Para um coletivo de música eletrônica de Kiev, agora tudo é política


A ideia remonta às primeiras festas do gênero, que estavam muito ligadas a causas políticas

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Slava Lepsheieve criou o coletivo ucraniano de techno Cxema em 2014. “Eu queria alguma coisa que estivesse fora da política – só um espaço em que as pessoas pudessem ser felizes e dançar”, disse o DJ de 40 anos em entrevista por vídeo de Kiev, capital do país.

Até a pandemia, as raves bianuais do Cxema eram eventos essenciais no calendário techno da Ucrânia, que se tornou um destino cada vez mais descolado para os turistas baladeiros na última década. Essas festas – em fábricas, pistas de skate e até em um restaurante soviético abandonado – uniam milhares de pessoas na pista de dança ao som da música eletrônica experimental. “Mas, à medida que a plataforma foi crescendo e o clima político foi ficando mais tenso, percebi que eu tinha a responsabilidade de usar essa influência e ir muito além do escapismo na pista de dança”, comentou Leepsheiev.

Slava Lepsheiev, fundador do coletivo ucraniano de techno Cxema.  Foto: Anastasia Vlasova/The New York Times
continua após a publicidade

A invasão russa da Ucrânia, em fevereiro, aprofundou esse compromisso, e a guerra mudou a forma como Lepsheiev e sua equipe encaram as prioridades e o trabalho. “Acho que esse conflito destruiu a afirmação de que a arte pode se manter longe da política. Hoje, tudo envolve política”, afirmou Amina Ahmed, de 25 anos, gerente de reservas e comunicação do Cxema.

Com a intensificação dos bombardeios em Kiev, a comunidade da música eletrônica, pequena e unida, abandonou os clubes e os sintetizadores para se abrigar com famílias, voluntariar-se ou se alistar nas Forças Armadas. “Agora acho mais importante ser uma pessoa boa do que ser uma boa profissional da música”, observou Mariana Klochko, de 30 anos, música experimental que deveria estrear no Cxema em abril, em entrevista por vídeo da periferia de Lviv. Ela já rejeitou dois convites para se apresentar na Rússia desde 2014 e agora decidiu parar de cantar em russo: “Dói cantar na língua das pessoas que estão matando meu povo.”

Recentemente, muitos membros da equipe têm atuado como voluntários em iniciativas humanitárias, como Oleg Patselya, de 21 anos, que tem distribuído remédios e comida para os soldados nas linhas de frente em Donetsk. Ahmed tem usado as redes sociais do coletivo para compartilhar informações sobre a guerra. Ela descreveu o combate à propaganda russa com fatos dentro da Ucrânia como o “trabalho na linha de frente da informação”.

continua após a publicidade

Ao longo da história da música eletrônica, desde a cena house dos anos 1980, em Chicago e Nova York, até a cultura rave britânica da década de 1990 e a explosão do gênero techno na Alemanha depois da queda do Muro de Berlim, os clubes criaram um espaço seguro para as comunidades marginalizadas, e por isso sempre foram, explicitamente ou não, políticos.

Lepsheiev começou trabalhando como DJ em 1999, como parte do cenário artístico badalado que surgiu em Kiev depois da queda da União Soviética. Tudo parou com a revolução de Maidan, em 2014, quando confrontos violentos entre manifestantes e a polícia levaram à saída do presidente Victor Yanukóvytch, rapidamente seguida da anexação da Crimeia pela Rússia. Lepsheiev viu esse “vazio cultural” como uma oportunidade de começar algo novo, criando o Cxema para ajudar a revitalizar a cena artística da cidade e contribuir para a posição emergente de Kiev no mapa cultural europeu da última década.

Agora, a guerra está mudando a relação dos artistas do Cxema com a própria música. “Se você ouve uma ou duas explosões, fica com medo de qualquer barulho alto. É estressante usar fones de ouvido porque você fica isolado e pode deixar de perceber um ataque”, disse Klochko.

continua após a publicidade

Nos raros momentos em que os artistas se sentem seguros, agora preferem ouvir música instrumental ou ambiental às músicas de balada: “Neste momento, não vejo sentido na música eletrônica. Não sinto nada quando a ouço”, revelou Patselya.

