O 'príncipe da ópera' se despede de Munique


O carismático e astuto Nikolaus Bachler, que manteve a Ópera do Estado da Baviera como ponto de referência no mundo da arte, está de saída

Por Joshua Barone
Atualização:

MUNIQUE, Alemanha - Meia hora antes da abertura de Tristão e Isolda, de Wagner, Nikolaus Bachler deu uma última volta pelos bastidores.

Bachler - que dirige a Ópera do Estado da Baviera desde 2008, período em que Munique se tornou a capital mundial da ópera tanto para os artistas como para o público - parou no camarim de sua Isolda, Anja Harteros, para perguntar se ela havia dormido bem na noite anterior. Com um tradicional "toi toi toi", ele lhe desejou boa sorte.

Nikolaus Bachler se prepara para deixar a Ópera do Estado da Baviera depois de mais de uma década de excelência artística. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times
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Ele esperou para ver como estava Jonas Kaufmann, o intérprete de Tristão, porque ouviu, através da porta, o maestro Kirill Petrenko - o diretor musical da companhia durante grande parte da gestão de Bachler e um ingrediente crucial para seu sucesso - dando algumas instruções de última hora.

Em seguida, mais beijos de longe e "toi toi toi", e Bachler se sentou em seu camarote ao lado do proscênio. Olhou para a plateia, que, embora estivesse pontilhada de espaços vazios, como um tabuleiro de xadrez, para ampliar o distanciamento social, estava tão cheia quanto possível depois de um ano de fechamentos e de incertezas. As luzes diminuíram. Petrenko subiu ao pódio; fez uma breve pausa, como se estivesse orando; e gesticulou para dar início à primeira nota.

Com isso, começou o fim de uma era. A casa que Bachler construiu com Petrenko - de excelência artística, formação de carreiras e, durante a pandemia, de defesa destemida da arte - em breve passará por uma grande mudança. Tristão é a última nova produção de Petrenko, que agora é o maestro principal da Filarmônica de Berlim, e o mandato de Bachler termina com o Festival de Ópera de Munique deste ano, maratona de fim de temporada que adotou o tema agridoce "Wendende Punkte": "Pontos de Virada."

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Nos próximos meses, a casa passará a ser administrada por Serge Dorny, que até pouco tempo atrás era chefe da Ópera de Lyon, na França, e ficará sob a batuta de Vladimir Jurowski. Muitos dos colegas artísticos e administrativos de Bachler vão embora. Alguns o acompanharão em seu novo cargo de diretor do Festival de Páscoa de Salzburgo.

"Agora estamos olhando para um futuro que ainda não está escrito em pedra, por assim dizer. Você vê a lista de estrelas internacionais - em comparação não apenas com a história desta casa, mas com a de outras casas desta categoria - e Bachler de alguma forma a transformou em um lar do qual todos desejavam fazer parte", disse Kaufmann.

O público também estava ansioso. Antes da pandemia, as vendas de ingressos da Ópera giravam em torno de 98% da capacidade total. Wolfgang Heubisch, ministro da Cultura da Baviera durante os primeiros anos de Bachler em Munique, declarou que a Ópera era um importante contribuinte para a economia da cidade e que o público estava sempre entusiasmado com a próxima apresentação. (A Ópera é apoiada por extravagantes subsídios do governo, que chegaram, em 2019, ao valor de 71,8 milhões de euros, ou US$ 85,2 milhões - quase dois terços de seu orçamento.) "Você pode resumir isso tudo em poucas palavras. Nikolaus Bachler foi um verdadeiro golpe de sorte para Munique e para a Ópera Estatal", acrescentou Heubisch.

