Pianista alemão conta como precisou adaptar sua vida e trabalho após descobrir Parkinson


Nicolas Hodges continuou sua carreira como um eminente intérprete de música de vanguarda, mas não sem sacrifícios

Por Jeffrey Arlo Brown
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No outono de 2018, o pianista Nicolas Hodges notou que seu corpo tremia. Ele tocou no assunto em uma consulta médica de rotina em Tübingen, Alemanha, onde mora. O médico disse que provavelmente era estresse, mas recomendou que ele marcasse uma consulta com um neurologista.

Hodges não marcou essa consulta imediatamente. Mas então, em janeiro de 2019, o tremor fez com que ele tocasse uma nota errada durante uma apresentação.

O pianista Nicolas Hodges continuou a tocar e gravar – com alterações e decisões difíceis – após receber o diagnóstico de doença de Parkinson. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times
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“Ficou imediatamente claro que eu precisava descobrir o que estava acontecendo”, disse ele.

O Dr. Klaus Schreiber, neurologista e amante da música clássica, observou Hodges realizando algumas pequenas tarefas físicas - caminhar pela sala, despir-se e vestir-se - antes de enviá-lo para uma série de exames que confirmaram que Hodges tinha Mal de Parkinson.

Schreiber estimou que Hodges vinha se apresentando com Parkinson há três anos.

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Hodges, 53 anos, é um importante intérprete de música clássica contemporânea. Como solista e músico de câmara, estreou e gravou obras de muitos compositores importantes deste século e do século passado. Recentemente, os seus sintomas forçaram-no a reduzir e priorizar suas apresentações.

Os piores sintomas, que raramente ocorrem, podem fazê-lo sentir, disse ele, como se “simplesmente não conseguisse tocar piano”. Mas o diagnóstico também fortaleceu sua dedicação à sua arte e ao repertório contemporâneo.

Os limites físicos forçaram Hodges a tomar “decisões estéticas”, disse ele, para selecionar as músicas a serem encomendadas e executadas com maior rigor. O diagnóstico “me fez tentar focar ainda mais nas múltiplas coisas contraditórias que são mais importantes para mim”.

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Hodges tem uma técnica formidável e uma habilidade de tornar claramente audível a forma de peças altamente complexas. Seu tom no piano pode mudar do temperamental para o suave em segundos. Ele é surpreendentemente adaptável às visões amplamente divergentes de vários compositores contemporâneos. Em “China Gates” (1977), de John Adams, Hodges combinou propulsão rítmica com muita delicadeza. Na ópera “Shadowtime” (2004), de Brian Ferneyhough, ele abordou um solo prismaticamente virtuoso enquanto fazia perguntas enigmáticas em voz alta, como “Qual é a raiz cúbica de um contrafactual?” No Concerto para Piano de Simon Steen-Andersen (2014), ele enfrentou uma projeção de vídeo de si mesmo em um piano de cauda destruído.

Em 2020, Hodges gravou “A Bag of Bagatelles”, que uniu obras de Beethoven e Harrison Birtwistle, um colaborador próximo. A justaposição ilumina a complexidade, a imprevisibilidade e a escala orquestral que animam a música de dois compositores com séculos de diferença. Olhando para trás, Hodges percebeu que havia gravado o álbum com o Mal de Parkinson não tratado.

Piano aos 6 anos

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Hodges nasceu em Londres em 1970. Seu pai era um gerente de estúdio da BBC, que mais tarde trabalhou com computação, e sua mãe era cantora de ópera profissional. Hodges começou a tocar piano aos 6 anos e a compor aos 9. Entre suas primeiras peças estava a primeira cena de uma ópera baseada no mito de Perseu.

No ensino médio, Hodges foi para o Winchester College, em Hampshire, onde Benjamin Morison, pianista e compositor que hoje é professor de filosofia na Universidade de Princeton, apresentou Hodges à música contemporânea tocando um LP de Birtwistle e Gyorgy Kurtag. Hodges e Morison executaram um arranjo de “A Sagração da Primavera” de Stravinsky para dois pianos e a inquieta “Structures II” de Pierre Boulez para seus professores e colegas estudantes em Winchester, gerando reações perplexas.