Surgiu até um novo microgênero de músicas patrióticas dançantes, nas quais os discursos do presidente Volodimir Zelenski são inseridos sob uma batida techno palpitante. O produtor Illia Biriukov, de 31 anos, continuou compondo músicas durante a guerra. “Nos primeiros dias em Kiev, mais difíceis, a música eletrônica parecia a decadência de um tempo de paz.” Ele saiu da cidade levando os sintetizadores e tentou criar um álbum. “Mas era muito difícil me concentrar em um cenário brutal daqueles. Fazer música parecia inútil. Tive uma dúvida existencial em relação às minhas habilidades, como se elas não pudessem ajudar ninguém.” Mesmo assim, continuou fazendo música, em parte como um diário musical de seu estado emocional. “Mas, quando ouço as gravações agora, elas me parecem muito agressivas. Eu gostaria de contribuir com algo menos violento para o mundo.”

Artem Ilin, de 29 anos, que já tocou no Cxema três vezes, também continua compondo: “Não sei o que vai acontecer comigo; posso morrer a qualquer instante. Isso me faz continuar, porque, se eu morrer, tudo bem – as pessoas ainda vão poder ouvir minha música.”

continua após a publicidade

Uma paz frágil retornou a Kiev ao longo do mês de maio. Muitos dos que haviam deixado a cidade voltaram, enquanto os bares e restaurantes começaram a reabrir. Então, no dia cinco de junho, os mísseis russos atacaram novamente, destruindo as esperanças de que a guerra não voltaria à capital.

As festas também estão voltando a pipocar pela capital, mas a maioria do coletivo Cxema ainda não está interessada em balada. “Não consigo me imaginar saindo para dançar enquanto a 400 quilômetros daqui tem gente morrendo e soldados lutando pela minha liberdade. Em breve, Kiev vai ser nossa, e depois da vitória vamos ter de reconstruir os prédios e nossa economia. Aí, sim, vamos poder festejar”, afirmou Patselya.

Lepsheiev espera que a partir de março do ano que vem, durante a primavera setentrional, finalmente tenha a oportunidade de promover a festa de 11 horas para cinco mil convidados que a princípio planejou para abril de 2020. Quando Ahmed soube da notícia por chamada de vídeo, seus olhos brilharam: “Nem consigo imaginar quanta energia vamos ter para dançar”, disse, antes de fazer uma pausa como se estivesse sonhando. “Vai ser um alívio muito grande.”

continua após a publicidade

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Slava Lepsheieve criou o coletivo ucraniano de techno Cxema em 2014. “Eu queria alguma coisa que estivesse fora da política – só um espaço em que as pessoas pudessem ser felizes e dançar”, disse o DJ de 40 anos em entrevista por vídeo de Kiev, capital do país.

Até a pandemia, as raves bianuais do Cxema eram eventos essenciais no calendário techno da Ucrânia, que se tornou um destino cada vez mais descolado para os turistas baladeiros na última década. Essas festas – em fábricas, pistas de skate e até em um restaurante soviético abandonado – uniam milhares de pessoas na pista de dança ao som da música eletrônica experimental. “Mas, à medida que a plataforma foi crescendo e o clima político foi ficando mais tenso, percebi que eu tinha a responsabilidade de usar essa influência e ir muito além do escapismo na pista de dança”, comentou Leepsheiev.

Slava Lepsheiev, fundador do coletivo ucraniano de techno Cxema.  Foto: Anastasia Vlasova/The New York Times

A invasão russa da Ucrânia, em fevereiro, aprofundou esse compromisso, e a guerra mudou a forma como Lepsheiev e sua equipe encaram as prioridades e o trabalho. “Acho que esse conflito destruiu a afirmação de que a arte pode se manter longe da política. Hoje, tudo envolve política”, afirmou Amina Ahmed, de 25 anos, gerente de reservas e comunicação do Cxema.