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É raro o líder de uma companhia de ópera ser descrito nesses termos. Em Paris e Nova York, por exemplo, tais gestores têm sido criticados abertamente por colegas e envolvidos em disputas trabalhistas. Em outros lugares, podem ser respeitados, mas raramente são descritos com a linguagem amorosa que cantores, diretores e colegas usam para falar de Bachler. Contudo, ele está confiante em que é hora de mudar. "Não se deve ficar muito tempo no mesmo lugar. Recebi muitas ofertas para trabalhar em outras casas de ópera, mas eu tinha certeza de que não deveria entrar em outra instituição desse porte", afirmou Bachler, que já fez 70 anos, mas tem a aparência e a energia de alguém muito mais jovem.

Na noite de estreia de 'Tristão e Isolda', a casa de óperas só tinha metade dos assentos ocupados por conta das medidas de segurança contra a covid. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times

Com sua partida, Bachler pode olhar para trás e ver suas conquistas sem sentir que acabou preso à rotina, o que ele considera ser "contrário à arte". Orgulha-se de sua insistência em unir o prestígio de diretores e cantores, com nomes de destaque na maioria das produções, incluindo papéis menores assumidos por um conjunto soberbo de artistas em ascensão.

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O barítono Christian Gerhaher descreveu Bachler como "o príncipe da ópera"; Dmitri Tcherniakov, que dirigiu a nova produção desta temporada de Der Freischütz, de Carl Maria von Weber, chamou-o de "o rei de Munique"; e a soprano Marlis Petersen, no palco este verão [do hemisfério norte] em Salomé, comentou que ele era "o fio de Ariadne" que perpassava todas as produções.

Entre os que mais acreditam em Bachler está Petrenko, maestro de estilo monástico, avesso à publicidade, que escreveu em um e-mail que Bachler "é a prova viva de que a confiança é possível em nossa profissão".

Os dois se conheceram no fim dos anos 1990, quando Bachler estava na Volksoper, em Viena. Petrenko tinha sido recomendado por um agente e contratado como maestro assistente. Bachler ficou impressionado com seu talento e eles se tornaram um par curioso - Bachler era o rosto público carismático e Petrenko ficava feliz em deixar o trabalho falar por si.

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Se Bachler parece encantar a todos em sua órbita, isso pode vir de sua experiência como ator. (Esse é também seu palpite do motivo pelo qual obteve tanto sucesso como administrador: ele aborda o trabalho da perspectiva de um artista.) Nascido em uma família de classe média na Áustria e criado em um lar musical, desde cedo gostou de teatro.

Bachler pensou que estudaria medicina, mas, por brincadeira, se inscreveu na escola de atuação Max Reinhardt Seminar, em Viena, e foi aceito. Sua carreira como ator o levou a um teatro problemático em Berlim, no qual sugeria como as coisas poderiam melhorar. Assim, ele foi convidado para ser seu diretor artístico. "Eu disse sim porque para mim era como atuar. Meu novo papel era 'o diretor artístico'."

Mais trabalhos administrativos vieram na sequência, inclusive como líder do Festival de Viena, da Volksoper e do Burgtheater de Viena. Depois dessa distinta casa de espetáculos, ele voltou à Ópera em Munique.

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Tcherniakov afirmou que, "como um verdadeiro ator, ele virtuosamente usa diferentes máscaras para se comunicar". E Bachler acredita que ainda aborda seu trabalho dessa maneira. "Sinto que sou a último elo com Molière. Eu iria para casa e roubaria a cadeira da minha mãe se precisasse dela no palco", disse ele.

Bachler dirige a casa de ópera com um comando sutil. Observado durante a primeira semana do festival, quando seus dias de trabalho podem facilmente se estender além de 12 horas, suas reuniões eram descontraídas, mas eficientes, e nunca duravam mais que meia hora. Perambulava pelo prédio para dar uma olhada, porque, segundo ele, é melhor não esperar que surjam problemas para resolvê-los; afinal, "durante as reuniões as pessoas não fazem muitas perguntas, mas na frente do banheiro são muito mais honestas".

