Quem lê a obra de Elena Ferrante no inglês lê também Ann Goldstein


Tradutora trabalhou com a autora de “My Brilliant Friend” novamente para seu último livro, “The Lying Life of Adults”

Por Joumana Khatib

Milhões de leitores fascinados por Elena Ferrante, a discreta e extremamente popular romancista italiana, precisam aceitar determinadas condições. Não poderão encontrá-la, seja pessoalmente ou no mundo virtual, em nenhum tipo de lançamento, sessão de autógrafos ou festival de literatura.

As histórias dela se passam na Itália, e frequentemente giram em torno de mulheres que tentam domar o caos em suas vidas por meio da escrita. E quem lê os livros de Elena em inglês absorve também o ágil trabalho de tradução de Ann Goldstein, mesmo se não estiver consciente disso.

Ann Goldstein fora de sua casa em Manhattan. “Foi um livro surpreendente”, disse Goldstein sobre “The Lying Life of Adults”. Foto: September Dawn Bottoms The New York Times
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Ann nunca se encontrou com Elena e a comunicação entre as duas se dá por intermédio do editor, mas ela se tornou uma das tradutoras literárias mais conhecidas e celebradas do mundo como resultado do seu trabalho em My Brilliant Friend  [Amiga genial] e o restante da série napolitana da autora.

Sob muitos aspectos, elas têm um relacionamento de reciprocidade: se os leitores italianos conhecem Elena há anos, foi a tradução de seus livros para o inglês e outros idiomas que a lançou para a fama internacional. A colaboração entre elas será vista novamente no mês que vem com o lançamento mundial do novo romance de Elena, “The Lying Life of Adults” [A vida mentirosa dos adultos], no dia 1º de setembro.

O lançamento original seria em 9 de junho, mas a pandemia do coronavírus levou os editores a anunciarem o adiamento (a Netflix planeja adaptar o romance em uma série original). Como muitos dos livros de Elena, The Lying Life of Adults se passa em Nápoles. A história acompanha a adolescente Giovanna, que acidentalmente ouve o pai comparando-a a uma tia feia, Vittoria. A jornada de Giovanna em busca da tia a conduz por uma parte mais pobre da cidade, revelando indesejáveis verdades da família pelo caminho.

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“Foi um livro surpreendente", disse Ann em entrevista realizada pelo Zoom a partir de seu lar no centro de Manhattan. “Foi uma perspectiva bem diferente de Nápoles, tanto em termos de classe e vida social quanto pelo fato de ter uma narradora adolescente. Só espero ter feito um trabalho fiel".

Essa humildade era uma marca da abordagem dela à frente do copidesque da New Yorker. Ann trabalhou na revista por mais de 40 anos, defendendo com rigor regras gramaticais e outros detalhes que “acabam irritando os autores", disse ela. Mas a parte mais essencial do trabalho era fazer com que um autor ou autora parecesse tão fiel a si quanto possível, disse ela. “Os autores que editei estavam entre os melhores. Tive muita sorte.”

Após a morte do editor Gardner Botsford, marido de Janet Malcolm, em 2004, Ann assumiu o cargo de editora. “Não poderia pedir uma sucessora melhor", escreveu Janet em um e-mail. “O traço mais notável de Ann — além da maravilhosa qualidade do seu trabalho — é sua modéstia. Ela é conhecida como reticente e autodepreciativa.”

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Em meados dos anos 1980, Ann e alguns colegas da New Yorker formaram uma turma de estudos noturnos para aprender italiano (“Empregadores iluminados costumavam pagar pelas aulas", disse ela). Ann tinha ficado encantada com Dante na faculdade e queria ler sua obra no original. O grupo dedicou um ano ao Inferno, outro ao Purgatório e outro ao Paraíso. “Normalmente, as pessoas só leem o ‘Inferno’, mas vale a pena ler até o Paraíso”, disse Ann.

“É algo que merecemos.” Ela começou a traduzir alguns anos mais tarde, começando com o conto de Aldo Buzzi, Chekhov in Sondrio, seguido por Petrolio, de Pier Paolo Pasolini, “um livro totalmente maluco” escrito em um italiano complexo que, de acordo com ela, quase ninguém leu, seja no original ou traduzido. Antes de se aposentar da New Yorker em 2017, Ann trabalha em suas traduções à noite ou nos finais de semana e férias.

