Nova diretora do maior museu do continente africano tem um desafio: levá-lo ao mundo


‘Havia um sentimento de que não podíamos deixar isso fracassar’, diz Koyo Kouoh sobre assumir cargo principal no Zeitz MOCAA; a ideia é torná-lo relevante ao mundo pan-africano e além dele

Por Roslyn Sulcas

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Koyo Kouoh não estava pensando em se tornar alguém do mundo da arte quando terminou sua graduação em administração de empresas em Zurique, aos 20 e poucos anos. Ela tinha um emprego como assistente social, atendendo mulheres migrantes, escrevia artigos sobre eventos culturais e saía com um grupo de pensadores, artistas, músicos e atores de vanguarda.

Mas 30 anos depois, Kouoh, 55 anos, a curadora visionária e diretora executiva do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África (conhecido como Zeitz MOCAA) na Cidade do Cabo, é uma defensora internacionalmente reconhecida da arte africana realizada no continente, mas que também faz parte de uma conversa global.

Koyo Kouoh, diretor executivo do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África, na Cidade do Cabo, SA, com a tela de Lynette Yiadom-Boakye, '23h de sexta-feira'. Foto: Tsele Nthane/The New York Times
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“Quero mostrar a extensão da cultura, a vasta história de como o continente e a sua diáspora habitam o mundo”, disse Kouoh, que nasceu nos Camarões, na primeira de várias conversas pelo Zoom durante as suas viagens entre a Basileia, os Estados Unidos e a Cidade do Cabo nos últimos meses. “A humanidade sempre se descreveu através de objetos e imagens; estou interessada em saber que tipos de histórias e paradigmas estamos oferecendo sobre nós mesmos.”

O Zeitz MOCAA, que abriga a coleção de arte africana contemporânea de Jochen Zeitz, o filantropo alemão e CEO da Harley-Davidson, é o maior museu do continente africano. Uma transformação espetacular de um antigo silo de grãos na área portuária da Cidade do Cabo pelo designer britânico Thomas Heatherwick, o museu faz parte do bairro de alto padrão conhecido como V & A Waterfront, que pagou pelo edifício. Na sua inauguração em 2017, o museu foi saudado com alarde pelo seu design e celebração da arte africana, mas também recebeu críticas pelo seu aparente elitismo e distanciamento das comunidades locais.

Quando Kouoh chegou, em maio de 2019, vinda de Dakar, onde dirigia o Raw Material, o centro cultural e a residência que lá criou, o Zeitz MOCAA estava em dificuldades. Em 2018, o seu diretor fundador, Mark Coetzee, foi suspenso e posteriormente demitiu-se, na sequência de alegações de assédio a funcionários e de questões sobre a administração do museu. (Coetzee morreu no ano passado.) O curador nigeriano Azu Nwagbogu assumiu como diretor interino, mas o moral estava baixo e as exposições, sem brilho.

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“Koyo entrou numa instituição jovem que estava bastante falida, com falta de sistemas, falta de pessoal, falta de financiamento”, disse Storm Janse van Rensburg, que Kouoh nomeou como curadora sênior e chefe dos assuntos de curadoria depois da sua chegada. “A urgência era trazê-lo de volta à vida.”

Internacionalização

Kouoh fez mais do que isso. Apesar das restrições pandêmicas e dos sucessivos confinamentos, ela construiu um programa explicitamente pan-africano e de nível internacional, supervisionando várias exposições de grande escala que viajaram para a Europa e os EUA, mais notavelmente a exposição individual de Tracey Rose, atualmente no Queens Museum, em Nova York, e o expansivo “Quando nos vemos: um século de figuração negra na pintura” (que ficou em exibição até 3 de setembro), que viajará para o Kunstmuseum na Basileia no próximo ano. Ela expandiu e desenvolveu uma jovem equipe de curadores, adicionou bolsas de formação curatorial à agenda do museu, abrigou residências artísticas e incentivou uma agenda editorial robusta.

