Modern Love: ‘Um último ato de gentileza íntima’


Eu mal tinha visto meu irmão em décadas, mas quando o tempo estava se esgotando, ele me deixou entrar

Por Michelle Friedman

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - A mensagem que eu temia há anos apareceu no meu telefone: “Tentando encontrar a irmã do meu paciente, Jay Friedman”.

Minha conversa telefônica seguinte com o médico trouxe notícias sinistras. Meu irmão de 65 anos, Jay, tinha câncer de pâncreas avançado. Ele e eu crescemos juntos em Divine Corners, Nova York, em um vilarejo em Catskills, criados por pais seculares sobreviventes do Holocausto que acabaram criando galinhas. Suas histórias, aliadas ao isolamento e pobreza da fazenda, tornaram meu pai brutal, especialmente com seu único filho.

Sou o único membro da família com quem Jay manteve contato nas últimas três décadas. Ao longo desse tempo, nos comunicamos exclusivamente por e-mail e cartões que eu enviava para uma caixa postal. Apesar de trabalhar um quarto de século em T.I. para o sistema escolar local, meu irmão não tinha celular. Seu médico encontrou meu número pelo Google.

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Eu mal tinha visto meu irmão em décadas, mas quando o tempo estava se esgotando, ele me deixou entrar. Foto: Brian Rea/The New York Times

Jay foi internado em um hospital chique de Seattle, onde liguei para ele no telefone fixo ao lado de sua cama. Sua voz soou fraca, melancólica.

“Jay, eu vou até aí”, eu disse. “Deixe-me ficar com você.”

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“Eu não sei”, ele disse. “Minha casa está uma bagunça.”

“Posso ficar em um hotel.”

“Eu te aviso.”

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Eu entrei em pânico. Eu sabia que o prognóstico era terrível, mas a vida solitária do meu irmão lançava uma sombra ainda mais escura.

O hospital deu alta a Jay com uma bolsa pendurada no peito para drenar a bile de seu fígado bloqueado pelo tumor. Alguns dias depois, o médico ligou novamente. Jay queria minha ajuda.

Peguei um voo para Seattle, aluguei um carro e dirigi por Puget Sound até uma cidade no condado de Kitsap. Antes de entrar na casa de Jay, rezei para ter força. Seguindo os sons de sua voz fraca pelo labirinto de papéis, caixas e peças de computador, encontrei meu irmão deitado no sofá. A doença o havia consumido, deixando seu corpo magro, esquelético. Apenas a voz de Jay soava familiar, com um tom grave de barítono.

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“Obrigado por ter vindo”, ele disse. “Desculpe, fui mal-humorado no telefone.”

O cobertor que enrolava meu irmão estava cheio de buracos. Uma crosta marrom cobria o chão e os balcões da cozinha. Jay bebia chá com limão no único copo que possuía. Como não tinha uma chaleira, ele fervia água em uma panela velha.

Fiz chá e assei um pedaço de frango. Depois de alguns goles de líquido e pequenos pedaços de comida, Jay se sentiu satisfeito. Ele subiu lentamente as escadas para a cama de solteiro em seu quarto. Os lençóis não eram trocados há meses. Tudo o que encontrei no armário foi uma capa de edredom de algodão que reconheci da fazenda onde crescemos. O cheiro fraco do detergente e as linhas nítidas do ferro de nossa mãe me disseram que Jay nunca o tinha usado.

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Ir para um hotel Best Western a três quilômetros de distância me deu um alívio culpado. Não era um palácio, mas era limpo e organizado.

De manhã, o médico delineou as duras opções médicas do meu irmão. A cirurgia estava fora de questão. Jay poderia fazer radioterapia ou quimioterapia, mas nenhum dos dois provavelmente renderia muito em termos de quantidade ou qualidade de vida.

Jay fez sua escolha em segundos - sem intervenção médica agressiva. O foco mudou para os cuidados paliativos em casa.

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Ele não tinha muito tempo, apenas semanas. Como eu poderia começar uma conversa com ele sobre sua morte? Eu sabia que ele se orgulhava do gerenciamento de seu dinheiro e havia economizado muito (embora na época eu não tivesse ideia de que era tanto), então foi por aí que comecei.

“Jay, você já pensou no que quer fazer com seu dinheiro?”

“Sim, eu pensei muito sobre isso. Eu quero dar para a Planned Parenthood.”

“Tudo?”

“Sim.”

Sua resposta calma me surpreendeu e me agradou. Ao longo de nossas décadas de contato esparso, Jay permaneceu vago quando se tratava de suas opiniões pessoais.

“Jay, isso é incrível! Como você chegou a essa decisão?”

“Há muita gente no mundo e acredito que as pessoas deveriam ter autonomia sobre seus próprios corpos.”

Fiquei sentada em silêncio pensando na autonomia do meu irmão, o garotinho dominado por nosso pai raivoso, o adolescente desajeitado que queria entrar na Marinha para fugir, mas não tinha coragem. Minha mente prática entrou em ação. “Jay, você tem um advogado?”