“Estou disposta a tentar todo o tipo de coisa", disse ela a respeito dos trabalhos que a atraem. “Não acredito que seja necessário ter afinidade com o autor ou autora, mas, no caso de Elena, essa afinidade existe.” A editora Europa Editions, que publica a obra de Elena nos Estados Unidos, não concordou em encaminhar perguntas para a autora. “Elena Ferrante” é um pseudônimo, e ainda que tenha se especulado a respeito da identidade dela, a autora jamais se revelou ao público.

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A editora de Elena na Itália, Edizioni E/O, cuida da comunicação entre a autora e Ann. Seu relacionamento de trabalho remonta a 2004, antes de My Brilliant Friend, quando Ann traduziu The Days of Abandonment [Dias de abandono], primeiro livro de Elena lançado pela Europa Editions. Ann, que estava entre alguns candidatos convidados a enviar uma amostra de tradução, foi escolhida em detrimento de Michael Reynolds, editor-chefe da Europa Editions, entre outros.

Elena é conhecida pelas frases longas e emotivas e, na tradução de Ann para The Lying Life of Adults, isso fica claro já no primeiro parágrafo: “Everything — the spaces of Naples, the blue light of a frigid February, those words — remained fixed. But I slipped away, and am still slipping away, within these lines that are intended to give me a story, while in fact I am nothing, nothing of my own, nothing that has really begun or really been brought to completion” [Tudo - os espaços de Nápoles, a luz azul de um gélido fevereiro, aquelas palavras - permanecia imóvel. Mas escapei, e continuo escapando, dentro dessas linhas que deveriam me dar uma história, quando na verdade não sou nada, nada sozinha, nada que tenha realmente começado ou sido levado a cabo].

Mary Norris, que trabalhou muitos anos na New Yorker, foi colega de Ann durante décadas. “As virtudes de editora fizeram dela uma boa tradutora", disse Mary. “Em um certo sentido, ela desaparece. Assim como um editor deve ser como uma peneira entre o autor e a linguagem, o mesmo vale para o tradutor.” Mas, posteriormente, Mary percebeu que “traduzir não é como editar", disse ela. “É algo que também envolve ser escritor. Ann tem esse lado e o emprega no seu trabalho.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Milhões de leitores fascinados por Elena Ferrante, a discreta e extremamente popular romancista italiana, precisam aceitar determinadas condições. Não poderão encontrá-la, seja pessoalmente ou no mundo virtual, em nenhum tipo de lançamento, sessão de autógrafos ou festival de literatura.

As histórias dela se passam na Itália, e frequentemente giram em torno de mulheres que tentam domar o caos em suas vidas por meio da escrita. E quem lê os livros de Elena em inglês absorve também o ágil trabalho de tradução de Ann Goldstein, mesmo se não estiver consciente disso.

Ann Goldstein fora de sua casa em Manhattan. “Foi um livro surpreendente”, disse Goldstein sobre “The Lying Life of Adults”. Foto: September Dawn Bottoms The New York Times

Ann nunca se encontrou com Elena e a comunicação entre as duas se dá por intermédio do editor, mas ela se tornou uma das tradutoras literárias mais conhecidas e celebradas do mundo como resultado do seu trabalho em My Brilliant Friend  [Amiga genial] e o restante da série napolitana da autora.

Sob muitos aspectos, elas têm um relacionamento de reciprocidade: se os leitores italianos conhecem Elena há anos, foi a tradução de seus livros para o inglês e outros idiomas que a lançou para a fama internacional. A colaboração entre elas será vista novamente no mês que vem com o lançamento mundial do novo romance de Elena, “The Lying Life of Adults” [A vida mentirosa dos adultos], no dia 1º de setembro.

O lançamento original seria em 9 de junho, mas a pandemia do coronavírus levou os editores a anunciarem o adiamento (a Netflix planeja adaptar o romance em uma série original). Como muitos dos livros de Elena, The Lying Life of Adults se passa em Nápoles. A história acompanha a adolescente Giovanna, que acidentalmente ouve o pai comparando-a a uma tia feia, Vittoria. A jornada de Giovanna em busca da tia a conduz por uma parte mais pobre da cidade, revelando indesejáveis verdades da família pelo caminho.

