Em 2011, o romancista israelense David Grossman publicou Fora do Tempo, fábula assombrosa sobre um pai em luto que sai em uma jornada para se conectar com o filho que morreu. Cinco anos antes, Uri, o filho de Grossman, fora morto durante a guerra de seu país com o Líbano.
Ao embarcar no que acreditava ser uma obra em prosa, Grossman se sentiu estranhamente forçado a escrever frases mais curtas. A história começou a ganhar forma poética. "De repente, aquilo parecia ter muita precisão. Quando contei à minha esposa, ela disse: 'Talvez porque a poesia seja a forma de arte mais próxima do silêncio'", relatou ele durante entrevista recente por telefone.
Depois de publicado, o livro chegou às mãos do compositor Osvaldo Golijov, que enfrentava dificuldades para lidar com o próprio silêncio doloroso. Por volta da virada do milênio, ele era uma das estrelas mais disputadas da música erudita contemporânea, e seu sucesso se refletia em ovações, Grammys, uma "bolsa para gênios" da Fundação MacArthur e um concerto para Yo-Yo Ma. Um festival no Lincoln Center foi dedicado à sua música poliglota, com obras como La Pasión Según San Marcos e Ainadamar.
Um prêmio único estava em seu caminho: a Metropolitan Opera, de Nova York, encomendou-lhe uma nova ópera. Embora tenha iniciado uma obra que recontava o mito de Ifigênia – um pai que sacrifica a filha –, nada fazia sentido e a colaboração com a Met acabou desfeita.
Ele perdeu outros prazos importantes. Uma obra em que reaproveitou material desenvolvido em colaboração com um colega lhe rendeu acusações de plágio. Nos últimos dez anos, Golijov tem estado praticamente em silêncio. Contudo, Fora do Tempo, de Grossman, foi a semente que iniciou sua regeneração criativa. Recentemente, o Silkroad Ensemble lançou a gravação de um ciclo de canções de Golijov, de 80 minutos, baseado em Fora do Tempo: o retorno de um compositor que havia sumido de vista e perdido o prestígio.
Durante uma entrevista por telefone, Golijov, de 59 anos, comentou a respeito de sua seca criativa. "Fiquei muito deprimido. Essa é a resposta mais curta. Foi doloroso. Mas depois fiquei em paz e agora é libertador", acrescentou. A voz que surgiu disso tudo é claramente dele: vários estilos são costurados por meio de orquestrações habilidosas capazes de passar rapidamente da doçura ao amargor.
Vocalistas que não pertencem à tradição clássica ocidental acrescentam urgência emocional. Ainda assim, há uma interioridade nova, quase psicodélica, em Falling Out of Time, que parece ser mais experimental que os primeiros sucessos de Golijov. Assustador e alucinógeno, esse ciclo de canções sobre luto e isolamento ressoa, ainda que de maneira não intencional, num ano em que tantas pessoas se familiarizaram com traumas e perdas.
Não fosse pelo coronavírus, a obra teria sido apresentada no Festival de Música de Tanglewood e no Carnegie Hall – trazendo Golijov de volta para o centro do establishment da música erudita. Ele, porém, aprendeu a ser cauteloso com os elogios e com a propaganda exagerada.
Questionado sobre o que causou seu longo bloqueio, ele respondeu: "Acho que tem muito a ver com comércio e com as expectativas de pessoas que nos coroam e dizem que tudo é maravilhoso. Gostam de coroar uma figura nova, para depois decapitá-la. É um ritual curioso". Em 2000, Golijov produziu seu sucesso definitivo, La Pasión Según San Marcos, celebração agitada da música popular latino-americana, misturada com canto gregoriano e batidas afro-caribenhas, encomendada para homenagear os 250 anos da morte de Bach.
