Nos EUA, além da tecnologia, uma profissão ajuda a detectar queimadas: o observador de incêndio


As autoridades dizem que o futuro da detecção de incêndios florestais são as câmeras, mas humanos solitários no topo das montanhas ainda fazem mais do que as máquinas sozinhas podem oferecer

Por Raymond Zhong

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Se, num dia quente e seco, um incêndio ocorrer numa certa área de 300.000 acres do noroeste de Montana, numa extensão do interior entre a crista da Cordilheira Whitefish e os picos esculpidos por geleiras que abraçam a Divisão Continental, há boas chances de que Leif Haugen seja a primeira pessoa na Terra a vê-lo.

Durante quase uma hora, ele pode ser a única pessoa.

Leif Haugen com seu café da manhã no posto de observação Thoma na Flathead National Forest, Mont. Foto: Mark Felix/The New York Times
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Haugen trabalhou durante mais de metade dos seus 52 anos como vigia de incêndios, examinando a região selvagem de lariços e pinheiros a partir de uma cabana de um cômodo no topo de uma montanha. Sozinho a maior parte do tempo, exceto por seus pensamentos, seu vira-lata, Ollie, e pelo ocasional barulho de vozes no rádio, ele faz parte de um grupo nacional de observadores profissionais que, como faroleiros, ficam em guarda solitária entre a civilização e os caprichos indiferentes da natureza.

Cada vez mais, ele também se encontra numa outra divisão: entre empregos humanos e automação. À medida que os gestores de terras procuram novas ferramentas para lidar com a ameaça de incêndios florestais catastróficos, que está aumentando no Ocidente à medida que o planeta aquece e os americanos constroem mais casas perto de florestas cobertas de vegetação e outros locais vulneráveis, os dias dos vigias podem estar contados.

O chefe do Serviço Florestal dos EUA, Randy Moore, disse aos legisladores em março que a agência estava se afastando dos humanos nas torres de vigilância. O futuro da detecção de incêndio, disse ele, são as câmeras. “Precisamos nos voltar muito mais para a área de tecnologia”, disse ele.

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Um porta-voz, Scott Owen, recusou-se a dizer se o Serviço Florestal tinha planos específicos para reduzir o número de vigias. Porém, os seus postos já estão consideravelmente reduzidos em relação a antes da Segunda Guerra Mundial, quando milhares de guardas florestais estavam posicionados nos topos das colinas como soldados da linha da frente na guerra total contra o fogo da jovem agência.

Hoje, o serviço conta com apenas 71 postos de vigias em Washington e Oregon; 59 na Califórnia; e 52 em Montana, norte de Idaho e noroeste de Wyoming, disse Owen. Em todo o país, incluindo mirantes administrados por outras agências federais, estaduais e locais, talvez 300 estejam operantes, segundo Gary Weber, tesoureiro da Forest Fire Lookout Association, um grupo de preservação. Dos outros que ainda estão de pé, muitos são agora alojamentos para férias.

Andy Huntsberger, oficial distrital de combate a incêndios em Flathead. Desde 1998, o número de vigias com pessoal em Glacier e Flathead cresceu de cinco para 12. Foto: Mark Felix/The New York Times
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E, no entanto, como dirão as autoridades do noroeste de Montana, há razões pelas quais esses vigias não estão prontos para desaparecer dos livros de história. Não completamente. Ainda não.

Pois o trabalho de Haugen não é apenas localizar incêndios, embora ele diga que pode fazê-lo numa gama mais ampla de condições do que os helicópteros (que não podem pairar com segurança durante tempestades), mais precisamente em alguns casos do que os aviões (que não conseguem manobrar facilmente em vales estreitos) e às vezes com mais precisão do que os satélites (que podem confundir rochas aquecidas pelo sol com incêndios).

Ele também transmite mensagens entre operadores e bombeiros em desfiladeiros onde as montanhas bloqueiam sinais de rádio e celulares. Ele rastreia as mudanças climáticas locais que afetam a forma como os incêndios se comportam e se movem. E ele serve como vigilância de segurança para as equipes em terra, alertando-as sobre incêndios que possam surgir em seu caminho e planejando rotas de fuga. Cinquenta por cento de seu trabalho, disse ele, ocorre quando a resposta ao incêndio está em andamento.

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“Um ser humano no topo de uma montanha pode fornecer muito mais do que uma peça de tecnologia”, disse Jeremy Harker, responsável pela gestão de incêndios do Parque Nacional Glacier, um trecho que Haugen examina a partir de sua posição na vizinha Floresta Nacional Flathead.

