Nos oceanos, o ruído vem aumentando de modo nunca visto antes


Uma nova revisão da literatura científica confirma que o ruído antropogênico tem se tornado intolerável para a vida submarina

Por Sabrina Imbler
Atualização:

Embora o peixe palhaço seja concebido nos recifes de corais, ele passa a primeira parte da sua vida como larva à deriva no oceano. Ainda não tem a cor laranja, nem as listras, e ainda não consegue nadar. É um plâncton, termo que vem da palavra grega para “errante”, pois de fato ele vagueia à mercê das correntes oceânicas.

Quando o peixe palhaço cresce e fica grande o suficiente para nadar contra a maré, ele se movimenta rápido. Não consegue ver os recifes de coral, mas ouve seus estalidos, seu borbulhar e seus estouros. Esses ruídos formam a paisagem sonora dos recifes saudáveis e o peixe que ainda é uma larva depende desses sons para encontrar o caminho de volta para casa, onde passará o resto da sua vida, ou seja, desde que consiga ouví-los.

Espécie de lagostano Seamont X, um vulcão submarino no mar das Filipinas. Foto: Programa NOAA Vents via The New York Times
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Mas os humanos, seus navios, os estudos sísmicos, os revólveres de ar comprimido, os mergulhadores, as pescarias com uso de dinamites, as plataformas de petróleo, as lanchas motorizadas e mesmo os surfistas – tornaram o oceano um local insuportavelmente barulhento para a vida marinha, segundo uma análise da prevalência e intensidade dos impactos do ruído antropogênico submarino publicado na revista Science. O documento, elaborado por 25 autores de todo o globo e vários campos de estudo da acústica marinha, é a mais ampla síntese de evidências sobre os efeitos da poluição sonora oceânica.

“Batemos na tecla exata”, disse Kerri Seger, cientista da Applied Ocean Sciences, que participou da pesquisa. “Já na terceira página pensei em enviar o estudo para meus alunos”.

O ruído antropogênico com frequência abafa a paisagem sonora natural, causando um enorme estresse sobre a vida marinha. No caso do peixe palhaço ainda bebê, o ruído os condena a vagarem pelos mares sem direção, incapazes de encontrar o caminho de volta para casa.

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“O ciclo está quebrado", afirmou Carlos Duarte, ecologista na Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah na Arábia Saudita e o autor principal do documento. “A trilha sonora da sua casa se torna difícil de ouvir e em muitos casos desaparece.

Abafando os sinais

No oceano, as pistas visuais desaparecem depois de dezenas de metros e as químicas se dissipam depois de centenas de metros. Mas o som consegue viajar milhares de quilômetros e conecta os animais através das bacias oceânicas e na escuridão, disse Duarte.

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Como resultado, muitas espécies marinhas estão adaptadas impecavelmente para detectar o som e se comunicar por meio dele. Os golfinhos chamam um ao outro por nomes excepcionais. O peixe sapo entoa. A foca-barbuda faz um trinado. As baleias cantam.

Os cientistas têm conhecimento do ruído antropogênico submarino e o quão longe ele se propaga há quase um século, segundo Christine Erbe, diretora do Centro de Ciência e Tecnologia Marinha na Curtin University em Perth, Austrália, que contribuiu para o documento. Mas pesquisas anteriores sobre como o ruído afeta a vida marinha se concentraram em como grandes animais individualmente reagiam às fontes temporárias de ruído, como o caso de uma baleia que se desvia de plataformas de petróleo durante sua migração.

O novo estudo retraça como o ruído submarino afeta inúmeros grupos da vida marinha, incluindo o zooplâncton e as águas vivas. “Só recentemente nos demos conta da extensão do problema da poluição sonora”, escreveu Christine Erbe num e-mail.