Antes da estreia de Tristão, ele fez um breve discurso aos doadores, e recebeu políticos e poderosos em seu camarote, cercado de champanhe e canapés durante o primeiro intervalo. Durante o segundo ato, fez uma pequena pausa no escritório; no intervalo seguinte, o diretor socializou um pouco mais.

Apesar da agenda agitada, o trabalho de Bachler pode ser solitário. Ele comentou que pensa com frequência na época em que a Alemanha venceu a Copa do Mundo. A transmissão foi acompanhada por fogos de artifício e os jogadores comemoravam - mas, então, a câmera mostrou o famoso treinador do time, Franz Beckenbauer, caminhando sozinho no campo. "Isso é exatamente o que sinto. Tenho muita proximidade com as pessoas, mas tudo gira em torno do trabalho. Tenho de aceitar isso", observou Bachler.

Ele já está trabalhando na arrecadação de fundos para sua temporada de estreia em Salzburgo. Também participou do plano de sucessão da Ópera do Estado da Baviera, inicialmente reunindo a equipe de Jurowski e Barrie Kosky, que está concluindo seu mandato na Komische Oper. No fim das contas, Kosky decidiu trabalhar como freelancer.

Sua nomeação para Salzburgo causou um pequeno escândalo no mundo da música erudita; os administradores do Festival de Páscoa trouxeram Bachler enquanto dispensavam o maestro Christian Thielemann. Os dois compartilharão as funções de liderança durante a edição de 2022. Bachler garantiu que a situação não foi tão estranha quanto as pessoas poderiam esperar: "Todas as intrigas desaparecem imediatamente quando você começa a trabalhar."

Seu impacto em Salzburgo - que coincidirá com um retorno a Viena, onde tem amigos e família - não será totalmente perceptível antes de 2023. Alguns rostos familiares aparecerão, como Kaufmann, mas ele também planeja trazer uma orquestra residente diferente a cada ano, rompendo com a tradição, além de talvez integrar a Felsenreitschule (parte central do antigo e enorme festival de verão de Salzburgo), acrescentando espetáculos de dança à programação. "Gosto da ideia de passar de uma coisa enorme para dez dias. Como construir, em tão pouco tempo, uma identidade, e o que posso fazer se me concentrar apenas nisso."

Mas, primeiro, ele ainda precisa passar por seu último Festival de Munique - incluindo outra nova produção, o Idomeneu de Mozart, e um concerto de despedida repleto de estrelas, que será transmitido ao vivo.

E Tristão. Depois que Harteros cantou o Liebestod de encerramento na estreia da nova montagem, Bachler correu para os bastidores, parabenizando os artistas entre suas reverências. Sorriu para Petrenko e os dois se abraçaram. "Foi um encerramento muito bom", Bachler sussurrou ao ouvido do maestro. "Não. Foi um ponto de virada", respondeu Petrenko.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

MUNIQUE, Alemanha - Meia hora antes da abertura de Tristão e Isolda, de Wagner, Nikolaus Bachler deu uma última volta pelos bastidores.

Bachler - que dirige a Ópera do Estado da Baviera desde 2008, período em que Munique se tornou a capital mundial da ópera tanto para os artistas como para o público - parou no camarim de sua Isolda, Anja Harteros, para perguntar se ela havia dormido bem na noite anterior. Com um tradicional "toi toi toi", ele lhe desejou boa sorte.

Nikolaus Bachler se prepara para deixar a Ópera do Estado da Baviera depois de mais de uma década de excelência artística. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times

Ele esperou para ver como estava Jonas Kaufmann, o intérprete de Tristão, porque ouviu, através da porta, o maestro Kirill Petrenko - o diretor musical da companhia durante grande parte da gestão de Bachler e um ingrediente crucial para seu sucesso - dando algumas instruções de última hora.

