Onde estão as cabeças? Estátuas antigas com corpos incompletos criam quebra-cabeças para museus


Muitos museus gostariam de juntar seus torsos sem cabeça com suas cabeças perdidas, mas como um debate entre a Turquia e uma instituição dinamarquesa deixa claro, nem sempre é tão fácil

Por Graham Bowley
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Por muitos anos, um museu dinamarquês argumentou que sua antiga cabeça do imperador romano Septimius Severus pertencia a um torso de bronze que estava no Metropolitan Museum of Art em Nova York.

Frequentemente, as estátuas antigas em exibição em museus de todo o mundo perderam a cabeça, como é o caso desta galeria no Ny Carlsberg Glyptotek em Copenhague. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Esse tipo de descoberta é raro no mundo da estatuária greco-romana, onde torsos sem cabeça e cabeças sem torso são, embora onipresentes, raramente reconectados. Mas o museu, o Ny Carlsberg Glyptotek, chegou a conseguir um empréstimo para exibir a cabeça e o corpo juntos em 1979 e até tentou comprar o torso, sem sucesso.

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As coisas ficaram mais complicadas, porém, em fevereiro, quando o Met foi forçado a devolver a estátua sem cabeça à Turquia depois que os investigadores determinaram que ela havia sido saqueada. Autoridades turcas disseram que planejam reivindicar a cabeça em Copenhague, na Dinamarca, também.

Mas um funcionário do museu dinamarquês disse em uma entrevista que, ao contrário de sua crença anterior, a cabeça de 2.000 anos pode não ter feito parte da estátua que acabou de ser retirada do Met.

Rune Frederiksen, chefe de coleções do Glyptotek, disse que o museu começou a duvidar da conexão nos últimos anos, com base em uma “reavaliação do que já é amplamente conhecido até agora”. Ele disse que vários especialistas, internos e externos, concordam com a visão mais questionadora do museu.

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O governo turco é, talvez não surpreendentemente, cético em relação à mudança de posição do museu. “É uma água muito límpida”, disse Zeynep Boz, funcionário do Ministério da Cultura e Turismo da Turquia, “mas eles estão jogando lama para se proteger da pressão que estão sofrendo para devolvê-la”.

O museu dinamarquês disse que iniciou mais pesquisas sobre o assunto, que devem levar dois anos. Se ele será capaz de manter seu imperador romano ou se os diplomatas se envolverão, não está claro.

Mas, por enquanto, Severus continua sendo um dos incontáveis governantes gregos e romanos, deuses e cidadãos comuns com cabeças separadas de seus corpos.

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“Embora eu não tenha ideia das estatísticas precisas”, Kenneth Lapatin, curador de antiguidades do J. Paul Getty Museum em Los Angeles, escreveu em um e-mail, “hoje temos muito mais partes (cabeças sem corpo e corpos sem cabeça) do que estátuas completas. Isso fica claro em qualquer galeria de arte grega e romana.”

A cabeça de bronze de Septimius Severus, considerada por alguns especialistas como parte da estátua do Met, em exibição em Copenhague. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Corpos sem cabeça em museus de primeira linha

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Muitas cabeças foram perdidas por causa do desgaste relativo ao tempo. Pescoços quebram facilmente quando as estátuas caem. Mas outras explicações menos inocentes para as legiões de cabeças decepadas incluem saques e mudanças de regime.

Contrabandistas separavam cabeças de corpos para criar não um, mas dois artefatos vendáveis. Antigos rebeldes e invasores decapitaram estátuas para minar a autoridade dos governantes que haviam erguido imagens de si mesmos como símbolos de domínio.

“Todas as culturas do mundo antigo parecem fazer isso”, disse Rachel Kousser, professora de arte antiga da City University de Nova York. “A cabeça é realmente poderosa e danos à cabeça são vistos como uma forma particularmente eficaz de prejudicar o poder, seja um governante, um deus ou mesmo apenas uma pessoa comum morta.”

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Alguns especialistas disseram que não gastam muito tempo procurando correspondências, dadas as difíceis chances de encontrá-las. Alguns se concentram nas complexidades de uma cabeça finamente esculpida, ainda que cortada.

“Você quase pode fetichizar seus detalhes”, disse Elizabeth Marlowe, diretora do programa de estudos museológicos da Colgate University.