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A ideia desse estudo partiu de Duarte há sete anos. Ele sabia da importância dos sons no oceanos há muito tempo como ecologista, mas percebeu que o assunto não era estudado numa escala global e a parte da comunidade científica que se concentrava na questão era relativamente pequena e isolada, estudando as vocalizações dos mamíferos de um lado, e a atividade sísmica submarina, a tomografia acústica e política em outros cantos do mundo.

“Estávamos todos nas nossas pequenas corridas de ouro", disse Steve Simpson, biólogo marinho da universidade de Exeter na Inglaterra e um dos autores do estudo.

Humanos e seus navios, plataformas de perfuração, lanchas e até surf tornaram o oceano um lugar insuportavelmente barulhento para a vida marinha. Foto: Alana Paterson/The New York Times
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Duarte quis reunir os vários campos para sintetizar todas as evidências que havia coletado e reuni-las num único documento; talvez algo tão grande que finalmente resultaria em mudanças de política.

Os autores rastrearam mais de 10.000 estudos para confirmarem se capturaram todos os elos da pesquisa acústica marinha das últimas décadas E padrões surgiram rapidamente, demonstrando os efeitos prejudiciais que o ruído tem sobre toda a vida marinha.

“Com toda essa pesquisa você percebe que sabe mais do que pensou que sabia”, disse ele.

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A vida marinha se adapta à poluição sonora, nadando, se rastejando ou expelindo o líquido lentamente, o que significa que alguns animais têm mais sorte do que outros. As baleias aprendem a evitar as rotas de navios e conseguem se esquivar do zumbido de um barco de pesca se aproximando, mas criaturas bentônicas (que vivem no fundo do mar) têm poucos recursos.

Se o ruído é mais frequente, alguns animais simplesmente deixam o local para sempre. Quando dispositivos acústicos foram instalados para impedir as focas de atacarem fazendas de salmão no Arquipélago de Broughton, na Colúmbia Britânica, a população de orcas diminuiu drasticamente até que os dispositivos foram removidos, segundo um estudo feito em 2002.

Essas evacuações forçadas reduzem as populações à medida que mais animais cedem o território e competem pelas mesmas reservas de recursos. E algumas espécies, como o golfinho Maui em risco, não têm nenhum lugar para ir.

Felizmente, ao contrário dos gases com efeito estufa, ou químicos, o som é um poluente relativamente controlável.

“O ruído é o problema mais fácil a resolver no oceano”, disse Simpson. “Sabemos exatamente o que causa o ruído, onde ele está e como acabar com ele”.

Em busca do silêncio

Muitas soluções no caso da poluição sonora antropogênica já existem e são até simples. “Desacelerar, mudar as vias marítimas, evitar áreas sensíveis, mudar os propulsores dos navios”, disse Simpson.

Muitos navios dependem de propulsores que causam muita cavitação. Minúsculas bolhas se formam em torno das lâminas da hélice e produzem um ruído estridente terrível. Mas já existem, ou vêm sendo desenvolvidos, propulsores mais silenciosos.

Os pesquisadores também identificaram que a mineração no fundo do mar é um setor emergente que pode se tornar uma importante fonte de ruído submarino e sugeriram que novas tecnologias sejam desenvolvidas para minimizar o som antes de a mineração comercial ter início.

Os autores esperam que essa resenha sensibilize os políticos que historicamente têm ignorado o ruído como um estressor antropogênico importante no caso da vida marinha. A convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, documento que controla a biodiversidade em áreas além das jurisdições nacionais, não menciona o ruído na sua lista de impactos cumulativos.

A 14º meta sustentável da ONU, que foca na vida submarina, não menciona explicitamente o ruído, segundo Seger, da Applied Ocean Sciences. “As Nações Unidas tiveram uma semana de discussão sobre o ruído oceânico, mas ouviram a respeito e depois passaram para outro assunto”, disse ela.

O estudo publicado na Science passou por três rodadas de edições, a última dela após a Covid-19 ter criado muitos experimentos inesperados: com a redução da atividade de navegação, os oceanos ficaram relativamente silenciosos e os mamíferos marinhos e tubarões retornaram às águas antes ruidosas onde eram raramente vistos.