“Lembro-me dele sendo muito preciso - e me encorajando a ser preciso - e extremamente musical”, disse Morison sobre Hodges em entrevista por telefone. “Ele foi capaz de fazer a música falar como música.”

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Durante vários anos, ele considerou seguir a área de composição, para o desânimo de sua mãe, de mentalidade mais tradicional. Aos 23 anos, ele decidiu voltar a se concentrar no piano. “Eu simplesmente estava me divertindo mais como pianista”, disse ele. “Compor é muito trabalhoso.”

Como parte dessa decisão, Hodges começou a estudar com a pianista Sulamita Aronovsky, que havia desertado da União Soviética para a Grã-Bretanha. Um acidente de carro logo após a mudança encerrou a carreira dela como artista. “Ela costumava me dizer, sempre que eu ia à aula e reclamava: ‘Sr. Hodges, você tem que aceitar que todo mundo tem esses problemas’”, lembrou ele. “‘São as pessoas que superam esses problemas que têm carreiras’”.

Desde então, Hodges tem se apresentado como solista com orquestras como a Filarmônica de Nova York, a Orquestra Sinfônica de Boston e a Orquestra Filarmônica de Londres - geralmente em repertório contemporâneo e muitas vezes com peças escritas para ele. É professor de piano na Universidade Estadual de Música e Artes Cênicas de Stuttgart, Alemanha, e quase constantemente estreia novos trabalhos solo e em formações de música de câmara.

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“Ele posteriormente encomendou peças de todos esses compositores que idolatrávamos quando éramos adolescentes”, disse Morison, que continua próximo de Hodges. “É uma emoção extraordinária testemunhar isso.”

Emoções conflitantes

Quando Hodges recebeu seu diagnóstico, a notícia veio com emoções conflitantes. A primeira, lembrou Hodges, foi uma certa arrogância. “Vou ser um milagre médico”, pensou consigo mesmo. “Vou continuar aconteça o que acontecer.”

Quando essa fase passou, Hodges sentiu alívio. Ele teve um diagnóstico claro e os tratamentos com dopamina prescritos por Schreiber ajudaram. “A medicação às vezes me permite sentir e tocar como se não tivesse a doença”, disse Hodges. “Quando você está sofrendo de algo assim e não é tratado, você sente que está envelhecendo antes do tempo, você sente que seus filhos o esgotaram - e meus pobres filhos foram culpados por isso.”

Hodges teve que tomar decisões dolorosas enquanto priorizava seus compromissos. Desde 2012, toca no Trio Accanto, conjunto formado por Hodges, o percussionista alemão Christian Dierstein e o saxofonista suíço Marcus Weiss. O grupo percorreu os principais festivais de música nova da Europa e gravou seis álbuns de música contemporânea juntos.

Quando Dierstein e Weiss souberam do diagnóstico de Hodges, ficaram abalados. “Estamos assustados e tão preocupados e tristes quanto quando descobrimos”, disse Dierstein em uma entrevista por vídeo. “Mas sempre ficou claro para nós que queríamos continuar tocando com Nic e que levaríamos a doença em consideração.”

Após um período de reflexão durante a pandemia do coronavírus, Hodges decidiu retirar-se do Trio Accanto. Ele achou a logística envolvida em viajar para concertos e lidar com as complexas configurações instrumentais exigidas por muitas peças muito cansativas. A temporada 2024-25 será a última de Hodges no grupo.

Tocar com o Trio Accanto “foi a música de câmara ideal para mim”, disse Hodges. Mas, acrescentou, “o Parkinson torna necessário que a minha vida seja simples”.

Hodges também aprendeu a estruturar as doses de sua medicação - incluindo um inalador de dopamina, um adesivo agonista de receptores e pílulas de liberação prolongada - de uma forma que ajude em sua rotina de concertos. Isso geralmente exige grandes sacrifícios: ele basicamente se programa para o pior de seus sintomas.

Hodges diz que seu objetivo, agora, é ajustar sua carreira “para garantir que eu tenha a melhor chance de retardar a progressão da doença e, assim, continuar tocando com quaisquer qualidades que eu pudesse ter antes do Parkinson, mais ou menos intactas”.