Em seguida, mais beijos de longe e "toi toi toi", e Bachler se sentou em seu camarote ao lado do proscênio. Olhou para a plateia, que, embora estivesse pontilhada de espaços vazios, como um tabuleiro de xadrez, para ampliar o distanciamento social, estava tão cheia quanto possível depois de um ano de fechamentos e de incertezas. As luzes diminuíram. Petrenko subiu ao pódio; fez uma breve pausa, como se estivesse orando; e gesticulou para dar início à primeira nota.

Com isso, começou o fim de uma era. A casa que Bachler construiu com Petrenko - de excelência artística, formação de carreiras e, durante a pandemia, de defesa destemida da arte - em breve passará por uma grande mudança. Tristão é a última nova produção de Petrenko, que agora é o maestro principal da Filarmônica de Berlim, e o mandato de Bachler termina com o Festival de Ópera de Munique deste ano, maratona de fim de temporada que adotou o tema agridoce "Wendende Punkte": "Pontos de Virada."

Nos próximos meses, a casa passará a ser administrada por Serge Dorny, que até pouco tempo atrás era chefe da Ópera de Lyon, na França, e ficará sob a batuta de Vladimir Jurowski. Muitos dos colegas artísticos e administrativos de Bachler vão embora. Alguns o acompanharão em seu novo cargo de diretor do Festival de Páscoa de Salzburgo.

"Agora estamos olhando para um futuro que ainda não está escrito em pedra, por assim dizer. Você vê a lista de estrelas internacionais - em comparação não apenas com a história desta casa, mas com a de outras casas desta categoria - e Bachler de alguma forma a transformou em um lar do qual todos desejavam fazer parte", disse Kaufmann.

O público também estava ansioso. Antes da pandemia, as vendas de ingressos da Ópera giravam em torno de 98% da capacidade total. Wolfgang Heubisch, ministro da Cultura da Baviera durante os primeiros anos de Bachler em Munique, declarou que a Ópera era um importante contribuinte para a economia da cidade e que o público estava sempre entusiasmado com a próxima apresentação. (A Ópera é apoiada por extravagantes subsídios do governo, que chegaram, em 2019, ao valor de 71,8 milhões de euros, ou US$ 85,2 milhões - quase dois terços de seu orçamento.) "Você pode resumir isso tudo em poucas palavras. Nikolaus Bachler foi um verdadeiro golpe de sorte para Munique e para a Ópera Estatal", acrescentou Heubisch.

É raro o líder de uma companhia de ópera ser descrito nesses termos. Em Paris e Nova York, por exemplo, tais gestores têm sido criticados abertamente por colegas e envolvidos em disputas trabalhistas. Em outros lugares, podem ser respeitados, mas raramente são descritos com a linguagem amorosa que cantores, diretores e colegas usam para falar de Bachler. Contudo, ele está confiante em que é hora de mudar. "Não se deve ficar muito tempo no mesmo lugar. Recebi muitas ofertas para trabalhar em outras casas de ópera, mas eu tinha certeza de que não deveria entrar em outra instituição desse porte", afirmou Bachler, que já fez 70 anos, mas tem a aparência e a energia de alguém muito mais jovem.

Na noite de estreia de 'Tristão e Isolda', a casa de óperas só tinha metade dos assentos ocupados por conta das medidas de segurança contra a covid. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times

Com sua partida, Bachler pode olhar para trás e ver suas conquistas sem sentir que acabou preso à rotina, o que ele considera ser "contrário à arte". Orgulha-se de sua insistência em unir o prestígio de diretores e cantores, com nomes de destaque na maioria das produções, incluindo papéis menores assumidos por um conjunto soberbo de artistas em ascensão.

O barítono Christian Gerhaher descreveu Bachler como "o príncipe da ópera"; Dmitri Tcherniakov, que dirigiu a nova produção desta temporada de Der Freischütz, de Carl Maria von Weber, chamou-o de "o rei de Munique"; e a soprano Marlis Petersen, no palco este verão [do hemisfério norte] em Salomé, comentou que ele era "o fio de Ariadne" que perpassava todas as produções.