“A recuperação pode ser quase imediata”, disse Duarte. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Embora o peixe palhaço seja concebido nos recifes de corais, ele passa a primeira parte da sua vida como larva à deriva no oceano. Ainda não tem a cor laranja, nem as listras, e ainda não consegue nadar. É um plâncton, termo que vem da palavra grega para “errante”, pois de fato ele vagueia à mercê das correntes oceânicas.

Quando o peixe palhaço cresce e fica grande o suficiente para nadar contra a maré, ele se movimenta rápido. Não consegue ver os recifes de coral, mas ouve seus estalidos, seu borbulhar e seus estouros. Esses ruídos formam a paisagem sonora dos recifes saudáveis e o peixe que ainda é uma larva depende desses sons para encontrar o caminho de volta para casa, onde passará o resto da sua vida, ou seja, desde que consiga ouví-los.

Espécie de lagostano Seamont X, um vulcão submarino no mar das Filipinas. Foto: Programa NOAA Vents via The New York Times

Mas os humanos, seus navios, os estudos sísmicos, os revólveres de ar comprimido, os mergulhadores, as pescarias com uso de dinamites, as plataformas de petróleo, as lanchas motorizadas e mesmo os surfistas – tornaram o oceano um local insuportavelmente barulhento para a vida marinha, segundo uma análise da prevalência e intensidade dos impactos do ruído antropogênico submarino publicado na revista Science. O documento, elaborado por 25 autores de todo o globo e vários campos de estudo da acústica marinha, é a mais ampla síntese de evidências sobre os efeitos da poluição sonora oceânica.

“Batemos na tecla exata”, disse Kerri Seger, cientista da Applied Ocean Sciences, que participou da pesquisa. “Já na terceira página pensei em enviar o estudo para meus alunos”.

O ruído antropogênico com frequência abafa a paisagem sonora natural, causando um enorme estresse sobre a vida marinha. No caso do peixe palhaço ainda bebê, o ruído os condena a vagarem pelos mares sem direção, incapazes de encontrar o caminho de volta para casa.

“O ciclo está quebrado", afirmou Carlos Duarte, ecologista na Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah na Arábia Saudita e o autor principal do documento. “A trilha sonora da sua casa se torna difícil de ouvir e em muitos casos desaparece.

Abafando os sinais

No oceano, as pistas visuais desaparecem depois de dezenas de metros e as químicas se dissipam depois de centenas de metros. Mas o som consegue viajar milhares de quilômetros e conecta os animais através das bacias oceânicas e na escuridão, disse Duarte.

Como resultado, muitas espécies marinhas estão adaptadas impecavelmente para detectar o som e se comunicar por meio dele. Os golfinhos chamam um ao outro por nomes excepcionais. O peixe sapo entoa. A foca-barbuda faz um trinado. As baleias cantam.

Os cientistas têm conhecimento do ruído antropogênico submarino e o quão longe ele se propaga há quase um século, segundo Christine Erbe, diretora do Centro de Ciência e Tecnologia Marinha na Curtin University em Perth, Austrália, que contribuiu para o documento. Mas pesquisas anteriores sobre como o ruído afeta a vida marinha se concentraram em como grandes animais individualmente reagiam às fontes temporárias de ruído, como o caso de uma baleia que se desvia de plataformas de petróleo durante sua migração.

O novo estudo retraça como o ruído submarino afeta inúmeros grupos da vida marinha, incluindo o zooplâncton e as águas vivas. “Só recentemente nos demos conta da extensão do problema da poluição sonora”, escreveu Christine Erbe num e-mail.

A ideia desse estudo partiu de Duarte há sete anos. Ele sabia da importância dos sons no oceanos há muito tempo como ecologista, mas percebeu que o assunto não era estudado numa escala global e a parte da comunidade científica que se concentrava na questão era relativamente pequena e isolada, estudando as vocalizações dos mamíferos de um lado, e a atividade sísmica submarina, a tomografia acústica e política em outros cantos do mundo.