Ele sabe que isso pode não durar para sempre. “Se eu tiver que parar de tocar, espero que meus amigos me digam que devo parar de tocar”, disse Hodges. “Mas, no momento, está funcionando.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No outono de 2018, o pianista Nicolas Hodges notou que seu corpo tremia. Ele tocou no assunto em uma consulta médica de rotina em Tübingen, Alemanha, onde mora. O médico disse que provavelmente era estresse, mas recomendou que ele marcasse uma consulta com um neurologista.

Hodges não marcou essa consulta imediatamente. Mas então, em janeiro de 2019, o tremor fez com que ele tocasse uma nota errada durante uma apresentação.

O pianista Nicolas Hodges continuou a tocar e gravar – com alterações e decisões difíceis – após receber o diagnóstico de doença de Parkinson. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times

“Ficou imediatamente claro que eu precisava descobrir o que estava acontecendo”, disse ele.

O Dr. Klaus Schreiber, neurologista e amante da música clássica, observou Hodges realizando algumas pequenas tarefas físicas - caminhar pela sala, despir-se e vestir-se - antes de enviá-lo para uma série de exames que confirmaram que Hodges tinha Mal de Parkinson.

Schreiber estimou que Hodges vinha se apresentando com Parkinson há três anos.

Hodges, 53 anos, é um importante intérprete de música clássica contemporânea. Como solista e músico de câmara, estreou e gravou obras de muitos compositores importantes deste século e do século passado. Recentemente, os seus sintomas forçaram-no a reduzir e priorizar suas apresentações.

Os piores sintomas, que raramente ocorrem, podem fazê-lo sentir, disse ele, como se “simplesmente não conseguisse tocar piano”. Mas o diagnóstico também fortaleceu sua dedicação à sua arte e ao repertório contemporâneo.

Os limites físicos forçaram Hodges a tomar “decisões estéticas”, disse ele, para selecionar as músicas a serem encomendadas e executadas com maior rigor. O diagnóstico “me fez tentar focar ainda mais nas múltiplas coisas contraditórias que são mais importantes para mim”.

Hodges tem uma técnica formidável e uma habilidade de tornar claramente audível a forma de peças altamente complexas. Seu tom no piano pode mudar do temperamental para o suave em segundos. Ele é surpreendentemente adaptável às visões amplamente divergentes de vários compositores contemporâneos. Em “China Gates” (1977), de John Adams, Hodges combinou propulsão rítmica com muita delicadeza. Na ópera “Shadowtime” (2004), de Brian Ferneyhough, ele abordou um solo prismaticamente virtuoso enquanto fazia perguntas enigmáticas em voz alta, como “Qual é a raiz cúbica de um contrafactual?” No Concerto para Piano de Simon Steen-Andersen (2014), ele enfrentou uma projeção de vídeo de si mesmo em um piano de cauda destruído.

Em 2020, Hodges gravou “A Bag of Bagatelles”, que uniu obras de Beethoven e Harrison Birtwistle, um colaborador próximo. A justaposição ilumina a complexidade, a imprevisibilidade e a escala orquestral que animam a música de dois compositores com séculos de diferença. Olhando para trás, Hodges percebeu que havia gravado o álbum com o Mal de Parkinson não tratado.

Piano aos 6 anos

Hodges nasceu em Londres em 1970. Seu pai era um gerente de estúdio da BBC, que mais tarde trabalhou com computação, e sua mãe era cantora de ópera profissional. Hodges começou a tocar piano aos 6 anos e a compor aos 9. Entre suas primeiras peças estava a primeira cena de uma ópera baseada no mito de Perseu.

No ensino médio, Hodges foi para o Winchester College, em Hampshire, onde Benjamin Morison, pianista e compositor que hoje é professor de filosofia na Universidade de Princeton, apresentou Hodges à música contemporânea tocando um LP de Birtwistle e Gyorgy Kurtag. Hodges e Morison executaram um arranjo de “A Sagração da Primavera” de Stravinsky para dois pianos e a inquieta “Structures II” de Pierre Boulez para seus professores e colegas estudantes em Winchester, gerando reações perplexas.