O crítico Mark Swed relembrou a ovação de 25 minutos que se seguiu à estreia da peça em Stuttgart, na Alemanha, e a sensação de que "um capítulo da história da música moderna acabara de ser escrito". Com La Pasión, Golijov se tornou o pregador de um novo sincretismo musical, mistura entre o Velho e o Novo Mundo, que parecia oferecer saídas para o sectarismo e os maus hábitos da indústria musical erudita. Um de seus colaboradores mais entusiasmados, o maestro Robert Spano, disse em entrevista que Golijov foi "pioneiro na junção de coisas cuja união não seria óbvia sem sua visão".
O processo colaborativo de Golijov e seu talento para a colagem o colocaram em maus lençóis em 2012, quando foi revelado que sua abertura Sidereus – encomendada por um grande consórcio de orquestras por um alto valor – continha um volume considerável de material escrito em parceria com o compositor Michael Ward-Bergeman. Críticos, incluindo Alex Ross da revista The New Yorker, acusaram Golijov de falta de transparência em relação a suas fontes. Embora outros o tenham defendido, o episódio foi embaraçoso.
"Isso contribuiu para meus anos de aparente silêncio? Sim. Quanto? Não sei. Só sei que existiram outras razões para meus anos de depressão, portanto não quero dar a isso uma importância maior do que tem", escreveu Golijov por e-mail. Ele afirma que tanto Sidereus como a obra à qual faz referência "nasceram enquanto tocávamos, no fluxo constante de ideias", durante a composição colaborativa de uma trilha de filme. Golijov conta que nunca parou de compor, e que começou "um milhão de coisas" cujo resultado ele sempre considerou "mal-acabado".
Quando descobriu o livro de Grossman, enquanto ainda trabalhava na ópera sobre Ifigênia, "percebi que isso era muito mais pessoal", disse. Fora do Tempo lida com tragédia, sobrevivência e o mistério da existência. "Eu estava em busca de uma história perfeita para fazer todas essas perguntas", explicou.
O texto de Grossman imagina um pai em luto caminhando em círculos cada vez maiores, movido por perguntas dirigidas ao filho morto: Onde você está? O que você é? Quem é você nesse lugar? Ele atrai um grupo heterogêneo de viajantes, todos movidos pelo luto. No entanto, a esposa não aceita se juntar a ele. Por fim, o homem volta para ela. Embora não tenha encontrado respostas, ele abriu o espaço necessário para respirar dentro da dor. A obra em constante transformação de Golijov faz pensar em uma caminhada, mas não pelo espaço natural.
Em vez disso, o ouvinte compartilha a vertigem do caminhante, que examina as crateras de sua alma. Golijov disse que o que atraiu ao livro foi o aspecto físico da escrita. Em um movimento, ele representa o "mancar espiritual" do pai por meio de uma linha de baixo que se arrasta em compasso 3/5.
"Tudo tem corpo. A caminhada. A respiração. A queda. E também a sensação de que o peito está queimando por dentro. A sensação de que não há gravidade e estamos flutuando de um lugar para o outro", resumiu. Golijov comentou que, mesmo antes de ler o livro de Grossman, já havia conhecido uma instituição que une pais israelenses e palestinos em luto. Seu fundador, Yitzhak Frankenthal, contou a história de um pai que ficou tão arrasado que dormiu durante dias sobre o túmulo do filho. Frankenthal fez companhia ao homem até que ele conseguisse voltar para a cama.
"O mais natural é desviar o olhar. Essa peça faz o contrário: Vejo você e vou acompanhá-lo até onde for possível'", explicou Golijov. Grossman comparou a música a uma fábula judaica sobre um homem simples de um vilarejo que dá um assobio alto na sinagoga. Quando os outros começam a se irritar, o rabino os interrompe; o assobio havia rasgado o céu, para que suas orações pudessem chegar até Deus.
"Algumas partes da música de Osvaldo são assim, como se rasgassem o céu, permitindo que algo suba sem nenhum obstáculo, sem hesitação, até chegar lá", disse Grossman. Segundo Golijov, seu período de paralisia deu lugar a um sentimento de liberdade. Ele contou que, desde o início da pandemia, tem escrito "como louco".
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