Apesar do incêndio mortal de agosto em Maui, esta temporada de incêndios até agora foi a mais moderada do país em uma década. O tempo chuvoso reduziu os riscos em grande parte da Califórnia, embora não nas florestas mais ao norte, onde grandes incêndios ocorreram nas últimas semanas. O Alasca teve sua temporada mais calma já registrada, até que um raio provocou uma série de incêndios no final de julho. Os incêndios destruíram casas e provocaram evacuações em Washington e Oregon.

Os incêndios florestais ocorrem em terrenos vastos e difíceis, em condições que mudam rapidamente e com uma quantidade assustadora de probabilidades aleatórias. Em lugares como Glacier, as autoridades não apenas apagam o fogo. Elas devem decidir, às vezes de hora em hora, se deixar um fogo queimar pode trazer benefícios ecológicos ou se está ameaçando vidas e propriedades suficientes para justificar colocar os bombeiros em risco.

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Inez Love, voluntária, no Cyclone Lookout.  Foto: Mark Felix/The New York Times

A nova tecnologia ajuda nessas decisões, disse Andy Huntsberger, oficial distrital de gerenciamento de incêndios em Flathead. Mas “isso não substitui o elemento humano”, disse ele. Desde 1998, o número de postos com pessoal em Glacier e Flathead aumentou de cinco para 12.

Ninguém duvida que as câmeras estão cada vez melhores na tarefa mecânica básica de detectar fumaça. A Califórnia tem uma rede de mais de 1.000 câmeras de monitoramento de incêndio e conjuntos de sensores, e está aumentando-os com inteligência artificial.

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A Douglas Forest Protective Association, que lida com o combate a incêndios em 1,6 milhão de acres de terras privadas e governamentais no sudoeste do Oregon, substituiu os seus oito postos com vigias por um sistema de câmeras desenvolvido pela FireWeb, uma empresa na África do Sul. A agência agora emprega seis pessoas para monitorar as transmissões de 36 câmeras entre 8h e 21h diariamente durante a temporada de incêndios.

Os cientistas também estão melhorando o monitoramento de incêndios florestais a partir do espaço, embora os satélites ainda tenham grandes limitações.

Os principais orbitadores de observação de incêndios usados pela NASA e pelo Serviço Florestal observam o mesmo local nos Estados Unidos contíguos apenas algumas vezes por dia, e nem sempre em um grande ângulo. Portanto, mesmo depois de um incêndio ser grande o suficiente para ser detectado, pode levar de três a 12 horas até que um satélite o veja e os dados sejam processados, disse Louis Giglio, professor de ciências geográficas da Universidade de Maryland que trabalha com a NASA no monitoramento de incêndios por satélite.

Os satélites meteorológicos situados acima da mesma região da Terra conseguem localizar pontos quentes mais rapidamente, mas nem sempre conseguem distinguir um pequeno incêndio de, digamos, uma rocha quente. E funcionam melhor em terras abertas e cheias de arbustos, como as do sul da Califórnia, do que em florestas densas como as do noroeste de Montana, onde as copas das árvores podem obscurecer um incêndio latente durante dias, disse Ryan Leach, meteorologista do Serviço Meteorológico Nacional em Missoula, Montana.

Cavalos e mulas trazendo suprimentos para o Mirante Swiftcurrent no Parque Nacional Glacier. Foto: Mark Felix

Os vigias humanos, no entanto, podem ver a fumaça muito mais cedo. “Eles podem observar incêndios mais rapidamente do que os satélites e detectá-los quando são menores, menos perigosos e mais fáceis de apagar”, disse Leach.

O local de Leif Haugen em Thoma Lookout é o mais simples possível. A exceção flagrante (e como poderia ser de outra forma?) é a vista, um panorama fascinante da região da Coroa do Continente.

Sua cabine, a 7.104 pés de altitude, ou pouco menos de 2.200 metros, está fora da rede e não tem água corrente. Há janelas por todos os lados, uma alidade para medir ângulos e cópias bem manuseadas de Moby Dick e Border Trilogy, de Cormac McCarthy.

Às vezes, Haugen cozinha burritos em um forno a gás propano que, se ficar ligado por mais de alguns minutos, faz com que todo o lugar cheire a urina de rato.