“Lembro-me dele sendo muito preciso - e me encorajando a ser preciso - e extremamente musical”, disse Morison sobre Hodges em entrevista por telefone. “Ele foi capaz de fazer a música falar como música.”

Durante vários anos, ele considerou seguir a área de composição, para o desânimo de sua mãe, de mentalidade mais tradicional. Aos 23 anos, ele decidiu voltar a se concentrar no piano. “Eu simplesmente estava me divertindo mais como pianista”, disse ele. “Compor é muito trabalhoso.”

Como parte dessa decisão, Hodges começou a estudar com a pianista Sulamita Aronovsky, que havia desertado da União Soviética para a Grã-Bretanha. Um acidente de carro logo após a mudança encerrou a carreira dela como artista. “Ela costumava me dizer, sempre que eu ia à aula e reclamava: ‘Sr. Hodges, você tem que aceitar que todo mundo tem esses problemas’”, lembrou ele. “‘São as pessoas que superam esses problemas que têm carreiras’”.

Desde então, Hodges tem se apresentado como solista com orquestras como a Filarmônica de Nova York, a Orquestra Sinfônica de Boston e a Orquestra Filarmônica de Londres - geralmente em repertório contemporâneo e muitas vezes com peças escritas para ele. É professor de piano na Universidade Estadual de Música e Artes Cênicas de Stuttgart, Alemanha, e quase constantemente estreia novos trabalhos solo e em formações de música de câmara.

“Ele posteriormente encomendou peças de todos esses compositores que idolatrávamos quando éramos adolescentes”, disse Morison, que continua próximo de Hodges. “É uma emoção extraordinária testemunhar isso.”

Emoções conflitantes

Quando Hodges recebeu seu diagnóstico, a notícia veio com emoções conflitantes. A primeira, lembrou Hodges, foi uma certa arrogância. “Vou ser um milagre médico”, pensou consigo mesmo. “Vou continuar aconteça o que acontecer.”

Quando essa fase passou, Hodges sentiu alívio. Ele teve um diagnóstico claro e os tratamentos com dopamina prescritos por Schreiber ajudaram. “A medicação às vezes me permite sentir e tocar como se não tivesse a doença”, disse Hodges. “Quando você está sofrendo de algo assim e não é tratado, você sente que está envelhecendo antes do tempo, você sente que seus filhos o esgotaram - e meus pobres filhos foram culpados por isso.”

Hodges teve que tomar decisões dolorosas enquanto priorizava seus compromissos. Desde 2012, toca no Trio Accanto, conjunto formado por Hodges, o percussionista alemão Christian Dierstein e o saxofonista suíço Marcus Weiss. O grupo percorreu os principais festivais de música nova da Europa e gravou seis álbuns de música contemporânea juntos.

Quando Dierstein e Weiss souberam do diagnóstico de Hodges, ficaram abalados. “Estamos assustados e tão preocupados e tristes quanto quando descobrimos”, disse Dierstein em uma entrevista por vídeo. “Mas sempre ficou claro para nós que queríamos continuar tocando com Nic e que levaríamos a doença em consideração.”

Após um período de reflexão durante a pandemia do coronavírus, Hodges decidiu retirar-se do Trio Accanto. Ele achou a logística envolvida em viajar para concertos e lidar com as complexas configurações instrumentais exigidas por muitas peças muito cansativas. A temporada 2024-25 será a última de Hodges no grupo.

Tocar com o Trio Accanto “foi a música de câmara ideal para mim”, disse Hodges. Mas, acrescentou, “o Parkinson torna necessário que a minha vida seja simples”.

Hodges também aprendeu a estruturar as doses de sua medicação - incluindo um inalador de dopamina, um adesivo agonista de receptores e pílulas de liberação prolongada - de uma forma que ajude em sua rotina de concertos. Isso geralmente exige grandes sacrifícios: ele basicamente se programa para o pior de seus sintomas.

Hodges diz que seu objetivo, agora, é ajustar sua carreira “para garantir que eu tenha a melhor chance de retardar a progressão da doença e, assim, continuar tocando com quaisquer qualidades que eu pudesse ter antes do Parkinson, mais ou menos intactas”.