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Vista do átrio do Zeitz MOCAA.  Foto: Mike Hutchings/Reuters

Talvez o mais importante tenha sido o seu primeiro passo confiante para atrair uma gama diversificada de sul-africanos para o museu e especialmente os residentes da Cidade do Cabo, onde um legado colonial teve um efeito profundo e socialmente estratificador. Em outubro de 2020, após um fechamento de seis meses devido à pandemia, “havia ideias incríveis que poderíamos ter feito”, disse Tandazani Dhlakama, curadora do museu. “Mas Koyo disse: por que não fazemos uma chamada aberta onde todos na Cidade do Cabo possam trazer uma obra de arte de casa? Dirigíamos por toda a cidade, até a periferia, para recolher coisas, e as pessoas vinham de graça.” Muitos sul-africanos, acrescentou ela, “têm uma barreira psicológica em entrar neste tipo de espaço artístico, mas isso os trouxe, para ver as suas próprias obras num museu”.

Seu sucesso é ainda mais notável porque ela inicialmente rejeitou propostas para considerar o trabalho. “Koyo é puxada em duas direções o tempo todo - ela vem da margem, mas é muito atraída pelos centros de poder”, disse Rasha Salti, escritora e co-curadora radicada em Berlim da exposição “Past Disquiet”, com Kristine Khouri, atualmente em exibição no Zeitz MOCAA. “Certamente havia dúvidas sobre o quanto ela poderia impactar e tornar o museu relevante, não apenas para o continente, mas para o resto do mundo. Tive medo que ela se sentisse infeliz, mas quando fui visitá-la, ela parecia um peixe na água.”

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O momento crucial na carreira de Kouoh ocorreu aos 20 e poucos anos, quando ela decidiu que não queria trabalhar em sua área de formação em administração - “Estou fundamentalmente desinteressada em lucro”, disse-me - e voltou para a África. Ela cresceu em Duala, nos Camarões, antes de se mudar para Zurique aos 13 anos para se juntar à família, e viveu lá durante 15 anos antes de “ficar claro para mim que não poderia ficar na Europa, neste espaço altamente saturado. Eu tinha me tornado mãe e não conseguia imaginar criar um menino negro na Europa.” (Naquela época ela era mãe solteira e viria posteriormente a adotar três crianças.)

Com vontade de explorar novas fronteiras, escolheu Dakar, capital do Senegal. “É uma cidade irresistível, um farol no horizonte das cidades africanas, com a cultura sufi que permeia a sociedade senegalesa”, disse Kouoh. Ela acrescentou: “Acho que tive um verdadeiro espírito pan-africano desde o início”.

De Dakar, Kouoh construiu a sua reputação como uma força dinâmica, trabalhando nas equipes curatoriais da Documenta 12 e 13, curando o programa Educacional e Artístico da Feira de Arte Africana Contemporânea 1:54, da Bienal Irlandesa de Arte Contemporânea em 2016, e de exposições em todo o mundo.

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Em sua busca por um novo diretor, Jochen Zeitz e David Green, copresidente do conselho de administração do Zeitz MOCAA, disseram que Kouoh surgiu desde o início como uma candidata ideal. “Ela tinha todos os requisitos”, disse Zeitz: “Experiência na área, criação da sua própria instituição, angariação de fundos, uma visão artística ambiciosa e uma reputação de construir uma equipe”.

Após a turbulência da partida de Coetzee, Kouoh era “uma pessoa experiente e calma vinda do continente africano”, disse Albie Sachs, o advogado sul-africano e ativista antiapartheid que faz parte do Conselho Consultivo do Zeitz MOCAA desde a inauguração do museu. “Eu adorei a proveniência de Koyo, como você diz sobre uma obra de arte.”

Kouoh disse que decidiu aceitar o cargo depois de muitas conversas com colegas negros. “Havia um sentimento de que não podíamos deixar isso fracassar”, disse ela. “A escala e a ambição do Zeitz MOCAA são únicas no continente e alguém teve que assumir a responsabilidade e fazer com que este museu correspondesse às suas legítimas ambições.”

