros? Uma breve pesquisa sugeriu que crianças criadas em relacionamentos poliamorosos estáveis se saíram bem. Pessoas em casamentos abertos deram entrevistas otimistas e esclarecedoras. Estatísticas a respeito de traição pareciam apoiar a noção de que os humanos, assim como a grande maioria do reino animal, não eram “feitos” para a exclusividade.

Embora minha mente aceitasse esse raciocínio, meu coração - impulsionado pelos Austens e Brontës de minha estante - se rebelava.

Por que a comunidade do poliamor reformulou a adrenalina de se apaixonar como uma “nova energia de relacionamento” (NER, para os íntimos)? Por que alguém se esforçaria para transformar o amor em algo como uma startup, com um jargão próprio e vocabulário abreviado?  E como Juhana poderia me encorajar a buscar outros relacionamentos? Eu realmente havia despertado pouquíssimos sentimentos nele a ponto de ele não se importar se eu namorasse outra pessoa?

“Estou disposto a suportar o desconforto”, ele respondia, “porque você vale a pena”.

Mas por que ele não poderia estar disposto a suportar o desconforto de se privar de outra pessoa? Por que, eu queria saber, uma dor era fundamentalmente mais aceitável do que a outra?

Eu sujeitei Juhana a conversas dolorosas e a muitos ataques de fúria durante os quais eu exigia que nós terminássemos, que ele terminasse com suas namoradas e que ele não terminasse com elas - geralmente na mesma conversa.

Depois de uma semana particularmente turbulenta, enquanto estávamos deitados em meu futon, perguntei a Juhana o que suas namoradas pensavam de mim. Ele hesitou. “Bem, basicamente elas estão felizes por termos nos encontrado”, disse ele. “Mas estão um pouco mais cautelosas agora. Elas estão com medo de que talvez você seja manipuladora”.

Lembrei mentalmente de tudo que pensava a respeito de mim mesma - aventureira, de mente aberta, criativa. Doeu ter "maquiavélica" adicionada a essa lista.

“Acho que gostaria de conhecer suas namoradas”, disse. “Talvez pudéssemos jantar algum dia? Eu levo o vinho".

“Elas preferem branco”, disse Juhana. Ele sabia que, caso eu pudesse escolher, optaria pelo tinto.

E foi assim que acabei naquela loja de bebidas, olhando para as fileiras reluzentes de garrafas importadas do Chile e da África do Sul. Minha situação parecia como outro país estrangeiro, em cujo território eu tropecei, senti-me idiota e me perdi.

Imaginei o jantar. Eles colocariam a mão na cintura um do outro enquanto pegavam os pratos na cozinha? Elas me encarariam em uma fileira, como se fosse uma entrevista? Suas namoradas usariam batom, ririam de minhas piadas, serviriam sobremesa? Será que elas, como em meu pesadelo recorrente, lentamente me observariam e olhariam de volta para Juhana, como se perguntassem: "Ela?".

Depois, tentaria organizar meus pensamentos em relação ao que tudo isso significava e o que eu queria. Talvez eu entendesse o que o amor realmente era - se significava segurar ou deixar ir.

Veja, houve um período no início de nosso relacionamento em que Juhana se perguntou se ele era poliamorista no final das contas. Talvez a intensidade de seus sentimentos, sua obstinação, significassem algo. “Se eu fosse livre”, dizia ele, “seríamos exclusivos?”

Ele brincou com essa ideia por semanas, expressando esperança de que um raio de clareza caísse dos céus e o levasse em algum momento a fazer uma escolha. Mas nenhum milagre aconteceu.

Juhana era religioso em relação a algo que eu não era. Pensei muitas vezes em como ele disse que às vezes lutava com sua fé, mas no final das contas, diariamente, fazia a escolha de acreditar.

Por que, eu me perguntava, essa escolha não era aplicável também ao amor?

No final das contas, o jantar nunca aconteceu. Uma data provisória foi marcada e depois adiada por causa de um conflito de agendas com sua segunda namorada. O Natal chegou e foi embora. Terminei com Juhana e bebi o vinho que comprei para o jantar. Pêssego, damasco, Netflix e coração partido.

Semanas depois, conversamos. Juhana havia chegado à conclusão de que a disposição para relacionamentos poliamorosos ou monogâmicos era algo inato, como a orientação sexual. Talvez fosse mesmo algo genético, como acontece com os monogâmicos arganazes do campo e seus primos promíscuos do gênero Microtus, que têm diferentes quantidades de emissores de ocitocina ou receptores de vasopressina em seus cérebros.

“Simplesmente não teríamos dado certo porque somos muito diferentes”, disse ele. “Eu sou poliamorista e você é monogâmica. Não é culpa de ninguém”.

Mas meu amor parecia menos com algo baseado na ciência e cada vez mais com uma fé. Não é que eu não pudesse amar várias pessoas ao mesmo tempo, mas eu não faria isso. Não porque achasse que era eticamente errado, impraticável ou muito difícil, mas porque era um sacrilégio para a ideia de amor que eu tinha.

Enquanto o poliamor reconhece a beleza de um panteão de parceiros com os quais você pode expressar diferentes facetas de si mesmo, uma visão monogâmica e monoteísta eleva um amante acima de todos os outros.

Os discípulos de ambas os lados se submetem a um grau de sofrimento: o poliamorista deve lidar com o ciúme, os inúmeros compromissos na agenda e a dinâmica interpessoal complexa; e o monogâmico deve aceitar a falta de diversidade e novidade e a seriedade do compromisso em uma cultura de muitas opções. Talvez para aqueles de nós que não são arganazes do campo, o pré-requisito que determina a preferência ou o sucesso em qualquer forma de relacionamento seja simplesmente acreditar nisso.

Não acho que teria descoberto no jantar tudo o que esperava, assim como nenhum raio esclarecedor nunca caiu dos céus para ajudar Juhana. Não há respostas no amor, eu acho. Apenas escolhas feitas na ausência de uma verdade objetiva. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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