Mas, por uma questão de erudição histórica, vincular uma cabeça a um corpo pode ajudar a determinar se uma estátua pretendia apresentar o imperador como um herói ou um deus, como um guerreiro ou um sacerdote. Os adereços do torso, o vestuário, o estilo das roupas - ou nenhuma roupa - a postura e as armas dão pistas.

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Portanto, muitas vezes há alegria quando uma cabeça e um torso encontram o caminho de volta um para o outro. A “Estátua de uma Mulher Coberta”, um torso de 2.000 anos, passou quase 50 anos no Getty antes que um curador encontrasse sua cabeça, um retrato esculpido em mármore de uma mulher romana de aparência severa em uma galeria de Nova York.

“Às vezes as coisas se encaixam perfeitamente”, disse Lapatin, do Getty. “De repente, tudo se alinha.”

Durante a era moderna, narizes substitutos que antes eram afixados em estátuas antigas danificadas foram removidos pelos conservadores. Alguns dos narizes estão em exibição no Glyptotek. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Uma correspondência ou um erro?

Severus, um general astuto que superou quatro rivais para assumir o trono do imperador, governou Roma de 193 d.C. até sua morte em 211 d.C. Dezessete séculos depois, um bronze de sua cabeça acabou no Glyptotek. O museu disse que o adquiriu em 1970 no mercado de arte, mas não deu mais detalhes.

Depois que a cabeça chegou ao museu, um de seus especialistas, Flemming Johansen, visitou o Museu de Arte de Indianápolis, onde o torso, rotulado como o corpo de Severus, fazia parte de uma exposição e foi emprestado por colecionadores. Johansen experimentou, descreveu o catálogo da exposição, “um daqueles eventos raros e emocionantes no mundo da história da arte”. Ele havia, ele suspeitava, encontrado o corpo de sua cabeça.

Em 1975, uma análise espectral de amostras da cabeça e do tronco não mostrou “nada que contradissesse a hipótese de que a cabeça e o corpo pertenciam originalmente à mesma estátua”, segundo um catálogo posterior publicado pelo museu dinamarquês. Quatro anos depois, o torso emprestado e a cabeça foram exibidos juntos na Dinamarca. O catálogo relatou que em um ponto “há uma correspondência das superfícies de fratura entre o pescoço da cabeça e o corpo”.

Jale Inan, uma arqueóloga turca, viu a exposição de 1979 na Dinamarca e concluiu que a cabeça e o torso correspondiam. Mais tarde, ela publicou uma foto da estátua, com a cabeça anexada, daquela exposição como prova. Ela reconheceu que a maneira como a cabeça foi afixada parecia estranha, mas descreveu isso como uma aberração que tinha a ver com o fato de que, entre outras coisas, a cabeça havia sido direcionada para a frente, em vez de parcialmente de perfil como pretendido.

Ela determinou, escreveu em um artigo de 1993, que a estátua intacta fazia parte de um grupo de bronzes montado como um santuário para o culto imperial em Bubon, um sítio arqueológico no sudoeste da Turquia, quando a região era uma parte distante do Império Romano.

Ela disse que os agricultores locais admitiram a ela que encontraram os bronzes na década de 1960 e os trouxeram para o mercado, o que violou a lei de propriedade cultural da Turquia. Os investigadores da Unidade de Tráfico de Antiguidades da promotoria pública de Manhattan, que apreendeu o torso do Met, disseram que também entrevistaram agricultores locais na Turquia que confirmaram o saque. O proprietário do torso, que o havia emprestado ao Met em 2011, não lutou contra a devolução.

Nos 12 anos que o manteve, o Met nunca subscreveu a teoria de que o torso era o de Severus. O museu chamou a figura simplesmente de “estátua de bronze de uma figura masculina nua” e disse em uma etiqueta de parede que “pode representar um deus, um herói, um governante helenístico ou um imperador romano”.

Em um comunicado, o Met foi mais longe, afirmando que havia contatado um estudioso do bronze anos atrás, que disse que a cabeça dinamarquesa não parecia ser compatível e que os funcionários do museu em Copenhague também tinham suas dúvidas.