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Questionada se ela se via como portadora da tocha do influente curador nigeriano Okwui Enwezor, Kouoh pareceu não gostar. “Não gosto da ideia de haver uma única pessoa fazendo isso ou aquilo”, disse ela. “Há muito apoio mútuo, generosidade e cuidado em todo o continente. Faço parte daquela geração de profissionais de arte africanos que têm orgulho e conhecimento sobre a beleza da cultura africana, que muitas vezes tem sido definida por outros de tantas maneiras erradas. Não acredito que precisemos perder tempo corrigindo essas narrativas. Precisamos inscrever outras perspectivas.”/TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Koyo Kouoh não estava pensando em se tornar alguém do mundo da arte quando terminou sua graduação em administração de empresas em Zurique, aos 20 e poucos anos. Ela tinha um emprego como assistente social, atendendo mulheres migrantes, escrevia artigos sobre eventos culturais e saía com um grupo de pensadores, artistas, músicos e atores de vanguarda.

Mas 30 anos depois, Kouoh, 55 anos, a curadora visionária e diretora executiva do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África (conhecido como Zeitz MOCAA) na Cidade do Cabo, é uma defensora internacionalmente reconhecida da arte africana realizada no continente, mas que também faz parte de uma conversa global.

Koyo Kouoh, diretor executivo do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África, na Cidade do Cabo, SA, com a tela de Lynette Yiadom-Boakye, '23h de sexta-feira'. Foto: Tsele Nthane/The New York Times

“Quero mostrar a extensão da cultura, a vasta história de como o continente e a sua diáspora habitam o mundo”, disse Kouoh, que nasceu nos Camarões, na primeira de várias conversas pelo Zoom durante as suas viagens entre a Basileia, os Estados Unidos e a Cidade do Cabo nos últimos meses. “A humanidade sempre se descreveu através de objetos e imagens; estou interessada em saber que tipos de histórias e paradigmas estamos oferecendo sobre nós mesmos.”

O Zeitz MOCAA, que abriga a coleção de arte africana contemporânea de Jochen Zeitz, o filantropo alemão e CEO da Harley-Davidson, é o maior museu do continente africano. Uma transformação espetacular de um antigo silo de grãos na área portuária da Cidade do Cabo pelo designer britânico Thomas Heatherwick, o museu faz parte do bairro de alto padrão conhecido como V & A Waterfront, que pagou pelo edifício. Na sua inauguração em 2017, o museu foi saudado com alarde pelo seu design e celebração da arte africana, mas também recebeu críticas pelo seu aparente elitismo e distanciamento das comunidades locais.

Quando Kouoh chegou, em maio de 2019, vinda de Dakar, onde dirigia o Raw Material, o centro cultural e a residência que lá criou, o Zeitz MOCAA estava em dificuldades. Em 2018, o seu diretor fundador, Mark Coetzee, foi suspenso e posteriormente demitiu-se, na sequência de alegações de assédio a funcionários e de questões sobre a administração do museu. (Coetzee morreu no ano passado.) O curador nigeriano Azu Nwagbogu assumiu como diretor interino, mas o moral estava baixo e as exposições, sem brilho.

“Koyo entrou numa instituição jovem que estava bastante falida, com falta de sistemas, falta de pessoal, falta de financiamento”, disse Storm Janse van Rensburg, que Kouoh nomeou como curadora sênior e chefe dos assuntos de curadoria depois da sua chegada. “A urgência era trazê-lo de volta à vida.”

Internacionalização

Kouoh fez mais do que isso. Apesar das restrições pandêmicas e dos sucessivos confinamentos, ela construiu um programa explicitamente pan-africano e de nível internacional, supervisionando várias exposições de grande escala que viajaram para a Europa e os EUA, mais notavelmente a exposição individual de Tracey Rose, atualmente no Queens Museum, em Nova York, e o expansivo “Quando nos vemos: um século de figuração negra na pintura” (que ficou em exibição até 3 de setembro), que viajará para o Kunstmuseum na Basileia no próximo ano. Ela expandiu e desenvolveu uma jovem equipe de curadores, adicionou bolsas de formação curatorial à agenda do museu, abrigou residências artísticas e incentivou uma agenda editorial robusta.