“Foi um livro surpreendente", disse Ann em entrevista realizada pelo Zoom a partir de seu lar no centro de Manhattan. “Foi uma perspectiva bem diferente de Nápoles, tanto em termos de classe e vida social quanto pelo fato de ter uma narradora adolescente. Só espero ter feito um trabalho fiel".

Essa humildade era uma marca da abordagem dela à frente do copidesque da New Yorker. Ann trabalhou na revista por mais de 40 anos, defendendo com rigor regras gramaticais e outros detalhes que “acabam irritando os autores", disse ela. Mas a parte mais essencial do trabalho era fazer com que um autor ou autora parecesse tão fiel a si quanto possível, disse ela. “Os autores que editei estavam entre os melhores. Tive muita sorte.”

Após a morte do editor Gardner Botsford, marido de Janet Malcolm, em 2004, Ann assumiu o cargo de editora. “Não poderia pedir uma sucessora melhor", escreveu Janet em um e-mail. “O traço mais notável de Ann — além da maravilhosa qualidade do seu trabalho — é sua modéstia. Ela é conhecida como reticente e autodepreciativa.”

Em meados dos anos 1980, Ann e alguns colegas da New Yorker formaram uma turma de estudos noturnos para aprender italiano (“Empregadores iluminados costumavam pagar pelas aulas", disse ela). Ann tinha ficado encantada com Dante na faculdade e queria ler sua obra no original. O grupo dedicou um ano ao Inferno, outro ao Purgatório e outro ao Paraíso. “Normalmente, as pessoas só leem o ‘Inferno’, mas vale a pena ler até o Paraíso”, disse Ann.

“É algo que merecemos.” Ela começou a traduzir alguns anos mais tarde, começando com o conto de Aldo Buzzi, Chekhov in Sondrio, seguido por Petrolio, de Pier Paolo Pasolini, “um livro totalmente maluco” escrito em um italiano complexo que, de acordo com ela, quase ninguém leu, seja no original ou traduzido. Antes de se aposentar da New Yorker em 2017, Ann trabalha em suas traduções à noite ou nos finais de semana e férias.

“Estou disposta a tentar todo o tipo de coisa", disse ela a respeito dos trabalhos que a atraem. “Não acredito que seja necessário ter afinidade com o autor ou autora, mas, no caso de Elena, essa afinidade existe.” A editora Europa Editions, que publica a obra de Elena nos Estados Unidos, não concordou em encaminhar perguntas para a autora. “Elena Ferrante” é um pseudônimo, e ainda que tenha se especulado a respeito da identidade dela, a autora jamais se revelou ao público.

A editora de Elena na Itália, Edizioni E/O, cuida da comunicação entre a autora e Ann. Seu relacionamento de trabalho remonta a 2004, antes de My Brilliant Friend, quando Ann traduziu The Days of Abandonment [Dias de abandono], primeiro livro de Elena lançado pela Europa Editions. Ann, que estava entre alguns candidatos convidados a enviar uma amostra de tradução, foi escolhida em detrimento de Michael Reynolds, editor-chefe da Europa Editions, entre outros.

Elena é conhecida pelas frases longas e emotivas e, na tradução de Ann para The Lying Life of Adults, isso fica claro já no primeiro parágrafo: “Everything — the spaces of Naples, the blue light of a frigid February, those words — remained fixed. But I slipped away, and am still slipping away, within these lines that are intended to give me a story, while in fact I am nothing, nothing of my own, nothing that has really begun or really been brought to completion” [Tudo - os espaços de Nápoles, a luz azul de um gélido fevereiro, aquelas palavras - permanecia imóvel. Mas escapei, e continuo escapando, dentro dessas linhas que deveriam me dar uma história, quando na verdade não sou nada, nada sozinha, nada que tenha realmente começado ou sido levado a cabo].