Entre os que mais acreditam em Bachler está Petrenko, maestro de estilo monástico, avesso à publicidade, que escreveu em um e-mail que Bachler "é a prova viva de que a confiança é possível em nossa profissão".

Os dois se conheceram no fim dos anos 1990, quando Bachler estava na Volksoper, em Viena. Petrenko tinha sido recomendado por um agente e contratado como maestro assistente. Bachler ficou impressionado com seu talento e eles se tornaram um par curioso - Bachler era o rosto público carismático e Petrenko ficava feliz em deixar o trabalho falar por si.

Se Bachler parece encantar a todos em sua órbita, isso pode vir de sua experiência como ator. (Esse é também seu palpite do motivo pelo qual obteve tanto sucesso como administrador: ele aborda o trabalho da perspectiva de um artista.) Nascido em uma família de classe média na Áustria e criado em um lar musical, desde cedo gostou de teatro.

Bachler pensou que estudaria medicina, mas, por brincadeira, se inscreveu na escola de atuação Max Reinhardt Seminar, em Viena, e foi aceito. Sua carreira como ator o levou a um teatro problemático em Berlim, no qual sugeria como as coisas poderiam melhorar. Assim, ele foi convidado para ser seu diretor artístico. "Eu disse sim porque para mim era como atuar. Meu novo papel era 'o diretor artístico'."

Mais trabalhos administrativos vieram na sequência, inclusive como líder do Festival de Viena, da Volksoper e do Burgtheater de Viena. Depois dessa distinta casa de espetáculos, ele voltou à Ópera em Munique.

Tcherniakov afirmou que, "como um verdadeiro ator, ele virtuosamente usa diferentes máscaras para se comunicar". E Bachler acredita que ainda aborda seu trabalho dessa maneira. "Sinto que sou a último elo com Molière. Eu iria para casa e roubaria a cadeira da minha mãe se precisasse dela no palco", disse ele.

Bachler dirige a casa de ópera com um comando sutil. Observado durante a primeira semana do festival, quando seus dias de trabalho podem facilmente se estender além de 12 horas, suas reuniões eram descontraídas, mas eficientes, e nunca duravam mais que meia hora. Perambulava pelo prédio para dar uma olhada, porque, segundo ele, é melhor não esperar que surjam problemas para resolvê-los; afinal, "durante as reuniões as pessoas não fazem muitas perguntas, mas na frente do banheiro são muito mais honestas".

Antes da estreia de Tristão, ele fez um breve discurso aos doadores, e recebeu políticos e poderosos em seu camarote, cercado de champanhe e canapés durante o primeiro intervalo. Durante o segundo ato, fez uma pequena pausa no escritório; no intervalo seguinte, o diretor socializou um pouco mais.

Apesar da agenda agitada, o trabalho de Bachler pode ser solitário. Ele comentou que pensa com frequência na época em que a Alemanha venceu a Copa do Mundo. A transmissão foi acompanhada por fogos de artifício e os jogadores comemoravam - mas, então, a câmera mostrou o famoso treinador do time, Franz Beckenbauer, caminhando sozinho no campo. "Isso é exatamente o que sinto. Tenho muita proximidade com as pessoas, mas tudo gira em torno do trabalho. Tenho de aceitar isso", observou Bachler.

Ele já está trabalhando na arrecadação de fundos para sua temporada de estreia em Salzburgo. Também participou do plano de sucessão da Ópera do Estado da Baviera, inicialmente reunindo a equipe de Jurowski e Barrie Kosky, que está concluindo seu mandato na Komische Oper. No fim das contas, Kosky decidiu trabalhar como freelancer.

Sua nomeação para Salzburgo causou um pequeno escândalo no mundo da música erudita; os administradores do Festival de Páscoa trouxeram Bachler enquanto dispensavam o maestro Christian Thielemann. Os dois compartilharão as funções de liderança durante a edição de 2022. Bachler garantiu que a situação não foi tão estranha quanto as pessoas poderiam esperar: "Todas as intrigas desaparecem imediatamente quando você começa a trabalhar."