Vista do átrio do Zeitz MOCAA.  Foto: Mike Hutchings/Reuters

Talvez o mais importante tenha sido o seu primeiro passo confiante para atrair uma gama diversificada de sul-africanos para o museu e especialmente os residentes da Cidade do Cabo, onde um legado colonial teve um efeito profundo e socialmente estratificador. Em outubro de 2020, após um fechamento de seis meses devido à pandemia, “havia ideias incríveis que poderíamos ter feito”, disse Tandazani Dhlakama, curadora do museu. “Mas Koyo disse: por que não fazemos uma chamada aberta onde todos na Cidade do Cabo possam trazer uma obra de arte de casa? Dirigíamos por toda a cidade, até a periferia, para recolher coisas, e as pessoas vinham de graça.” Muitos sul-africanos, acrescentou ela, “têm uma barreira psicológica em entrar neste tipo de espaço artístico, mas isso os trouxe, para ver as suas próprias obras num museu”.

Seu sucesso é ainda mais notável porque ela inicialmente rejeitou propostas para considerar o trabalho. “Koyo é puxada em duas direções o tempo todo - ela vem da margem, mas é muito atraída pelos centros de poder”, disse Rasha Salti, escritora e co-curadora radicada em Berlim da exposição “Past Disquiet”, com Kristine Khouri, atualmente em exibição no Zeitz MOCAA. “Certamente havia dúvidas sobre o quanto ela poderia impactar e tornar o museu relevante, não apenas para o continente, mas para o resto do mundo. Tive medo que ela se sentisse infeliz, mas quando fui visitá-la, ela parecia um peixe na água.”

O momento crucial na carreira de Kouoh ocorreu aos 20 e poucos anos, quando ela decidiu que não queria trabalhar em sua área de formação em administração - “Estou fundamentalmente desinteressada em lucro”, disse-me - e voltou para a África. Ela cresceu em Duala, nos Camarões, antes de se mudar para Zurique aos 13 anos para se juntar à família, e viveu lá durante 15 anos antes de “ficar claro para mim que não poderia ficar na Europa, neste espaço altamente saturado. Eu tinha me tornado mãe e não conseguia imaginar criar um menino negro na Europa.” (Naquela época ela era mãe solteira e viria posteriormente a adotar três crianças.)

Com vontade de explorar novas fronteiras, escolheu Dakar, capital do Senegal. “É uma cidade irresistível, um farol no horizonte das cidades africanas, com a cultura sufi que permeia a sociedade senegalesa”, disse Kouoh. Ela acrescentou: “Acho que tive um verdadeiro espírito pan-africano desde o início”.

De Dakar, Kouoh construiu a sua reputação como uma força dinâmica, trabalhando nas equipes curatoriais da Documenta 12 e 13, curando o programa Educacional e Artístico da Feira de Arte Africana Contemporânea 1:54, da Bienal Irlandesa de Arte Contemporânea em 2016, e de exposições em todo o mundo.

Em sua busca por um novo diretor, Jochen Zeitz e David Green, copresidente do conselho de administração do Zeitz MOCAA, disseram que Kouoh surgiu desde o início como uma candidata ideal. “Ela tinha todos os requisitos”, disse Zeitz: “Experiência na área, criação da sua própria instituição, angariação de fundos, uma visão artística ambiciosa e uma reputação de construir uma equipe”.

Após a turbulência da partida de Coetzee, Kouoh era “uma pessoa experiente e calma vinda do continente africano”, disse Albie Sachs, o advogado sul-africano e ativista antiapartheid que faz parte do Conselho Consultivo do Zeitz MOCAA desde a inauguração do museu. “Eu adorei a proveniência de Koyo, como você diz sobre uma obra de arte.”

Kouoh disse que decidiu aceitar o cargo depois de muitas conversas com colegas negros. “Havia um sentimento de que não podíamos deixar isso fracassar”, disse ela. “A escala e a ambição do Zeitz MOCAA são únicas no continente e alguém teve que assumir a responsabilidade e fazer com que este museu correspondesse às suas legítimas ambições.”

