O que aconteceu quando a Índia desligou o TikTok


Os Estados Unidos estão agonizando com a possibilidade de uma proibição, mas a Índia fez isso de uma só vez; veja como os indianos reagiram à nova realidade das redes sociais de vídeo

Por Alex Travelli e Suhasini Raj

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — NOVA DELHI — Na Índia, país de 1,4 bilhão de habitantes, o TikTok levou apenas alguns anos para construir uma audiência de 200 milhões de usuários. A Índia era seu maior mercado. Então, em 29 de junho de 2020, o governo indiano baniu o TikTok, junto com outros 58 aplicativos chineses, depois que o conflito latente entre Índia e China se transformou em violência na fronteira.

Uma forma popular de entretenimento, que não tinha sido objeto de debate político, desapareceu da noite para o dia. Agora, enquanto os políticos em Washington discutem um plano que pode cortar o acesso dos 170 milhões de americanos que usam o TikTok, o exemplo dado pela Índia dá uma amostra do que pode acontecer – e como pode ser a reação das pessoas e das outras plataformas de redes sociais.

O TikTok, de propriedade da ByteDance em Pequim, chegou cedo à Índia e já em 2017 estabeleceu uma ampla base de usuários em dezenas de idiomas do país. Seu conteúdo – vídeos curtos – tendia a ser caseiro e hiperlocal. Uma lista interminável de produções caseiras, muitas delas filmadas em fazendas ou vilarejos e com música popular, ajudava a passar o tempo na rede de dados móveis mais barata e de crescimento mais rápido do mundo. Assim como aconteceu nos Estados Unidos, o TikTok se tornou uma plataforma para empreendedores extrovertidos construírem seus negócios.

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Veer Sharma tinha 26 anos quando apagaram as luzes. Ele tinha acumulado 7 milhões de seguidores no TikTok, onde postava vídeos dele e de amigos dublando e fazendo piadas com músicas de filmes em hindi. Era filho de um operário demitido na cidade de Indore, no centro da Índia, e mal concluíra a escolaridade formal. Suas conquistas no TikTok o enchiam de orgulho. Ele se sentia “mais que feliz” quando as pessoas o reconheciam na rua.

Elas também ficavam felizes de vê-lo. Certa vez, disse Sharma, um “casal de idosos me reconheceu e disse que assistia aos meus vídeos antes de dormir, para dar umas risadas”. O casal lhe disse que seus vídeos “eram uma válvula de escape para a dureza da vida diária.”

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TikTok conquistou um público enorme na Índia, em dezenas de idiomas, antes de ser banido pelo governo  Foto: Ascannio/Adobe Stock

Com seu novo estrelato, Sharma ganhava 100 mil rúpias (cerca de US$ 1.200) por mês. Ele comprou uma Mercedes. Depois do banimento em 2020, mal teve tempo de fazer um último vídeo para os fãs. “Nosso tempo juntos vai acabar em breve e não sei como nem quando vamos nos ver de novo”, ele falou aos seguidores.

“Aí chorei muito”, disse ele.

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Ainda assim, os vídeos curtos, entre eles muitos preservados do TikTok e enviados para outros sites que não são proibidos, continuam a atrair indianos.

A vida online na Índia logo se adaptou à ausência do TikTok. O Instagram, da Meta, apareceu com seus Reels e o YouTube, da Alphabet, com os Shorts, ambos produtos semelhantes ao TikTok, atraindo muitos dos influenciadores e olhos que tinham ficado ociosos.

Os serviços ficaram famosos. Mas algo se perdeu no caminho, dizem os especialistas. Grande parte do charme caseiro do TikTok indiano nunca encontrou um novo lar. E ficou mais difícil descobrir os criadores menores.

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Nikhil Pahwa, analista de política digital em Nova Delhi, acompanha a mudança geral desde o banimento do TikTok e de seus “algoritmos, seu tempero especial”, que eram “muito mais focados no conteúdo indiano” do que as fórmulas usadas pelos gigantes americanos que o sucederam.