Mais uma vez, ele me surpreendeu. “Sim. Um dos professores que conheço fez faculdade de direito à noite. Ele é um cara bom.”

Jay não tinha o contato do advogado, mas eu o encontrei através da faculdade. Ele respondeu meu texto em poucos minutos e começou a trabalhar preparando os papéis necessários.

No dia seguinte, Jay não conseguia mais subir e descer as escadas e passava a maior parte do tempo em seu quarto. Mudamos o colchão para o chão, para o caso de ele rolar durante a noite. Implorei ao hospital para acelerar os cuidados com Jay, e logo uma enfermeira chegou e me ensinou como dosar a medicação: morfina para dor, Haldol para náusea e Lorazepam para ansiedade. Cada um flutuava em um frasco com tampa de conta-gotas para que o alívio líquido pudesse ser aplicado no interior da bochecha do paciente.

A condição de Jay se deteriorou rapidamente e eu não ia mais ao Best Western. Na minha primeira noite na casa de Jay, dormi no sofá no andar de baixo. Na noite seguinte, fiquei com medo de não ouvir seus gemidos, então fui para o chão ao lado de seu colchão. A vulnerabilidade do meu irmão mais novo me deixou arrasada; ele era o garotinho inocente da fazenda que confiava em mim. Eu chorei, silenciosamente.

Quando ele não comia mais ou bebia, eu reaproveitei um conta-gotas para pingar suco de laranja e água com gás em seus lábios ressecados.

O advogado se encontrou em particular com Jay e depois me contou sobre seu firme desejo de ser cremado.

Meu coração ficou apertado. A lei judaica, que sigo, proíbe a cremação. “Posso pelo menos pegar as cinzas de Jay para enterrá-las de acordo com nossa fé?”

“Sim. Eu acho que tudo bem.”

“Nós não conversamos sobre isso, mas estou me perguntando se você faz parte de alguma tradição religiosa?”

“Sim, faço. Da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”.

Sua resposta me consolou, considerando o que eu estava prestes a pedir.

“Posso te pedir mais um favor?”

“Claro.”

“Quando chegar a hora, quero fazer uma lavagem ritual judaica para Jay. Chama-se tahará. Significa purificação. Vou precisar de ajuda; é muito difícil fazer sozinha.”

“É claro. Me telefone quando precisar de mim.”

Os dias se passavam numa espécie de sonho acordado. Jay falava de forma intermitente, revelando lutas de todos os tipos. Ele gostava de ouvir histórias sobre Divine Corners, como brincávamos na neve e explorávamos o riacho atrás do galinheiro. Eu esvaziava sua bolsa de drenagem e trocava suas fraldas de adulto.

“Isso é nojento”, ele disse.

“Está tudo bem”, eu disse. “Estou aqui por você. Não há mais nada que eu queira fazer.”

Como nossa mãe fazia quando tínhamos febre quando crianças, dei um banho de esponja em Jay e troquei seu pijama gasto por um limpo.

Jay se foi silenciosamente. Ele me disse que seu sonho era comprar uma casa em um lago com alguns hectares de terra.

“Essa é uma ideia ótima, Jay,” eu disse. “Eu te amo.”

“Eu também te amo.”

E então fiz um pedido que sabia que as pessoas faziam há milênios. “Mande-me um sinal, Jay. Por favor, mande-me um sinal do outro lado.”

Na manhã de quinta-feira acordei a centímetros do meu irmão e descobri que ele tinha ido embora. Sem respiração difícil, sem sinais de que a morte se aproximava. Sua pele havia esfriado, seus membros estavam enrijecidos.

Quando o céu estava totalmente iluminado, chamei o amigo dele e fizemos o tahará. Nós removemos o pijama de Jay, removemos o dreno e a bolsa, o tempo todo usando um lençol limpo para manter seu corpo coberto e digno. Reaproveitei o bule velho para derramar água sobre seu corpo, começando com a cabeça e indo para os pés. Nós o secamos com uma toalha, o vestimos com uma roupa de baixo comprida e o enrolamos na capa de edredom de nossa fazenda de infância. O trabalho parecia terno, sagrado, um último ato de gentileza íntima.

As pessoas da funerária vieram e removeram o corpo de Jay. Às 6 horas entrei na van para o aeroporto. Apenas uma outra pessoa entrou, uma mulher de cabelos brancos em um conjunto de suéter. Vi que ela se despediu com tristeza do homem que a viu partir. Ela se sentou algumas fileiras atrás de mim. A garoa e o trânsito causaram atrasos, mas nosso motorista conseguiu chegar e nos perguntou sobre nossos terminais.

“Da American”, ela disse, virando-se tristemente em minha direção. “É uma viagem triste. Meu irmão está morrendo de câncer no cérebro na Flórida”.

