SÃO PETERSBURGO – Maria Ryadova se lembrou de que estava em uma sala empoeirada do Palácio de Alexandre, saltando de uma viga no chão para outra, olhando para o abismo escuro bem abaixo dela, quando ela e sua equipe fizeram uma descoberta importante.
Uma pilha de azulejos azuis quebrados estava escondida na escuridão. Ryadova sabia, por meio de fotos de arquivo em preto e branco, que esses fragmentos eram restos dos azulejos que antigamente enfeitavam as paredes daquela sala, que abrigava a piscina privativa e o banheiro do czar Nicolau II no início dos anos 1900. Mas, antes da descoberta, ela não sabia qual era a cor deles.
A descoberta desses brilhantes pedaços de cobalto e turquesa completou mais uma peça do quebra-cabeça da reconstrução da mansão imperial, que foi a casa do último czar da Rússia e de sua família. "Foi uma descoberta incrível. Eu me senti muito inspirada", disse Ryadova, de 40 anos, que está entre os principais arquitetos envolvidos no projeto.
Com uma equipe de arquitetos e pesquisadores, Ryadova passou mais de uma década no local, trabalhando para restaurar o imponente edifício amarelo à sua glória do início do século XX, antes que a Segunda Guerra Mundial e a remodelação efetuada no período soviético o deteriorassem. Em 13 de agosto, o trabalho de Ryadova e dos demais trabalhadores foi finalmente revelado quando o Palácio de Alexandre foi aberto ao público como um museu.
Esse palácio provavelmente será a última grande mansão imperial russa a se tornar um museu, segundo a especialista em pesquisa Tatiana Andreeva. É o resultado de anos de trabalho investigativo de Andreeva, de 37 anos, Ryadova e seus muitos colegas, que recriaram o interior a partir de algumas fotos coloridas difusas, milhares de fotos em preto e branco, algumas aquarelas, várias amostras de cortinas e inúmeras memórias da vida no palácio.
Um monte de entulho
Mais de um século depois do colapso da monarquia russa com a execução de Nicolau II, sua esposa, quatro filhas e filho pelos bolcheviques em 1918, os historiadores estão trabalhando para escavar o passado imperial do país. Para alguns, o Palácio de Alexandre se tornou um símbolo da reconciliação da Rússia com ele. "Tenho uma relação complicada com os aristocratas da Rússia pré-soviética, mas esses palácios se tornaram monumentos", afirmou Max Trudolyubov, de 51 anos, popular blogueiro e comentarista de assuntos atuais.
Nicolau II há muito é retratado pelo povo russo como um déspota sangrento e empenhado – opressor implacável da classe trabalhadora – ou um tolo despreocupado e mal-informado que, por descuido, deixou o país cair no abismo do bolchevismo. A reabertura do palácio vai permitir que os visitantes mergulhem em parte da história do país e façam um julgamento próprio, comentou Lev Lurie, especialista na história de São Petersburgo e da família Romanov. "O museu é um teatro, com uma peça sem atores."
Em 2011, o Estado russo decidiu recriar a suíte privada do czar – decorada em estilo art nouveau e destruída principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, com as subsequentes reconstruções soviéticas – e fazer um museu ao redor dela. Por fim, o governo alocou mais de US$ 28 milhões para o projeto, sendo US$ 12 milhões provenientes do museu e de benfeitores privados. (Um destes últimos, Bob Atchinson, de Austin, no Texas, é um entusiasta que reuniu uma coleção de itens que havia sido saqueada do palácio pelos alemães e outros invasores – e vendida em leilões internacionais – e que tem arrecadado dinheiro para reformar o palácio há décadas.)
Para recriar os quartos privados do czar, a equipe de Ryadova teve de refazer quase tudo: pisos de parquet de carvalho, tapetes de lã e cortinas de seda, e até mesmo as escarradeiras, que eram usadas pela família imperial e pelos cortesãos.
Originalmente construído em 1796 por Catarina, a Grande para seu neto Alexandre, o palácio fazia parte do retiro imperial em Tsarskoye Selo, amplo complexo de palácios e parques fora de São Petersburgo, a capital da Rússia na época.
Em 1905, o sobrinho-bisneto de Alexandre, Nicolau II, mudou-se permanentemente com a família para lá com a intenção de escapar da vida cada vez mais caótica e perigosa da capital, onde motins eclodiam regularmente e onde seu avô fora morto em 1881.
A escolha de Nicolau II, na véspera da revolução, de abandonar suas tropas e se reunir com sua família no Palácio de Alexandre divide muitos que estudam aquele período. Para alguns, é uma acusação: ele colocou sua família acima dos interesses do país, sobre o qual tinha poder absoluto. Mas, para muitos religiosos ortodoxos russos, a aceitação de seu destino foi uma demonstração de humildade. Em 2000, a Igreja Ortodoxa Russa o canonizou e à sua família como portadores da paixão, categoria usada para identificar crentes que suportaram o sofrimento e a morte com uma piedade semelhante à de Cristo.
Em julho deste ano, indo contra todas as restrições relacionadas à pandemia, milhares de religiosos se juntaram a uma procissão na cidade de Ecaterimburgo que começou no local da mansão onde o czar foi baleado (foi posteriormente destruído) e foi até o poço de uma mina onde os restos mortais da família foram jogados e dissolvidos com ácido sulfúrico.
Um quebra-cabeça palaciano
Enquanto caminhava pelos cômodos quase concluídos do palácio algumas semanas antes da inauguração, Ryadova disse que esperava que os visitantes ficassem extasiados, porque tinha enfrentado muitos desafios e decepções durante a reconstrução e não queria se decepcionar.
Ela ficou frustrada, por exemplo, com as fotos de família do czar. Fotógrafos ávidos, os Romanov tiraram milhares de fotos da parte interna do palácio, incluindo imagens que podem ser consideradas algumas das primeiras selfies do mundo. No entanto, estas muitas vezes são inúteis para os especialistas em restauração, uma vez que o piso e o teto geralmente são cortados do enquadramento. "Agora digo a todo mundo: fotografem o teto!", comentou a arquiteta.
Os tapetes também foram um problema: em alguns casos, padrões inteiros foram recriados a partir de um pequeno pedaço no canto que conseguia se infiltrar em uma ou duas fotos. (Algumas das restaurações de teto estão aguardando o aparecimento de mais materiais.)
Em 1944, depois da ocupação alemã, a maioria das propriedades em Tsarskoye Selo perdera janelas e telhados. "O país estava em uma condição horrível, mas as pessoas queriam ver essas ruínas reconstruídas como estavam", explicou Olga Taratynova, diretora do museu de Tsarskoye Selo. Assim, embora o governo soviético tenha se declarado antitético ao governo dos czares, investiu pesado na restauração dos palácios. "Foi uma decisão política", afirmou Taratynova, de 66 anos.
Desde então, o complexo se tornou um importante destino turístico, além de um símbolo da história russa. Taratynova se lembrou de que em 2002 o presidente George W. Bush visitou o Palácio de Catarina como convidado do presidente Vladimir Putin e que, quando entrou no grande salão do trono de 790 metros quadrados, decorado com folhas de ouro, congelou, hipnotizado, e simplesmente exclamou: "Uau!" "Nós, russos, adoramos quando as pessoas vêm nos visitar e dizem: 'Uau!'"
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