Várias empresas indianas tentaram fechar a lacuna aberta pelo desaparecimento da concorrência chinesa. Mas os gigantes da tecnologia norte-americanos, com bolsos cheios e audiências globais em expansão, passaram a dominar a Índia. Hoje o país é o maior mercado tanto para o YouTube (quase 500 milhões de usuários mensais) quanto para o Instagram (362 milhões), com cerca de duas vezes mais usuários do que qualquer uma das plataformas nos Estados Unidos, embora obtenham muito menos receita por consumidor.

A decisão indiana de isolar sua população do TikTok foi tão repentina quanto estão demorados os esforços americanos, que começaram em 2020. Mas a motivação foi parecida – e ainda mais dramática. Enquanto Estados Unidos e China se enfrentam em um novo tipo de guerra fria pelo domínio econômico, Índia e China têm tropas estacionadas na fronteira desde 1962. Em 2020, esse conflito congelado esquentou. Em uma noite de brutal combate corpo a corpo, 20 soldados indianos foram mortos, além de pelo menos quatro chineses – o que a China nunca confirmou oficialmente.

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Duas semanas depois, a Índia desligou o TikTok. O aplicativo desapareceu das lojas Google e Apple, e seu site foi bloqueado. Nessa altura, a Índia já tinha muita prática no bloqueio de sites questionáveis e até no desligamento de dados móveis em regiões inteiras, em nome da preservação da ordem pública.

Houve poucos outros sinais de retaliação por parte da Índia, mas essa medida chamou a atenção do público. A lista de aplicativos chineses que a Índia proibiu continua crescendo: agora está em 509, segundo Pahwa.

Tensões entre Índia e China aumentaram em 2020 Foto: MasterSergeant/Adobe Stock
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Até então, a internet indiana representava um mercado aberto para a China. Em contraste com as empresas de comunicação nacionais da Índia, as startups tecnológicas eram livres de receber investimentos da China e de outros países. O TikTok era apenas o mais popular entre dezenas de jogos e serviços chineses distribuídos online aos indianos.

A possibilidade de a tecnologia de consumo chinesa representar um perigo para a soberania da Índia vinha circulando nos círculos de segurança nacional pelo menos desde 2017, após um conflito fronteiriço semelhante.

As autoridades indianas haviam expressado preocupação com o risco de os aplicativos de propriedade chinesa fornecerem a Pequim uma poderosa ferramenta de mensagens dentro do ecossistema dos meios de comunicação indianos. Apenas dois meses antes da proibição, a Índia anunciou novas restrições aos investimentos de qualquer país que compartilhasse “fronteira terrestre com a Índia”. Tecnicamente, isso se aplicaria a Bangladesh, Butão, Nepal e Paquistão. Mas o verdadeiro alvo era a China.

Em 29 de junho de 2020, a ordem oficial que bloqueou o TikTok e dezenas de serviços chineses menos conhecidos não mencionou explicitamente a China, nem a batalha sangrenta na fronteira. Em vez disso, a medida foi descrita como uma questão de “segurança de dados e salvaguarda da privacidade” dos cidadãos indianos contra “elementos hostis à segurança nacional e à defesa da Índia”.

Número de aplicativos chineses proibidos na lista indiana já chegou a 509, segundo Pahwa Foto: temitiman/Adobe Stock

Nos anos seguintes, o governo da Índia utilizou a lógica de manter “a segurança e a soberania do ciberespaço indiano” para ditar termos até mesmo às empresas tecnológicas americanas. O governo abriu queixas contra Apple, Twitter, Meta e Google, por vezes para impedir discursos críticos ao primeiro-ministro, Narendra Modi, e ao seu Partido do Povo Indiano (ou Bharatiya Janata, BJP, na sigla em inglês).

Mas o governo não guardou rancor dos influenciadores do TikTok. Depois que a proibição entrou em vigor, o BJP procurou Sharma, que disse que tinha caído em depressão. Ao perder a renda e a fama, ele sentiu seu “mundo desabar”. Ele já tinha sido contatado pelo Moj, um rival do TikTok com sede em Bangalore.