Ele sabe que isso pode não durar para sempre. “Se eu tiver que parar de tocar, espero que meus amigos me digam que devo parar de tocar”, disse Hodges. “Mas, no momento, está funcionando.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No outono de 2018, o pianista Nicolas Hodges notou que seu corpo tremia. Ele tocou no assunto em uma consulta médica de rotina em Tübingen, Alemanha, onde mora. O médico disse que provavelmente era estresse, mas recomendou que ele marcasse uma consulta com um neurologista.

Hodges não marcou essa consulta imediatamente. Mas então, em janeiro de 2019, o tremor fez com que ele tocasse uma nota errada durante uma apresentação.

O pianista Nicolas Hodges continuou a tocar e gravar – com alterações e decisões difíceis – após receber o diagnóstico de doença de Parkinson. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times

“Ficou imediatamente claro que eu precisava descobrir o que estava acontecendo”, disse ele.

O Dr. Klaus Schreiber, neurologista e amante da música clássica, observou Hodges realizando algumas pequenas tarefas físicas - caminhar pela sala, despir-se e vestir-se - antes de enviá-lo para uma série de exames que confirmaram que Hodges tinha Mal de Parkinson.

Schreiber estimou que Hodges vinha se apresentando com Parkinson há três anos.

Hodges, 53 anos, é um importante intérprete de música clássica contemporânea. Como solista e músico de câmara, estreou e gravou obras de muitos compositores importantes deste século e do século passado. Recentemente, os seus sintomas forçaram-no a reduzir e priorizar suas apresentações.

Os piores sintomas, que raramente ocorrem, podem fazê-lo sentir, disse ele, como se “simplesmente não conseguisse tocar piano”. Mas o diagnóstico também fortaleceu sua dedicação à sua arte e ao repertório contemporâneo.

Os limites físicos forçaram Hodges a tomar “decisões estéticas”, disse ele, para selecionar as músicas a serem encomendadas e executadas com maior rigor. O diagnóstico “me fez tentar focar ainda mais nas múltiplas coisas contraditórias que são mais importantes para mim”.

Hodges tem uma técnica formidável e uma habilidade de tornar claramente audível a forma de peças altamente complexas. Seu tom no piano pode mudar do temperamental para o suave em segundos. Ele é surpreendentemente adaptável às visões amplamente divergentes de vários compositores contemporâneos. Em “China Gates” (1977), de John Adams, Hodges combinou propulsão rítmica com muita delicadeza. Na ópera “Shadowtime” (2004), de Brian Ferneyhough, ele abordou um solo prismaticamente virtuoso enquanto fazia perguntas enigmáticas em voz alta, como “Qual é a raiz cúbica de um contrafactual?” No Concerto para Piano de Simon Steen-Andersen (2014), ele enfrentou uma projeção de vídeo de si mesmo em um piano de cauda destruído.

Em 2020, Hodges gravou “A Bag of Bagatelles”, que uniu obras de Beethoven e Harrison Birtwistle, um colaborador próximo. A justaposição ilumina a complexidade, a imprevisibilidade e a escala orquestral que animam a música de dois compositores com séculos de diferença. Olhando para trás, Hodges percebeu que havia gravado o álbum com o Mal de Parkinson não tratado.

Piano aos 6 anos

Hodges nasceu em Londres em 1970. Seu pai era um gerente de estúdio da BBC, que mais tarde trabalhou com computação, e sua mãe era cantora de ópera profissional. Hodges começou a tocar piano aos 6 anos e a compor aos 9. Entre suas primeiras peças estava a primeira cena de uma ópera baseada no mito de Perseu.

No ensino médio, Hodges foi para o Winchester College, em Hampshire, onde Benjamin Morison, pianista e compositor que hoje é professor de filosofia na Universidade de Princeton, apresentou Hodges à música contemporânea tocando um LP de Birtwistle e Gyorgy Kurtag. Hodges e Morison executaram um arranjo de “A Sagração da Primavera” de Stravinsky para dois pianos e a inquieta “Structures II” de Pierre Boulez para seus professores e colegas estudantes em Winchester, gerando reações perplexas.

“Lembro-me dele sendo muito preciso - e me encorajando a ser preciso - e extremamente musical”, disse Morison sobre Hodges em entrevista por telefone. “Ele foi capaz de fazer a música falar como música.”

