Para os pais na quarentena, um novo patamar de ansiedade


Um pai me disse que não tem preocupações novas, mas um pano de fundo catastrófico para as suas preocupações antigas

Por Chris Colin

Um guaxinim? Um gambá? Alguma coisa se movia farfalhando entre a nossa casa e a dos vizinhos, e, como ensinam para a gente na escola de pais, eu fiquei na entrada pronunciando insultos absolutamente ineficazes. Eram os primeiros dias da pandemia, quando um mamífero errante ainda podia preocupar. Meu filho mais novo tentava imaginar, embora parecesse mais interessado em mim do que na situação da vida selvagem.

“Você não está preocupado por estar sem roupa?”, finalmente perguntou. Lembro deste momento porque suponho que todos nós vivemos alguma versão disso. Enquanto a pandemia começava a tomar conta dos nossos mundos, preocupações insignificantes como “antes do nossos tempo” de repente evaporaram – a necessidade de vestir uma roupa, por exemplo, (Vizinhos: uma festa para os seus olhos!). Só mais tarde, me daria conta de que estava ocorrendo uma enorme mudança.

Dale Crosby Close/The New York Times 
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A esfera incomensurável da Profunda Preocupação dos Pais sofria uma inclinação do seu eixo. Não estou falando de todas as preocupações imediatas que os pais tiveram de deixar de lado pelas novas. Sim, as preocupações a respeito do tempo passado diante do monitor e do excesso de compromissos voaram pela janela, substituídas pelas taxas de transmissão, pelas dificuldades do ensino à distância e por descobrir a estúpida senha do Zoom. Mas não são estas as preocupações a que me refiro.

Estou falando das que explodem tarde da noite, depois que as crianças estão na cama e a maratona de Netflix já está completa. Sob o manto de uma aguda apreensão arde um núcleo derretido de profunda preocupação com o futuro. Olhar para este núcleo agora equivale a olhar para toda uma nova série de interrogativos: "Que tipo de sociedade nascerá desse caos, daqui a dez ou trinta anos?", "O que tudo isto está fazendo ao meu filho?", "Será que estou lidando com isto mais ou menos acertadamente?". Quando as perguntas a este nível mudam, é porque é o próprio sistema operacional que está mudando.

Comecei perguntando a outros pais as mudanças ocorridas com os seus sistemas operacionais. O meu amigo Cary Weigle me disse que ele tinha medo de não ser um pai suficientemente feroz com os seus filhos pequenos. Depois o mundo virou de ponta cabeça, e de repente, o que mais importava era o bem-estar básico. “Preciso me sentir como se crescer no meio de tudo isto para eles significará incrivelmente cortar as amarras”.

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Tina Barseghian, mãe de um adolescente, me disse: “Eu costumava me preocupar pelo fato de o meu filho crescer nesta cultura de constante distração. Agora parece estranho. Agora eu me preocupo pelo fato de não haver nenhuma cultura, mais nenhuma realidade que possamos compartilhar”.

Praticamente esbarrei no universo de Como as Crianças Estão Vivendo e Como Nós Nos Sentíamos a Respeito, em março. Naquelas primeiras semanas em que procurávamos o abrigo da nossa casa, em São Francisco, comecei a publicar um jornal de distribuição gratuita sobre a pandemia, feito por crianças para crianças e adolescentes. Eu era jornalista e tinha vários compromissos, que deixei em suspenso, e o fato de dar aos jovens uma saída em um momento desconcertante e assustador me pareceu válido.

“A nossa política editorial é SIM”, anunciei – meu Deus, por que não? – E logo “Six Feet of Separation” tornou-se um portal brincalhão, nas jovens psiques convulsionadas em todo o país e fora dele. Ao mesmo tempo, me ofereceu uma janela ocasional no que os seus pais estavam passando. Como norma, tolero o mínimo envolvimento dos adultos no jornal, mas correspondendo-me com pais e mães, consigo alguns vislumbres.

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Eles estão orgulhosos do filho repórter de 14 anos, da sua ensaísta do 5º ano – e silenciosamente fiquei maluco pensando aonde estes filhos, e o mundo, estarão indo. Esta indagação concretamente traumatizou os avós que se tornaram adultos durante a guerra, durante a Depressão, durante a epidemia de pólio: que versão disto estamos incubando agora? Para cada crítica de livro deliciosamente ágil ou entrevista ou receita de pão de banana que publico, acabei criando o que é desfavorável: uma mãe ou um pai suspensos fora do quadro, esperando nervosamente para ver como as coisas irão.

