THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Escolhi minha faculdade com base nas vibrações das pessoas do grupo de alunos no Facebook. Esse menino loiro comentou no meu post de apresentação dizendo que também gostava de um artista que era meu favorito, e meu amigo me disse que era prova suficiente - se havia algo em comum, poderia haver mais.
Meu pai achava que tomar uma decisão baseada em “vibrações” era um pouco bobo, mas apoiou minha escolha. Isso foi em nossa viagem para New Hampshire em agosto, quando ele me contou sobre seu primeiro ano de faculdade e todos os apelidos que seus novos amigos lhe deram. Ele estava tão animado por mim. Foi nessa época que ele descobriu que tinha câncer no pâncreas, então começamos a passar mais tempo juntos.
Meu primeiro ano de faculdade, durante o primeiro ano da pandemia, foi horrível, isolado e uma tentativa de tirar o melhor proveito da situação; minhas aulas eram online, e eu comia refeições empapadas do refeitório no chão do meu dormitório com minhas duas amigas. Eu me sentia culpada por estar longe do meu pai e nem mesmo estar aproveitando.
Naquela primavera, usei o Tinder algumas semanas porque me sentia envergonhada por ainda não ter experimentado um grande amor. Deu match com aquele menino loiro, e tivemos uma conversa seca sobre nossas cidades natais, depois paramos de conversar. Esqueci quem parou de responder para quem.
No verão havia os jogos de beisebol com meu pai e dias de praia nos quais quase esquecíamos que ele estava doente. Mas então o verão acabou e eu voltei pra faculdade.
No outono do meu segundo ano, as restrições da Covid afrouxaram. Passava meu tempo em cafés. Eu vi o menino loiro na frente da biblioteca quando eu estava no telefone e novamente no meu refeitório enquanto seu amigo tocava Taylor Swift. Eu saía para festas com tops minúsculos. Eu o vi vendendo discos na quadra para seu programa de rádio e ri de uma piada que ele fez enquanto tentava desajeitadamente vender um álbum para outra pessoa.
Liguei para meu pai, que estava se recuperando de uma cirurgia grande e malsucedida, e disse a ele que minhas aulas me deixavam tonta. Ele estava feliz. Ele queria que eu estivesse na faculdade, e eu estava - sabendo que ele tinha minha mãe por perto. Mesmo divorciados, ela estava ao lado dele desde o diagnóstico.
Mas então chegou o Dia de Ação de Graças, e ele foi hospitalizado, e ficou óbvio que agora havia um limite de tempo. Não havia mais nada a fazer além de cuidados paliativos. Organizei-me para os exames finais remotos e comprei um voo para casa para segurar sua mão.
Minha vida passou a ser passar tempo com meu pai e também esperar que ele morresse. Eu quebrava gelo, enchia seringas e o observava dormir. Ouvia minha mãe orientar suas enfermeiras e sussurrava para minha irmã sobre onde seu gato iria morar. Comia comida para viagem e mais lamen do que jamais comi na faculdade. Cutucava meu rosto. Nós quatro assistimos filmes, ouvimos música, fizemos piadas e choramos muito. Eu não dormia. Tudo estava se esvaindo.
Na véspera de Natal, postei uma música que gostei no meu story do Instagram. Parecia desonesto postar algo tão insignificante; eu deveria estar em luto antecipado. Aquele menino loiro, o do programa de rádio, respondeu, dizendo que gostou da música e perguntando o que eu estava fazendo.
“Assistindo a um filme”, respondi. Não mencionei a cama de hospital em frente à TV.
Ele me contou sobre as tradições de sua família, que pareciam adoráveis; pareciam coisas que minha família costumava fazer.
Eu temia que cada mensagem fosse a última. E então eu teria que sentar ao lado da cama do meu pai e encher seringas e ajustar fronhas e chorar sem distrações. Senti uma vergonha horrível por estar passando seus dois meses de cuidados paliativos com flertes de texto. Mas nossos textos me faziam rir.
Quando meu pai morreu, recebi muitas condolências. O menino do rádio foi a única pessoa para quem mandei uma mensagem de volta. Algo sobre um artigo que ele leu, o novo single do Big Thief ou qualquer coisa boba que pensássemos. Ele me enviou um áudio para contar uma história muito longa para uma mensagem de texto, e se ligar para ele não fosse quebrar alguma regra das mensagens de texto, eu teria feito isso apenas para ouvir mais de sua voz.