Durante vários anos, ele considerou seguir a área de composição, para o desânimo de sua mãe, de mentalidade mais tradicional. Aos 23 anos, ele decidiu voltar a se concentrar no piano. “Eu simplesmente estava me divertindo mais como pianista”, disse ele. “Compor é muito trabalhoso.”

Como parte dessa decisão, Hodges começou a estudar com a pianista Sulamita Aronovsky, que havia desertado da União Soviética para a Grã-Bretanha. Um acidente de carro logo após a mudança encerrou a carreira dela como artista. “Ela costumava me dizer, sempre que eu ia à aula e reclamava: ‘Sr. Hodges, você tem que aceitar que todo mundo tem esses problemas’”, lembrou ele. “‘São as pessoas que superam esses problemas que têm carreiras’”.

Desde então, Hodges tem se apresentado como solista com orquestras como a Filarmônica de Nova York, a Orquestra Sinfônica de Boston e a Orquestra Filarmônica de Londres - geralmente em repertório contemporâneo e muitas vezes com peças escritas para ele. É professor de piano na Universidade Estadual de Música e Artes Cênicas de Stuttgart, Alemanha, e quase constantemente estreia novos trabalhos solo e em formações de música de câmara.

“Ele posteriormente encomendou peças de todos esses compositores que idolatrávamos quando éramos adolescentes”, disse Morison, que continua próximo de Hodges. “É uma emoção extraordinária testemunhar isso.”

Emoções conflitantes

Quando Hodges recebeu seu diagnóstico, a notícia veio com emoções conflitantes. A primeira, lembrou Hodges, foi uma certa arrogância. “Vou ser um milagre médico”, pensou consigo mesmo. “Vou continuar aconteça o que acontecer.”

Quando essa fase passou, Hodges sentiu alívio. Ele teve um diagnóstico claro e os tratamentos com dopamina prescritos por Schreiber ajudaram. “A medicação às vezes me permite sentir e tocar como se não tivesse a doença”, disse Hodges. “Quando você está sofrendo de algo assim e não é tratado, você sente que está envelhecendo antes do tempo, você sente que seus filhos o esgotaram - e meus pobres filhos foram culpados por isso.”

Hodges teve que tomar decisões dolorosas enquanto priorizava seus compromissos. Desde 2012, toca no Trio Accanto, conjunto formado por Hodges, o percussionista alemão Christian Dierstein e o saxofonista suíço Marcus Weiss. O grupo percorreu os principais festivais de música nova da Europa e gravou seis álbuns de música contemporânea juntos.

Quando Dierstein e Weiss souberam do diagnóstico de Hodges, ficaram abalados. “Estamos assustados e tão preocupados e tristes quanto quando descobrimos”, disse Dierstein em uma entrevista por vídeo. “Mas sempre ficou claro para nós que queríamos continuar tocando com Nic e que levaríamos a doença em consideração.”

Após um período de reflexão durante a pandemia do coronavírus, Hodges decidiu retirar-se do Trio Accanto. Ele achou a logística envolvida em viajar para concertos e lidar com as complexas configurações instrumentais exigidas por muitas peças muito cansativas. A temporada 2024-25 será a última de Hodges no grupo.

Tocar com o Trio Accanto “foi a música de câmara ideal para mim”, disse Hodges. Mas, acrescentou, “o Parkinson torna necessário que a minha vida seja simples”.

Hodges também aprendeu a estruturar as doses de sua medicação - incluindo um inalador de dopamina, um adesivo agonista de receptores e pílulas de liberação prolongada - de uma forma que ajude em sua rotina de concertos. Isso geralmente exige grandes sacrifícios: ele basicamente se programa para o pior de seus sintomas.

Hodges diz que seu objetivo, agora, é ajustar sua carreira “para garantir que eu tenha a melhor chance de retardar a progressão da doença e, assim, continuar tocando com quaisquer qualidades que eu pudesse ter antes do Parkinson, mais ou menos intactas”.