Para os pais com um pendor para isto, a preocupação é uma linguagem de amor, tão primitiva a ponto de parecer eterna. Não é. Em geral, preocupar-se com a felicidade dos nossos rebentos é um hobby moderno, a invenção de uma sociedade que agora considera os filhos mais do que pequenos operários de fábrica.

Com a melhoria gradativa das suas perspectivas, a nossa preocupação evoluiu. No século passado, os pais se desesperavam com o caráter dos filhos, com sua moral, espírito, ética do trabalho, sexualidade, insolência, marginalização social, impulsos violentos e muito mais.

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A ansiedade dos pais não é apenas uma contorsão esporádica – ela se tornou uma tensão total da cultura americana, desde os rótulos de advertência da Tipper Gore até a preocupação com a insuficiente masculinidade ou feminilidade dos nossos filhos e filhas. O nosso nervosismo reflete a vida moderna, e a determina.

Agora, que a vida moderna é uma paisagem infernal sem sentido, desmoronando, é difícil não olhar para trás com preocupação. Lembram quando aquela boneca da Barbie dizia “Matemática é difícil!” e todo mundo se descabelava com o que isto acabaria fazendo para os filhos? OK, as coisas da Barbie na realidade voltaram a me aborrecer.

Mas a minha posição em geral continua a mesma: estamos nos preocupando numa frequência totalmente nova: a nação está se acostumando às mortes em massa? Aos argumentos sobre a realidade da ciência? Aos incêndios que se alastram queimando um lado do nosso país? O que tudo isto estará fazendo nas crianças?

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Ao mesmo tempo, as nossas preocupações não ficarão imóveis. Enquanto outras calamidades aumentaram juntamente com a pandemia – a violência policial, os incêndios florestais, a democracia debilitada.- também surgiram temores como estes. Uma mãe me disse que os dois últimos meses na Califórnia fizeram com que se preocupasse com o bem-estar climatológico dos filhos em um grau inteiramente novo.

Antes era algo um pouco abstrato, afirmou. Agora deixou de ser abstrato. Depois há o novo ritmo alucinante com o qual as crises internas agora desaparecem das manchetes, deixadas de lado pela próxima história maluca. O que isto fará com o senso das proporções dos nossos filhos, com o seu metabolismo quando eventos tremendamente significativos deixarem de afetar a realidade?

Um pai me disse que não tem preocupações novas, mas um pano de fundo catastrófico para as suas preocupações antigas. De repente, o interesse de sua filha por aquelas bobas novelas românticas não parecerá apenas um hábito literário abaixo da média, mas em desacordo com a situação mundial. Preocupar-se é a devoção calhada de medo. Na metade do tempo, está fora de lugar.

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Quem sabe, talvez todos olharemos para trás para observar com gratidão que nós desfizemos de parte da nossa bagagem mais tola durante esta fase – as preocupações com as realizações profissionais dos nossos filhos ou sua habilidade social. Talvez seja assim que o progresso acontece às vezes: você troca velhas preocupações por novas. E um dia, sequer lembrará por que a barra da saia de Sally tinha de estar abaixo dos joelhos. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Um guaxinim? Um gambá? Alguma coisa se movia farfalhando entre a nossa casa e a dos vizinhos, e, como ensinam para a gente na escola de pais, eu fiquei na entrada pronunciando insultos absolutamente ineficazes. Eram os primeiros dias da pandemia, quando um mamífero errante ainda podia preocupar. Meu filho mais novo tentava imaginar, embora parecesse mais interessado em mim do que na situação da vida selvagem.

“Você não está preocupado por estar sem roupa?”, finalmente perguntou. Lembro deste momento porque suponho que todos nós vivemos alguma versão disso. Enquanto a pandemia começava a tomar conta dos nossos mundos, preocupações insignificantes como “antes do nossos tempo” de repente evaporaram – a necessidade de vestir uma roupa, por exemplo, (Vizinhos: uma festa para os seus olhos!). Só mais tarde, me daria conta de que estava ocorrendo uma enorme mudança.

Dale Crosby Close/The New York Times 

A esfera incomensurável da Profunda Preocupação dos Pais sofria uma inclinação do seu eixo. Não estou falando de todas as preocupações imediatas que os pais tiveram de deixar de lado pelas novas. Sim, as preocupações a respeito do tempo passado diante do monitor e do excesso de compromissos voaram pela janela, substituídas pelas taxas de transmissão, pelas dificuldades do ensino à distância e por descobrir a estúpida senha do Zoom. Mas não são estas as preocupações a que me refiro.

