THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Eles falaram sobre a ótica. Eles conversaram sobre as especificações do computador. Eles falaram sobre o “vidro lenticular” e a “nova plataforma de computação espacial” e a “liga de alumínio” usada no “elemento estrutural primário”.
Mas a única coisa que Tim Cook, CEO da Apple, e Mike Rockwell, chefe da equipe AR/VR, e o resto dos executivos da Apple envolvidos na introdução do novo Apple Vision Pro, o tão esperado dispositivo de realidade aumentada, realmente não discutiram foi a aparência real da coisa.
No entanto, se eles querem que as pessoas acreditem que isso “mudará a maneira como vemos a tecnologia e o papel que ela desempenha em nossas vidas”, como Cook disse durante a Conferência Mundial de Desenvolvedores da Apple, como pareceremos ao usar o dispositivo é importante. Afinal, eles não estão simplesmente falando de algo que você pode usar todos os dias. É algo que precisa ser colocado todos os dias. Não apenas colocado, mas colocado no rosto.
Esse é um ato incrivelmente pessoal, não se trata apenas de interagir com a tecnologia, mas de interagir com o mundo ao nosso redor. É sobre as mensagens que enviamos aos outros sobre quem somos e o que valorizamos, e os julgamentos que os outros fazem sobre nós em troca. Sabemos pelo uso de máscaras para combater a covid que qualquer item que cubra parte do rosto é um item que se torna um para-raios emocional.
Então, o que o Apple Vision Pro, que muitos espectadores disseram parecer um óculos de esqui cinza e preto muito elegante com uma faixa de tecido com nervuras impressa em 3D que circunda a cabeça, diz sobre seu usuário?
Talvez eu seja uma mestra do slalom superlegal de uma terra muito, muito distante. Ou uma espécie evoluída de formiga alienígena.
A verdade é que é um pouco difícil saber - não apenas porque estou avaliando de longe, mas porque nenhuma das pessoas envolvidas na demonstração do Vision Pro projetou o dispositivo. Nem Cook, nem Bob Iger, da Disney, que surpreenderam o público ao aparecerem para anunciar um acordo para mostrar a programação da Disney no dispositivo, ou Rockwell. O que levantou uma questão: por que eles não o usaram?
Talvez estivessem preocupados em parecer bobos. (Há um infeliz cabo semelhante a um rabo de rato no dispositivo pendurado em uma das orelhas, que é o que conecta a bateria.) Que as fotos deles parecendo bobos em seu novo produto seriam transformadas em memes e que... bem, você sabe o que acontece depois. Zombaria nas redes sociais!
Havia fotos, é claro, dos óculos parecendo muito elegantes contra um fundo preto. Havia um vídeo de várias pessoas felizes usando o produto no conforto de suas casas impecáveis e quartos de hotel anônimos.
Mas a falta de uma pessoa real desfilando no palco em Cupertino, Califórnia, usando o produto foi uma omissão notável. Assim como o fato de ninguém falar sobre o design, exceto em termos de sua funcionalidade - e o fato de o dispositivo permitir que outras pessoas vejam os olhos do usuário, uma verdadeira inovação no mundo do estilo dos headsets. (Eles também não pronunciaram a palavra “vestíveis”.)
No entanto, se alguma empresa sabe o quanto a estética importa para transformar uma peça de tecnologia em um acessório para a vida, essa empresa é a Apple. Isso sempre fez parte de sua distinção, a começar pelo iMac em suas diversas cores. Foi assim que o iPod e o iPhone passaram de bens de consumo a marcadores de gosto e identidade. Com seus cantos arredondados e linhas finas, eles aparentavam ser tão bons; tão elegantes e legais. Eles estimularam o desejo, assim como uma maravilhosa bolsa faz, mesmo antes de a utilidade ser levada em consideração.
Ao fazer o Vision Pro parecer um óculos de proteção, a Apple está entrando no mundo dos estereótipos pré-existentes, clichês de personalidade e história. Escolhemos óculos por vários motivos: para parecer inteligente, para parecer legal, para parecer glamoroso; para se parecer com Gloria Steinem ou Jack Nicholson ou John Lennon. Acima de tudo, para ter uma identidade. E andar por aí com metade do rosto coberto por vidro, não importa o quão giratória seja a tela, pode ser uma marca para pessoas que gostam de mostrar certa imagem. (E se você secretamente nutre fantasias de se parecer com Eileen Gu, isso pode ser para você.)
Para ser justa, talvez isso mude. Talvez quando o dispositivo chegar às lojas no próximo ano, ao preço de cerca de US$ 3.500, as tiras de cabeça estarão disponíveis em uma variedade de cores e materiais, e o próprio dispositivo virá em uma tonalidade diferente de massa de vidraceiro, permitindo alguma forma de autoexpressão. Talvez seja possível enfeitar os óculos (seria divertido) ou adicionar adesivos ou decorar o cabo. A Apple claramente trabalhou muito no ajuste, com todos os tipos de componentes ajustáveis, o que já é alguma coisa. E pesa apenas cerca de 450 gramas.
Talvez a Apple esteja apostando que, em última análise, o apelo da tecnologia superará a moda, embora sua experiência com o relógio sugira que essa é uma suposição incorreta. Ou talvez, como o relógio, seja um reconhecimento de que o design, quando se trata da Apple, agora é uma consideração secundária. Jony Ive, o homem que, junto com Steve Jobs, foi o maior responsável por estabelecer um vocabulário de estilo, deixou a empresa em 2019.
Também pode ser por isso que o grande Vision Pro revele vídeos de pessoas usando o dispositivo quando estão sozinhas ou, no máximo, com a família por perto, em vez de em qualquer tipo de espaço público. (OK, uma pessoa estava em um avião, embora este seja um lugar onde você quer fingir que não há mais ninguém por perto.)
Porque o fato é que, embora ninguém queira parecer uma vítima da moda, também não queremos parecer uma vítima da moda em tecnologia. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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