O museu dinamarquês e um site do governo dinamarquês continuam a postar informações on-line que ligam a cabeça do Glyptotek ao torso agora na Turquia. Frederiksen, chefe de coleções, disse que as informações serão atualizadas quando a análise do museu for concluída, mas, neste momento, ele disse que essa prova não é mais vista como persuasiva. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Por muitos anos, um museu dinamarquês argumentou que sua antiga cabeça do imperador romano Septimius Severus pertencia a um torso de bronze que estava no Metropolitan Museum of Art em Nova York.

Frequentemente, as estátuas antigas em exibição em museus de todo o mundo perderam a cabeça, como é o caso desta galeria no Ny Carlsberg Glyptotek em Copenhague. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Esse tipo de descoberta é raro no mundo da estatuária greco-romana, onde torsos sem cabeça e cabeças sem torso são, embora onipresentes, raramente reconectados. Mas o museu, o Ny Carlsberg Glyptotek, chegou a conseguir um empréstimo para exibir a cabeça e o corpo juntos em 1979 e até tentou comprar o torso, sem sucesso.

As coisas ficaram mais complicadas, porém, em fevereiro, quando o Met foi forçado a devolver a estátua sem cabeça à Turquia depois que os investigadores determinaram que ela havia sido saqueada. Autoridades turcas disseram que planejam reivindicar a cabeça em Copenhague, na Dinamarca, também.

Mas um funcionário do museu dinamarquês disse em uma entrevista que, ao contrário de sua crença anterior, a cabeça de 2.000 anos pode não ter feito parte da estátua que acabou de ser retirada do Met.

Rune Frederiksen, chefe de coleções do Glyptotek, disse que o museu começou a duvidar da conexão nos últimos anos, com base em uma “reavaliação do que já é amplamente conhecido até agora”. Ele disse que vários especialistas, internos e externos, concordam com a visão mais questionadora do museu.

O governo turco é, talvez não surpreendentemente, cético em relação à mudança de posição do museu. “É uma água muito límpida”, disse Zeynep Boz, funcionário do Ministério da Cultura e Turismo da Turquia, “mas eles estão jogando lama para se proteger da pressão que estão sofrendo para devolvê-la”.

O museu dinamarquês disse que iniciou mais pesquisas sobre o assunto, que devem levar dois anos. Se ele será capaz de manter seu imperador romano ou se os diplomatas se envolverão, não está claro.

Mas, por enquanto, Severus continua sendo um dos incontáveis governantes gregos e romanos, deuses e cidadãos comuns com cabeças separadas de seus corpos.

“Embora eu não tenha ideia das estatísticas precisas”, Kenneth Lapatin, curador de antiguidades do J. Paul Getty Museum em Los Angeles, escreveu em um e-mail, “hoje temos muito mais partes (cabeças sem corpo e corpos sem cabeça) do que estátuas completas. Isso fica claro em qualquer galeria de arte grega e romana.”

A cabeça de bronze de Septimius Severus, considerada por alguns especialistas como parte da estátua do Met, em exibição em Copenhague. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Corpos sem cabeça em museus de primeira linha

Muitas cabeças foram perdidas por causa do desgaste relativo ao tempo. Pescoços quebram facilmente quando as estátuas caem. Mas outras explicações menos inocentes para as legiões de cabeças decepadas incluem saques e mudanças de regime.

Contrabandistas separavam cabeças de corpos para criar não um, mas dois artefatos vendáveis. Antigos rebeldes e invasores decapitaram estátuas para minar a autoridade dos governantes que haviam erguido imagens de si mesmos como símbolos de domínio.

“Todas as culturas do mundo antigo parecem fazer isso”, disse Rachel Kousser, professora de arte antiga da City University de Nova York. “A cabeça é realmente poderosa e danos à cabeça são vistos como uma forma particularmente eficaz de prejudicar o poder, seja um governante, um deus ou mesmo apenas uma pessoa comum morta.”

Alguns especialistas disseram que não gastam muito tempo procurando correspondências, dadas as difíceis chances de encontrá-las. Alguns se concentram nas complexidades de uma cabeça finamente esculpida, ainda que cortada.

“Você quase pode fetichizar seus detalhes”, disse Elizabeth Marlowe, diretora do programa de estudos museológicos da Colgate University.

