Em um dia sombrio de janeiro, meu telefone iluminou-se: Will havia me enviado um vídeo. Algo se apertou em meu estômago. Eu sabia o que o vídeo havia capturado, mas ainda não acreditava. Na solidão do meu quarto, curvei-me sobre meu telefone e apertei o play.
No vídeo, Will se afastou da câmera (seu telefone). Ele usava uma camisa polo listrada. Atrás dele havia uma cortina de chuveiro multicolorida. Ele gesticulou devagar, com cuidado: “Oi, como vai? Estou bem. Obrigado, meu amigo, Ross.” Um alívio nervoso inundou seu rosto quando ele terminou de soletrar meu nome com os dedos.
Eu caí em um estado de descrença. Will me mandou uma mensagem dias antes, dizendo que estava aprendendo a linguagem de sinais por conta própria. Lendo seus textos, senti um choque de surpresa - seguido por uma desconfiança.
Eu sou surdo.Nos últimos 10 anos, desde que fiz 18 anos, homens que ouvemflertaram e saíram comigo. A única coisa que eles têm em comum é a promessa que todos fazem: “Vou aprender a linguagem de sinais por você”.
Nenhum deles fez isso. Nenhum deles se inscreveu em um curso ou estudou os livros que eu recomendei.
Quando criança, aprendi a leitura labial, analisando palavras a partir de movimentos dos lábios e fragmentos de audição residual. Tive aulas de fala, que tecnicamente pararam quando me formei no ensino médio. Hoje recebo instruções sobre pronúncia de amigos amáveis que ouvem.
Meus pais não deram nenhuma razão explícita para me colocar em aulas de fala. A razão implícita era para eu fazer o trabalho de comunicação que os ouvintes não estão interessados em fazer. Comunicar-se na língua falada significa se conformar com a sociedade, dependente do som.
Todos os homens com quem namorei confiam no fato de que eu falo. Eles não precisaram fazer um trabalho adicional para se comunicarem comigo, porque eu fiz o trabalho por eles.
Will é diferente. Will é o primeiro homem em nove anos a aprender a linguagem de sinais por mim. Ele nunca prometeu aprender essa linguagem - ele apenas se pôs a trabalhar.
Apertei "play" novamente e observei a gesticulação cuidadosa de Will, seus dedos soletrando, seu alívio nervoso no final. Eu assisti novamente e novamente até que minha descrença evaporou.
Conheci Will no Twitter há um ano. Ele mora em um estado vizinho. No início, enviamos mensagens diretas um para o outro. À medida que nossa amizade se aprofundava, trocávamos mensagens de texto até tarde da noite, enquanto a pandemia se alastrava além de nossas portas.
Quando comecei a falar com Will, estava sofrendo por causa de uma separação complicada de um professor universitário - uma pessoa que usa o pronomes eles - que disse que eles queriam aprender a linguagem de sinais por mim. Eu disse a eles que não precisavam; eu não quero exigir de ninguém uma promessa que não tenha sentido para eles. E não quero ficar desapontado quando eles não cumprem sua palavra.
Mas essa pessoa me deu outro motivo para querer aprender os sinais: eles trabalham com alunos surdos, então aprenderiam a linguagem de sinais não só por mim, mas para eles próprios.
Isso me convenceu de que o professor estava falando sério. Dei a eles recursos e incentivei perguntas, mas eles nunca me fizeram perguntas ou enviaram um único vídeo. Depois de quatro meses, desisti, com raiva por ter sido enganado mais uma vez.
Antes do professor, um gerente financeiro me deixou perplexo quando disse: “Vou aprender a linguagem de sinais por você”. Em remissão de um câncer de laringe, ele ainda corria o risco de ficar mudo, e eu queria perguntar: "Por que não aprender por você?" Preocupado em cruzar uma linha, liguei o piloto automático e disse: “Você não precisa”.
Antes do gerente financeiro, um enfermeiro disse que ele teria aulas de linguagem de sinais. Antes dele, um assistente social disse a mesma coisa. Antes disso, um analista de dados também o fez.
Parece melodramático dizer que uma mentira permeia a maior parte da minha vida amorosa, mas nenhuma outra frase capta a verdade de forma tão sucinta. Para as pessoas que ouvem, a promessa de aprender a linguagem de sinais é menos uma promessa de ação do que um apaziguamento, como se estivessem tentando se consolar mais do que a mim, talvez se livrando de alguma culpa. Tentativas anteriores de relacionamento falharam porque a intenção de aprender não era genuína.
"Isso é intolerável", Will me escreveu quando contei a ele sobre o professor. “Se alguém deseja ter um relacionamento com você, o mínimo que pode fazer é se esforçar para se comunicar melhor com você. No seu caso, isso seria aprender os sinais. E alguém concordando em fazer isso e depois não fazendo coloca a obrigação da comunicação sobre você.”