“Estávamos todos nas nossas pequenas corridas de ouro", disse Steve Simpson, biólogo marinho da universidade de Exeter na Inglaterra e um dos autores do estudo.

Humanos e seus navios, plataformas de perfuração, lanchas e até surf tornaram o oceano um lugar insuportavelmente barulhento para a vida marinha. Foto: Alana Paterson/The New York Times

Duarte quis reunir os vários campos para sintetizar todas as evidências que havia coletado e reuni-las num único documento; talvez algo tão grande que finalmente resultaria em mudanças de política.

Os autores rastrearam mais de 10.000 estudos para confirmarem se capturaram todos os elos da pesquisa acústica marinha das últimas décadas E padrões surgiram rapidamente, demonstrando os efeitos prejudiciais que o ruído tem sobre toda a vida marinha.

“Com toda essa pesquisa você percebe que sabe mais do que pensou que sabia”, disse ele.

A vida marinha se adapta à poluição sonora, nadando, se rastejando ou expelindo o líquido lentamente, o que significa que alguns animais têm mais sorte do que outros. As baleias aprendem a evitar as rotas de navios e conseguem se esquivar do zumbido de um barco de pesca se aproximando, mas criaturas bentônicas (que vivem no fundo do mar) têm poucos recursos.

Se o ruído é mais frequente, alguns animais simplesmente deixam o local para sempre. Quando dispositivos acústicos foram instalados para impedir as focas de atacarem fazendas de salmão no Arquipélago de Broughton, na Colúmbia Britânica, a população de orcas diminuiu drasticamente até que os dispositivos foram removidos, segundo um estudo feito em 2002.

Essas evacuações forçadas reduzem as populações à medida que mais animais cedem o território e competem pelas mesmas reservas de recursos. E algumas espécies, como o golfinho Maui em risco, não têm nenhum lugar para ir.

Felizmente, ao contrário dos gases com efeito estufa, ou químicos, o som é um poluente relativamente controlável.

“O ruído é o problema mais fácil a resolver no oceano”, disse Simpson. “Sabemos exatamente o que causa o ruído, onde ele está e como acabar com ele”.

Em busca do silêncio

Muitas soluções no caso da poluição sonora antropogênica já existem e são até simples. “Desacelerar, mudar as vias marítimas, evitar áreas sensíveis, mudar os propulsores dos navios”, disse Simpson.

Muitos navios dependem de propulsores que causam muita cavitação. Minúsculas bolhas se formam em torno das lâminas da hélice e produzem um ruído estridente terrível. Mas já existem, ou vêm sendo desenvolvidos, propulsores mais silenciosos.

Os pesquisadores também identificaram que a mineração no fundo do mar é um setor emergente que pode se tornar uma importante fonte de ruído submarino e sugeriram que novas tecnologias sejam desenvolvidas para minimizar o som antes de a mineração comercial ter início.

Os autores esperam que essa resenha sensibilize os políticos que historicamente têm ignorado o ruído como um estressor antropogênico importante no caso da vida marinha. A convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, documento que controla a biodiversidade em áreas além das jurisdições nacionais, não menciona o ruído na sua lista de impactos cumulativos.

A 14º meta sustentável da ONU, que foca na vida submarina, não menciona explicitamente o ruído, segundo Seger, da Applied Ocean Sciences. “As Nações Unidas tiveram uma semana de discussão sobre o ruído oceânico, mas ouviram a respeito e depois passaram para outro assunto”, disse ela.

O estudo publicado na Science passou por três rodadas de edições, a última dela após a Covid-19 ter criado muitos experimentos inesperados: com a redução da atividade de navegação, os oceanos ficaram relativamente silenciosos e os mamíferos marinhos e tubarões retornaram às águas antes ruidosas onde eram raramente vistos.