A carreira e a renda de Sharma se recuperaram depois que ele postou um clipe com o ministro-chefe de seu estado e começou a fazer vídeos promocionais com outros dirigentes do BJP. Agora ele tem orgulho por ajudar a promover a agenda política de Modi.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — NOVA DELHI — Na Índia, país de 1,4 bilhão de habitantes, o TikTok levou apenas alguns anos para construir uma audiência de 200 milhões de usuários. A Índia era seu maior mercado. Então, em 29 de junho de 2020, o governo indiano baniu o TikTok, junto com outros 58 aplicativos chineses, depois que o conflito latente entre Índia e China se transformou em violência na fronteira.

Uma forma popular de entretenimento, que não tinha sido objeto de debate político, desapareceu da noite para o dia. Agora, enquanto os políticos em Washington discutem um plano que pode cortar o acesso dos 170 milhões de americanos que usam o TikTok, o exemplo dado pela Índia dá uma amostra do que pode acontecer – e como pode ser a reação das pessoas e das outras plataformas de redes sociais.

O TikTok, de propriedade da ByteDance em Pequim, chegou cedo à Índia e já em 2017 estabeleceu uma ampla base de usuários em dezenas de idiomas do país. Seu conteúdo – vídeos curtos – tendia a ser caseiro e hiperlocal. Uma lista interminável de produções caseiras, muitas delas filmadas em fazendas ou vilarejos e com música popular, ajudava a passar o tempo na rede de dados móveis mais barata e de crescimento mais rápido do mundo. Assim como aconteceu nos Estados Unidos, o TikTok se tornou uma plataforma para empreendedores extrovertidos construírem seus negócios.

Veer Sharma tinha 26 anos quando apagaram as luzes. Ele tinha acumulado 7 milhões de seguidores no TikTok, onde postava vídeos dele e de amigos dublando e fazendo piadas com músicas de filmes em hindi. Era filho de um operário demitido na cidade de Indore, no centro da Índia, e mal concluíra a escolaridade formal. Suas conquistas no TikTok o enchiam de orgulho. Ele se sentia “mais que feliz” quando as pessoas o reconheciam na rua.

Elas também ficavam felizes de vê-lo. Certa vez, disse Sharma, um “casal de idosos me reconheceu e disse que assistia aos meus vídeos antes de dormir, para dar umas risadas”. O casal lhe disse que seus vídeos “eram uma válvula de escape para a dureza da vida diária.”

TikTok conquistou um público enorme na Índia, em dezenas de idiomas, antes de ser banido pelo governo  Foto: Ascannio/Adobe Stock

Com seu novo estrelato, Sharma ganhava 100 mil rúpias (cerca de US$ 1.200) por mês. Ele comprou uma Mercedes. Depois do banimento em 2020, mal teve tempo de fazer um último vídeo para os fãs. “Nosso tempo juntos vai acabar em breve e não sei como nem quando vamos nos ver de novo”, ele falou aos seguidores.

“Aí chorei muito”, disse ele.

Ainda assim, os vídeos curtos, entre eles muitos preservados do TikTok e enviados para outros sites que não são proibidos, continuam a atrair indianos.

A vida online na Índia logo se adaptou à ausência do TikTok. O Instagram, da Meta, apareceu com seus Reels e o YouTube, da Alphabet, com os Shorts, ambos produtos semelhantes ao TikTok, atraindo muitos dos influenciadores e olhos que tinham ficado ociosos.

Os serviços ficaram famosos. Mas algo se perdeu no caminho, dizem os especialistas. Grande parte do charme caseiro do TikTok indiano nunca encontrou um novo lar. E ficou mais difícil descobrir os criadores menores.

Nikhil Pahwa, analista de política digital em Nova Delhi, acompanha a mudança geral desde o banimento do TikTok e de seus “algoritmos, seu tempero especial”, que eram “muito mais focados no conteúdo indiano” do que as fórmulas usadas pelos gigantes americanos que o sucederam.