Com a intensificação dos bombardeios em Kiev, a comunidade da música eletrônica, pequena e unida, abandonou os clubes e os sintetizadores para se abrigar com famílias, voluntariar-se ou se alistar nas Forças Armadas. “Agora acho mais importante ser uma pessoa boa do que ser uma boa profissional da música”, observou Mariana Klochko, de 30 anos, música experimental que deveria estrear no Cxema em abril, em entrevista por vídeo da periferia de Lviv. Ela já rejeitou dois convites para se apresentar na Rússia desde 2014 e agora decidiu parar de cantar em russo: “Dói cantar na língua das pessoas que estão matando meu povo.”

Recentemente, muitos membros da equipe têm atuado como voluntários em iniciativas humanitárias, como Oleg Patselya, de 21 anos, que tem distribuído remédios e comida para os soldados nas linhas de frente em Donetsk. Ahmed tem usado as redes sociais do coletivo para compartilhar informações sobre a guerra. Ela descreveu o combate à propaganda russa com fatos dentro da Ucrânia como o “trabalho na linha de frente da informação”.

Ao longo da história da música eletrônica, desde a cena house dos anos 1980, em Chicago e Nova York, até a cultura rave britânica da década de 1990 e a explosão do gênero techno na Alemanha depois da queda do Muro de Berlim, os clubes criaram um espaço seguro para as comunidades marginalizadas, e por isso sempre foram, explicitamente ou não, políticos.

Lepsheiev começou trabalhando como DJ em 1999, como parte do cenário artístico badalado que surgiu em Kiev depois da queda da União Soviética. Tudo parou com a revolução de Maidan, em 2014, quando confrontos violentos entre manifestantes e a polícia levaram à saída do presidente Victor Yanukóvytch, rapidamente seguida da anexação da Crimeia pela Rússia. Lepsheiev viu esse “vazio cultural” como uma oportunidade de começar algo novo, criando o Cxema para ajudar a revitalizar a cena artística da cidade e contribuir para a posição emergente de Kiev no mapa cultural europeu da última década.

Agora, a guerra está mudando a relação dos artistas do Cxema com a própria música. “Se você ouve uma ou duas explosões, fica com medo de qualquer barulho alto. É estressante usar fones de ouvido porque você fica isolado e pode deixar de perceber um ataque”, disse Klochko.

Nos raros momentos em que os artistas se sentem seguros, agora preferem ouvir música instrumental ou ambiental às músicas de balada: “Neste momento, não vejo sentido na música eletrônica. Não sinto nada quando a ouço”, revelou Patselya.

Surgiu até um novo microgênero de músicas patrióticas dançantes, nas quais os discursos do presidente Volodimir Zelenski são inseridos sob uma batida techno palpitante. O produtor Illia Biriukov, de 31 anos, continuou compondo músicas durante a guerra. “Nos primeiros dias em Kiev, mais difíceis, a música eletrônica parecia a decadência de um tempo de paz.” Ele saiu da cidade levando os sintetizadores e tentou criar um álbum. “Mas era muito difícil me concentrar em um cenário brutal daqueles. Fazer música parecia inútil. Tive uma dúvida existencial em relação às minhas habilidades, como se elas não pudessem ajudar ninguém.” Mesmo assim, continuou fazendo música, em parte como um diário musical de seu estado emocional. “Mas, quando ouço as gravações agora, elas me parecem muito agressivas. Eu gostaria de contribuir com algo menos violento para o mundo.”

Artem Ilin, de 29 anos, que já tocou no Cxema três vezes, também continua compondo: “Não sei o que vai acontecer comigo; posso morrer a qualquer instante. Isso me faz continuar, porque, se eu morrer, tudo bem – as pessoas ainda vão poder ouvir minha música.”

Uma paz frágil retornou a Kiev ao longo do mês de maio. Muitos dos que haviam deixado a cidade voltaram, enquanto os bares e restaurantes começaram a reabrir. Então, no dia cinco de junho, os mísseis russos atacaram novamente, destruindo as esperanças de que a guerra não voltaria à capital.