Estou falando das que explodem tarde da noite, depois que as crianças estão na cama e a maratona de Netflix já está completa. Sob o manto de uma aguda apreensão arde um núcleo derretido de profunda preocupação com o futuro. Olhar para este núcleo agora equivale a olhar para toda uma nova série de interrogativos: "Que tipo de sociedade nascerá desse caos, daqui a dez ou trinta anos?", "O que tudo isto está fazendo ao meu filho?", "Será que estou lidando com isto mais ou menos acertadamente?". Quando as perguntas a este nível mudam, é porque é o próprio sistema operacional que está mudando.

Comecei perguntando a outros pais as mudanças ocorridas com os seus sistemas operacionais. O meu amigo Cary Weigle me disse que ele tinha medo de não ser um pai suficientemente feroz com os seus filhos pequenos. Depois o mundo virou de ponta cabeça, e de repente, o que mais importava era o bem-estar básico. “Preciso me sentir como se crescer no meio de tudo isto para eles significará incrivelmente cortar as amarras”.

Tina Barseghian, mãe de um adolescente, me disse: “Eu costumava me preocupar pelo fato de o meu filho crescer nesta cultura de constante distração. Agora parece estranho. Agora eu me preocupo pelo fato de não haver nenhuma cultura, mais nenhuma realidade que possamos compartilhar”.

Praticamente esbarrei no universo de Como as Crianças Estão Vivendo e Como Nós Nos Sentíamos a Respeito, em março. Naquelas primeiras semanas em que procurávamos o abrigo da nossa casa, em São Francisco, comecei a publicar um jornal de distribuição gratuita sobre a pandemia, feito por crianças para crianças e adolescentes. Eu era jornalista e tinha vários compromissos, que deixei em suspenso, e o fato de dar aos jovens uma saída em um momento desconcertante e assustador me pareceu válido.

“A nossa política editorial é SIM”, anunciei – meu Deus, por que não? – E logo “Six Feet of Separation” tornou-se um portal brincalhão, nas jovens psiques convulsionadas em todo o país e fora dele. Ao mesmo tempo, me ofereceu uma janela ocasional no que os seus pais estavam passando. Como norma, tolero o mínimo envolvimento dos adultos no jornal, mas correspondendo-me com pais e mães, consigo alguns vislumbres.

Eles estão orgulhosos do filho repórter de 14 anos, da sua ensaísta do 5º ano – e silenciosamente fiquei maluco pensando aonde estes filhos, e o mundo, estarão indo. Esta indagação concretamente traumatizou os avós que se tornaram adultos durante a guerra, durante a Depressão, durante a epidemia de pólio: que versão disto estamos incubando agora? Para cada crítica de livro deliciosamente ágil ou entrevista ou receita de pão de banana que publico, acabei criando o que é desfavorável: uma mãe ou um pai suspensos fora do quadro, esperando nervosamente para ver como as coisas irão.

Para os pais com um pendor para isto, a preocupação é uma linguagem de amor, tão primitiva a ponto de parecer eterna. Não é. Em geral, preocupar-se com a felicidade dos nossos rebentos é um hobby moderno, a invenção de uma sociedade que agora considera os filhos mais do que pequenos operários de fábrica.

Com a melhoria gradativa das suas perspectivas, a nossa preocupação evoluiu. No século passado, os pais se desesperavam com o caráter dos filhos, com sua moral, espírito, ética do trabalho, sexualidade, insolência, marginalização social, impulsos violentos e muito mais.

A ansiedade dos pais não é apenas uma contorsão esporádica – ela se tornou uma tensão total da cultura americana, desde os rótulos de advertência da Tipper Gore até a preocupação com a insuficiente masculinidade ou feminilidade dos nossos filhos e filhas. O nosso nervosismo reflete a vida moderna, e a determina.

Agora, que a vida moderna é uma paisagem infernal sem sentido, desmoronando, é difícil não olhar para trás com preocupação. Lembram quando aquela boneca da Barbie dizia “Matemática é difícil!” e todo mundo se descabelava com o que isto acabaria fazendo para os filhos? OK, as coisas da Barbie na realidade voltaram a me aborrecer.

Mas a minha posição em geral continua a mesma: estamos nos preocupando numa frequência totalmente nova: a nação está se acostumando às mortes em massa? Aos argumentos sobre a realidade da ciência? Aos incêndios que se alastram queimando um lado do nosso país? O que tudo isto estará fazendo nas crianças?