Questionada se ela se via como portadora da tocha do influente curador nigeriano Okwui Enwezor, Kouoh pareceu não gostar. “Não gosto da ideia de haver uma única pessoa fazendo isso ou aquilo”, disse ela. “Há muito apoio mútuo, generosidade e cuidado em todo o continente. Faço parte daquela geração de profissionais de arte africanos que têm orgulho e conhecimento sobre a beleza da cultura africana, que muitas vezes tem sido definida por outros de tantas maneiras erradas. Não acredito que precisemos perder tempo corrigindo essas narrativas. Precisamos inscrever outras perspectivas.”/TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Koyo Kouoh não estava pensando em se tornar alguém do mundo da arte quando terminou sua graduação em administração de empresas em Zurique, aos 20 e poucos anos. Ela tinha um emprego como assistente social, atendendo mulheres migrantes, escrevia artigos sobre eventos culturais e saía com um grupo de pensadores, artistas, músicos e atores de vanguarda.

Mas 30 anos depois, Kouoh, 55 anos, a curadora visionária e diretora executiva do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África (conhecido como Zeitz MOCAA) na Cidade do Cabo, é uma defensora internacionalmente reconhecida da arte africana realizada no continente, mas que também faz parte de uma conversa global.

Koyo Kouoh, diretor executivo do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África, na Cidade do Cabo, SA, com a tela de Lynette Yiadom-Boakye, '23h de sexta-feira'. Foto: Tsele Nthane/The New York Times

“Quero mostrar a extensão da cultura, a vasta história de como o continente e a sua diáspora habitam o mundo”, disse Kouoh, que nasceu nos Camarões, na primeira de várias conversas pelo Zoom durante as suas viagens entre a Basileia, os Estados Unidos e a Cidade do Cabo nos últimos meses. “A humanidade sempre se descreveu através de objetos e imagens; estou interessada em saber que tipos de histórias e paradigmas estamos oferecendo sobre nós mesmos.”

O Zeitz MOCAA, que abriga a coleção de arte africana contemporânea de Jochen Zeitz, o filantropo alemão e CEO da Harley-Davidson, é o maior museu do continente africano. Uma transformação espetacular de um antigo silo de grãos na área portuária da Cidade do Cabo pelo designer britânico Thomas Heatherwick, o museu faz parte do bairro de alto padrão conhecido como V & A Waterfront, que pagou pelo edifício. Na sua inauguração em 2017, o museu foi saudado com alarde pelo seu design e celebração da arte africana, mas também recebeu críticas pelo seu aparente elitismo e distanciamento das comunidades locais.

Quando Kouoh chegou, em maio de 2019, vinda de Dakar, onde dirigia o Raw Material, o centro cultural e a residência que lá criou, o Zeitz MOCAA estava em dificuldades. Em 2018, o seu diretor fundador, Mark Coetzee, foi suspenso e posteriormente demitiu-se, na sequência de alegações de assédio a funcionários e de questões sobre a administração do museu. (Coetzee morreu no ano passado.) O curador nigeriano Azu Nwagbogu assumiu como diretor interino, mas o moral estava baixo e as exposições, sem brilho.

“Koyo entrou numa instituição jovem que estava bastante falida, com falta de sistemas, falta de pessoal, falta de financiamento”, disse Storm Janse van Rensburg, que Kouoh nomeou como curadora sênior e chefe dos assuntos de curadoria depois da sua chegada. “A urgência era trazê-lo de volta à vida.”

Internacionalização

Kouoh fez mais do que isso. Apesar das restrições pandêmicas e dos sucessivos confinamentos, ela construiu um programa explicitamente pan-africano e de nível internacional, supervisionando várias exposições de grande escala que viajaram para a Europa e os EUA, mais notavelmente a exposição individual de Tracey Rose, atualmente no Queens Museum, em Nova York, e o expansivo “Quando nos vemos: um século de figuração negra na pintura” (que ficou em exibição até 3 de setembro), que viajará para o Kunstmuseum na Basileia no próximo ano. Ela expandiu e desenvolveu uma jovem equipe de curadores, adicionou bolsas de formação curatorial à agenda do museu, abrigou residências artísticas e incentivou uma agenda editorial robusta.