As festas também estão voltando a pipocar pela capital, mas a maioria do coletivo Cxema ainda não está interessada em balada. “Não consigo me imaginar saindo para dançar enquanto a 400 quilômetros daqui tem gente morrendo e soldados lutando pela minha liberdade. Em breve, Kiev vai ser nossa, e depois da vitória vamos ter de reconstruir os prédios e nossa economia. Aí, sim, vamos poder festejar”, afirmou Patselya.

Lepsheiev espera que a partir de março do ano que vem, durante a primavera setentrional, finalmente tenha a oportunidade de promover a festa de 11 horas para cinco mil convidados que a princípio planejou para abril de 2020. Quando Ahmed soube da notícia por chamada de vídeo, seus olhos brilharam: “Nem consigo imaginar quanta energia vamos ter para dançar”, disse, antes de fazer uma pausa como se estivesse sonhando. “Vai ser um alívio muito grande.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Slava Lepsheieve criou o coletivo ucraniano de techno Cxema em 2014. “Eu queria alguma coisa que estivesse fora da política – só um espaço em que as pessoas pudessem ser felizes e dançar”, disse o DJ de 40 anos em entrevista por vídeo de Kiev, capital do país.

Até a pandemia, as raves bianuais do Cxema eram eventos essenciais no calendário techno da Ucrânia, que se tornou um destino cada vez mais descolado para os turistas baladeiros na última década. Essas festas – em fábricas, pistas de skate e até em um restaurante soviético abandonado – uniam milhares de pessoas na pista de dança ao som da música eletrônica experimental. “Mas, à medida que a plataforma foi crescendo e o clima político foi ficando mais tenso, percebi que eu tinha a responsabilidade de usar essa influência e ir muito além do escapismo na pista de dança”, comentou Leepsheiev.

Slava Lepsheiev, fundador do coletivo ucraniano de techno Cxema.  Foto: Anastasia Vlasova/The New York Times

A invasão russa da Ucrânia, em fevereiro, aprofundou esse compromisso, e a guerra mudou a forma como Lepsheiev e sua equipe encaram as prioridades e o trabalho. “Acho que esse conflito destruiu a afirmação de que a arte pode se manter longe da política. Hoje, tudo envolve política”, afirmou Amina Ahmed, de 25 anos, gerente de reservas e comunicação do Cxema.

Com a intensificação dos bombardeios em Kiev, a comunidade da música eletrônica, pequena e unida, abandonou os clubes e os sintetizadores para se abrigar com famílias, voluntariar-se ou se alistar nas Forças Armadas. “Agora acho mais importante ser uma pessoa boa do que ser uma boa profissional da música”, observou Mariana Klochko, de 30 anos, música experimental que deveria estrear no Cxema em abril, em entrevista por vídeo da periferia de Lviv. Ela já rejeitou dois convites para se apresentar na Rússia desde 2014 e agora decidiu parar de cantar em russo: “Dói cantar na língua das pessoas que estão matando meu povo.”

Recentemente, muitos membros da equipe têm atuado como voluntários em iniciativas humanitárias, como Oleg Patselya, de 21 anos, que tem distribuído remédios e comida para os soldados nas linhas de frente em Donetsk. Ahmed tem usado as redes sociais do coletivo para compartilhar informações sobre a guerra. Ela descreveu o combate à propaganda russa com fatos dentro da Ucrânia como o “trabalho na linha de frente da informação”.

Ao longo da história da música eletrônica, desde a cena house dos anos 1980, em Chicago e Nova York, até a cultura rave britânica da década de 1990 e a explosão do gênero techno na Alemanha depois da queda do Muro de Berlim, os clubes criaram um espaço seguro para as comunidades marginalizadas, e por isso sempre foram, explicitamente ou não, políticos.