Ao mesmo tempo, as nossas preocupações não ficarão imóveis. Enquanto outras calamidades aumentaram juntamente com a pandemia – a violência policial, os incêndios florestais, a democracia debilitada.- também surgiram temores como estes. Uma mãe me disse que os dois últimos meses na Califórnia fizeram com que se preocupasse com o bem-estar climatológico dos filhos em um grau inteiramente novo.

Antes era algo um pouco abstrato, afirmou. Agora deixou de ser abstrato. Depois há o novo ritmo alucinante com o qual as crises internas agora desaparecem das manchetes, deixadas de lado pela próxima história maluca. O que isto fará com o senso das proporções dos nossos filhos, com o seu metabolismo quando eventos tremendamente significativos deixarem de afetar a realidade?

Um pai me disse que não tem preocupações novas, mas um pano de fundo catastrófico para as suas preocupações antigas. De repente, o interesse de sua filha por aquelas bobas novelas românticas não parecerá apenas um hábito literário abaixo da média, mas em desacordo com a situação mundial. Preocupar-se é a devoção calhada de medo. Na metade do tempo, está fora de lugar.

Quem sabe, talvez todos olharemos para trás para observar com gratidão que nós desfizemos de parte da nossa bagagem mais tola durante esta fase – as preocupações com as realizações profissionais dos nossos filhos ou sua habilidade social. Talvez seja assim que o progresso acontece às vezes: você troca velhas preocupações por novas. E um dia, sequer lembrará por que a barra da saia de Sally tinha de estar abaixo dos joelhos. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Um guaxinim? Um gambá? Alguma coisa se movia farfalhando entre a nossa casa e a dos vizinhos, e, como ensinam para a gente na escola de pais, eu fiquei na entrada pronunciando insultos absolutamente ineficazes. Eram os primeiros dias da pandemia, quando um mamífero errante ainda podia preocupar. Meu filho mais novo tentava imaginar, embora parecesse mais interessado em mim do que na situação da vida selvagem.

“Você não está preocupado por estar sem roupa?”, finalmente perguntou. Lembro deste momento porque suponho que todos nós vivemos alguma versão disso. Enquanto a pandemia começava a tomar conta dos nossos mundos, preocupações insignificantes como “antes do nossos tempo” de repente evaporaram – a necessidade de vestir uma roupa, por exemplo, (Vizinhos: uma festa para os seus olhos!). Só mais tarde, me daria conta de que estava ocorrendo uma enorme mudança.

Dale Crosby Close/The New York Times 

A esfera incomensurável da Profunda Preocupação dos Pais sofria uma inclinação do seu eixo. Não estou falando de todas as preocupações imediatas que os pais tiveram de deixar de lado pelas novas. Sim, as preocupações a respeito do tempo passado diante do monitor e do excesso de compromissos voaram pela janela, substituídas pelas taxas de transmissão, pelas dificuldades do ensino à distância e por descobrir a estúpida senha do Zoom. Mas não são estas as preocupações a que me refiro.

Estou falando das que explodem tarde da noite, depois que as crianças estão na cama e a maratona de Netflix já está completa. Sob o manto de uma aguda apreensão arde um núcleo derretido de profunda preocupação com o futuro. Olhar para este núcleo agora equivale a olhar para toda uma nova série de interrogativos: "Que tipo de sociedade nascerá desse caos, daqui a dez ou trinta anos?", "O que tudo isto está fazendo ao meu filho?", "Será que estou lidando com isto mais ou menos acertadamente?". Quando as perguntas a este nível mudam, é porque é o próprio sistema operacional que está mudando.

Comecei perguntando a outros pais as mudanças ocorridas com os seus sistemas operacionais. O meu amigo Cary Weigle me disse que ele tinha medo de não ser um pai suficientemente feroz com os seus filhos pequenos. Depois o mundo virou de ponta cabeça, e de repente, o que mais importava era o bem-estar básico. “Preciso me sentir como se crescer no meio de tudo isto para eles significará incrivelmente cortar as amarras”.

Tina Barseghian, mãe de um adolescente, me disse: “Eu costumava me preocupar pelo fato de o meu filho crescer nesta cultura de constante distração. Agora parece estranho. Agora eu me preocupo pelo fato de não haver nenhuma cultura, mais nenhuma realidade que possamos compartilhar”.