“Da United”, eu disse, e para ela: “Estou indo embora depois de cuidar do meu irmão, que morreu esta manhã. Espero que chegue a tempo.”

Alcançamos o corredor e demos as mãos. Jay tinha mandado seu sinal. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - A mensagem que eu temia há anos apareceu no meu telefone: “Tentando encontrar a irmã do meu paciente, Jay Friedman”.

Minha conversa telefônica seguinte com o médico trouxe notícias sinistras. Meu irmão de 65 anos, Jay, tinha câncer de pâncreas avançado. Ele e eu crescemos juntos em Divine Corners, Nova York, em um vilarejo em Catskills, criados por pais seculares sobreviventes do Holocausto que acabaram criando galinhas. Suas histórias, aliadas ao isolamento e pobreza da fazenda, tornaram meu pai brutal, especialmente com seu único filho.

Sou o único membro da família com quem Jay manteve contato nas últimas três décadas. Ao longo desse tempo, nos comunicamos exclusivamente por e-mail e cartões que eu enviava para uma caixa postal. Apesar de trabalhar um quarto de século em T.I. para o sistema escolar local, meu irmão não tinha celular. Seu médico encontrou meu número pelo Google.

Eu mal tinha visto meu irmão em décadas, mas quando o tempo estava se esgotando, ele me deixou entrar. Foto: Brian Rea/The New York Times

Jay foi internado em um hospital chique de Seattle, onde liguei para ele no telefone fixo ao lado de sua cama. Sua voz soou fraca, melancólica.

“Jay, eu vou até aí”, eu disse. “Deixe-me ficar com você.”

“Eu não sei”, ele disse. “Minha casa está uma bagunça.”

“Posso ficar em um hotel.”

“Eu te aviso.”

Eu entrei em pânico. Eu sabia que o prognóstico era terrível, mas a vida solitária do meu irmão lançava uma sombra ainda mais escura.

O hospital deu alta a Jay com uma bolsa pendurada no peito para drenar a bile de seu fígado bloqueado pelo tumor. Alguns dias depois, o médico ligou novamente. Jay queria minha ajuda.

Peguei um voo para Seattle, aluguei um carro e dirigi por Puget Sound até uma cidade no condado de Kitsap. Antes de entrar na casa de Jay, rezei para ter força. Seguindo os sons de sua voz fraca pelo labirinto de papéis, caixas e peças de computador, encontrei meu irmão deitado no sofá. A doença o havia consumido, deixando seu corpo magro, esquelético. Apenas a voz de Jay soava familiar, com um tom grave de barítono.

“Obrigado por ter vindo”, ele disse. “Desculpe, fui mal-humorado no telefone.”

O cobertor que enrolava meu irmão estava cheio de buracos. Uma crosta marrom cobria o chão e os balcões da cozinha. Jay bebia chá com limão no único copo que possuía. Como não tinha uma chaleira, ele fervia água em uma panela velha.

Fiz chá e assei um pedaço de frango. Depois de alguns goles de líquido e pequenos pedaços de comida, Jay se sentiu satisfeito. Ele subiu lentamente as escadas para a cama de solteiro em seu quarto. Os lençóis não eram trocados há meses. Tudo o que encontrei no armário foi uma capa de edredom de algodão que reconheci da fazenda onde crescemos. O cheiro fraco do detergente e as linhas nítidas do ferro de nossa mãe me disseram que Jay nunca o tinha usado.

Ir para um hotel Best Western a três quilômetros de distância me deu um alívio culpado. Não era um palácio, mas era limpo e organizado.

De manhã, o médico delineou as duras opções médicas do meu irmão. A cirurgia estava fora de questão. Jay poderia fazer radioterapia ou quimioterapia, mas nenhum dos dois provavelmente renderia muito em termos de quantidade ou qualidade de vida.

Jay fez sua escolha em segundos - sem intervenção médica agressiva. O foco mudou para os cuidados paliativos em casa.

Ele não tinha muito tempo, apenas semanas. Como eu poderia começar uma conversa com ele sobre sua morte? Eu sabia que ele se orgulhava do gerenciamento de seu dinheiro e havia economizado muito (embora na época eu não tivesse ideia de que era tanto), então foi por aí que comecei.

“Jay, você já pensou no que quer fazer com seu dinheiro?”

“Sim, eu pensei muito sobre isso. Eu quero dar para a Planned Parenthood.”

“Tudo?”

“Sim.”

Sua resposta calma me surpreendeu e me agradou. Ao longo de nossas décadas de contato esparso, Jay permaneceu vago quando se tratava de suas opiniões pessoais.

“Jay, isso é incrível! Como você chegou a essa decisão?”

“Há muita gente no mundo e acredito que as pessoas deveriam ter autonomia sobre seus próprios corpos.”

Fiquei sentada em silêncio pensando na autonomia do meu irmão, o garotinho dominado por nosso pai raivoso, o adolescente desajeitado que queria entrar na Marinha para fugir, mas não tinha coragem. Minha mente prática entrou em ação. “Jay, você tem um advogado?”