“É preciso um certo tipo de pessoa” para ser um vigia, disse ele numa noite recente, sentado do lado de fora de sua cabana enquanto as nuvens deixavam rastros fantasmagóricos de virga sobre o vale. “Muitas pessoas pensam: ‘Oh, eu poderia fazer isso’. E elas fazem isso por um ano e desaparecem.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Se, num dia quente e seco, um incêndio ocorrer numa certa área de 300.000 acres do noroeste de Montana, numa extensão do interior entre a crista da Cordilheira Whitefish e os picos esculpidos por geleiras que abraçam a Divisão Continental, há boas chances de que Leif Haugen seja a primeira pessoa na Terra a vê-lo.

Durante quase uma hora, ele pode ser a única pessoa.

Leif Haugen com seu café da manhã no posto de observação Thoma na Flathead National Forest, Mont. Foto: Mark Felix/The New York Times

Haugen trabalhou durante mais de metade dos seus 52 anos como vigia de incêndios, examinando a região selvagem de lariços e pinheiros a partir de uma cabana de um cômodo no topo de uma montanha. Sozinho a maior parte do tempo, exceto por seus pensamentos, seu vira-lata, Ollie, e pelo ocasional barulho de vozes no rádio, ele faz parte de um grupo nacional de observadores profissionais que, como faroleiros, ficam em guarda solitária entre a civilização e os caprichos indiferentes da natureza.

Cada vez mais, ele também se encontra numa outra divisão: entre empregos humanos e automação. À medida que os gestores de terras procuram novas ferramentas para lidar com a ameaça de incêndios florestais catastróficos, que está aumentando no Ocidente à medida que o planeta aquece e os americanos constroem mais casas perto de florestas cobertas de vegetação e outros locais vulneráveis, os dias dos vigias podem estar contados.

O chefe do Serviço Florestal dos EUA, Randy Moore, disse aos legisladores em março que a agência estava se afastando dos humanos nas torres de vigilância. O futuro da detecção de incêndio, disse ele, são as câmeras. “Precisamos nos voltar muito mais para a área de tecnologia”, disse ele.

Um porta-voz, Scott Owen, recusou-se a dizer se o Serviço Florestal tinha planos específicos para reduzir o número de vigias. Porém, os seus postos já estão consideravelmente reduzidos em relação a antes da Segunda Guerra Mundial, quando milhares de guardas florestais estavam posicionados nos topos das colinas como soldados da linha da frente na guerra total contra o fogo da jovem agência.

Hoje, o serviço conta com apenas 71 postos de vigias em Washington e Oregon; 59 na Califórnia; e 52 em Montana, norte de Idaho e noroeste de Wyoming, disse Owen. Em todo o país, incluindo mirantes administrados por outras agências federais, estaduais e locais, talvez 300 estejam operantes, segundo Gary Weber, tesoureiro da Forest Fire Lookout Association, um grupo de preservação. Dos outros que ainda estão de pé, muitos são agora alojamentos para férias.

Andy Huntsberger, oficial distrital de combate a incêndios em Flathead. Desde 1998, o número de vigias com pessoal em Glacier e Flathead cresceu de cinco para 12. Foto: Mark Felix/The New York Times

E, no entanto, como dirão as autoridades do noroeste de Montana, há razões pelas quais esses vigias não estão prontos para desaparecer dos livros de história. Não completamente. Ainda não.

Pois o trabalho de Haugen não é apenas localizar incêndios, embora ele diga que pode fazê-lo numa gama mais ampla de condições do que os helicópteros (que não podem pairar com segurança durante tempestades), mais precisamente em alguns casos do que os aviões (que não conseguem manobrar facilmente em vales estreitos) e às vezes com mais precisão do que os satélites (que podem confundir rochas aquecidas pelo sol com incêndios).

Ele também transmite mensagens entre operadores e bombeiros em desfiladeiros onde as montanhas bloqueiam sinais de rádio e celulares. Ele rastreia as mudanças climáticas locais que afetam a forma como os incêndios se comportam e se movem. E ele serve como vigilância de segurança para as equipes em terra, alertando-as sobre incêndios que possam surgir em seu caminho e planejando rotas de fuga. Cinquenta por cento de seu trabalho, disse ele, ocorre quando a resposta ao incêndio está em andamento.

“Um ser humano no topo de uma montanha pode fornecer muito mais do que uma peça de tecnologia”, disse Jeremy Harker, responsável pela gestão de incêndios do Parque Nacional Glacier, um trecho que Haugen examina a partir de sua posição na vizinha Floresta Nacional Flathead.