Lepsheiev começou trabalhando como DJ em 1999, como parte do cenário artístico badalado que surgiu em Kiev depois da queda da União Soviética. Tudo parou com a revolução de Maidan, em 2014, quando confrontos violentos entre manifestantes e a polícia levaram à saída do presidente Victor Yanukóvytch, rapidamente seguida da anexação da Crimeia pela Rússia. Lepsheiev viu esse “vazio cultural” como uma oportunidade de começar algo novo, criando o Cxema para ajudar a revitalizar a cena artística da cidade e contribuir para a posição emergente de Kiev no mapa cultural europeu da última década.

Agora, a guerra está mudando a relação dos artistas do Cxema com a própria música. “Se você ouve uma ou duas explosões, fica com medo de qualquer barulho alto. É estressante usar fones de ouvido porque você fica isolado e pode deixar de perceber um ataque”, disse Klochko.

Nos raros momentos em que os artistas se sentem seguros, agora preferem ouvir música instrumental ou ambiental às músicas de balada: “Neste momento, não vejo sentido na música eletrônica. Não sinto nada quando a ouço”, revelou Patselya.

Surgiu até um novo microgênero de músicas patrióticas dançantes, nas quais os discursos do presidente Volodimir Zelenski são inseridos sob uma batida techno palpitante. O produtor Illia Biriukov, de 31 anos, continuou compondo músicas durante a guerra. “Nos primeiros dias em Kiev, mais difíceis, a música eletrônica parecia a decadência de um tempo de paz.” Ele saiu da cidade levando os sintetizadores e tentou criar um álbum. “Mas era muito difícil me concentrar em um cenário brutal daqueles. Fazer música parecia inútil. Tive uma dúvida existencial em relação às minhas habilidades, como se elas não pudessem ajudar ninguém.” Mesmo assim, continuou fazendo música, em parte como um diário musical de seu estado emocional. “Mas, quando ouço as gravações agora, elas me parecem muito agressivas. Eu gostaria de contribuir com algo menos violento para o mundo.”

Artem Ilin, de 29 anos, que já tocou no Cxema três vezes, também continua compondo: “Não sei o que vai acontecer comigo; posso morrer a qualquer instante. Isso me faz continuar, porque, se eu morrer, tudo bem – as pessoas ainda vão poder ouvir minha música.”

Uma paz frágil retornou a Kiev ao longo do mês de maio. Muitos dos que haviam deixado a cidade voltaram, enquanto os bares e restaurantes começaram a reabrir. Então, no dia cinco de junho, os mísseis russos atacaram novamente, destruindo as esperanças de que a guerra não voltaria à capital.

As festas também estão voltando a pipocar pela capital, mas a maioria do coletivo Cxema ainda não está interessada em balada. “Não consigo me imaginar saindo para dançar enquanto a 400 quilômetros daqui tem gente morrendo e soldados lutando pela minha liberdade. Em breve, Kiev vai ser nossa, e depois da vitória vamos ter de reconstruir os prédios e nossa economia. Aí, sim, vamos poder festejar”, afirmou Patselya.

Lepsheiev espera que a partir de março do ano que vem, durante a primavera setentrional, finalmente tenha a oportunidade de promover a festa de 11 horas para cinco mil convidados que a princípio planejou para abril de 2020. Quando Ahmed soube da notícia por chamada de vídeo, seus olhos brilharam: “Nem consigo imaginar quanta energia vamos ter para dançar”, disse, antes de fazer uma pausa como se estivesse sonhando. “Vai ser um alívio muito grande.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Slava Lepsheieve criou o coletivo ucraniano de techno Cxema em 2014. “Eu queria alguma coisa que estivesse fora da política – só um espaço em que as pessoas pudessem ser felizes e dançar”, disse o DJ de 40 anos em entrevista por vídeo de Kiev, capital do país.

Até a pandemia, as raves bianuais do Cxema eram eventos essenciais no calendário techno da Ucrânia, que se tornou um destino cada vez mais descolado para os turistas baladeiros na última década. Essas festas – em fábricas, pistas de skate e até em um restaurante soviético abandonado – uniam milhares de pessoas na pista de dança ao som da música eletrônica experimental. “Mas, à medida que a plataforma foi crescendo e o clima político foi ficando mais tenso, percebi que eu tinha a responsabilidade de usar essa influência e ir muito além do escapismo na pista de dança”, comentou Leepsheiev.