Mas, por uma questão de erudição histórica, vincular uma cabeça a um corpo pode ajudar a determinar se uma estátua pretendia apresentar o imperador como um herói ou um deus, como um guerreiro ou um sacerdote. Os adereços do torso, o vestuário, o estilo das roupas - ou nenhuma roupa - a postura e as armas dão pistas.

Portanto, muitas vezes há alegria quando uma cabeça e um torso encontram o caminho de volta um para o outro. A “Estátua de uma Mulher Coberta”, um torso de 2.000 anos, passou quase 50 anos no Getty antes que um curador encontrasse sua cabeça, um retrato esculpido em mármore de uma mulher romana de aparência severa em uma galeria de Nova York.

“Às vezes as coisas se encaixam perfeitamente”, disse Lapatin, do Getty. “De repente, tudo se alinha.”

Durante a era moderna, narizes substitutos que antes eram afixados em estátuas antigas danificadas foram removidos pelos conservadores. Alguns dos narizes estão em exibição no Glyptotek. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Uma correspondência ou um erro?

Severus, um general astuto que superou quatro rivais para assumir o trono do imperador, governou Roma de 193 d.C. até sua morte em 211 d.C. Dezessete séculos depois, um bronze de sua cabeça acabou no Glyptotek. O museu disse que o adquiriu em 1970 no mercado de arte, mas não deu mais detalhes.

Depois que a cabeça chegou ao museu, um de seus especialistas, Flemming Johansen, visitou o Museu de Arte de Indianápolis, onde o torso, rotulado como o corpo de Severus, fazia parte de uma exposição e foi emprestado por colecionadores. Johansen experimentou, descreveu o catálogo da exposição, “um daqueles eventos raros e emocionantes no mundo da história da arte”. Ele havia, ele suspeitava, encontrado o corpo de sua cabeça.

Em 1975, uma análise espectral de amostras da cabeça e do tronco não mostrou “nada que contradissesse a hipótese de que a cabeça e o corpo pertenciam originalmente à mesma estátua”, segundo um catálogo posterior publicado pelo museu dinamarquês. Quatro anos depois, o torso emprestado e a cabeça foram exibidos juntos na Dinamarca. O catálogo relatou que em um ponto “há uma correspondência das superfícies de fratura entre o pescoço da cabeça e o corpo”.

Jale Inan, uma arqueóloga turca, viu a exposição de 1979 na Dinamarca e concluiu que a cabeça e o torso correspondiam. Mais tarde, ela publicou uma foto da estátua, com a cabeça anexada, daquela exposição como prova. Ela reconheceu que a maneira como a cabeça foi afixada parecia estranha, mas descreveu isso como uma aberração que tinha a ver com o fato de que, entre outras coisas, a cabeça havia sido direcionada para a frente, em vez de parcialmente de perfil como pretendido.

Ela determinou, escreveu em um artigo de 1993, que a estátua intacta fazia parte de um grupo de bronzes montado como um santuário para o culto imperial em Bubon, um sítio arqueológico no sudoeste da Turquia, quando a região era uma parte distante do Império Romano.

Ela disse que os agricultores locais admitiram a ela que encontraram os bronzes na década de 1960 e os trouxeram para o mercado, o que violou a lei de propriedade cultural da Turquia. Os investigadores da Unidade de Tráfico de Antiguidades da promotoria pública de Manhattan, que apreendeu o torso do Met, disseram que também entrevistaram agricultores locais na Turquia que confirmaram o saque. O proprietário do torso, que o havia emprestado ao Met em 2011, não lutou contra a devolução.

Nos 12 anos que o manteve, o Met nunca subscreveu a teoria de que o torso era o de Severus. O museu chamou a figura simplesmente de “estátua de bronze de uma figura masculina nua” e disse em uma etiqueta de parede que “pode representar um deus, um herói, um governante helenístico ou um imperador romano”.

Em um comunicado, o Met foi mais longe, afirmando que havia contatado um estudioso do bronze anos atrás, que disse que a cabeça dinamarquesa não parecia ser compatível e que os funcionários do museu em Copenhague também tinham suas dúvidas.