Várias empresas indianas tentaram fechar a lacuna aberta pelo desaparecimento da concorrência chinesa. Mas os gigantes da tecnologia norte-americanos, com bolsos cheios e audiências globais em expansão, passaram a dominar a Índia. Hoje o país é o maior mercado tanto para o YouTube (quase 500 milhões de usuários mensais) quanto para o Instagram (362 milhões), com cerca de duas vezes mais usuários do que qualquer uma das plataformas nos Estados Unidos, embora obtenham muito menos receita por consumidor.

A decisão indiana de isolar sua população do TikTok foi tão repentina quanto estão demorados os esforços americanos, que começaram em 2020. Mas a motivação foi parecida – e ainda mais dramática. Enquanto Estados Unidos e China se enfrentam em um novo tipo de guerra fria pelo domínio econômico, Índia e China têm tropas estacionadas na fronteira desde 1962. Em 2020, esse conflito congelado esquentou. Em uma noite de brutal combate corpo a corpo, 20 soldados indianos foram mortos, além de pelo menos quatro chineses – o que a China nunca confirmou oficialmente.

Duas semanas depois, a Índia desligou o TikTok. O aplicativo desapareceu das lojas Google e Apple, e seu site foi bloqueado. Nessa altura, a Índia já tinha muita prática no bloqueio de sites questionáveis e até no desligamento de dados móveis em regiões inteiras, em nome da preservação da ordem pública.

Houve poucos outros sinais de retaliação por parte da Índia, mas essa medida chamou a atenção do público. A lista de aplicativos chineses que a Índia proibiu continua crescendo: agora está em 509, segundo Pahwa.

Tensões entre Índia e China aumentaram em 2020 Foto: MasterSergeant/Adobe Stock

Até então, a internet indiana representava um mercado aberto para a China. Em contraste com as empresas de comunicação nacionais da Índia, as startups tecnológicas eram livres de receber investimentos da China e de outros países. O TikTok era apenas o mais popular entre dezenas de jogos e serviços chineses distribuídos online aos indianos.

A possibilidade de a tecnologia de consumo chinesa representar um perigo para a soberania da Índia vinha circulando nos círculos de segurança nacional pelo menos desde 2017, após um conflito fronteiriço semelhante.

As autoridades indianas haviam expressado preocupação com o risco de os aplicativos de propriedade chinesa fornecerem a Pequim uma poderosa ferramenta de mensagens dentro do ecossistema dos meios de comunicação indianos. Apenas dois meses antes da proibição, a Índia anunciou novas restrições aos investimentos de qualquer país que compartilhasse “fronteira terrestre com a Índia”. Tecnicamente, isso se aplicaria a Bangladesh, Butão, Nepal e Paquistão. Mas o verdadeiro alvo era a China.

Em 29 de junho de 2020, a ordem oficial que bloqueou o TikTok e dezenas de serviços chineses menos conhecidos não mencionou explicitamente a China, nem a batalha sangrenta na fronteira. Em vez disso, a medida foi descrita como uma questão de “segurança de dados e salvaguarda da privacidade” dos cidadãos indianos contra “elementos hostis à segurança nacional e à defesa da Índia”.

Número de aplicativos chineses proibidos na lista indiana já chegou a 509, segundo Pahwa Foto: temitiman/Adobe Stock

Nos anos seguintes, o governo da Índia utilizou a lógica de manter “a segurança e a soberania do ciberespaço indiano” para ditar termos até mesmo às empresas tecnológicas americanas. O governo abriu queixas contra Apple, Twitter, Meta e Google, por vezes para impedir discursos críticos ao primeiro-ministro, Narendra Modi, e ao seu Partido do Povo Indiano (ou Bharatiya Janata, BJP, na sigla em inglês).

Mas o governo não guardou rancor dos influenciadores do TikTok. Depois que a proibição entrou em vigor, o BJP procurou Sharma, que disse que tinha caído em depressão. Ao perder a renda e a fama, ele sentiu seu “mundo desabar”. Ele já tinha sido contatado pelo Moj, um rival do TikTok com sede em Bangalore.