Mary Norris, que trabalhou muitos anos na New Yorker, foi colega de Ann durante décadas. “As virtudes de editora fizeram dela uma boa tradutora", disse Mary. “Em um certo sentido, ela desaparece. Assim como um editor deve ser como uma peneira entre o autor e a linguagem, o mesmo vale para o tradutor.” Mas, posteriormente, Mary percebeu que “traduzir não é como editar", disse ela. “É algo que também envolve ser escritor. Ann tem esse lado e o emprega no seu trabalho.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Milhões de leitores fascinados por Elena Ferrante, a discreta e extremamente popular romancista italiana, precisam aceitar determinadas condições. Não poderão encontrá-la, seja pessoalmente ou no mundo virtual, em nenhum tipo de lançamento, sessão de autógrafos ou festival de literatura.

As histórias dela se passam na Itália, e frequentemente giram em torno de mulheres que tentam domar o caos em suas vidas por meio da escrita. E quem lê os livros de Elena em inglês absorve também o ágil trabalho de tradução de Ann Goldstein, mesmo se não estiver consciente disso.

Ann Goldstein fora de sua casa em Manhattan. “Foi um livro surpreendente”, disse Goldstein sobre “The Lying Life of Adults”. Foto: September Dawn Bottoms The New York Times

Ann nunca se encontrou com Elena e a comunicação entre as duas se dá por intermédio do editor, mas ela se tornou uma das tradutoras literárias mais conhecidas e celebradas do mundo como resultado do seu trabalho em My Brilliant Friend  [Amiga genial] e o restante da série napolitana da autora.

Sob muitos aspectos, elas têm um relacionamento de reciprocidade: se os leitores italianos conhecem Elena há anos, foi a tradução de seus livros para o inglês e outros idiomas que a lançou para a fama internacional. A colaboração entre elas será vista novamente no mês que vem com o lançamento mundial do novo romance de Elena, “The Lying Life of Adults” [A vida mentirosa dos adultos], no dia 1º de setembro.

O lançamento original seria em 9 de junho, mas a pandemia do coronavírus levou os editores a anunciarem o adiamento (a Netflix planeja adaptar o romance em uma série original). Como muitos dos livros de Elena, The Lying Life of Adults se passa em Nápoles. A história acompanha a adolescente Giovanna, que acidentalmente ouve o pai comparando-a a uma tia feia, Vittoria. A jornada de Giovanna em busca da tia a conduz por uma parte mais pobre da cidade, revelando indesejáveis verdades da família pelo caminho.

“Foi um livro surpreendente", disse Ann em entrevista realizada pelo Zoom a partir de seu lar no centro de Manhattan. “Foi uma perspectiva bem diferente de Nápoles, tanto em termos de classe e vida social quanto pelo fato de ter uma narradora adolescente. Só espero ter feito um trabalho fiel".

Essa humildade era uma marca da abordagem dela à frente do copidesque da New Yorker. Ann trabalhou na revista por mais de 40 anos, defendendo com rigor regras gramaticais e outros detalhes que “acabam irritando os autores", disse ela. Mas a parte mais essencial do trabalho era fazer com que um autor ou autora parecesse tão fiel a si quanto possível, disse ela. “Os autores que editei estavam entre os melhores. Tive muita sorte.”

Após a morte do editor Gardner Botsford, marido de Janet Malcolm, em 2004, Ann assumiu o cargo de editora. “Não poderia pedir uma sucessora melhor", escreveu Janet em um e-mail. “O traço mais notável de Ann — além da maravilhosa qualidade do seu trabalho — é sua modéstia. Ela é conhecida como reticente e autodepreciativa.”

Em meados dos anos 1980, Ann e alguns colegas da New Yorker formaram uma turma de estudos noturnos para aprender italiano (“Empregadores iluminados costumavam pagar pelas aulas", disse ela). Ann tinha ficado encantada com Dante na faculdade e queria ler sua obra no original. O grupo dedicou um ano ao Inferno, outro ao Purgatório e outro ao Paraíso. “Normalmente, as pessoas só leem o ‘Inferno’, mas vale a pena ler até o Paraíso”, disse Ann.

“É algo que merecemos.” Ela começou a traduzir alguns anos mais tarde, começando com o conto de Aldo Buzzi, Chekhov in Sondrio, seguido por Petrolio, de Pier Paolo Pasolini, “um livro totalmente maluco” escrito em um italiano complexo que, de acordo com ela, quase ninguém leu, seja no original ou traduzido. Antes de se aposentar da New Yorker em 2017, Ann trabalha em suas traduções à noite ou nos finais de semana e férias.