Seu impacto em Salzburgo - que coincidirá com um retorno a Viena, onde tem amigos e família - não será totalmente perceptível antes de 2023. Alguns rostos familiares aparecerão, como Kaufmann, mas ele também planeja trazer uma orquestra residente diferente a cada ano, rompendo com a tradição, além de talvez integrar a Felsenreitschule (parte central do antigo e enorme festival de verão de Salzburgo), acrescentando espetáculos de dança à programação. "Gosto da ideia de passar de uma coisa enorme para dez dias. Como construir, em tão pouco tempo, uma identidade, e o que posso fazer se me concentrar apenas nisso."

Mas, primeiro, ele ainda precisa passar por seu último Festival de Munique - incluindo outra nova produção, o Idomeneu de Mozart, e um concerto de despedida repleto de estrelas, que será transmitido ao vivo.

E Tristão. Depois que Harteros cantou o Liebestod de encerramento na estreia da nova montagem, Bachler correu para os bastidores, parabenizando os artistas entre suas reverências. Sorriu para Petrenko e os dois se abraçaram. "Foi um encerramento muito bom", Bachler sussurrou ao ouvido do maestro. "Não. Foi um ponto de virada", respondeu Petrenko.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

MUNIQUE, Alemanha - Meia hora antes da abertura de Tristão e Isolda, de Wagner, Nikolaus Bachler deu uma última volta pelos bastidores.

Bachler - que dirige a Ópera do Estado da Baviera desde 2008, período em que Munique se tornou a capital mundial da ópera tanto para os artistas como para o público - parou no camarim de sua Isolda, Anja Harteros, para perguntar se ela havia dormido bem na noite anterior. Com um tradicional "toi toi toi", ele lhe desejou boa sorte.

Nikolaus Bachler se prepara para deixar a Ópera do Estado da Baviera depois de mais de uma década de excelência artística. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times

Ele esperou para ver como estava Jonas Kaufmann, o intérprete de Tristão, porque ouviu, através da porta, o maestro Kirill Petrenko - o diretor musical da companhia durante grande parte da gestão de Bachler e um ingrediente crucial para seu sucesso - dando algumas instruções de última hora.

Em seguida, mais beijos de longe e "toi toi toi", e Bachler se sentou em seu camarote ao lado do proscênio. Olhou para a plateia, que, embora estivesse pontilhada de espaços vazios, como um tabuleiro de xadrez, para ampliar o distanciamento social, estava tão cheia quanto possível depois de um ano de fechamentos e de incertezas. As luzes diminuíram. Petrenko subiu ao pódio; fez uma breve pausa, como se estivesse orando; e gesticulou para dar início à primeira nota.

Com isso, começou o fim de uma era. A casa que Bachler construiu com Petrenko - de excelência artística, formação de carreiras e, durante a pandemia, de defesa destemida da arte - em breve passará por uma grande mudança. Tristão é a última nova produção de Petrenko, que agora é o maestro principal da Filarmônica de Berlim, e o mandato de Bachler termina com o Festival de Ópera de Munique deste ano, maratona de fim de temporada que adotou o tema agridoce "Wendende Punkte": "Pontos de Virada."

Nos próximos meses, a casa passará a ser administrada por Serge Dorny, que até pouco tempo atrás era chefe da Ópera de Lyon, na França, e ficará sob a batuta de Vladimir Jurowski. Muitos dos colegas artísticos e administrativos de Bachler vão embora. Alguns o acompanharão em seu novo cargo de diretor do Festival de Páscoa de Salzburgo.

"Agora estamos olhando para um futuro que ainda não está escrito em pedra, por assim dizer. Você vê a lista de estrelas internacionais - em comparação não apenas com a história desta casa, mas com a de outras casas desta categoria - e Bachler de alguma forma a transformou em um lar do qual todos desejavam fazer parte", disse Kaufmann.