Vista do átrio do Zeitz MOCAA.  Foto: Mike Hutchings/Reuters

Talvez o mais importante tenha sido o seu primeiro passo confiante para atrair uma gama diversificada de sul-africanos para o museu e especialmente os residentes da Cidade do Cabo, onde um legado colonial teve um efeito profundo e socialmente estratificador. Em outubro de 2020, após um fechamento de seis meses devido à pandemia, “havia ideias incríveis que poderíamos ter feito”, disse Tandazani Dhlakama, curadora do museu. “Mas Koyo disse: por que não fazemos uma chamada aberta onde todos na Cidade do Cabo possam trazer uma obra de arte de casa? Dirigíamos por toda a cidade, até a periferia, para recolher coisas, e as pessoas vinham de graça.” Muitos sul-africanos, acrescentou ela, “têm uma barreira psicológica em entrar neste tipo de espaço artístico, mas isso os trouxe, para ver as suas próprias obras num museu”.

Seu sucesso é ainda mais notável porque ela inicialmente rejeitou propostas para considerar o trabalho. “Koyo é puxada em duas direções o tempo todo - ela vem da margem, mas é muito atraída pelos centros de poder”, disse Rasha Salti, escritora e co-curadora radicada em Berlim da exposição “Past Disquiet”, com Kristine Khouri, atualmente em exibição no Zeitz MOCAA. “Certamente havia dúvidas sobre o quanto ela poderia impactar e tornar o museu relevante, não apenas para o continente, mas para o resto do mundo. Tive medo que ela se sentisse infeliz, mas quando fui visitá-la, ela parecia um peixe na água.”

O momento crucial na carreira de Kouoh ocorreu aos 20 e poucos anos, quando ela decidiu que não queria trabalhar em sua área de formação em administração - “Estou fundamentalmente desinteressada em lucro”, disse-me - e voltou para a África. Ela cresceu em Duala, nos Camarões, antes de se mudar para Zurique aos 13 anos para se juntar à família, e viveu lá durante 15 anos antes de “ficar claro para mim que não poderia ficar na Europa, neste espaço altamente saturado. Eu tinha me tornado mãe e não conseguia imaginar criar um menino negro na Europa.” (Naquela época ela era mãe solteira e viria posteriormente a adotar três crianças.)

Com vontade de explorar novas fronteiras, escolheu Dakar, capital do Senegal. “É uma cidade irresistível, um farol no horizonte das cidades africanas, com a cultura sufi que permeia a sociedade senegalesa”, disse Kouoh. Ela acrescentou: “Acho que tive um verdadeiro espírito pan-africano desde o início”.

De Dakar, Kouoh construiu a sua reputação como uma força dinâmica, trabalhando nas equipes curatoriais da Documenta 12 e 13, curando o programa Educacional e Artístico da Feira de Arte Africana Contemporânea 1:54, da Bienal Irlandesa de Arte Contemporânea em 2016, e de exposições em todo o mundo.

Em sua busca por um novo diretor, Jochen Zeitz e David Green, copresidente do conselho de administração do Zeitz MOCAA, disseram que Kouoh surgiu desde o início como uma candidata ideal. “Ela tinha todos os requisitos”, disse Zeitz: “Experiência na área, criação da sua própria instituição, angariação de fundos, uma visão artística ambiciosa e uma reputação de construir uma equipe”.

Após a turbulência da partida de Coetzee, Kouoh era “uma pessoa experiente e calma vinda do continente africano”, disse Albie Sachs, o advogado sul-africano e ativista antiapartheid que faz parte do Conselho Consultivo do Zeitz MOCAA desde a inauguração do museu. “Eu adorei a proveniência de Koyo, como você diz sobre uma obra de arte.”

Kouoh disse que decidiu aceitar o cargo depois de muitas conversas com colegas negros. “Havia um sentimento de que não podíamos deixar isso fracassar”, disse ela. “A escala e a ambição do Zeitz MOCAA são únicas no continente e alguém teve que assumir a responsabilidade e fazer com que este museu correspondesse às suas legítimas ambições.”

Questionada se ela se via como portadora da tocha do influente curador nigeriano Okwui Enwezor, Kouoh pareceu não gostar. “Não gosto da ideia de haver uma única pessoa fazendo isso ou aquilo”, disse ela. “Há muito apoio mútuo, generosidade e cuidado em todo o continente. Faço parte daquela geração de profissionais de arte africanos que têm orgulho e conhecimento sobre a beleza da cultura africana, que muitas vezes tem sido definida por outros de tantas maneiras erradas. Não acredito que precisemos perder tempo corrigindo essas narrativas. Precisamos inscrever outras perspectivas.”/TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Koyo Kouoh não estava pensando em se tornar alguém do mundo da arte quando terminou sua graduação em administração de empresas em Zurique, aos 20 e poucos anos. Ela tinha um emprego como assistente social, atendendo mulheres migrantes, escrevia artigos sobre eventos culturais e saía com um grupo de pensadores, artistas, músicos e atores de vanguarda.