“A recuperação pode ser quase imediata”, disse Duarte. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Embora o peixe palhaço seja concebido nos recifes de corais, ele passa a primeira parte da sua vida como larva à deriva no oceano. Ainda não tem a cor laranja, nem as listras, e ainda não consegue nadar. É um plâncton, termo que vem da palavra grega para “errante”, pois de fato ele vagueia à mercê das correntes oceânicas.

Quando o peixe palhaço cresce e fica grande o suficiente para nadar contra a maré, ele se movimenta rápido. Não consegue ver os recifes de coral, mas ouve seus estalidos, seu borbulhar e seus estouros. Esses ruídos formam a paisagem sonora dos recifes saudáveis e o peixe que ainda é uma larva depende desses sons para encontrar o caminho de volta para casa, onde passará o resto da sua vida, ou seja, desde que consiga ouví-los.

Espécie de lagostano Seamont X, um vulcão submarino no mar das Filipinas. Foto: Programa NOAA Vents via The New York Times

Mas os humanos, seus navios, os estudos sísmicos, os revólveres de ar comprimido, os mergulhadores, as pescarias com uso de dinamites, as plataformas de petróleo, as lanchas motorizadas e mesmo os surfistas – tornaram o oceano um local insuportavelmente barulhento para a vida marinha, segundo uma análise da prevalência e intensidade dos impactos do ruído antropogênico submarino publicado na revista Science. O documento, elaborado por 25 autores de todo o globo e vários campos de estudo da acústica marinha, é a mais ampla síntese de evidências sobre os efeitos da poluição sonora oceânica.

“Batemos na tecla exata”, disse Kerri Seger, cientista da Applied Ocean Sciences, que participou da pesquisa. “Já na terceira página pensei em enviar o estudo para meus alunos”.

O ruído antropogênico com frequência abafa a paisagem sonora natural, causando um enorme estresse sobre a vida marinha. No caso do peixe palhaço ainda bebê, o ruído os condena a vagarem pelos mares sem direção, incapazes de encontrar o caminho de volta para casa.

“O ciclo está quebrado", afirmou Carlos Duarte, ecologista na Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah na Arábia Saudita e o autor principal do documento. “A trilha sonora da sua casa se torna difícil de ouvir e em muitos casos desaparece.

Abafando os sinais

No oceano, as pistas visuais desaparecem depois de dezenas de metros e as químicas se dissipam depois de centenas de metros. Mas o som consegue viajar milhares de quilômetros e conecta os animais através das bacias oceânicas e na escuridão, disse Duarte.

Como resultado, muitas espécies marinhas estão adaptadas impecavelmente para detectar o som e se comunicar por meio dele. Os golfinhos chamam um ao outro por nomes excepcionais. O peixe sapo entoa. A foca-barbuda faz um trinado. As baleias cantam.

Os cientistas têm conhecimento do ruído antropogênico submarino e o quão longe ele se propaga há quase um século, segundo Christine Erbe, diretora do Centro de Ciência e Tecnologia Marinha na Curtin University em Perth, Austrália, que contribuiu para o documento. Mas pesquisas anteriores sobre como o ruído afeta a vida marinha se concentraram em como grandes animais individualmente reagiam às fontes temporárias de ruído, como o caso de uma baleia que se desvia de plataformas de petróleo durante sua migração.

O novo estudo retraça como o ruído submarino afeta inúmeros grupos da vida marinha, incluindo o zooplâncton e as águas vivas. “Só recentemente nos demos conta da extensão do problema da poluição sonora”, escreveu Christine Erbe num e-mail.

A ideia desse estudo partiu de Duarte há sete anos. Ele sabia da importância dos sons no oceanos há muito tempo como ecologista, mas percebeu que o assunto não era estudado numa escala global e a parte da comunidade científica que se concentrava na questão era relativamente pequena e isolada, estudando as vocalizações dos mamíferos de um lado, e a atividade sísmica submarina, a tomografia acústica e política em outros cantos do mundo.