Apesar do incêndio mortal de agosto em Maui, esta temporada de incêndios até agora foi a mais moderada do país em uma década. O tempo chuvoso reduziu os riscos em grande parte da Califórnia, embora não nas florestas mais ao norte, onde grandes incêndios ocorreram nas últimas semanas. O Alasca teve sua temporada mais calma já registrada, até que um raio provocou uma série de incêndios no final de julho. Os incêndios destruíram casas e provocaram evacuações em Washington e Oregon.

Os incêndios florestais ocorrem em terrenos vastos e difíceis, em condições que mudam rapidamente e com uma quantidade assustadora de probabilidades aleatórias. Em lugares como Glacier, as autoridades não apenas apagam o fogo. Elas devem decidir, às vezes de hora em hora, se deixar um fogo queimar pode trazer benefícios ecológicos ou se está ameaçando vidas e propriedades suficientes para justificar colocar os bombeiros em risco.

Inez Love, voluntária, no Cyclone Lookout.  Foto: Mark Felix/The New York Times

A nova tecnologia ajuda nessas decisões, disse Andy Huntsberger, oficial distrital de gerenciamento de incêndios em Flathead. Mas “isso não substitui o elemento humano”, disse ele. Desde 1998, o número de postos com pessoal em Glacier e Flathead aumentou de cinco para 12.

Ninguém duvida que as câmeras estão cada vez melhores na tarefa mecânica básica de detectar fumaça. A Califórnia tem uma rede de mais de 1.000 câmeras de monitoramento de incêndio e conjuntos de sensores, e está aumentando-os com inteligência artificial.

A Douglas Forest Protective Association, que lida com o combate a incêndios em 1,6 milhão de acres de terras privadas e governamentais no sudoeste do Oregon, substituiu os seus oito postos com vigias por um sistema de câmeras desenvolvido pela FireWeb, uma empresa na África do Sul. A agência agora emprega seis pessoas para monitorar as transmissões de 36 câmeras entre 8h e 21h diariamente durante a temporada de incêndios.

Os cientistas também estão melhorando o monitoramento de incêndios florestais a partir do espaço, embora os satélites ainda tenham grandes limitações.

Os principais orbitadores de observação de incêndios usados pela NASA e pelo Serviço Florestal observam o mesmo local nos Estados Unidos contíguos apenas algumas vezes por dia, e nem sempre em um grande ângulo. Portanto, mesmo depois de um incêndio ser grande o suficiente para ser detectado, pode levar de três a 12 horas até que um satélite o veja e os dados sejam processados, disse Louis Giglio, professor de ciências geográficas da Universidade de Maryland que trabalha com a NASA no monitoramento de incêndios por satélite.

Os satélites meteorológicos situados acima da mesma região da Terra conseguem localizar pontos quentes mais rapidamente, mas nem sempre conseguem distinguir um pequeno incêndio de, digamos, uma rocha quente. E funcionam melhor em terras abertas e cheias de arbustos, como as do sul da Califórnia, do que em florestas densas como as do noroeste de Montana, onde as copas das árvores podem obscurecer um incêndio latente durante dias, disse Ryan Leach, meteorologista do Serviço Meteorológico Nacional em Missoula, Montana.

Cavalos e mulas trazendo suprimentos para o Mirante Swiftcurrent no Parque Nacional Glacier. Foto: Mark Felix

Os vigias humanos, no entanto, podem ver a fumaça muito mais cedo. “Eles podem observar incêndios mais rapidamente do que os satélites e detectá-los quando são menores, menos perigosos e mais fáceis de apagar”, disse Leach.

O local de Leif Haugen em Thoma Lookout é o mais simples possível. A exceção flagrante (e como poderia ser de outra forma?) é a vista, um panorama fascinante da região da Coroa do Continente.

Sua cabine, a 7.104 pés de altitude, ou pouco menos de 2.200 metros, está fora da rede e não tem água corrente. Há janelas por todos os lados, uma alidade para medir ângulos e cópias bem manuseadas de Moby Dick e Border Trilogy, de Cormac McCarthy.

Às vezes, Haugen cozinha burritos em um forno a gás propano que, se ficar ligado por mais de alguns minutos, faz com que todo o lugar cheire a urina de rato.