O museu dinamarquês e um site do governo dinamarquês continuam a postar informações on-line que ligam a cabeça do Glyptotek ao torso agora na Turquia. Frederiksen, chefe de coleções, disse que as informações serão atualizadas quando a análise do museu for concluída, mas, neste momento, ele disse que essa prova não é mais vista como persuasiva. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Por muitos anos, um museu dinamarquês argumentou que sua antiga cabeça do imperador romano Septimius Severus pertencia a um torso de bronze que estava no Metropolitan Museum of Art em Nova York.

Frequentemente, as estátuas antigas em exibição em museus de todo o mundo perderam a cabeça, como é o caso desta galeria no Ny Carlsberg Glyptotek em Copenhague. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Esse tipo de descoberta é raro no mundo da estatuária greco-romana, onde torsos sem cabeça e cabeças sem torso são, embora onipresentes, raramente reconectados. Mas o museu, o Ny Carlsberg Glyptotek, chegou a conseguir um empréstimo para exibir a cabeça e o corpo juntos em 1979 e até tentou comprar o torso, sem sucesso.

As coisas ficaram mais complicadas, porém, em fevereiro, quando o Met foi forçado a devolver a estátua sem cabeça à Turquia depois que os investigadores determinaram que ela havia sido saqueada. Autoridades turcas disseram que planejam reivindicar a cabeça em Copenhague, na Dinamarca, também.

Mas um funcionário do museu dinamarquês disse em uma entrevista que, ao contrário de sua crença anterior, a cabeça de 2.000 anos pode não ter feito parte da estátua que acabou de ser retirada do Met.

Rune Frederiksen, chefe de coleções do Glyptotek, disse que o museu começou a duvidar da conexão nos últimos anos, com base em uma “reavaliação do que já é amplamente conhecido até agora”. Ele disse que vários especialistas, internos e externos, concordam com a visão mais questionadora do museu.

O governo turco é, talvez não surpreendentemente, cético em relação à mudança de posição do museu. “É uma água muito límpida”, disse Zeynep Boz, funcionário do Ministério da Cultura e Turismo da Turquia, “mas eles estão jogando lama para se proteger da pressão que estão sofrendo para devolvê-la”.

O museu dinamarquês disse que iniciou mais pesquisas sobre o assunto, que devem levar dois anos. Se ele será capaz de manter seu imperador romano ou se os diplomatas se envolverão, não está claro.

Mas, por enquanto, Severus continua sendo um dos incontáveis governantes gregos e romanos, deuses e cidadãos comuns com cabeças separadas de seus corpos.

“Embora eu não tenha ideia das estatísticas precisas”, Kenneth Lapatin, curador de antiguidades do J. Paul Getty Museum em Los Angeles, escreveu em um e-mail, “hoje temos muito mais partes (cabeças sem corpo e corpos sem cabeça) do que estátuas completas. Isso fica claro em qualquer galeria de arte grega e romana.”

A cabeça de bronze de Septimius Severus, considerada por alguns especialistas como parte da estátua do Met, em exibição em Copenhague. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Corpos sem cabeça em museus de primeira linha

Muitas cabeças foram perdidas por causa do desgaste relativo ao tempo. Pescoços quebram facilmente quando as estátuas caem. Mas outras explicações menos inocentes para as legiões de cabeças decepadas incluem saques e mudanças de regime.

Contrabandistas separavam cabeças de corpos para criar não um, mas dois artefatos vendáveis. Antigos rebeldes e invasores decapitaram estátuas para minar a autoridade dos governantes que haviam erguido imagens de si mesmos como símbolos de domínio.

“Todas as culturas do mundo antigo parecem fazer isso”, disse Rachel Kousser, professora de arte antiga da City University de Nova York. “A cabeça é realmente poderosa e danos à cabeça são vistos como uma forma particularmente eficaz de prejudicar o poder, seja um governante, um deus ou mesmo apenas uma pessoa comum morta.”

Alguns especialistas disseram que não gastam muito tempo procurando correspondências, dadas as difíceis chances de encontrá-las. Alguns se concentram nas complexidades de uma cabeça finamente esculpida, ainda que cortada.

“Você quase pode fetichizar seus detalhes”, disse Elizabeth Marlowe, diretora do programa de estudos museológicos da Colgate University.