“Estávamos todos nas nossas pequenas corridas de ouro", disse Steve Simpson, biólogo marinho da universidade de Exeter na Inglaterra e um dos autores do estudo.

Humanos e seus navios, plataformas de perfuração, lanchas e até surf tornaram o oceano um lugar insuportavelmente barulhento para a vida marinha. Foto: Alana Paterson/The New York Times

Duarte quis reunir os vários campos para sintetizar todas as evidências que havia coletado e reuni-las num único documento; talvez algo tão grande que finalmente resultaria em mudanças de política.

Os autores rastrearam mais de 10.000 estudos para confirmarem se capturaram todos os elos da pesquisa acústica marinha das últimas décadas E padrões surgiram rapidamente, demonstrando os efeitos prejudiciais que o ruído tem sobre toda a vida marinha.

“Com toda essa pesquisa você percebe que sabe mais do que pensou que sabia”, disse ele.

A vida marinha se adapta à poluição sonora, nadando, se rastejando ou expelindo o líquido lentamente, o que significa que alguns animais têm mais sorte do que outros. As baleias aprendem a evitar as rotas de navios e conseguem se esquivar do zumbido de um barco de pesca se aproximando, mas criaturas bentônicas (que vivem no fundo do mar) têm poucos recursos.

Se o ruído é mais frequente, alguns animais simplesmente deixam o local para sempre. Quando dispositivos acústicos foram instalados para impedir as focas de atacarem fazendas de salmão no Arquipélago de Broughton, na Colúmbia Britânica, a população de orcas diminuiu drasticamente até que os dispositivos foram removidos, segundo um estudo feito em 2002.

Essas evacuações forçadas reduzem as populações à medida que mais animais cedem o território e competem pelas mesmas reservas de recursos. E algumas espécies, como o golfinho Maui em risco, não têm nenhum lugar para ir.

Felizmente, ao contrário dos gases com efeito estufa, ou químicos, o som é um poluente relativamente controlável.

“O ruído é o problema mais fácil a resolver no oceano”, disse Simpson. “Sabemos exatamente o que causa o ruído, onde ele está e como acabar com ele”.

Em busca do silêncio

Muitas soluções no caso da poluição sonora antropogênica já existem e são até simples. “Desacelerar, mudar as vias marítimas, evitar áreas sensíveis, mudar os propulsores dos navios”, disse Simpson.

Muitos navios dependem de propulsores que causam muita cavitação. Minúsculas bolhas se formam em torno das lâminas da hélice e produzem um ruído estridente terrível. Mas já existem, ou vêm sendo desenvolvidos, propulsores mais silenciosos.

Os pesquisadores também identificaram que a mineração no fundo do mar é um setor emergente que pode se tornar uma importante fonte de ruído submarino e sugeriram que novas tecnologias sejam desenvolvidas para minimizar o som antes de a mineração comercial ter início.

Os autores esperam que essa resenha sensibilize os políticos que historicamente têm ignorado o ruído como um estressor antropogênico importante no caso da vida marinha. A convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, documento que controla a biodiversidade em áreas além das jurisdições nacionais, não menciona o ruído na sua lista de impactos cumulativos.

A 14º meta sustentável da ONU, que foca na vida submarina, não menciona explicitamente o ruído, segundo Seger, da Applied Ocean Sciences. “As Nações Unidas tiveram uma semana de discussão sobre o ruído oceânico, mas ouviram a respeito e depois passaram para outro assunto”, disse ela.

O estudo publicado na Science passou por três rodadas de edições, a última dela após a Covid-19 ter criado muitos experimentos inesperados: com a redução da atividade de navegação, os oceanos ficaram relativamente silenciosos e os mamíferos marinhos e tubarões retornaram às águas antes ruidosas onde eram raramente vistos.