Mas 30 anos depois, Kouoh, 55 anos, a curadora visionária e diretora executiva do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África (conhecido como Zeitz MOCAA) na Cidade do Cabo, é uma defensora internacionalmente reconhecida da arte africana realizada no continente, mas que também faz parte de uma conversa global.

Koyo Kouoh, diretor executivo do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África, na Cidade do Cabo, SA, com a tela de Lynette Yiadom-Boakye, '23h de sexta-feira'. Foto: Tsele Nthane/The New York Times

“Quero mostrar a extensão da cultura, a vasta história de como o continente e a sua diáspora habitam o mundo”, disse Kouoh, que nasceu nos Camarões, na primeira de várias conversas pelo Zoom durante as suas viagens entre a Basileia, os Estados Unidos e a Cidade do Cabo nos últimos meses. “A humanidade sempre se descreveu através de objetos e imagens; estou interessada em saber que tipos de histórias e paradigmas estamos oferecendo sobre nós mesmos.”

O Zeitz MOCAA, que abriga a coleção de arte africana contemporânea de Jochen Zeitz, o filantropo alemão e CEO da Harley-Davidson, é o maior museu do continente africano. Uma transformação espetacular de um antigo silo de grãos na área portuária da Cidade do Cabo pelo designer britânico Thomas Heatherwick, o museu faz parte do bairro de alto padrão conhecido como V & A Waterfront, que pagou pelo edifício. Na sua inauguração em 2017, o museu foi saudado com alarde pelo seu design e celebração da arte africana, mas também recebeu críticas pelo seu aparente elitismo e distanciamento das comunidades locais.

Quando Kouoh chegou, em maio de 2019, vinda de Dakar, onde dirigia o Raw Material, o centro cultural e a residência que lá criou, o Zeitz MOCAA estava em dificuldades. Em 2018, o seu diretor fundador, Mark Coetzee, foi suspenso e posteriormente demitiu-se, na sequência de alegações de assédio a funcionários e de questões sobre a administração do museu. (Coetzee morreu no ano passado.) O curador nigeriano Azu Nwagbogu assumiu como diretor interino, mas o moral estava baixo e as exposições, sem brilho.

“Koyo entrou numa instituição jovem que estava bastante falida, com falta de sistemas, falta de pessoal, falta de financiamento”, disse Storm Janse van Rensburg, que Kouoh nomeou como curadora sênior e chefe dos assuntos de curadoria depois da sua chegada. “A urgência era trazê-lo de volta à vida.”

Internacionalização

Kouoh fez mais do que isso. Apesar das restrições pandêmicas e dos sucessivos confinamentos, ela construiu um programa explicitamente pan-africano e de nível internacional, supervisionando várias exposições de grande escala que viajaram para a Europa e os EUA, mais notavelmente a exposição individual de Tracey Rose, atualmente no Queens Museum, em Nova York, e o expansivo “Quando nos vemos: um século de figuração negra na pintura” (que ficou em exibição até 3 de setembro), que viajará para o Kunstmuseum na Basileia no próximo ano. Ela expandiu e desenvolveu uma jovem equipe de curadores, adicionou bolsas de formação curatorial à agenda do museu, abrigou residências artísticas e incentivou uma agenda editorial robusta.

Vista do átrio do Zeitz MOCAA.  Foto: Mike Hutchings/Reuters

Talvez o mais importante tenha sido o seu primeiro passo confiante para atrair uma gama diversificada de sul-africanos para o museu e especialmente os residentes da Cidade do Cabo, onde um legado colonial teve um efeito profundo e socialmente estratificador. Em outubro de 2020, após um fechamento de seis meses devido à pandemia, “havia ideias incríveis que poderíamos ter feito”, disse Tandazani Dhlakama, curadora do museu. “Mas Koyo disse: por que não fazemos uma chamada aberta onde todos na Cidade do Cabo possam trazer uma obra de arte de casa? Dirigíamos por toda a cidade, até a periferia, para recolher coisas, e as pessoas vinham de graça.” Muitos sul-africanos, acrescentou ela, “têm uma barreira psicológica em entrar neste tipo de espaço artístico, mas isso os trouxe, para ver as suas próprias obras num museu”.