Will me mostrou que nem todo mundo faz promessas que não pretende cumprir. Não preciso investir em alguém que promete algo que nunca fará. Os relacionamentos só avançam quando o trabalho de comunicação começa.
Peguei o trem para sua cidade em meados de abril, minha primeira viagem durante o turbilhão surreal da pandemia. Não saía de casa desde março do ano anterior; olhava para as mesmas paredes da minha casa, lia e relia todos os meus livros favoritos e comemorei aniversário após aniversário no Zoom e pelo FaceTime. Entrei no trem porque queria uma mudança.
Eu conheci Will naquela viagem. Ele era mais alto do que eu esperava. Ele me abraçou com força e senti cheiro de almíscar. No meu quarto de hotel, começamos a conversar, e ele se esticou sobre a mesa e segurou minhas mãos. Sentado ali, Will era mais bonito do que qualquer vídeo poderia capturar. Era difícil de acreditar, mesmo com ele bem na minha frente, que ele era real. O desejo ganhou peso e eu não pude deixar de roçar suas palmas com meus dedos. Eu queria tocá-lo. Eu queria senti-lo. Eu o queria.
Quando Will disse que deveria ir e me deixar trabalhar, eu o abracei para me despedir e o beijei na bochecha. Ele beijou minha bochecha em troca. Eu me afastei para olhar para ele, então me inclinei para frente, meus olhos pousando em sua boca.
Mais tarde, ele pulou da cama. “Quero experimentar uma coisa”, ele disse.
Eu soube imediatamente o que ele queria dizer. Sentei-me e coloquei o queixo entre minhas mãos.
Will fez os sinais de todas as letras do alfabeto, de A a Z. Ele fez o J ao contrário. Ele confundiu o G e o Q, e eu tive que mostrar a ele o H. Mas o acolhi com um sorriso. Depois que seu dedo indicador cortou um Z no ar, me levantei da cama e o beijei.
Às vezes, você não sabe o que está perdendo até que alguém lhe mostre. Às vezes, você nem acha que isso existe.
Will e eu não estamos namorando, tecnicamente. Ele gosta de chamar nosso relacionamento de meio termo, um espaço entre a amizade e o romance. Afinal, vivemos a muitos quilômetros de distância. Tentamos ser pragmáticos.
Mesmo assim, Will ainda me envia vídeos em linguagem de sinais, dois ou três por semana. Seu último vídeo foi uma animada sinalização de opostos (“gosto é o oposto de não gosto!”). Eu o corrigi no posicionamento: "Você está fazendo um sinal para o oposto que o faz parecer muito próximo de 'mas'."
Sete meses depois de começarmos a conversar, Will se inscreveu em um curso online de linguagem de sinais. “Os vídeos do YouTube não são mais suficientes”, ele escreveu. “Eu quero estrutura. Eu quero um professor. Eu quero uma aula Eu quero mais."
Lendo sua mensagem naquele momento, não pude deixar de pensar no professor, no gerente financeiro, aqueles que não conseguiram seguir adiante. Eu me perguntei como eles pareceriam usando a linguagem de sinais. Sinto uma pequena pontada de decepção sempre que penso neles.
Há o borrão de falsas promessas e, então, há Will, cristalino. Will significa algo mais. Eu não acreditei nele quando ele me disse que estava aprendendo os sinais por conta própria, mas então ele me mostrou algo em que eu podia acreditar.
Mesmo com Will agora matriculado em um curso de linguagem de sinais, ainda sinto descrença e preocupação. Uma pessoa não consegue desfazer nove anos de frustração. Eu me preocupo se Will vai ficar cansado de enviar vídeos, gesticulando para a câmera de um telefone. Tenho medo de que ele acorde um dia, decida que não valho este trabalho e deixe-me. Preocupo-me que este cerne de descrença - porque uma comunicação equitativa não pode ser tão fácil - seja de alguma forma justificado. Will pode se tornar parte do borrão, outra razão para eu não confiar em homens que podem ouvir.
Neste momento, Will mostra que talvez eu possa acreditar nas pessoas quando elas dizem que querem fazer o trabalho por mim. Eu não tenho que me contentar com relacionamentos construídos sobre promessas vazias e falsa compaixão. Eu mereço algo real, significativo. Will fez algo em vez de prometer e me fez pensar duas vezes antes de desprezar as intenções dos outros.
Sempre que Will me envia um vídeo dele gesticulando, é como se ele estivesse dizendo: “O mundo pode ser um lugar melhor do que você pensa. Deixe-me te mostrar". /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times