“A recuperação pode ser quase imediata”, disse Duarte. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Embora o peixe palhaço seja concebido nos recifes de corais, ele passa a primeira parte da sua vida como larva à deriva no oceano. Ainda não tem a cor laranja, nem as listras, e ainda não consegue nadar. É um plâncton, termo que vem da palavra grega para “errante”, pois de fato ele vagueia à mercê das correntes oceânicas.

Quando o peixe palhaço cresce e fica grande o suficiente para nadar contra a maré, ele se movimenta rápido. Não consegue ver os recifes de coral, mas ouve seus estalidos, seu borbulhar e seus estouros. Esses ruídos formam a paisagem sonora dos recifes saudáveis e o peixe que ainda é uma larva depende desses sons para encontrar o caminho de volta para casa, onde passará o resto da sua vida, ou seja, desde que consiga ouví-los.

Espécie de lagostano Seamont X, um vulcão submarino no mar das Filipinas. Foto: Programa NOAA Vents via The New York Times

Mas os humanos, seus navios, os estudos sísmicos, os revólveres de ar comprimido, os mergulhadores, as pescarias com uso de dinamites, as plataformas de petróleo, as lanchas motorizadas e mesmo os surfistas – tornaram o oceano um local insuportavelmente barulhento para a vida marinha, segundo uma análise da prevalência e intensidade dos impactos do ruído antropogênico submarino publicado na revista Science. O documento, elaborado por 25 autores de todo o globo e vários campos de estudo da acústica marinha, é a mais ampla síntese de evidências sobre os efeitos da poluição sonora oceânica.

“Batemos na tecla exata”, disse Kerri Seger, cientista da Applied Ocean Sciences, que participou da pesquisa. “Já na terceira página pensei em enviar o estudo para meus alunos”.

O ruído antropogênico com frequência abafa a paisagem sonora natural, causando um enorme estresse sobre a vida marinha. No caso do peixe palhaço ainda bebê, o ruído os condena a vagarem pelos mares sem direção, incapazes de encontrar o caminho de volta para casa.

“O ciclo está quebrado", afirmou Carlos Duarte, ecologista na Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah na Arábia Saudita e o autor principal do documento. “A trilha sonora da sua casa se torna difícil de ouvir e em muitos casos desaparece.

Abafando os sinais

No oceano, as pistas visuais desaparecem depois de dezenas de metros e as químicas se dissipam depois de centenas de metros. Mas o som consegue viajar milhares de quilômetros e conecta os animais através das bacias oceânicas e na escuridão, disse Duarte.

Como resultado, muitas espécies marinhas estão adaptadas impecavelmente para detectar o som e se comunicar por meio dele. Os golfinhos chamam um ao outro por nomes excepcionais. O peixe sapo entoa. A foca-barbuda faz um trinado. As baleias cantam.

Os cientistas têm conhecimento do ruído antropogênico submarino e o quão longe ele se propaga há quase um século, segundo Christine Erbe, diretora do Centro de Ciência e Tecnologia Marinha na Curtin University em Perth, Austrália, que contribuiu para o documento. Mas pesquisas anteriores sobre como o ruído afeta a vida marinha se concentraram em como grandes animais individualmente reagiam às fontes temporárias de ruído, como o caso de uma baleia que se desvia de plataformas de petróleo durante sua migração.

O novo estudo retraça como o ruído submarino afeta inúmeros grupos da vida marinha, incluindo o zooplâncton e as águas vivas. “Só recentemente nos demos conta da extensão do problema da poluição sonora”, escreveu Christine Erbe num e-mail.

A ideia desse estudo partiu de Duarte há sete anos. Ele sabia da importância dos sons no oceanos há muito tempo como ecologista, mas percebeu que o assunto não era estudado numa escala global e a parte da comunidade científica que se concentrava na questão era relativamente pequena e isolada, estudando as vocalizações dos mamíferos de um lado, e a atividade sísmica submarina, a tomografia acústica e política em outros cantos do mundo.