Seu sucesso é ainda mais notável porque ela inicialmente rejeitou propostas para considerar o trabalho. “Koyo é puxada em duas direções o tempo todo - ela vem da margem, mas é muito atraída pelos centros de poder”, disse Rasha Salti, escritora e co-curadora radicada em Berlim da exposição “Past Disquiet”, com Kristine Khouri, atualmente em exibição no Zeitz MOCAA. “Certamente havia dúvidas sobre o quanto ela poderia impactar e tornar o museu relevante, não apenas para o continente, mas para o resto do mundo. Tive medo que ela se sentisse infeliz, mas quando fui visitá-la, ela parecia um peixe na água.”

O momento crucial na carreira de Kouoh ocorreu aos 20 e poucos anos, quando ela decidiu que não queria trabalhar em sua área de formação em administração - “Estou fundamentalmente desinteressada em lucro”, disse-me - e voltou para a África. Ela cresceu em Duala, nos Camarões, antes de se mudar para Zurique aos 13 anos para se juntar à família, e viveu lá durante 15 anos antes de “ficar claro para mim que não poderia ficar na Europa, neste espaço altamente saturado. Eu tinha me tornado mãe e não conseguia imaginar criar um menino negro na Europa.” (Naquela época ela era mãe solteira e viria posteriormente a adotar três crianças.)

Com vontade de explorar novas fronteiras, escolheu Dakar, capital do Senegal. “É uma cidade irresistível, um farol no horizonte das cidades africanas, com a cultura sufi que permeia a sociedade senegalesa”, disse Kouoh. Ela acrescentou: “Acho que tive um verdadeiro espírito pan-africano desde o início”.

De Dakar, Kouoh construiu a sua reputação como uma força dinâmica, trabalhando nas equipes curatoriais da Documenta 12 e 13, curando o programa Educacional e Artístico da Feira de Arte Africana Contemporânea 1:54, da Bienal Irlandesa de Arte Contemporânea em 2016, e de exposições em todo o mundo.

Em sua busca por um novo diretor, Jochen Zeitz e David Green, copresidente do conselho de administração do Zeitz MOCAA, disseram que Kouoh surgiu desde o início como uma candidata ideal. “Ela tinha todos os requisitos”, disse Zeitz: “Experiência na área, criação da sua própria instituição, angariação de fundos, uma visão artística ambiciosa e uma reputação de construir uma equipe”.

Após a turbulência da partida de Coetzee, Kouoh era “uma pessoa experiente e calma vinda do continente africano”, disse Albie Sachs, o advogado sul-africano e ativista antiapartheid que faz parte do Conselho Consultivo do Zeitz MOCAA desde a inauguração do museu. “Eu adorei a proveniência de Koyo, como você diz sobre uma obra de arte.”

Kouoh disse que decidiu aceitar o cargo depois de muitas conversas com colegas negros. “Havia um sentimento de que não podíamos deixar isso fracassar”, disse ela. “A escala e a ambição do Zeitz MOCAA são únicas no continente e alguém teve que assumir a responsabilidade e fazer com que este museu correspondesse às suas legítimas ambições.”

Questionada se ela se via como portadora da tocha do influente curador nigeriano Okwui Enwezor, Kouoh pareceu não gostar. “Não gosto da ideia de haver uma única pessoa fazendo isso ou aquilo”, disse ela. “Há muito apoio mútuo, generosidade e cuidado em todo o continente. Faço parte daquela geração de profissionais de arte africanos que têm orgulho e conhecimento sobre a beleza da cultura africana, que muitas vezes tem sido definida por outros de tantas maneiras erradas. Não acredito que precisemos perder tempo corrigindo essas narrativas. Precisamos inscrever outras perspectivas.”/TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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