Mas, por uma questão de erudição histórica, vincular uma cabeça a um corpo pode ajudar a determinar se uma estátua pretendia apresentar o imperador como um herói ou um deus, como um guerreiro ou um sacerdote. Os adereços do torso, o vestuário, o estilo das roupas - ou nenhuma roupa - a postura e as armas dão pistas.

Portanto, muitas vezes há alegria quando uma cabeça e um torso encontram o caminho de volta um para o outro. A “Estátua de uma Mulher Coberta”, um torso de 2.000 anos, passou quase 50 anos no Getty antes que um curador encontrasse sua cabeça, um retrato esculpido em mármore de uma mulher romana de aparência severa em uma galeria de Nova York.

“Às vezes as coisas se encaixam perfeitamente”, disse Lapatin, do Getty. “De repente, tudo se alinha.”

Durante a era moderna, narizes substitutos que antes eram afixados em estátuas antigas danificadas foram removidos pelos conservadores. Alguns dos narizes estão em exibição no Glyptotek. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Uma correspondência ou um erro?

Severus, um general astuto que superou quatro rivais para assumir o trono do imperador, governou Roma de 193 d.C. até sua morte em 211 d.C. Dezessete séculos depois, um bronze de sua cabeça acabou no Glyptotek. O museu disse que o adquiriu em 1970 no mercado de arte, mas não deu mais detalhes.

Depois que a cabeça chegou ao museu, um de seus especialistas, Flemming Johansen, visitou o Museu de Arte de Indianápolis, onde o torso, rotulado como o corpo de Severus, fazia parte de uma exposição e foi emprestado por colecionadores. Johansen experimentou, descreveu o catálogo da exposição, “um daqueles eventos raros e emocionantes no mundo da história da arte”. Ele havia, ele suspeitava, encontrado o corpo de sua cabeça.

Em 1975, uma análise espectral de amostras da cabeça e do tronco não mostrou “nada que contradissesse a hipótese de que a cabeça e o corpo pertenciam originalmente à mesma estátua”, segundo um catálogo posterior publicado pelo museu dinamarquês. Quatro anos depois, o torso emprestado e a cabeça foram exibidos juntos na Dinamarca. O catálogo relatou que em um ponto “há uma correspondência das superfícies de fratura entre o pescoço da cabeça e o corpo”.

Jale Inan, uma arqueóloga turca, viu a exposição de 1979 na Dinamarca e concluiu que a cabeça e o torso correspondiam. Mais tarde, ela publicou uma foto da estátua, com a cabeça anexada, daquela exposição como prova. Ela reconheceu que a maneira como a cabeça foi afixada parecia estranha, mas descreveu isso como uma aberração que tinha a ver com o fato de que, entre outras coisas, a cabeça havia sido direcionada para a frente, em vez de parcialmente de perfil como pretendido.

Ela determinou, escreveu em um artigo de 1993, que a estátua intacta fazia parte de um grupo de bronzes montado como um santuário para o culto imperial em Bubon, um sítio arqueológico no sudoeste da Turquia, quando a região era uma parte distante do Império Romano.

Ela disse que os agricultores locais admitiram a ela que encontraram os bronzes na década de 1960 e os trouxeram para o mercado, o que violou a lei de propriedade cultural da Turquia. Os investigadores da Unidade de Tráfico de Antiguidades da promotoria pública de Manhattan, que apreendeu o torso do Met, disseram que também entrevistaram agricultores locais na Turquia que confirmaram o saque. O proprietário do torso, que o havia emprestado ao Met em 2011, não lutou contra a devolução.

Nos 12 anos que o manteve, o Met nunca subscreveu a teoria de que o torso era o de Severus. O museu chamou a figura simplesmente de “estátua de bronze de uma figura masculina nua” e disse em uma etiqueta de parede que “pode representar um deus, um herói, um governante helenístico ou um imperador romano”.

Em um comunicado, o Met foi mais longe, afirmando que havia contatado um estudioso do bronze anos atrás, que disse que a cabeça dinamarquesa não parecia ser compatível e que os funcionários do museu em Copenhague também tinham suas dúvidas.

O museu dinamarquês e um site do governo dinamarquês continuam a postar informações on-line que ligam a cabeça do Glyptotek ao torso agora na Turquia. Frederiksen, chefe de coleções, disse que as informações serão atualizadas quando a análise do museu for concluída, mas, neste momento, ele disse que essa prova não é mais vista como persuasiva. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Por muitos anos, um museu dinamarquês argumentou que sua antiga cabeça do imperador romano Septimius Severus pertencia a um torso de bronze que estava no Metropolitan Museum of Art em Nova York.