Mais uma vez, ele me surpreendeu. “Sim. Um dos professores que conheço fez faculdade de direito à noite. Ele é um cara bom.”

Jay não tinha o contato do advogado, mas eu o encontrei através da faculdade. Ele respondeu meu texto em poucos minutos e começou a trabalhar preparando os papéis necessários.

No dia seguinte, Jay não conseguia mais subir e descer as escadas e passava a maior parte do tempo em seu quarto. Mudamos o colchão para o chão, para o caso de ele rolar durante a noite. Implorei ao hospital para acelerar os cuidados com Jay, e logo uma enfermeira chegou e me ensinou como dosar a medicação: morfina para dor, Haldol para náusea e Lorazepam para ansiedade. Cada um flutuava em um frasco com tampa de conta-gotas para que o alívio líquido pudesse ser aplicado no interior da bochecha do paciente.

A condição de Jay se deteriorou rapidamente e eu não ia mais ao Best Western. Na minha primeira noite na casa de Jay, dormi no sofá no andar de baixo. Na noite seguinte, fiquei com medo de não ouvir seus gemidos, então fui para o chão ao lado de seu colchão. A vulnerabilidade do meu irmão mais novo me deixou arrasada; ele era o garotinho inocente da fazenda que confiava em mim. Eu chorei, silenciosamente.

Quando ele não comia mais ou bebia, eu reaproveitei um conta-gotas para pingar suco de laranja e água com gás em seus lábios ressecados.

O advogado se encontrou em particular com Jay e depois me contou sobre seu firme desejo de ser cremado.

Meu coração ficou apertado. A lei judaica, que sigo, proíbe a cremação. “Posso pelo menos pegar as cinzas de Jay para enterrá-las de acordo com nossa fé?”

“Sim. Eu acho que tudo bem.”

“Nós não conversamos sobre isso, mas estou me perguntando se você faz parte de alguma tradição religiosa?”

“Sim, faço. Da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”.

Sua resposta me consolou, considerando o que eu estava prestes a pedir.

“Posso te pedir mais um favor?”

“Claro.”

“Quando chegar a hora, quero fazer uma lavagem ritual judaica para Jay. Chama-se tahará. Significa purificação. Vou precisar de ajuda; é muito difícil fazer sozinha.”

“É claro. Me telefone quando precisar de mim.”

Os dias se passavam numa espécie de sonho acordado. Jay falava de forma intermitente, revelando lutas de todos os tipos. Ele gostava de ouvir histórias sobre Divine Corners, como brincávamos na neve e explorávamos o riacho atrás do galinheiro. Eu esvaziava sua bolsa de drenagem e trocava suas fraldas de adulto.

“Isso é nojento”, ele disse.

“Está tudo bem”, eu disse. “Estou aqui por você. Não há mais nada que eu queira fazer.”

Como nossa mãe fazia quando tínhamos febre quando crianças, dei um banho de esponja em Jay e troquei seu pijama gasto por um limpo.

Jay se foi silenciosamente. Ele me disse que seu sonho era comprar uma casa em um lago com alguns hectares de terra.

“Essa é uma ideia ótima, Jay,” eu disse. “Eu te amo.”

“Eu também te amo.”

E então fiz um pedido que sabia que as pessoas faziam há milênios. “Mande-me um sinal, Jay. Por favor, mande-me um sinal do outro lado.”

Na manhã de quinta-feira acordei a centímetros do meu irmão e descobri que ele tinha ido embora. Sem respiração difícil, sem sinais de que a morte se aproximava. Sua pele havia esfriado, seus membros estavam enrijecidos.

Quando o céu estava totalmente iluminado, chamei o amigo dele e fizemos o tahará. Nós removemos o pijama de Jay, removemos o dreno e a bolsa, o tempo todo usando um lençol limpo para manter seu corpo coberto e digno. Reaproveitei o bule velho para derramar água sobre seu corpo, começando com a cabeça e indo para os pés. Nós o secamos com uma toalha, o vestimos com uma roupa de baixo comprida e o enrolamos na capa de edredom de nossa fazenda de infância. O trabalho parecia terno, sagrado, um último ato de gentileza íntima.

As pessoas da funerária vieram e removeram o corpo de Jay. Às 6 horas entrei na van para o aeroporto. Apenas uma outra pessoa entrou, uma mulher de cabelos brancos em um conjunto de suéter. Vi que ela se despediu com tristeza do homem que a viu partir. Ela se sentou algumas fileiras atrás de mim. A garoa e o trânsito causaram atrasos, mas nosso motorista conseguiu chegar e nos perguntou sobre nossos terminais.

“Da American”, ela disse, virando-se tristemente em minha direção. “É uma viagem triste. Meu irmão está morrendo de câncer no cérebro na Flórida”.

“Da United”, eu disse, e para ela: “Estou indo embora depois de cuidar do meu irmão, que morreu esta manhã. Espero que chegue a tempo.”

