Em 1972, em um dos primeiros achados da arqueologia marinha, alguns pesquisadores descobriram um tesouro de bonecos de argila no fundo do mar, ao largo da costa de Israel. As obras - centenas delas - estavam acompanhadas por jarros de cerâmica, e logo se conjeturou que poderia se tratar dos restos de um naufrágio fenício, depositados sob o Mediterrâneo por 2.500 anos. Os artefatos nunca foram analisados profundamente em um estudo científico; foram arquivados e, na maior parte, esquecidos por dezenas de anos.
Mas uma nova análise de Meir Edrey, um arqueólogo do Instituto Leon Recanati de Estudos Marítimos da Universidade de Haifa, em Israel, e dos seus colegas, indica que os objetos não foram depositados de uma vez em um naufrágio. Ao contrário, foram se acumulando por aproximadamente 400 anos, entre os séculos 7 e 3 A.C. em uma série de oferendas votivas, como parte de um culto destinado à navegação e à fertilidade.
“Estas, a maioria delas, apresentam atributos relacionados à fertilidade, à gravidez e ao parto”, explicou Edrey. Os antigos fenícios eram navegadores dedicados ao comércio, que se estendeu por todo o Mediterrâneo. Suas primeiras cidades-estados surgiram há cerca de 5 mil anos, e a sua cultura atingiu o ápice durante o milênio anterior à derrota de Cartago por Roma, em 146 A.C. Nos anos 1970, vários objetos fenícios começaram a aparecer no mercado ilícito de antiguidades.
Na época, os pesquisadores chegaram até o vendedor e o persuadiram a revelar a fonte; os detalhes levaram à descoberta de centenas de objetos e ânforas, ou jarros de argila, em um sítio chamado Shavei Zion, ao largo da costa da Galileia ocidental. Os objetos foram atribuídos a um naufrágio datado do século 6, A.C. Mas a equipe de Edrey examinou milhares de fragmentos de cerâmica e descobriu que eram muito diferentes entre si em termos de estilo.
Esta variação indica que os potes vieram de diferentes períodos de tempo, sugerindo que o sítio não era o resultado de um único evento. “Estou totalmente convencida de que a sua compreensão deste sítio está correta”, afirmou Helen Dixon, historiadora da East Carolina University que não participou d estudo recente, mas fez alguns trabalhos sobre os primeiros achados em Shavei Zion como parte da sua pesquisa de doutorado. “Eles estão sendo cautelosos e científicos, mas eu estou convencida”.
Ela observou que as ânforas espalhadas em Shavei Zion contrastavam com as de naufrágios encontrados ao largo da costa de Malta, que têm potes semelhantes deitados de uma maneira ordenada. Edrey e a equipe também estudaram mais de 300 artefatos que se coadunavam com temas variados.
Muitas tinham símbolos associados a Tanit, uma deusa do panteão fenício – e a principal deusa de Cartago no século 5 A.C. Outras traziam símbolos de golfinhos, também associados a Tanit, enquanto alguns objetos representavam uma mulher grávida carregando uma criança. “Tanit era a deusa mãe do panteão”, disse Aaron Brody, diretor do Museu Badè na Pacific School of Religion; ele publicou uma obra sobre a religião fenícia, mas não participou do estudo recente. “Ela foi literalmente a mãe dos deuses”.
Edrey especulou que os praticantes do culto da fertilidade vinham para esta área periodicamente para lançar oferendas no mar. Os objetos podem representar pessoas simples, e jogá-las no mar pode significar uma espécie de sacrifício que substituía a coisa real, ele disse. Em alguns, a mão direita está erguida, e a esquerda está embaixo da boca.
Isto pode indicar algum voto em troca de um favor divino, como uma viagem segura, disse Edrey, o que era particularmente importante para os navegantes fenícios. “Os objetos constituem de certo modo uma ponte entre o mundo terreno e o divino”, afirmou Brody. O conhecimento de Tanit e da religião fenícia é limitado, porque a maioria dos papiros do período não sobreviveu. No entanto, disse Dixon, as de Shavei Zion se somam ao que os pesquisadores aprenderam de objetos semelhantes encontradas em túmulos.
“Do mesmo modo que elas podem ser parte de um ritual que persiste em uma parte perigosa do mar, também podem fazer parte de um sepultamento, preparando para a viagem na vida após a morte”, afirmou. “Todos os dias os navegantes deixavam um registro ao longo do tempo, mão por uma ordem do rei. Há algo de romântico e belo nisto – uma pedra de toque de pessoas comuns que viveram no passado”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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