Slava Lepsheiev, fundador do coletivo ucraniano de techno Cxema.  Foto: Anastasia Vlasova/The New York Times

A invasão russa da Ucrânia, em fevereiro, aprofundou esse compromisso, e a guerra mudou a forma como Lepsheiev e sua equipe encaram as prioridades e o trabalho. “Acho que esse conflito destruiu a afirmação de que a arte pode se manter longe da política. Hoje, tudo envolve política”, afirmou Amina Ahmed, de 25 anos, gerente de reservas e comunicação do Cxema.

Com a intensificação dos bombardeios em Kiev, a comunidade da música eletrônica, pequena e unida, abandonou os clubes e os sintetizadores para se abrigar com famílias, voluntariar-se ou se alistar nas Forças Armadas. “Agora acho mais importante ser uma pessoa boa do que ser uma boa profissional da música”, observou Mariana Klochko, de 30 anos, música experimental que deveria estrear no Cxema em abril, em entrevista por vídeo da periferia de Lviv. Ela já rejeitou dois convites para se apresentar na Rússia desde 2014 e agora decidiu parar de cantar em russo: “Dói cantar na língua das pessoas que estão matando meu povo.”

Recentemente, muitos membros da equipe têm atuado como voluntários em iniciativas humanitárias, como Oleg Patselya, de 21 anos, que tem distribuído remédios e comida para os soldados nas linhas de frente em Donetsk. Ahmed tem usado as redes sociais do coletivo para compartilhar informações sobre a guerra. Ela descreveu o combate à propaganda russa com fatos dentro da Ucrânia como o “trabalho na linha de frente da informação”.

Ao longo da história da música eletrônica, desde a cena house dos anos 1980, em Chicago e Nova York, até a cultura rave britânica da década de 1990 e a explosão do gênero techno na Alemanha depois da queda do Muro de Berlim, os clubes criaram um espaço seguro para as comunidades marginalizadas, e por isso sempre foram, explicitamente ou não, políticos.

Lepsheiev começou trabalhando como DJ em 1999, como parte do cenário artístico badalado que surgiu em Kiev depois da queda da União Soviética. Tudo parou com a revolução de Maidan, em 2014, quando confrontos violentos entre manifestantes e a polícia levaram à saída do presidente Victor Yanukóvytch, rapidamente seguida da anexação da Crimeia pela Rússia. Lepsheiev viu esse “vazio cultural” como uma oportunidade de começar algo novo, criando o Cxema para ajudar a revitalizar a cena artística da cidade e contribuir para a posição emergente de Kiev no mapa cultural europeu da última década.

Agora, a guerra está mudando a relação dos artistas do Cxema com a própria música. “Se você ouve uma ou duas explosões, fica com medo de qualquer barulho alto. É estressante usar fones de ouvido porque você fica isolado e pode deixar de perceber um ataque”, disse Klochko.

Nos raros momentos em que os artistas se sentem seguros, agora preferem ouvir música instrumental ou ambiental às músicas de balada: “Neste momento, não vejo sentido na música eletrônica. Não sinto nada quando a ouço”, revelou Patselya.

Surgiu até um novo microgênero de músicas patrióticas dançantes, nas quais os discursos do presidente Volodimir Zelenski são inseridos sob uma batida techno palpitante. O produtor Illia Biriukov, de 31 anos, continuou compondo músicas durante a guerra. “Nos primeiros dias em Kiev, mais difíceis, a música eletrônica parecia a decadência de um tempo de paz.” Ele saiu da cidade levando os sintetizadores e tentou criar um álbum. “Mas era muito difícil me concentrar em um cenário brutal daqueles. Fazer música parecia inútil. Tive uma dúvida existencial em relação às minhas habilidades, como se elas não pudessem ajudar ninguém.” Mesmo assim, continuou fazendo música, em parte como um diário musical de seu estado emocional. “Mas, quando ouço as gravações agora, elas me parecem muito agressivas. Eu gostaria de contribuir com algo menos violento para o mundo.”