Alcançamos o corredor e demos as mãos. Jay tinha mandado seu sinal. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - A mensagem que eu temia há anos apareceu no meu telefone: “Tentando encontrar a irmã do meu paciente, Jay Friedman”.

Minha conversa telefônica seguinte com o médico trouxe notícias sinistras. Meu irmão de 65 anos, Jay, tinha câncer de pâncreas avançado. Ele e eu crescemos juntos em Divine Corners, Nova York, em um vilarejo em Catskills, criados por pais seculares sobreviventes do Holocausto que acabaram criando galinhas. Suas histórias, aliadas ao isolamento e pobreza da fazenda, tornaram meu pai brutal, especialmente com seu único filho.

Sou o único membro da família com quem Jay manteve contato nas últimas três décadas. Ao longo desse tempo, nos comunicamos exclusivamente por e-mail e cartões que eu enviava para uma caixa postal. Apesar de trabalhar um quarto de século em T.I. para o sistema escolar local, meu irmão não tinha celular. Seu médico encontrou meu número pelo Google.

Eu mal tinha visto meu irmão em décadas, mas quando o tempo estava se esgotando, ele me deixou entrar. Foto: Brian Rea/The New York Times

Jay foi internado em um hospital chique de Seattle, onde liguei para ele no telefone fixo ao lado de sua cama. Sua voz soou fraca, melancólica.

“Jay, eu vou até aí”, eu disse. “Deixe-me ficar com você.”

“Eu não sei”, ele disse. “Minha casa está uma bagunça.”

“Posso ficar em um hotel.”

“Eu te aviso.”

Eu entrei em pânico. Eu sabia que o prognóstico era terrível, mas a vida solitária do meu irmão lançava uma sombra ainda mais escura.

O hospital deu alta a Jay com uma bolsa pendurada no peito para drenar a bile de seu fígado bloqueado pelo tumor. Alguns dias depois, o médico ligou novamente. Jay queria minha ajuda.

Peguei um voo para Seattle, aluguei um carro e dirigi por Puget Sound até uma cidade no condado de Kitsap. Antes de entrar na casa de Jay, rezei para ter força. Seguindo os sons de sua voz fraca pelo labirinto de papéis, caixas e peças de computador, encontrei meu irmão deitado no sofá. A doença o havia consumido, deixando seu corpo magro, esquelético. Apenas a voz de Jay soava familiar, com um tom grave de barítono.

“Obrigado por ter vindo”, ele disse. “Desculpe, fui mal-humorado no telefone.”

O cobertor que enrolava meu irmão estava cheio de buracos. Uma crosta marrom cobria o chão e os balcões da cozinha. Jay bebia chá com limão no único copo que possuía. Como não tinha uma chaleira, ele fervia água em uma panela velha.

Fiz chá e assei um pedaço de frango. Depois de alguns goles de líquido e pequenos pedaços de comida, Jay se sentiu satisfeito. Ele subiu lentamente as escadas para a cama de solteiro em seu quarto. Os lençóis não eram trocados há meses. Tudo o que encontrei no armário foi uma capa de edredom de algodão que reconheci da fazenda onde crescemos. O cheiro fraco do detergente e as linhas nítidas do ferro de nossa mãe me disseram que Jay nunca o tinha usado.

Ir para um hotel Best Western a três quilômetros de distância me deu um alívio culpado. Não era um palácio, mas era limpo e organizado.

De manhã, o médico delineou as duras opções médicas do meu irmão. A cirurgia estava fora de questão. Jay poderia fazer radioterapia ou quimioterapia, mas nenhum dos dois provavelmente renderia muito em termos de quantidade ou qualidade de vida.

Jay fez sua escolha em segundos - sem intervenção médica agressiva. O foco mudou para os cuidados paliativos em casa.

Ele não tinha muito tempo, apenas semanas. Como eu poderia começar uma conversa com ele sobre sua morte? Eu sabia que ele se orgulhava do gerenciamento de seu dinheiro e havia economizado muito (embora na época eu não tivesse ideia de que era tanto), então foi por aí que comecei.

“Jay, você já pensou no que quer fazer com seu dinheiro?”

“Sim, eu pensei muito sobre isso. Eu quero dar para a Planned Parenthood.”

“Tudo?”

“Sim.”

Sua resposta calma me surpreendeu e me agradou. Ao longo de nossas décadas de contato esparso, Jay permaneceu vago quando se tratava de suas opiniões pessoais.

“Jay, isso é incrível! Como você chegou a essa decisão?”

“Há muita gente no mundo e acredito que as pessoas deveriam ter autonomia sobre seus próprios corpos.”

Fiquei sentada em silêncio pensando na autonomia do meu irmão, o garotinho dominado por nosso pai raivoso, o adolescente desajeitado que queria entrar na Marinha para fugir, mas não tinha coragem. Minha mente prática entrou em ação. “Jay, você tem um advogado?”