“Estou disposta a tentar todo o tipo de coisa", disse ela a respeito dos trabalhos que a atraem. “Não acredito que seja necessário ter afinidade com o autor ou autora, mas, no caso de Elena, essa afinidade existe.” A editora Europa Editions, que publica a obra de Elena nos Estados Unidos, não concordou em encaminhar perguntas para a autora. “Elena Ferrante” é um pseudônimo, e ainda que tenha se especulado a respeito da identidade dela, a autora jamais se revelou ao público.

A editora de Elena na Itália, Edizioni E/O, cuida da comunicação entre a autora e Ann. Seu relacionamento de trabalho remonta a 2004, antes de My Brilliant Friend, quando Ann traduziu The Days of Abandonment [Dias de abandono], primeiro livro de Elena lançado pela Europa Editions. Ann, que estava entre alguns candidatos convidados a enviar uma amostra de tradução, foi escolhida em detrimento de Michael Reynolds, editor-chefe da Europa Editions, entre outros.

Elena é conhecida pelas frases longas e emotivas e, na tradução de Ann para The Lying Life of Adults, isso fica claro já no primeiro parágrafo: “Everything — the spaces of Naples, the blue light of a frigid February, those words — remained fixed. But I slipped away, and am still slipping away, within these lines that are intended to give me a story, while in fact I am nothing, nothing of my own, nothing that has really begun or really been brought to completion” [Tudo - os espaços de Nápoles, a luz azul de um gélido fevereiro, aquelas palavras - permanecia imóvel. Mas escapei, e continuo escapando, dentro dessas linhas que deveriam me dar uma história, quando na verdade não sou nada, nada sozinha, nada que tenha realmente começado ou sido levado a cabo].

Mary Norris, que trabalhou muitos anos na New Yorker, foi colega de Ann durante décadas. “As virtudes de editora fizeram dela uma boa tradutora", disse Mary. “Em um certo sentido, ela desaparece. Assim como um editor deve ser como uma peneira entre o autor e a linguagem, o mesmo vale para o tradutor.” Mas, posteriormente, Mary percebeu que “traduzir não é como editar", disse ela. “É algo que também envolve ser escritor. Ann tem esse lado e o emprega no seu trabalho.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Milhões de leitores fascinados por Elena Ferrante, a discreta e extremamente popular romancista italiana, precisam aceitar determinadas condições. Não poderão encontrá-la, seja pessoalmente ou no mundo virtual, em nenhum tipo de lançamento, sessão de autógrafos ou festival de literatura.

As histórias dela se passam na Itália, e frequentemente giram em torno de mulheres que tentam domar o caos em suas vidas por meio da escrita. E quem lê os livros de Elena em inglês absorve também o ágil trabalho de tradução de Ann Goldstein, mesmo se não estiver consciente disso.

Ann Goldstein fora de sua casa em Manhattan. “Foi um livro surpreendente”, disse Goldstein sobre “The Lying Life of Adults”. Foto: September Dawn Bottoms The New York Times

Ann nunca se encontrou com Elena e a comunicação entre as duas se dá por intermédio do editor, mas ela se tornou uma das tradutoras literárias mais conhecidas e celebradas do mundo como resultado do seu trabalho em My Brilliant Friend  [Amiga genial] e o restante da série napolitana da autora.

Sob muitos aspectos, elas têm um relacionamento de reciprocidade: se os leitores italianos conhecem Elena há anos, foi a tradução de seus livros para o inglês e outros idiomas que a lançou para a fama internacional. A colaboração entre elas será vista novamente no mês que vem com o lançamento mundial do novo romance de Elena, “The Lying Life of Adults” [A vida mentirosa dos adultos], no dia 1º de setembro.

O lançamento original seria em 9 de junho, mas a pandemia do coronavírus levou os editores a anunciarem o adiamento (a Netflix planeja adaptar o romance em uma série original). Como muitos dos livros de Elena, The Lying Life of Adults se passa em Nápoles. A história acompanha a adolescente Giovanna, que acidentalmente ouve o pai comparando-a a uma tia feia, Vittoria. A jornada de Giovanna em busca da tia a conduz por uma parte mais pobre da cidade, revelando indesejáveis verdades da família pelo caminho.