Artem Ilin, de 29 anos, que já tocou no Cxema três vezes, também continua compondo: “Não sei o que vai acontecer comigo; posso morrer a qualquer instante. Isso me faz continuar, porque, se eu morrer, tudo bem – as pessoas ainda vão poder ouvir minha música.”

Uma paz frágil retornou a Kiev ao longo do mês de maio. Muitos dos que haviam deixado a cidade voltaram, enquanto os bares e restaurantes começaram a reabrir. Então, no dia cinco de junho, os mísseis russos atacaram novamente, destruindo as esperanças de que a guerra não voltaria à capital.

As festas também estão voltando a pipocar pela capital, mas a maioria do coletivo Cxema ainda não está interessada em balada. “Não consigo me imaginar saindo para dançar enquanto a 400 quilômetros daqui tem gente morrendo e soldados lutando pela minha liberdade. Em breve, Kiev vai ser nossa, e depois da vitória vamos ter de reconstruir os prédios e nossa economia. Aí, sim, vamos poder festejar”, afirmou Patselya.

Lepsheiev espera que a partir de março do ano que vem, durante a primavera setentrional, finalmente tenha a oportunidade de promover a festa de 11 horas para cinco mil convidados que a princípio planejou para abril de 2020. Quando Ahmed soube da notícia por chamada de vídeo, seus olhos brilharam: “Nem consigo imaginar quanta energia vamos ter para dançar”, disse, antes de fazer uma pausa como se estivesse sonhando. “Vai ser um alívio muito grande.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Slava Lepsheieve criou o coletivo ucraniano de techno Cxema em 2014. “Eu queria alguma coisa que estivesse fora da política – só um espaço em que as pessoas pudessem ser felizes e dançar”, disse o DJ de 40 anos em entrevista por vídeo de Kiev, capital do país.

Até a pandemia, as raves bianuais do Cxema eram eventos essenciais no calendário techno da Ucrânia, que se tornou um destino cada vez mais descolado para os turistas baladeiros na última década. Essas festas – em fábricas, pistas de skate e até em um restaurante soviético abandonado – uniam milhares de pessoas na pista de dança ao som da música eletrônica experimental. “Mas, à medida que a plataforma foi crescendo e o clima político foi ficando mais tenso, percebi que eu tinha a responsabilidade de usar essa influência e ir muito além do escapismo na pista de dança”, comentou Leepsheiev.

Slava Lepsheiev, fundador do coletivo ucraniano de techno Cxema.  Foto: Anastasia Vlasova/The New York Times

A invasão russa da Ucrânia, em fevereiro, aprofundou esse compromisso, e a guerra mudou a forma como Lepsheiev e sua equipe encaram as prioridades e o trabalho. “Acho que esse conflito destruiu a afirmação de que a arte pode se manter longe da política. Hoje, tudo envolve política”, afirmou Amina Ahmed, de 25 anos, gerente de reservas e comunicação do Cxema.

Com a intensificação dos bombardeios em Kiev, a comunidade da música eletrônica, pequena e unida, abandonou os clubes e os sintetizadores para se abrigar com famílias, voluntariar-se ou se alistar nas Forças Armadas. “Agora acho mais importante ser uma pessoa boa do que ser uma boa profissional da música”, observou Mariana Klochko, de 30 anos, música experimental que deveria estrear no Cxema em abril, em entrevista por vídeo da periferia de Lviv. Ela já rejeitou dois convites para se apresentar na Rússia desde 2014 e agora decidiu parar de cantar em russo: “Dói cantar na língua das pessoas que estão matando meu povo.”

Recentemente, muitos membros da equipe têm atuado como voluntários em iniciativas humanitárias, como Oleg Patselya, de 21 anos, que tem distribuído remédios e comida para os soldados nas linhas de frente em Donetsk. Ahmed tem usado as redes sociais do coletivo para compartilhar informações sobre a guerra. Ela descreveu o combate à propaganda russa com fatos dentro da Ucrânia como o “trabalho na linha de frente da informação”.