Frequentemente, as estátuas antigas em exibição em museus de todo o mundo perderam a cabeça, como é o caso desta galeria no Ny Carlsberg Glyptotek em Copenhague. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Esse tipo de descoberta é raro no mundo da estatuária greco-romana, onde torsos sem cabeça e cabeças sem torso são, embora onipresentes, raramente reconectados. Mas o museu, o Ny Carlsberg Glyptotek, chegou a conseguir um empréstimo para exibir a cabeça e o corpo juntos em 1979 e até tentou comprar o torso, sem sucesso.

As coisas ficaram mais complicadas, porém, em fevereiro, quando o Met foi forçado a devolver a estátua sem cabeça à Turquia depois que os investigadores determinaram que ela havia sido saqueada. Autoridades turcas disseram que planejam reivindicar a cabeça em Copenhague, na Dinamarca, também.

Mas um funcionário do museu dinamarquês disse em uma entrevista que, ao contrário de sua crença anterior, a cabeça de 2.000 anos pode não ter feito parte da estátua que acabou de ser retirada do Met.

Rune Frederiksen, chefe de coleções do Glyptotek, disse que o museu começou a duvidar da conexão nos últimos anos, com base em uma “reavaliação do que já é amplamente conhecido até agora”. Ele disse que vários especialistas, internos e externos, concordam com a visão mais questionadora do museu.

O governo turco é, talvez não surpreendentemente, cético em relação à mudança de posição do museu. “É uma água muito límpida”, disse Zeynep Boz, funcionário do Ministério da Cultura e Turismo da Turquia, “mas eles estão jogando lama para se proteger da pressão que estão sofrendo para devolvê-la”.

O museu dinamarquês disse que iniciou mais pesquisas sobre o assunto, que devem levar dois anos. Se ele será capaz de manter seu imperador romano ou se os diplomatas se envolverão, não está claro.

Mas, por enquanto, Severus continua sendo um dos incontáveis governantes gregos e romanos, deuses e cidadãos comuns com cabeças separadas de seus corpos.

“Embora eu não tenha ideia das estatísticas precisas”, Kenneth Lapatin, curador de antiguidades do J. Paul Getty Museum em Los Angeles, escreveu em um e-mail, “hoje temos muito mais partes (cabeças sem corpo e corpos sem cabeça) do que estátuas completas. Isso fica claro em qualquer galeria de arte grega e romana.”

A cabeça de bronze de Septimius Severus, considerada por alguns especialistas como parte da estátua do Met, em exibição em Copenhague. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Corpos sem cabeça em museus de primeira linha

Muitas cabeças foram perdidas por causa do desgaste relativo ao tempo. Pescoços quebram facilmente quando as estátuas caem. Mas outras explicações menos inocentes para as legiões de cabeças decepadas incluem saques e mudanças de regime.

Contrabandistas separavam cabeças de corpos para criar não um, mas dois artefatos vendáveis. Antigos rebeldes e invasores decapitaram estátuas para minar a autoridade dos governantes que haviam erguido imagens de si mesmos como símbolos de domínio.

“Todas as culturas do mundo antigo parecem fazer isso”, disse Rachel Kousser, professora de arte antiga da City University de Nova York. “A cabeça é realmente poderosa e danos à cabeça são vistos como uma forma particularmente eficaz de prejudicar o poder, seja um governante, um deus ou mesmo apenas uma pessoa comum morta.”

Alguns especialistas disseram que não gastam muito tempo procurando correspondências, dadas as difíceis chances de encontrá-las. Alguns se concentram nas complexidades de uma cabeça finamente esculpida, ainda que cortada.

“Você quase pode fetichizar seus detalhes”, disse Elizabeth Marlowe, diretora do programa de estudos museológicos da Colgate University.

Mas, por uma questão de erudição histórica, vincular uma cabeça a um corpo pode ajudar a determinar se uma estátua pretendia apresentar o imperador como um herói ou um deus, como um guerreiro ou um sacerdote. Os adereços do torso, o vestuário, o estilo das roupas - ou nenhuma roupa - a postura e as armas dão pistas.