Mais uma vez, ele me surpreendeu. “Sim. Um dos professores que conheço fez faculdade de direito à noite. Ele é um cara bom.”

Jay não tinha o contato do advogado, mas eu o encontrei através da faculdade. Ele respondeu meu texto em poucos minutos e começou a trabalhar preparando os papéis necessários.

No dia seguinte, Jay não conseguia mais subir e descer as escadas e passava a maior parte do tempo em seu quarto. Mudamos o colchão para o chão, para o caso de ele rolar durante a noite. Implorei ao hospital para acelerar os cuidados com Jay, e logo uma enfermeira chegou e me ensinou como dosar a medicação: morfina para dor, Haldol para náusea e Lorazepam para ansiedade. Cada um flutuava em um frasco com tampa de conta-gotas para que o alívio líquido pudesse ser aplicado no interior da bochecha do paciente.

A condição de Jay se deteriorou rapidamente e eu não ia mais ao Best Western. Na minha primeira noite na casa de Jay, dormi no sofá no andar de baixo. Na noite seguinte, fiquei com medo de não ouvir seus gemidos, então fui para o chão ao lado de seu colchão. A vulnerabilidade do meu irmão mais novo me deixou arrasada; ele era o garotinho inocente da fazenda que confiava em mim. Eu chorei, silenciosamente.

Quando ele não comia mais ou bebia, eu reaproveitei um conta-gotas para pingar suco de laranja e água com gás em seus lábios ressecados.

O advogado se encontrou em particular com Jay e depois me contou sobre seu firme desejo de ser cremado.

Meu coração ficou apertado. A lei judaica, que sigo, proíbe a cremação. “Posso pelo menos pegar as cinzas de Jay para enterrá-las de acordo com nossa fé?”

“Sim. Eu acho que tudo bem.”

“Nós não conversamos sobre isso, mas estou me perguntando se você faz parte de alguma tradição religiosa?”

“Sim, faço. Da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”.

Sua resposta me consolou, considerando o que eu estava prestes a pedir.

“Posso te pedir mais um favor?”

“Claro.”

“Quando chegar a hora, quero fazer uma lavagem ritual judaica para Jay. Chama-se tahará. Significa purificação. Vou precisar de ajuda; é muito difícil fazer sozinha.”

“É claro. Me telefone quando precisar de mim.”

Os dias se passavam numa espécie de sonho acordado. Jay falava de forma intermitente, revelando lutas de todos os tipos. Ele gostava de ouvir histórias sobre Divine Corners, como brincávamos na neve e explorávamos o riacho atrás do galinheiro. Eu esvaziava sua bolsa de drenagem e trocava suas fraldas de adulto.

“Isso é nojento”, ele disse.

“Está tudo bem”, eu disse. “Estou aqui por você. Não há mais nada que eu queira fazer.”

Como nossa mãe fazia quando tínhamos febre quando crianças, dei um banho de esponja em Jay e troquei seu pijama gasto por um limpo.

Jay se foi silenciosamente. Ele me disse que seu sonho era comprar uma casa em um lago com alguns hectares de terra.

“Essa é uma ideia ótima, Jay,” eu disse. “Eu te amo.”

“Eu também te amo.”

E então fiz um pedido que sabia que as pessoas faziam há milênios. “Mande-me um sinal, Jay. Por favor, mande-me um sinal do outro lado.”

Na manhã de quinta-feira acordei a centímetros do meu irmão e descobri que ele tinha ido embora. Sem respiração difícil, sem sinais de que a morte se aproximava. Sua pele havia esfriado, seus membros estavam enrijecidos.

Quando o céu estava totalmente iluminado, chamei o amigo dele e fizemos o tahará. Nós removemos o pijama de Jay, removemos o dreno e a bolsa, o tempo todo usando um lençol limpo para manter seu corpo coberto e digno. Reaproveitei o bule velho para derramar água sobre seu corpo, começando com a cabeça e indo para os pés. Nós o secamos com uma toalha, o vestimos com uma roupa de baixo comprida e o enrolamos na capa de edredom de nossa fazenda de infância. O trabalho parecia terno, sagrado, um último ato de gentileza íntima.

As pessoas da funerária vieram e removeram o corpo de Jay. Às 6 horas entrei na van para o aeroporto. Apenas uma outra pessoa entrou, uma mulher de cabelos brancos em um conjunto de suéter. Vi que ela se despediu com tristeza do homem que a viu partir. Ela se sentou algumas fileiras atrás de mim. A garoa e o trânsito causaram atrasos, mas nosso motorista conseguiu chegar e nos perguntou sobre nossos terminais.

“Da American”, ela disse, virando-se tristemente em minha direção. “É uma viagem triste. Meu irmão está morrendo de câncer no cérebro na Flórida”.

“Da United”, eu disse, e para ela: “Estou indo embora depois de cuidar do meu irmão, que morreu esta manhã. Espero que chegue a tempo.”