“É preciso um certo tipo de pessoa” para ser um vigia, disse ele numa noite recente, sentado do lado de fora de sua cabana enquanto as nuvens deixavam rastros fantasmagóricos de virga sobre o vale. “Muitas pessoas pensam: ‘Oh, eu poderia fazer isso’. E elas fazem isso por um ano e desaparecem.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Se, num dia quente e seco, um incêndio ocorrer numa certa área de 300.000 acres do noroeste de Montana, numa extensão do interior entre a crista da Cordilheira Whitefish e os picos esculpidos por geleiras que abraçam a Divisão Continental, há boas chances de que Leif Haugen seja a primeira pessoa na Terra a vê-lo.

Durante quase uma hora, ele pode ser a única pessoa.

Leif Haugen com seu café da manhã no posto de observação Thoma na Flathead National Forest, Mont. Foto: Mark Felix/The New York Times

Haugen trabalhou durante mais de metade dos seus 52 anos como vigia de incêndios, examinando a região selvagem de lariços e pinheiros a partir de uma cabana de um cômodo no topo de uma montanha. Sozinho a maior parte do tempo, exceto por seus pensamentos, seu vira-lata, Ollie, e pelo ocasional barulho de vozes no rádio, ele faz parte de um grupo nacional de observadores profissionais que, como faroleiros, ficam em guarda solitária entre a civilização e os caprichos indiferentes da natureza.

Cada vez mais, ele também se encontra numa outra divisão: entre empregos humanos e automação. À medida que os gestores de terras procuram novas ferramentas para lidar com a ameaça de incêndios florestais catastróficos, que está aumentando no Ocidente à medida que o planeta aquece e os americanos constroem mais casas perto de florestas cobertas de vegetação e outros locais vulneráveis, os dias dos vigias podem estar contados.

O chefe do Serviço Florestal dos EUA, Randy Moore, disse aos legisladores em março que a agência estava se afastando dos humanos nas torres de vigilância. O futuro da detecção de incêndio, disse ele, são as câmeras. “Precisamos nos voltar muito mais para a área de tecnologia”, disse ele.

Um porta-voz, Scott Owen, recusou-se a dizer se o Serviço Florestal tinha planos específicos para reduzir o número de vigias. Porém, os seus postos já estão consideravelmente reduzidos em relação a antes da Segunda Guerra Mundial, quando milhares de guardas florestais estavam posicionados nos topos das colinas como soldados da linha da frente na guerra total contra o fogo da jovem agência.

Hoje, o serviço conta com apenas 71 postos de vigias em Washington e Oregon; 59 na Califórnia; e 52 em Montana, norte de Idaho e noroeste de Wyoming, disse Owen. Em todo o país, incluindo mirantes administrados por outras agências federais, estaduais e locais, talvez 300 estejam operantes, segundo Gary Weber, tesoureiro da Forest Fire Lookout Association, um grupo de preservação. Dos outros que ainda estão de pé, muitos são agora alojamentos para férias.

Andy Huntsberger, oficial distrital de combate a incêndios em Flathead. Desde 1998, o número de vigias com pessoal em Glacier e Flathead cresceu de cinco para 12. Foto: Mark Felix/The New York Times

E, no entanto, como dirão as autoridades do noroeste de Montana, há razões pelas quais esses vigias não estão prontos para desaparecer dos livros de história. Não completamente. Ainda não.

Pois o trabalho de Haugen não é apenas localizar incêndios, embora ele diga que pode fazê-lo numa gama mais ampla de condições do que os helicópteros (que não podem pairar com segurança durante tempestades), mais precisamente em alguns casos do que os aviões (que não conseguem manobrar facilmente em vales estreitos) e às vezes com mais precisão do que os satélites (que podem confundir rochas aquecidas pelo sol com incêndios).

Ele também transmite mensagens entre operadores e bombeiros em desfiladeiros onde as montanhas bloqueiam sinais de rádio e celulares. Ele rastreia as mudanças climáticas locais que afetam a forma como os incêndios se comportam e se movem. E ele serve como vigilância de segurança para as equipes em terra, alertando-as sobre incêndios que possam surgir em seu caminho e planejando rotas de fuga. Cinquenta por cento de seu trabalho, disse ele, ocorre quando a resposta ao incêndio está em andamento.

“Um ser humano no topo de uma montanha pode fornecer muito mais do que uma peça de tecnologia”, disse Jeremy Harker, responsável pela gestão de incêndios do Parque Nacional Glacier, um trecho que Haugen examina a partir de sua posição na vizinha Floresta Nacional Flathead.