O público também estava ansioso. Antes da pandemia, as vendas de ingressos da Ópera giravam em torno de 98% da capacidade total. Wolfgang Heubisch, ministro da Cultura da Baviera durante os primeiros anos de Bachler em Munique, declarou que a Ópera era um importante contribuinte para a economia da cidade e que o público estava sempre entusiasmado com a próxima apresentação. (A Ópera é apoiada por extravagantes subsídios do governo, que chegaram, em 2019, ao valor de 71,8 milhões de euros, ou US$ 85,2 milhões - quase dois terços de seu orçamento.) "Você pode resumir isso tudo em poucas palavras. Nikolaus Bachler foi um verdadeiro golpe de sorte para Munique e para a Ópera Estatal", acrescentou Heubisch.

É raro o líder de uma companhia de ópera ser descrito nesses termos. Em Paris e Nova York, por exemplo, tais gestores têm sido criticados abertamente por colegas e envolvidos em disputas trabalhistas. Em outros lugares, podem ser respeitados, mas raramente são descritos com a linguagem amorosa que cantores, diretores e colegas usam para falar de Bachler. Contudo, ele está confiante em que é hora de mudar. "Não se deve ficar muito tempo no mesmo lugar. Recebi muitas ofertas para trabalhar em outras casas de ópera, mas eu tinha certeza de que não deveria entrar em outra instituição desse porte", afirmou Bachler, que já fez 70 anos, mas tem a aparência e a energia de alguém muito mais jovem.

Na noite de estreia de 'Tristão e Isolda', a casa de óperas só tinha metade dos assentos ocupados por conta das medidas de segurança contra a covid. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times

Com sua partida, Bachler pode olhar para trás e ver suas conquistas sem sentir que acabou preso à rotina, o que ele considera ser "contrário à arte". Orgulha-se de sua insistência em unir o prestígio de diretores e cantores, com nomes de destaque na maioria das produções, incluindo papéis menores assumidos por um conjunto soberbo de artistas em ascensão.

O barítono Christian Gerhaher descreveu Bachler como "o príncipe da ópera"; Dmitri Tcherniakov, que dirigiu a nova produção desta temporada de Der Freischütz, de Carl Maria von Weber, chamou-o de "o rei de Munique"; e a soprano Marlis Petersen, no palco este verão [do hemisfério norte] em Salomé, comentou que ele era "o fio de Ariadne" que perpassava todas as produções.

Entre os que mais acreditam em Bachler está Petrenko, maestro de estilo monástico, avesso à publicidade, que escreveu em um e-mail que Bachler "é a prova viva de que a confiança é possível em nossa profissão".

Os dois se conheceram no fim dos anos 1990, quando Bachler estava na Volksoper, em Viena. Petrenko tinha sido recomendado por um agente e contratado como maestro assistente. Bachler ficou impressionado com seu talento e eles se tornaram um par curioso - Bachler era o rosto público carismático e Petrenko ficava feliz em deixar o trabalho falar por si.

Se Bachler parece encantar a todos em sua órbita, isso pode vir de sua experiência como ator. (Esse é também seu palpite do motivo pelo qual obteve tanto sucesso como administrador: ele aborda o trabalho da perspectiva de um artista.) Nascido em uma família de classe média na Áustria e criado em um lar musical, desde cedo gostou de teatro.

Bachler pensou que estudaria medicina, mas, por brincadeira, se inscreveu na escola de atuação Max Reinhardt Seminar, em Viena, e foi aceito. Sua carreira como ator o levou a um teatro problemático em Berlim, no qual sugeria como as coisas poderiam melhorar. Assim, ele foi convidado para ser seu diretor artístico. "Eu disse sim porque para mim era como atuar. Meu novo papel era 'o diretor artístico'."