“Foi um livro surpreendente", disse Ann em entrevista realizada pelo Zoom a partir de seu lar no centro de Manhattan. “Foi uma perspectiva bem diferente de Nápoles, tanto em termos de classe e vida social quanto pelo fato de ter uma narradora adolescente. Só espero ter feito um trabalho fiel".

Essa humildade era uma marca da abordagem dela à frente do copidesque da New Yorker. Ann trabalhou na revista por mais de 40 anos, defendendo com rigor regras gramaticais e outros detalhes que “acabam irritando os autores", disse ela. Mas a parte mais essencial do trabalho era fazer com que um autor ou autora parecesse tão fiel a si quanto possível, disse ela. “Os autores que editei estavam entre os melhores. Tive muita sorte.”

Após a morte do editor Gardner Botsford, marido de Janet Malcolm, em 2004, Ann assumiu o cargo de editora. “Não poderia pedir uma sucessora melhor", escreveu Janet em um e-mail. “O traço mais notável de Ann — além da maravilhosa qualidade do seu trabalho — é sua modéstia. Ela é conhecida como reticente e autodepreciativa.”

Em meados dos anos 1980, Ann e alguns colegas da New Yorker formaram uma turma de estudos noturnos para aprender italiano (“Empregadores iluminados costumavam pagar pelas aulas", disse ela). Ann tinha ficado encantada com Dante na faculdade e queria ler sua obra no original. O grupo dedicou um ano ao Inferno, outro ao Purgatório e outro ao Paraíso. “Normalmente, as pessoas só leem o ‘Inferno’, mas vale a pena ler até o Paraíso”, disse Ann.

“É algo que merecemos.” Ela começou a traduzir alguns anos mais tarde, começando com o conto de Aldo Buzzi, Chekhov in Sondrio, seguido por Petrolio, de Pier Paolo Pasolini, “um livro totalmente maluco” escrito em um italiano complexo que, de acordo com ela, quase ninguém leu, seja no original ou traduzido. Antes de se aposentar da New Yorker em 2017, Ann trabalha em suas traduções à noite ou nos finais de semana e férias.

“Estou disposta a tentar todo o tipo de coisa", disse ela a respeito dos trabalhos que a atraem. “Não acredito que seja necessário ter afinidade com o autor ou autora, mas, no caso de Elena, essa afinidade existe.” A editora Europa Editions, que publica a obra de Elena nos Estados Unidos, não concordou em encaminhar perguntas para a autora. “Elena Ferrante” é um pseudônimo, e ainda que tenha se especulado a respeito da identidade dela, a autora jamais se revelou ao público.

A editora de Elena na Itália, Edizioni E/O, cuida da comunicação entre a autora e Ann. Seu relacionamento de trabalho remonta a 2004, antes de My Brilliant Friend, quando Ann traduziu The Days of Abandonment [Dias de abandono], primeiro livro de Elena lançado pela Europa Editions. Ann, que estava entre alguns candidatos convidados a enviar uma amostra de tradução, foi escolhida em detrimento de Michael Reynolds, editor-chefe da Europa Editions, entre outros.

Elena é conhecida pelas frases longas e emotivas e, na tradução de Ann para The Lying Life of Adults, isso fica claro já no primeiro parágrafo: “Everything — the spaces of Naples, the blue light of a frigid February, those words — remained fixed. But I slipped away, and am still slipping away, within these lines that are intended to give me a story, while in fact I am nothing, nothing of my own, nothing that has really begun or really been brought to completion” [Tudo - os espaços de Nápoles, a luz azul de um gélido fevereiro, aquelas palavras - permanecia imóvel. Mas escapei, e continuo escapando, dentro dessas linhas que deveriam me dar uma história, quando na verdade não sou nada, nada sozinha, nada que tenha realmente começado ou sido levado a cabo].

Mary Norris, que trabalhou muitos anos na New Yorker, foi colega de Ann durante décadas. “As virtudes de editora fizeram dela uma boa tradutora", disse Mary. “Em um certo sentido, ela desaparece. Assim como um editor deve ser como uma peneira entre o autor e a linguagem, o mesmo vale para o tradutor.” Mas, posteriormente, Mary percebeu que “traduzir não é como editar", disse ela. “É algo que também envolve ser escritor. Ann tem esse lado e o emprega no seu trabalho.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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