Ele sabe que isso pode não durar para sempre. “Se eu tiver que parar de tocar, espero que meus amigos me digam que devo parar de tocar”, disse Hodges. “Mas, no momento, está funcionando.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No outono de 2018, o pianista Nicolas Hodges notou que seu corpo tremia. Ele tocou no assunto em uma consulta médica de rotina em Tübingen, Alemanha, onde mora. O médico disse que provavelmente era estresse, mas recomendou que ele marcasse uma consulta com um neurologista.

Hodges não marcou essa consulta imediatamente. Mas então, em janeiro de 2019, o tremor fez com que ele tocasse uma nota errada durante uma apresentação.

O pianista Nicolas Hodges continuou a tocar e gravar – com alterações e decisões difíceis – após receber o diagnóstico de doença de Parkinson. Foto: Roderick Aichinger/The New York Times

“Ficou imediatamente claro que eu precisava descobrir o que estava acontecendo”, disse ele.

O Dr. Klaus Schreiber, neurologista e amante da música clássica, observou Hodges realizando algumas pequenas tarefas físicas - caminhar pela sala, despir-se e vestir-se - antes de enviá-lo para uma série de exames que confirmaram que Hodges tinha Mal de Parkinson.

Schreiber estimou que Hodges vinha se apresentando com Parkinson há três anos.

Hodges, 53 anos, é um importante intérprete de música clássica contemporânea. Como solista e músico de câmara, estreou e gravou obras de muitos compositores importantes deste século e do século passado. Recentemente, os seus sintomas forçaram-no a reduzir e priorizar suas apresentações.

Os piores sintomas, que raramente ocorrem, podem fazê-lo sentir, disse ele, como se “simplesmente não conseguisse tocar piano”. Mas o diagnóstico também fortaleceu sua dedicação à sua arte e ao repertório contemporâneo.

Os limites físicos forçaram Hodges a tomar “decisões estéticas”, disse ele, para selecionar as músicas a serem encomendadas e executadas com maior rigor. O diagnóstico “me fez tentar focar ainda mais nas múltiplas coisas contraditórias que são mais importantes para mim”.

Hodges tem uma técnica formidável e uma habilidade de tornar claramente audível a forma de peças altamente complexas. Seu tom no piano pode mudar do temperamental para o suave em segundos. Ele é surpreendentemente adaptável às visões amplamente divergentes de vários compositores contemporâneos. Em “China Gates” (1977), de John Adams, Hodges combinou propulsão rítmica com muita delicadeza. Na ópera “Shadowtime” (2004), de Brian Ferneyhough, ele abordou um solo prismaticamente virtuoso enquanto fazia perguntas enigmáticas em voz alta, como “Qual é a raiz cúbica de um contrafactual?” No Concerto para Piano de Simon Steen-Andersen (2014), ele enfrentou uma projeção de vídeo de si mesmo em um piano de cauda destruído.

Em 2020, Hodges gravou “A Bag of Bagatelles”, que uniu obras de Beethoven e Harrison Birtwistle, um colaborador próximo. A justaposição ilumina a complexidade, a imprevisibilidade e a escala orquestral que animam a música de dois compositores com séculos de diferença. Olhando para trás, Hodges percebeu que havia gravado o álbum com o Mal de Parkinson não tratado.

Piano aos 6 anos

Hodges nasceu em Londres em 1970. Seu pai era um gerente de estúdio da BBC, que mais tarde trabalhou com computação, e sua mãe era cantora de ópera profissional. Hodges começou a tocar piano aos 6 anos e a compor aos 9. Entre suas primeiras peças estava a primeira cena de uma ópera baseada no mito de Perseu.

No ensino médio, Hodges foi para o Winchester College, em Hampshire, onde Benjamin Morison, pianista e compositor que hoje é professor de filosofia na Universidade de Princeton, apresentou Hodges à música contemporânea tocando um LP de Birtwistle e Gyorgy Kurtag. Hodges e Morison executaram um arranjo de “A Sagração da Primavera” de Stravinsky para dois pianos e a inquieta “Structures II” de Pierre Boulez para seus professores e colegas estudantes em Winchester, gerando reações perplexas.

“Lembro-me dele sendo muito preciso - e me encorajando a ser preciso - e extremamente musical”, disse Morison sobre Hodges em entrevista por telefone. “Ele foi capaz de fazer a música falar como música.”