Apesar do incêndio mortal de agosto em Maui, esta temporada de incêndios até agora foi a mais moderada do país em uma década. O tempo chuvoso reduziu os riscos em grande parte da Califórnia, embora não nas florestas mais ao norte, onde grandes incêndios ocorreram nas últimas semanas. O Alasca teve sua temporada mais calma já registrada, até que um raio provocou uma série de incêndios no final de julho. Os incêndios destruíram casas e provocaram evacuações em Washington e Oregon.

Os incêndios florestais ocorrem em terrenos vastos e difíceis, em condições que mudam rapidamente e com uma quantidade assustadora de probabilidades aleatórias. Em lugares como Glacier, as autoridades não apenas apagam o fogo. Elas devem decidir, às vezes de hora em hora, se deixar um fogo queimar pode trazer benefícios ecológicos ou se está ameaçando vidas e propriedades suficientes para justificar colocar os bombeiros em risco.

Inez Love, voluntária, no Cyclone Lookout.  Foto: Mark Felix/The New York Times

A nova tecnologia ajuda nessas decisões, disse Andy Huntsberger, oficial distrital de gerenciamento de incêndios em Flathead. Mas “isso não substitui o elemento humano”, disse ele. Desde 1998, o número de postos com pessoal em Glacier e Flathead aumentou de cinco para 12.

Ninguém duvida que as câmeras estão cada vez melhores na tarefa mecânica básica de detectar fumaça. A Califórnia tem uma rede de mais de 1.000 câmeras de monitoramento de incêndio e conjuntos de sensores, e está aumentando-os com inteligência artificial.

A Douglas Forest Protective Association, que lida com o combate a incêndios em 1,6 milhão de acres de terras privadas e governamentais no sudoeste do Oregon, substituiu os seus oito postos com vigias por um sistema de câmeras desenvolvido pela FireWeb, uma empresa na África do Sul. A agência agora emprega seis pessoas para monitorar as transmissões de 36 câmeras entre 8h e 21h diariamente durante a temporada de incêndios.

Os cientistas também estão melhorando o monitoramento de incêndios florestais a partir do espaço, embora os satélites ainda tenham grandes limitações.

Os principais orbitadores de observação de incêndios usados pela NASA e pelo Serviço Florestal observam o mesmo local nos Estados Unidos contíguos apenas algumas vezes por dia, e nem sempre em um grande ângulo. Portanto, mesmo depois de um incêndio ser grande o suficiente para ser detectado, pode levar de três a 12 horas até que um satélite o veja e os dados sejam processados, disse Louis Giglio, professor de ciências geográficas da Universidade de Maryland que trabalha com a NASA no monitoramento de incêndios por satélite.

Os satélites meteorológicos situados acima da mesma região da Terra conseguem localizar pontos quentes mais rapidamente, mas nem sempre conseguem distinguir um pequeno incêndio de, digamos, uma rocha quente. E funcionam melhor em terras abertas e cheias de arbustos, como as do sul da Califórnia, do que em florestas densas como as do noroeste de Montana, onde as copas das árvores podem obscurecer um incêndio latente durante dias, disse Ryan Leach, meteorologista do Serviço Meteorológico Nacional em Missoula, Montana.

Cavalos e mulas trazendo suprimentos para o Mirante Swiftcurrent no Parque Nacional Glacier. Foto: Mark Felix

Os vigias humanos, no entanto, podem ver a fumaça muito mais cedo. “Eles podem observar incêndios mais rapidamente do que os satélites e detectá-los quando são menores, menos perigosos e mais fáceis de apagar”, disse Leach.

O local de Leif Haugen em Thoma Lookout é o mais simples possível. A exceção flagrante (e como poderia ser de outra forma?) é a vista, um panorama fascinante da região da Coroa do Continente.

Sua cabine, a 7.104 pés de altitude, ou pouco menos de 2.200 metros, está fora da rede e não tem água corrente. Há janelas por todos os lados, uma alidade para medir ângulos e cópias bem manuseadas de Moby Dick e Border Trilogy, de Cormac McCarthy.

Às vezes, Haugen cozinha burritos em um forno a gás propano que, se ficar ligado por mais de alguns minutos, faz com que todo o lugar cheire a urina de rato.

“É preciso um certo tipo de pessoa” para ser um vigia, disse ele numa noite recente, sentado do lado de fora de sua cabana enquanto as nuvens deixavam rastros fantasmagóricos de virga sobre o vale. “Muitas pessoas pensam: ‘Oh, eu poderia fazer isso’. E elas fazem isso por um ano e desaparecem.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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