Alcançamos o corredor e demos as mãos. Jay tinha mandado seu sinal. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - A mensagem que eu temia há anos apareceu no meu telefone: “Tentando encontrar a irmã do meu paciente, Jay Friedman”.

Minha conversa telefônica seguinte com o médico trouxe notícias sinistras. Meu irmão de 65 anos, Jay, tinha câncer de pâncreas avançado. Ele e eu crescemos juntos em Divine Corners, Nova York, em um vilarejo em Catskills, criados por pais seculares sobreviventes do Holocausto que acabaram criando galinhas. Suas histórias, aliadas ao isolamento e pobreza da fazenda, tornaram meu pai brutal, especialmente com seu único filho.

Sou o único membro da família com quem Jay manteve contato nas últimas três décadas. Ao longo desse tempo, nos comunicamos exclusivamente por e-mail e cartões que eu enviava para uma caixa postal. Apesar de trabalhar um quarto de século em T.I. para o sistema escolar local, meu irmão não tinha celular. Seu médico encontrou meu número pelo Google.

Eu mal tinha visto meu irmão em décadas, mas quando o tempo estava se esgotando, ele me deixou entrar. Foto: Brian Rea/The New York Times

Jay foi internado em um hospital chique de Seattle, onde liguei para ele no telefone fixo ao lado de sua cama. Sua voz soou fraca, melancólica.

“Jay, eu vou até aí”, eu disse. “Deixe-me ficar com você.”

“Eu não sei”, ele disse. “Minha casa está uma bagunça.”

“Posso ficar em um hotel.”

“Eu te aviso.”

Eu entrei em pânico. Eu sabia que o prognóstico era terrível, mas a vida solitária do meu irmão lançava uma sombra ainda mais escura.

O hospital deu alta a Jay com uma bolsa pendurada no peito para drenar a bile de seu fígado bloqueado pelo tumor. Alguns dias depois, o médico ligou novamente. Jay queria minha ajuda.

Peguei um voo para Seattle, aluguei um carro e dirigi por Puget Sound até uma cidade no condado de Kitsap. Antes de entrar na casa de Jay, rezei para ter força. Seguindo os sons de sua voz fraca pelo labirinto de papéis, caixas e peças de computador, encontrei meu irmão deitado no sofá. A doença o havia consumido, deixando seu corpo magro, esquelético. Apenas a voz de Jay soava familiar, com um tom grave de barítono.

“Obrigado por ter vindo”, ele disse. “Desculpe, fui mal-humorado no telefone.”

O cobertor que enrolava meu irmão estava cheio de buracos. Uma crosta marrom cobria o chão e os balcões da cozinha. Jay bebia chá com limão no único copo que possuía. Como não tinha uma chaleira, ele fervia água em uma panela velha.

Fiz chá e assei um pedaço de frango. Depois de alguns goles de líquido e pequenos pedaços de comida, Jay se sentiu satisfeito. Ele subiu lentamente as escadas para a cama de solteiro em seu quarto. Os lençóis não eram trocados há meses. Tudo o que encontrei no armário foi uma capa de edredom de algodão que reconheci da fazenda onde crescemos. O cheiro fraco do detergente e as linhas nítidas do ferro de nossa mãe me disseram que Jay nunca o tinha usado.

Ir para um hotel Best Western a três quilômetros de distância me deu um alívio culpado. Não era um palácio, mas era limpo e organizado.

De manhã, o médico delineou as duras opções médicas do meu irmão. A cirurgia estava fora de questão. Jay poderia fazer radioterapia ou quimioterapia, mas nenhum dos dois provavelmente renderia muito em termos de quantidade ou qualidade de vida.

Jay fez sua escolha em segundos - sem intervenção médica agressiva. O foco mudou para os cuidados paliativos em casa.

Ele não tinha muito tempo, apenas semanas. Como eu poderia começar uma conversa com ele sobre sua morte? Eu sabia que ele se orgulhava do gerenciamento de seu dinheiro e havia economizado muito (embora na época eu não tivesse ideia de que era tanto), então foi por aí que comecei.

“Jay, você já pensou no que quer fazer com seu dinheiro?”

“Sim, eu pensei muito sobre isso. Eu quero dar para a Planned Parenthood.”

“Tudo?”

“Sim.”

Sua resposta calma me surpreendeu e me agradou. Ao longo de nossas décadas de contato esparso, Jay permaneceu vago quando se tratava de suas opiniões pessoais.

“Jay, isso é incrível! Como você chegou a essa decisão?”

“Há muita gente no mundo e acredito que as pessoas deveriam ter autonomia sobre seus próprios corpos.”

Fiquei sentada em silêncio pensando na autonomia do meu irmão, o garotinho dominado por nosso pai raivoso, o adolescente desajeitado que queria entrar na Marinha para fugir, mas não tinha coragem. Minha mente prática entrou em ação. “Jay, você tem um advogado?”