Durante vários anos, ele considerou seguir a área de composição, para o desânimo de sua mãe, de mentalidade mais tradicional. Aos 23 anos, ele decidiu voltar a se concentrar no piano. “Eu simplesmente estava me divertindo mais como pianista”, disse ele. “Compor é muito trabalhoso.”

Como parte dessa decisão, Hodges começou a estudar com a pianista Sulamita Aronovsky, que havia desertado da União Soviética para a Grã-Bretanha. Um acidente de carro logo após a mudança encerrou a carreira dela como artista. “Ela costumava me dizer, sempre que eu ia à aula e reclamava: ‘Sr. Hodges, você tem que aceitar que todo mundo tem esses problemas’”, lembrou ele. “‘São as pessoas que superam esses problemas que têm carreiras’”.

Desde então, Hodges tem se apresentado como solista com orquestras como a Filarmônica de Nova York, a Orquestra Sinfônica de Boston e a Orquestra Filarmônica de Londres - geralmente em repertório contemporâneo e muitas vezes com peças escritas para ele. É professor de piano na Universidade Estadual de Música e Artes Cênicas de Stuttgart, Alemanha, e quase constantemente estreia novos trabalhos solo e em formações de música de câmara.

“Ele posteriormente encomendou peças de todos esses compositores que idolatrávamos quando éramos adolescentes”, disse Morison, que continua próximo de Hodges. “É uma emoção extraordinária testemunhar isso.”

Emoções conflitantes

Quando Hodges recebeu seu diagnóstico, a notícia veio com emoções conflitantes. A primeira, lembrou Hodges, foi uma certa arrogância. “Vou ser um milagre médico”, pensou consigo mesmo. “Vou continuar aconteça o que acontecer.”

Quando essa fase passou, Hodges sentiu alívio. Ele teve um diagnóstico claro e os tratamentos com dopamina prescritos por Schreiber ajudaram. “A medicação às vezes me permite sentir e tocar como se não tivesse a doença”, disse Hodges. “Quando você está sofrendo de algo assim e não é tratado, você sente que está envelhecendo antes do tempo, você sente que seus filhos o esgotaram - e meus pobres filhos foram culpados por isso.”

Hodges teve que tomar decisões dolorosas enquanto priorizava seus compromissos. Desde 2012, toca no Trio Accanto, conjunto formado por Hodges, o percussionista alemão Christian Dierstein e o saxofonista suíço Marcus Weiss. O grupo percorreu os principais festivais de música nova da Europa e gravou seis álbuns de música contemporânea juntos.

Quando Dierstein e Weiss souberam do diagnóstico de Hodges, ficaram abalados. “Estamos assustados e tão preocupados e tristes quanto quando descobrimos”, disse Dierstein em uma entrevista por vídeo. “Mas sempre ficou claro para nós que queríamos continuar tocando com Nic e que levaríamos a doença em consideração.”

Após um período de reflexão durante a pandemia do coronavírus, Hodges decidiu retirar-se do Trio Accanto. Ele achou a logística envolvida em viajar para concertos e lidar com as complexas configurações instrumentais exigidas por muitas peças muito cansativas. A temporada 2024-25 será a última de Hodges no grupo.

Tocar com o Trio Accanto “foi a música de câmara ideal para mim”, disse Hodges. Mas, acrescentou, “o Parkinson torna necessário que a minha vida seja simples”.

Hodges também aprendeu a estruturar as doses de sua medicação - incluindo um inalador de dopamina, um adesivo agonista de receptores e pílulas de liberação prolongada - de uma forma que ajude em sua rotina de concertos. Isso geralmente exige grandes sacrifícios: ele basicamente se programa para o pior de seus sintomas.

Hodges diz que seu objetivo, agora, é ajustar sua carreira “para garantir que eu tenha a melhor chance de retardar a progressão da doença e, assim, continuar tocando com quaisquer qualidades que eu pudesse ter antes do Parkinson, mais ou menos intactas”.

Ele sabe que isso pode não durar para sempre. “Se eu tiver que parar de tocar, espero que meus amigos me digam que devo parar de tocar”, disse Hodges. “Mas, no momento, está funcionando.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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