Mais trabalhos administrativos vieram na sequência, inclusive como líder do Festival de Viena, da Volksoper e do Burgtheater de Viena. Depois dessa distinta casa de espetáculos, ele voltou à Ópera em Munique.

Tcherniakov afirmou que, "como um verdadeiro ator, ele virtuosamente usa diferentes máscaras para se comunicar". E Bachler acredita que ainda aborda seu trabalho dessa maneira. "Sinto que sou a último elo com Molière. Eu iria para casa e roubaria a cadeira da minha mãe se precisasse dela no palco", disse ele.

Bachler dirige a casa de ópera com um comando sutil. Observado durante a primeira semana do festival, quando seus dias de trabalho podem facilmente se estender além de 12 horas, suas reuniões eram descontraídas, mas eficientes, e nunca duravam mais que meia hora. Perambulava pelo prédio para dar uma olhada, porque, segundo ele, é melhor não esperar que surjam problemas para resolvê-los; afinal, "durante as reuniões as pessoas não fazem muitas perguntas, mas na frente do banheiro são muito mais honestas".

Antes da estreia de Tristão, ele fez um breve discurso aos doadores, e recebeu políticos e poderosos em seu camarote, cercado de champanhe e canapés durante o primeiro intervalo. Durante o segundo ato, fez uma pequena pausa no escritório; no intervalo seguinte, o diretor socializou um pouco mais.

Apesar da agenda agitada, o trabalho de Bachler pode ser solitário. Ele comentou que pensa com frequência na época em que a Alemanha venceu a Copa do Mundo. A transmissão foi acompanhada por fogos de artifício e os jogadores comemoravam - mas, então, a câmera mostrou o famoso treinador do time, Franz Beckenbauer, caminhando sozinho no campo. "Isso é exatamente o que sinto. Tenho muita proximidade com as pessoas, mas tudo gira em torno do trabalho. Tenho de aceitar isso", observou Bachler.

Ele já está trabalhando na arrecadação de fundos para sua temporada de estreia em Salzburgo. Também participou do plano de sucessão da Ópera do Estado da Baviera, inicialmente reunindo a equipe de Jurowski e Barrie Kosky, que está concluindo seu mandato na Komische Oper. No fim das contas, Kosky decidiu trabalhar como freelancer.

Sua nomeação para Salzburgo causou um pequeno escândalo no mundo da música erudita; os administradores do Festival de Páscoa trouxeram Bachler enquanto dispensavam o maestro Christian Thielemann. Os dois compartilharão as funções de liderança durante a edição de 2022. Bachler garantiu que a situação não foi tão estranha quanto as pessoas poderiam esperar: "Todas as intrigas desaparecem imediatamente quando você começa a trabalhar."

Seu impacto em Salzburgo - que coincidirá com um retorno a Viena, onde tem amigos e família - não será totalmente perceptível antes de 2023. Alguns rostos familiares aparecerão, como Kaufmann, mas ele também planeja trazer uma orquestra residente diferente a cada ano, rompendo com a tradição, além de talvez integrar a Felsenreitschule (parte central do antigo e enorme festival de verão de Salzburgo), acrescentando espetáculos de dança à programação. "Gosto da ideia de passar de uma coisa enorme para dez dias. Como construir, em tão pouco tempo, uma identidade, e o que posso fazer se me concentrar apenas nisso."

Mas, primeiro, ele ainda precisa passar por seu último Festival de Munique - incluindo outra nova produção, o Idomeneu de Mozart, e um concerto de despedida repleto de estrelas, que será transmitido ao vivo.

E Tristão. Depois que Harteros cantou o Liebestod de encerramento na estreia da nova montagem, Bachler correu para os bastidores, parabenizando os artistas entre suas reverências. Sorriu para Petrenko e os dois se abraçaram. "Foi um encerramento muito bom", Bachler sussurrou ao ouvido do maestro. "Não. Foi um ponto de virada", respondeu Petrenko.

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