Praticamente esbarrei no universo de Como as Crianças Estão Vivendo e Como Nós Nos Sentíamos a Respeito, em março. Naquelas primeiras semanas em que procurávamos o abrigo da nossa casa, em São Francisco, comecei a publicar um jornal de distribuição gratuita sobre a pandemia, feito por crianças para crianças e adolescentes. Eu era jornalista e tinha vários compromissos, que deixei em suspenso, e o fato de dar aos jovens uma saída em um momento desconcertante e assustador me pareceu válido.

“A nossa política editorial é SIM”, anunciei – meu Deus, por que não? – E logo “Six Feet of Separation” tornou-se um portal brincalhão, nas jovens psiques convulsionadas em todo o país e fora dele. Ao mesmo tempo, me ofereceu uma janela ocasional no que os seus pais estavam passando. Como norma, tolero o mínimo envolvimento dos adultos no jornal, mas correspondendo-me com pais e mães, consigo alguns vislumbres.

Eles estão orgulhosos do filho repórter de 14 anos, da sua ensaísta do 5º ano – e silenciosamente fiquei maluco pensando aonde estes filhos, e o mundo, estarão indo. Esta indagação concretamente traumatizou os avós que se tornaram adultos durante a guerra, durante a Depressão, durante a epidemia de pólio: que versão disto estamos incubando agora? Para cada crítica de livro deliciosamente ágil ou entrevista ou receita de pão de banana que publico, acabei criando o que é desfavorável: uma mãe ou um pai suspensos fora do quadro, esperando nervosamente para ver como as coisas irão.

Para os pais com um pendor para isto, a preocupação é uma linguagem de amor, tão primitiva a ponto de parecer eterna. Não é. Em geral, preocupar-se com a felicidade dos nossos rebentos é um hobby moderno, a invenção de uma sociedade que agora considera os filhos mais do que pequenos operários de fábrica.

Com a melhoria gradativa das suas perspectivas, a nossa preocupação evoluiu. No século passado, os pais se desesperavam com o caráter dos filhos, com sua moral, espírito, ética do trabalho, sexualidade, insolência, marginalização social, impulsos violentos e muito mais.

A ansiedade dos pais não é apenas uma contorsão esporádica – ela se tornou uma tensão total da cultura americana, desde os rótulos de advertência da Tipper Gore até a preocupação com a insuficiente masculinidade ou feminilidade dos nossos filhos e filhas. O nosso nervosismo reflete a vida moderna, e a determina.

Agora, que a vida moderna é uma paisagem infernal sem sentido, desmoronando, é difícil não olhar para trás com preocupação. Lembram quando aquela boneca da Barbie dizia “Matemática é difícil!” e todo mundo se descabelava com o que isto acabaria fazendo para os filhos? OK, as coisas da Barbie na realidade voltaram a me aborrecer.

Mas a minha posição em geral continua a mesma: estamos nos preocupando numa frequência totalmente nova: a nação está se acostumando às mortes em massa? Aos argumentos sobre a realidade da ciência? Aos incêndios que se alastram queimando um lado do nosso país? O que tudo isto estará fazendo nas crianças?

Ao mesmo tempo, as nossas preocupações não ficarão imóveis. Enquanto outras calamidades aumentaram juntamente com a pandemia – a violência policial, os incêndios florestais, a democracia debilitada.- também surgiram temores como estes. Uma mãe me disse que os dois últimos meses na Califórnia fizeram com que se preocupasse com o bem-estar climatológico dos filhos em um grau inteiramente novo.

Antes era algo um pouco abstrato, afirmou. Agora deixou de ser abstrato. Depois há o novo ritmo alucinante com o qual as crises internas agora desaparecem das manchetes, deixadas de lado pela próxima história maluca. O que isto fará com o senso das proporções dos nossos filhos, com o seu metabolismo quando eventos tremendamente significativos deixarem de afetar a realidade?

Um pai me disse que não tem preocupações novas, mas um pano de fundo catastrófico para as suas preocupações antigas. De repente, o interesse de sua filha por aquelas bobas novelas românticas não parecerá apenas um hábito literário abaixo da média, mas em desacordo com a situação mundial. Preocupar-se é a devoção calhada de medo. Na metade do tempo, está fora de lugar.

Quem sabe, talvez todos olharemos para trás para observar com gratidão que nós desfizemos de parte da nossa bagagem mais tola durante esta fase – as preocupações com as realizações profissionais dos nossos filhos ou sua habilidade social. Talvez seja assim que o progresso acontece às vezes: você troca velhas preocupações por novas. E um dia, sequer lembrará por que a barra da saia de Sally tinha de estar abaixo dos joelhos. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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