Mais uma vez, ele me surpreendeu. “Sim. Um dos professores que conheço fez faculdade de direito à noite. Ele é um cara bom.”

Jay não tinha o contato do advogado, mas eu o encontrei através da faculdade. Ele respondeu meu texto em poucos minutos e começou a trabalhar preparando os papéis necessários.

No dia seguinte, Jay não conseguia mais subir e descer as escadas e passava a maior parte do tempo em seu quarto. Mudamos o colchão para o chão, para o caso de ele rolar durante a noite. Implorei ao hospital para acelerar os cuidados com Jay, e logo uma enfermeira chegou e me ensinou como dosar a medicação: morfina para dor, Haldol para náusea e Lorazepam para ansiedade. Cada um flutuava em um frasco com tampa de conta-gotas para que o alívio líquido pudesse ser aplicado no interior da bochecha do paciente.

A condição de Jay se deteriorou rapidamente e eu não ia mais ao Best Western. Na minha primeira noite na casa de Jay, dormi no sofá no andar de baixo. Na noite seguinte, fiquei com medo de não ouvir seus gemidos, então fui para o chão ao lado de seu colchão. A vulnerabilidade do meu irmão mais novo me deixou arrasada; ele era o garotinho inocente da fazenda que confiava em mim. Eu chorei, silenciosamente.

Quando ele não comia mais ou bebia, eu reaproveitei um conta-gotas para pingar suco de laranja e água com gás em seus lábios ressecados.

O advogado se encontrou em particular com Jay e depois me contou sobre seu firme desejo de ser cremado.

Meu coração ficou apertado. A lei judaica, que sigo, proíbe a cremação. “Posso pelo menos pegar as cinzas de Jay para enterrá-las de acordo com nossa fé?”

“Sim. Eu acho que tudo bem.”

“Nós não conversamos sobre isso, mas estou me perguntando se você faz parte de alguma tradição religiosa?”

“Sim, faço. Da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”.

Sua resposta me consolou, considerando o que eu estava prestes a pedir.

“Posso te pedir mais um favor?”

“Claro.”

“Quando chegar a hora, quero fazer uma lavagem ritual judaica para Jay. Chama-se tahará. Significa purificação. Vou precisar de ajuda; é muito difícil fazer sozinha.”

“É claro. Me telefone quando precisar de mim.”

Os dias se passavam numa espécie de sonho acordado. Jay falava de forma intermitente, revelando lutas de todos os tipos. Ele gostava de ouvir histórias sobre Divine Corners, como brincávamos na neve e explorávamos o riacho atrás do galinheiro. Eu esvaziava sua bolsa de drenagem e trocava suas fraldas de adulto.

“Isso é nojento”, ele disse.

“Está tudo bem”, eu disse. “Estou aqui por você. Não há mais nada que eu queira fazer.”

Como nossa mãe fazia quando tínhamos febre quando crianças, dei um banho de esponja em Jay e troquei seu pijama gasto por um limpo.

Jay se foi silenciosamente. Ele me disse que seu sonho era comprar uma casa em um lago com alguns hectares de terra.

“Essa é uma ideia ótima, Jay,” eu disse. “Eu te amo.”

“Eu também te amo.”

E então fiz um pedido que sabia que as pessoas faziam há milênios. “Mande-me um sinal, Jay. Por favor, mande-me um sinal do outro lado.”

Na manhã de quinta-feira acordei a centímetros do meu irmão e descobri que ele tinha ido embora. Sem respiração difícil, sem sinais de que a morte se aproximava. Sua pele havia esfriado, seus membros estavam enrijecidos.

Quando o céu estava totalmente iluminado, chamei o amigo dele e fizemos o tahará. Nós removemos o pijama de Jay, removemos o dreno e a bolsa, o tempo todo usando um lençol limpo para manter seu corpo coberto e digno. Reaproveitei o bule velho para derramar água sobre seu corpo, começando com a cabeça e indo para os pés. Nós o secamos com uma toalha, o vestimos com uma roupa de baixo comprida e o enrolamos na capa de edredom de nossa fazenda de infância. O trabalho parecia terno, sagrado, um último ato de gentileza íntima.

As pessoas da funerária vieram e removeram o corpo de Jay. Às 6 horas entrei na van para o aeroporto. Apenas uma outra pessoa entrou, uma mulher de cabelos brancos em um conjunto de suéter. Vi que ela se despediu com tristeza do homem que a viu partir. Ela se sentou algumas fileiras atrás de mim. A garoa e o trânsito causaram atrasos, mas nosso motorista conseguiu chegar e nos perguntou sobre nossos terminais.

“Da American”, ela disse, virando-se tristemente em minha direção. “É uma viagem triste. Meu irmão está morrendo de câncer no cérebro na Flórida”.

“Da United”, eu disse, e para ela: “Estou indo embora depois de cuidar do meu irmão, que morreu esta manhã. Espero que chegue a tempo.”

Alcançamos o corredor e demos as mãos. Jay tinha mandado seu sinal. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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