“Estávamos todos nas nossas pequenas corridas de ouro", disse Steve Simpson, biólogo marinho da universidade de Exeter na Inglaterra e um dos autores do estudo.

Humanos e seus navios, plataformas de perfuração, lanchas e até surf tornaram o oceano um lugar insuportavelmente barulhento para a vida marinha. Foto: Alana Paterson/The New York Times

Duarte quis reunir os vários campos para sintetizar todas as evidências que havia coletado e reuni-las num único documento; talvez algo tão grande que finalmente resultaria em mudanças de política.

Os autores rastrearam mais de 10.000 estudos para confirmarem se capturaram todos os elos da pesquisa acústica marinha das últimas décadas E padrões surgiram rapidamente, demonstrando os efeitos prejudiciais que o ruído tem sobre toda a vida marinha.

“Com toda essa pesquisa você percebe que sabe mais do que pensou que sabia”, disse ele.

A vida marinha se adapta à poluição sonora, nadando, se rastejando ou expelindo o líquido lentamente, o que significa que alguns animais têm mais sorte do que outros. As baleias aprendem a evitar as rotas de navios e conseguem se esquivar do zumbido de um barco de pesca se aproximando, mas criaturas bentônicas (que vivem no fundo do mar) têm poucos recursos.

Se o ruído é mais frequente, alguns animais simplesmente deixam o local para sempre. Quando dispositivos acústicos foram instalados para impedir as focas de atacarem fazendas de salmão no Arquipélago de Broughton, na Colúmbia Britânica, a população de orcas diminuiu drasticamente até que os dispositivos foram removidos, segundo um estudo feito em 2002.

Essas evacuações forçadas reduzem as populações à medida que mais animais cedem o território e competem pelas mesmas reservas de recursos. E algumas espécies, como o golfinho Maui em risco, não têm nenhum lugar para ir.

Felizmente, ao contrário dos gases com efeito estufa, ou químicos, o som é um poluente relativamente controlável.

“O ruído é o problema mais fácil a resolver no oceano”, disse Simpson. “Sabemos exatamente o que causa o ruído, onde ele está e como acabar com ele”.

Em busca do silêncio

Muitas soluções no caso da poluição sonora antropogênica já existem e são até simples. “Desacelerar, mudar as vias marítimas, evitar áreas sensíveis, mudar os propulsores dos navios”, disse Simpson.

Muitos navios dependem de propulsores que causam muita cavitação. Minúsculas bolhas se formam em torno das lâminas da hélice e produzem um ruído estridente terrível. Mas já existem, ou vêm sendo desenvolvidos, propulsores mais silenciosos.

Os pesquisadores também identificaram que a mineração no fundo do mar é um setor emergente que pode se tornar uma importante fonte de ruído submarino e sugeriram que novas tecnologias sejam desenvolvidas para minimizar o som antes de a mineração comercial ter início.

Os autores esperam que essa resenha sensibilize os políticos que historicamente têm ignorado o ruído como um estressor antropogênico importante no caso da vida marinha. A convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, documento que controla a biodiversidade em áreas além das jurisdições nacionais, não menciona o ruído na sua lista de impactos cumulativos.

A 14º meta sustentável da ONU, que foca na vida submarina, não menciona explicitamente o ruído, segundo Seger, da Applied Ocean Sciences. “As Nações Unidas tiveram uma semana de discussão sobre o ruído oceânico, mas ouviram a respeito e depois passaram para outro assunto”, disse ela.

O estudo publicado na Science passou por três rodadas de edições, a última dela após a Covid-19 ter criado muitos experimentos inesperados: com a redução da atividade de navegação, os oceanos ficaram relativamente silenciosos e os mamíferos marinhos e tubarões retornaram às águas antes ruidosas onde eram raramente vistos.

“A recuperação pode ser quase imediata”, disse Duarte. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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