A carreira e a renda de Sharma se recuperaram depois que ele postou um clipe com o ministro-chefe de seu estado e começou a fazer vídeos promocionais com outros dirigentes do BJP. Agora ele tem orgulho por ajudar a promover a agenda política de Modi.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — NOVA DELHI — Na Índia, país de 1,4 bilhão de habitantes, o TikTok levou apenas alguns anos para construir uma audiência de 200 milhões de usuários. A Índia era seu maior mercado. Então, em 29 de junho de 2020, o governo indiano baniu o TikTok, junto com outros 58 aplicativos chineses, depois que o conflito latente entre Índia e China se transformou em violência na fronteira.

Uma forma popular de entretenimento, que não tinha sido objeto de debate político, desapareceu da noite para o dia. Agora, enquanto os políticos em Washington discutem um plano que pode cortar o acesso dos 170 milhões de americanos que usam o TikTok, o exemplo dado pela Índia dá uma amostra do que pode acontecer – e como pode ser a reação das pessoas e das outras plataformas de redes sociais.

O TikTok, de propriedade da ByteDance em Pequim, chegou cedo à Índia e já em 2017 estabeleceu uma ampla base de usuários em dezenas de idiomas do país. Seu conteúdo – vídeos curtos – tendia a ser caseiro e hiperlocal. Uma lista interminável de produções caseiras, muitas delas filmadas em fazendas ou vilarejos e com música popular, ajudava a passar o tempo na rede de dados móveis mais barata e de crescimento mais rápido do mundo. Assim como aconteceu nos Estados Unidos, o TikTok se tornou uma plataforma para empreendedores extrovertidos construírem seus negócios.

Veer Sharma tinha 26 anos quando apagaram as luzes. Ele tinha acumulado 7 milhões de seguidores no TikTok, onde postava vídeos dele e de amigos dublando e fazendo piadas com músicas de filmes em hindi. Era filho de um operário demitido na cidade de Indore, no centro da Índia, e mal concluíra a escolaridade formal. Suas conquistas no TikTok o enchiam de orgulho. Ele se sentia “mais que feliz” quando as pessoas o reconheciam na rua.

Elas também ficavam felizes de vê-lo. Certa vez, disse Sharma, um “casal de idosos me reconheceu e disse que assistia aos meus vídeos antes de dormir, para dar umas risadas”. O casal lhe disse que seus vídeos “eram uma válvula de escape para a dureza da vida diária.”

TikTok conquistou um público enorme na Índia, em dezenas de idiomas, antes de ser banido pelo governo  Foto: Ascannio/Adobe Stock

Com seu novo estrelato, Sharma ganhava 100 mil rúpias (cerca de US$ 1.200) por mês. Ele comprou uma Mercedes. Depois do banimento em 2020, mal teve tempo de fazer um último vídeo para os fãs. “Nosso tempo juntos vai acabar em breve e não sei como nem quando vamos nos ver de novo”, ele falou aos seguidores.

“Aí chorei muito”, disse ele.

Ainda assim, os vídeos curtos, entre eles muitos preservados do TikTok e enviados para outros sites que não são proibidos, continuam a atrair indianos.

A vida online na Índia logo se adaptou à ausência do TikTok. O Instagram, da Meta, apareceu com seus Reels e o YouTube, da Alphabet, com os Shorts, ambos produtos semelhantes ao TikTok, atraindo muitos dos influenciadores e olhos que tinham ficado ociosos.

Os serviços ficaram famosos. Mas algo se perdeu no caminho, dizem os especialistas. Grande parte do charme caseiro do TikTok indiano nunca encontrou um novo lar. E ficou mais difícil descobrir os criadores menores.

Nikhil Pahwa, analista de política digital em Nova Delhi, acompanha a mudança geral desde o banimento do TikTok e de seus “algoritmos, seu tempero especial”, que eram “muito mais focados no conteúdo indiano” do que as fórmulas usadas pelos gigantes americanos que o sucederam.

Várias empresas indianas tentaram fechar a lacuna aberta pelo desaparecimento da concorrência chinesa. Mas os gigantes da tecnologia norte-americanos, com bolsos cheios e audiências globais em expansão, passaram a dominar a Índia. Hoje o país é o maior mercado tanto para o YouTube (quase 500 milhões de usuários mensais) quanto para o Instagram (362 milhões), com cerca de duas vezes mais usuários do que qualquer uma das plataformas nos Estados Unidos, embora obtenham muito menos receita por consumidor.