O menino do rádio me convidou para um café quando voltássemos ao campus. Seria uma semana e um dia depois que meu pai morreu. Eu voei de volta para a faculdade, armada com fotos e lembranças da casa do meu pai, incluindo uma jaqueta dele que eu peguei durante uma última busca apressada por lembranças essenciais.
Fiquei no banheiro por 10 minutos antes do nosso encontro no café e senti vontade de vomitar. Eu me preocupava com o som da minha voz e a espinha na minha testa. Mas ficamos lá tomando café com leite por três horas, e gostei do jeito que ele ria. Saindo do café, olhei para o casaco do meu pai e notei que o zíper estava quebrado. O único casaco que eu tinha para o inverno era aquele quebrado de meu pai morto.
Eu disse ao menino do rádio que o casaco estava quebrado, e ele perguntou por que eu estava usando. Eu não tinha uma resposta para ele. Não nos abraçamos, mas ficamos do lado de fora do café por mais meia hora enquanto eu tremia.
Nosso primeiro beijo foi em nosso terceiro encontro em uma tempestade de neve. Eu estava hesitante em beijá-lo porque isso significaria que eu estava começando algo que eu poderia perder. Alguns dias depois, eu disse que estava com medo de sair com ele porque meu pai tinha acabado de morrer e tudo me assustava.
Acho que ele não tinha ideia do que dizer, mas me disse que estava tudo bem. Ele disse que sentia muito. Depois disse algo para me fazer rir.
Tudo nele parecia leve, como se ele estivesse segurando minha mão e me puxando para um mundo onde as pessoas não morriam e tudo era interessante. Mas não parecia o meu mundo, então fiquei ali, dividida. Eu precisava do meu luto, mas também não podia suportá-lo.
Minha mãe é a própria devoção. Ela era aquela com meu pai em todas as consultas médicas, aquela que se sentava com ele em todos os hospitais, que o fazia rir, que segurava sua mão. Meus pais acabaram voltando a ficar juntos apenas a tempo de perder um ao outro. Enquanto estávamos limpando o porão do meu pai, ela me disse que eu deveria me casar com alguém com quem eu pudesse rir. Ela disse que é o que ela sempre teve com meu pai.
O menino do rádio começou a aparecer em todos os lugares, e eu comecei a procurá-lo. Entre as aulas, ele aparecia para dizer oi e me levar para a próxima. Ele me trazia a melhor focaccia do campus, ou íamos tomar um café. Ele tocava violão para mim em seu dormitório, porque é claro que aquele garoto toca violão, e eu ouvia - dolorosamente ciente do tropo que nós dois estávamos tocando e me perguntando se tudo parecia um pouco bom demais.
Eu me preocupo por estar acelerando meu luto, apressando-o, colando as partes de mim que se racharam para que eu possa continuar - tentando ser “como antes” e percebendo que isso não existe. Eu me preocupo que alguém como esse garoto que eu gosto seja descuidado, e se vou ficar destruída.
Meu luto não me parece certo; está um pouco embaçado quando olho para ele no espelho. Não está todo vestido de preto; está vestindo o moletom do meu namorado. Minha dor é imaginar como meu pai zombaria do nome do meu namorado, perguntaria a ele sobre sua banda favorita e diria para ele para não me machucar. Minha dor será sentir a falta do meu pai pelo resto da minha vida e sentir isso me cutucar sempre que algo estiver bom, me dizendo para me preocupar, porque qualquer coisa pode se perder.
Logo quando o conheci, houve uma tempestade no meio da noite, e eu odeio trovões. O menino do rádio me disse que não iria a lugar nenhum, o que fez com que me sentisse segura e um pouco incomodada. Mesmo que eu estivesse com medo e o quisesse lá, eu ainda sentia que sabia mais do que ele. Eu não acho que ele tinha o direito de declarar que ficaria ali. Não havia certeza, e isso era pior do que um trovão.
Mas ele não vai a lugar nenhum por enquanto. Estou em casa para o verão e sinto falta dele, não importa o quanto façamos FaceTime. Contamos às nossas mães um sobre o outro. Eu sei que ele pede um dirty chai quando precisa estudar. Ele já me viu dobrar minhas roupas lavadas e eu ainda estou aterrorizada com a perda. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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