Portanto, muitas vezes há alegria quando uma cabeça e um torso encontram o caminho de volta um para o outro. A “Estátua de uma Mulher Coberta”, um torso de 2.000 anos, passou quase 50 anos no Getty antes que um curador encontrasse sua cabeça, um retrato esculpido em mármore de uma mulher romana de aparência severa em uma galeria de Nova York.

“Às vezes as coisas se encaixam perfeitamente”, disse Lapatin, do Getty. “De repente, tudo se alinha.”

Durante a era moderna, narizes substitutos que antes eram afixados em estátuas antigas danificadas foram removidos pelos conservadores. Alguns dos narizes estão em exibição no Glyptotek. Foto: Charlotte de la Fuente/The New York Times

Uma correspondência ou um erro?

Severus, um general astuto que superou quatro rivais para assumir o trono do imperador, governou Roma de 193 d.C. até sua morte em 211 d.C. Dezessete séculos depois, um bronze de sua cabeça acabou no Glyptotek. O museu disse que o adquiriu em 1970 no mercado de arte, mas não deu mais detalhes.

Depois que a cabeça chegou ao museu, um de seus especialistas, Flemming Johansen, visitou o Museu de Arte de Indianápolis, onde o torso, rotulado como o corpo de Severus, fazia parte de uma exposição e foi emprestado por colecionadores. Johansen experimentou, descreveu o catálogo da exposição, “um daqueles eventos raros e emocionantes no mundo da história da arte”. Ele havia, ele suspeitava, encontrado o corpo de sua cabeça.

Em 1975, uma análise espectral de amostras da cabeça e do tronco não mostrou “nada que contradissesse a hipótese de que a cabeça e o corpo pertenciam originalmente à mesma estátua”, segundo um catálogo posterior publicado pelo museu dinamarquês. Quatro anos depois, o torso emprestado e a cabeça foram exibidos juntos na Dinamarca. O catálogo relatou que em um ponto “há uma correspondência das superfícies de fratura entre o pescoço da cabeça e o corpo”.

Jale Inan, uma arqueóloga turca, viu a exposição de 1979 na Dinamarca e concluiu que a cabeça e o torso correspondiam. Mais tarde, ela publicou uma foto da estátua, com a cabeça anexada, daquela exposição como prova. Ela reconheceu que a maneira como a cabeça foi afixada parecia estranha, mas descreveu isso como uma aberração que tinha a ver com o fato de que, entre outras coisas, a cabeça havia sido direcionada para a frente, em vez de parcialmente de perfil como pretendido.

Ela determinou, escreveu em um artigo de 1993, que a estátua intacta fazia parte de um grupo de bronzes montado como um santuário para o culto imperial em Bubon, um sítio arqueológico no sudoeste da Turquia, quando a região era uma parte distante do Império Romano.

Ela disse que os agricultores locais admitiram a ela que encontraram os bronzes na década de 1960 e os trouxeram para o mercado, o que violou a lei de propriedade cultural da Turquia. Os investigadores da Unidade de Tráfico de Antiguidades da promotoria pública de Manhattan, que apreendeu o torso do Met, disseram que também entrevistaram agricultores locais na Turquia que confirmaram o saque. O proprietário do torso, que o havia emprestado ao Met em 2011, não lutou contra a devolução.

Nos 12 anos que o manteve, o Met nunca subscreveu a teoria de que o torso era o de Severus. O museu chamou a figura simplesmente de “estátua de bronze de uma figura masculina nua” e disse em uma etiqueta de parede que “pode representar um deus, um herói, um governante helenístico ou um imperador romano”.

Em um comunicado, o Met foi mais longe, afirmando que havia contatado um estudioso do bronze anos atrás, que disse que a cabeça dinamarquesa não parecia ser compatível e que os funcionários do museu em Copenhague também tinham suas dúvidas.

O museu dinamarquês e um site do governo dinamarquês continuam a postar informações on-line que ligam a cabeça do Glyptotek ao torso agora na Turquia. Frederiksen, chefe de coleções, disse que as informações serão atualizadas quando a análise do museu for concluída, mas, neste momento, ele disse que essa prova não é mais vista como persuasiva. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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