A decisão indiana de isolar sua população do TikTok foi tão repentina quanto estão demorados os esforços americanos, que começaram em 2020. Mas a motivação foi parecida – e ainda mais dramática. Enquanto Estados Unidos e China se enfrentam em um novo tipo de guerra fria pelo domínio econômico, Índia e China têm tropas estacionadas na fronteira desde 1962. Em 2020, esse conflito congelado esquentou. Em uma noite de brutal combate corpo a corpo, 20 soldados indianos foram mortos, além de pelo menos quatro chineses – o que a China nunca confirmou oficialmente.

Duas semanas depois, a Índia desligou o TikTok. O aplicativo desapareceu das lojas Google e Apple, e seu site foi bloqueado. Nessa altura, a Índia já tinha muita prática no bloqueio de sites questionáveis e até no desligamento de dados móveis em regiões inteiras, em nome da preservação da ordem pública.

Houve poucos outros sinais de retaliação por parte da Índia, mas essa medida chamou a atenção do público. A lista de aplicativos chineses que a Índia proibiu continua crescendo: agora está em 509, segundo Pahwa.

Tensões entre Índia e China aumentaram em 2020 Foto: MasterSergeant/Adobe Stock

Até então, a internet indiana representava um mercado aberto para a China. Em contraste com as empresas de comunicação nacionais da Índia, as startups tecnológicas eram livres de receber investimentos da China e de outros países. O TikTok era apenas o mais popular entre dezenas de jogos e serviços chineses distribuídos online aos indianos.

A possibilidade de a tecnologia de consumo chinesa representar um perigo para a soberania da Índia vinha circulando nos círculos de segurança nacional pelo menos desde 2017, após um conflito fronteiriço semelhante.

As autoridades indianas haviam expressado preocupação com o risco de os aplicativos de propriedade chinesa fornecerem a Pequim uma poderosa ferramenta de mensagens dentro do ecossistema dos meios de comunicação indianos. Apenas dois meses antes da proibição, a Índia anunciou novas restrições aos investimentos de qualquer país que compartilhasse “fronteira terrestre com a Índia”. Tecnicamente, isso se aplicaria a Bangladesh, Butão, Nepal e Paquistão. Mas o verdadeiro alvo era a China.

Em 29 de junho de 2020, a ordem oficial que bloqueou o TikTok e dezenas de serviços chineses menos conhecidos não mencionou explicitamente a China, nem a batalha sangrenta na fronteira. Em vez disso, a medida foi descrita como uma questão de “segurança de dados e salvaguarda da privacidade” dos cidadãos indianos contra “elementos hostis à segurança nacional e à defesa da Índia”.

Número de aplicativos chineses proibidos na lista indiana já chegou a 509, segundo Pahwa Foto: temitiman/Adobe Stock

Nos anos seguintes, o governo da Índia utilizou a lógica de manter “a segurança e a soberania do ciberespaço indiano” para ditar termos até mesmo às empresas tecnológicas americanas. O governo abriu queixas contra Apple, Twitter, Meta e Google, por vezes para impedir discursos críticos ao primeiro-ministro, Narendra Modi, e ao seu Partido do Povo Indiano (ou Bharatiya Janata, BJP, na sigla em inglês).

Mas o governo não guardou rancor dos influenciadores do TikTok. Depois que a proibição entrou em vigor, o BJP procurou Sharma, que disse que tinha caído em depressão. Ao perder a renda e a fama, ele sentiu seu “mundo desabar”. Ele já tinha sido contatado pelo Moj, um rival do TikTok com sede em Bangalore.

A carreira e a renda de Sharma se recuperaram depois que ele postou um clipe com o ministro-chefe de seu estado e começou a fazer vídeos promocionais com outros dirigentes do BJP. Agora ele tem orgulho por ajudar a promover a agenda política de Modi.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

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