Ao longo da história da música eletrônica, desde a cena house dos anos 1980, em Chicago e Nova York, até a cultura rave britânica da década de 1990 e a explosão do gênero techno na Alemanha depois da queda do Muro de Berlim, os clubes criaram um espaço seguro para as comunidades marginalizadas, e por isso sempre foram, explicitamente ou não, políticos.

Lepsheiev começou trabalhando como DJ em 1999, como parte do cenário artístico badalado que surgiu em Kiev depois da queda da União Soviética. Tudo parou com a revolução de Maidan, em 2014, quando confrontos violentos entre manifestantes e a polícia levaram à saída do presidente Victor Yanukóvytch, rapidamente seguida da anexação da Crimeia pela Rússia. Lepsheiev viu esse “vazio cultural” como uma oportunidade de começar algo novo, criando o Cxema para ajudar a revitalizar a cena artística da cidade e contribuir para a posição emergente de Kiev no mapa cultural europeu da última década.

Agora, a guerra está mudando a relação dos artistas do Cxema com a própria música. “Se você ouve uma ou duas explosões, fica com medo de qualquer barulho alto. É estressante usar fones de ouvido porque você fica isolado e pode deixar de perceber um ataque”, disse Klochko.

Nos raros momentos em que os artistas se sentem seguros, agora preferem ouvir música instrumental ou ambiental às músicas de balada: “Neste momento, não vejo sentido na música eletrônica. Não sinto nada quando a ouço”, revelou Patselya.

Surgiu até um novo microgênero de músicas patrióticas dançantes, nas quais os discursos do presidente Volodimir Zelenski são inseridos sob uma batida techno palpitante. O produtor Illia Biriukov, de 31 anos, continuou compondo músicas durante a guerra. “Nos primeiros dias em Kiev, mais difíceis, a música eletrônica parecia a decadência de um tempo de paz.” Ele saiu da cidade levando os sintetizadores e tentou criar um álbum. “Mas era muito difícil me concentrar em um cenário brutal daqueles. Fazer música parecia inútil. Tive uma dúvida existencial em relação às minhas habilidades, como se elas não pudessem ajudar ninguém.” Mesmo assim, continuou fazendo música, em parte como um diário musical de seu estado emocional. “Mas, quando ouço as gravações agora, elas me parecem muito agressivas. Eu gostaria de contribuir com algo menos violento para o mundo.”

Artem Ilin, de 29 anos, que já tocou no Cxema três vezes, também continua compondo: “Não sei o que vai acontecer comigo; posso morrer a qualquer instante. Isso me faz continuar, porque, se eu morrer, tudo bem – as pessoas ainda vão poder ouvir minha música.”

Uma paz frágil retornou a Kiev ao longo do mês de maio. Muitos dos que haviam deixado a cidade voltaram, enquanto os bares e restaurantes começaram a reabrir. Então, no dia cinco de junho, os mísseis russos atacaram novamente, destruindo as esperanças de que a guerra não voltaria à capital.

As festas também estão voltando a pipocar pela capital, mas a maioria do coletivo Cxema ainda não está interessada em balada. “Não consigo me imaginar saindo para dançar enquanto a 400 quilômetros daqui tem gente morrendo e soldados lutando pela minha liberdade. Em breve, Kiev vai ser nossa, e depois da vitória vamos ter de reconstruir os prédios e nossa economia. Aí, sim, vamos poder festejar”, afirmou Patselya.

Lepsheiev espera que a partir de março do ano que vem, durante a primavera setentrional, finalmente tenha a oportunidade de promover a festa de 11 horas para cinco mil convidados que a princípio planejou para abril de 2020. Quando Ahmed soube da notícia por chamada de vídeo, seus olhos brilharam: “Nem consigo imaginar quanta energia vamos ter para dançar”, disse, antes de fazer uma pausa como se estivesse sonhando. “Vai ser um alívio muito grande.”

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.