O governo chinês construiu uma rede de campos de reeducação e um sistema de vigilância para monitorar e subjugar milhões de muçulmanos de minorias da região de Xinjiang. Agora a China está recorrendo a um método de controle mais antigo e rigoroso: encher as prisões em Xinjiang.
A região no noroeste da China teve uma alta recorde nas detenções, julgamentos e sentenças de prisão nos dois anos mais recentes, de acordo com análise feita pelo New York Times a partir de dados oficiais não divulgados. Conforme o governo chinês promove uma campanha de segurança voltada principalmente contra as minorias de Xinjiang, o uso de prisões está colocando em dúvida até a proteção limitada aos direitos dos réus na China.
Os tribunais de Xinjiang - onde minorias principalmente muçulmanas, entre elas os uighures e os cazaques, representam mais da metade da população - sentenciaram um total de 230 mil pessoas à prisão e outros castigos em 2017 e 2018, número significativamente maior do que em qualquer outros período em décadas de registros na região. Somente em 2017, tribunais de Xinjiang condenaram quase 87 mil réus, dez vezes mais do que no ano anterior, a sentenças de prisão de cinco anos ou mais. As detenções tiveram alta de 800%; o número de processos aumentou 500%.
Especialistas, defensores dos direitos humanos e ativistas uighures exilados dizem que as autoridades chinesas ignoraram as proteções rudimentares na sua campanha. A polícia, os promotores e os juízes estão trabalhando juntos para garantir as condenações, servindo à campanha do Partido Comunista para erradicar a instabilidade e converter as minorias geralmente muçulmanas em grupos leais ao partido.
De acordo com os críticos, as detenções são feitas frequentemente com base em acusações fracas ou exageradas, e os julgamentos seriam mera formalidade, com imensa probabilidade de resultarem em uma condenação. Uma vez sentenciados, os prisioneiros são submetidos a abusos potenciais e ao trabalho pesado em instalações superlotadas.
Xinjiang não revela o número total de detidos, e o governo regional não respondeu às perguntas enviadas a respeito do encarceramento. Mas a onda de detenções, perseguições e sentenças indica uma imensa alta na população carcerária. A tendência não parece ter precedente no passado recente da China, de acordo com dados oficiais das décadas mais recentes. Em toda a província de Xinjiang vemos imensas prisões, muitas delas construídas recentemente.
“É como se toda a população fosse tratada como culpada até comprovar a inocência”, disse o antropólogo Sean R. Roberts, da Universidade George Washington, em Washington, que estuda os uighures. “Esses campos de internação e prisões não vão desaparecer, e servem como alerta para a população, que deve demonstrar lealdade ao partido.”
A proporção de detidos em Xinjiang, onde habitam 24,5 milhões de pessoas, supera em muito a de outras províncias chinesas comparáveis. Em contraste, a Mongólia Interior, região do nordeste da China com aproximadamente o mesmo tamanho e população, incluindo uma minoria étnica expressiva, teve 33 mil pessoas sentenciadas no ano passado.
Uma estudante uighur, Buzainafu Abudourexiti, 27 anos, foi sentenciada a sete anos de prisão em Xinjiang em 2017. O marido dela, Almas Nizamidin, um uighur que imigrou para a Austrália há dez anos, tenta obter um visto para que ela possa se juntar a ele. Ele disse que a mulher foi condenada por reunir uma multidão e perturbar a ordem pública, descrevendo a acusação como fabricada.
“Estou muito preocupado, pois não recebo nenhuma informação a respeito dela”, disse Nizamidin. “Todos falam a respeito dos campos, até mesmo nas Nações Unidas, mas as prisões recebem cada vez mais pessoas, que ficam sob controle cada vez mais rigoroso.” Faz anos que a segurança é exagerada em Xinjiang. Em 2009, centenas de pessoas morreram durante distúrbios étnicos na capital regional, Urumqi, levando o governo a começar a implementação de políticas mais rigorosas.
As autoridades levaram a campanha de segurança a novos extremos depois que Xi Jinping se tornou o principal líder da China em 2012, exigindo o fim dos ataques aos chineses por parte dos uighures. Muitos uighures e cazaques que deixaram o país dizem ter ficado sabendo de parentes detidos, às vezes depois de serem mantidos em campos de reeducação.
Entre os 24 membros da etnia cazaque entrevistados em janeiro, seis tinham parentes detidos desde 2017. Uma parcela considerável dos uighures mandados para prisões é composta por empresários, profissionais e acadêmicos, disse Habibulla Altay, um uighur comerciante de chá que deixou a China em 2016 para se instalar na Suíça.
“O governo os considera mais perigosos, pois têm dinheiro e conhecimento, e frequentemente viajaram ao exterior”, disse Altay. Ele acrescentou que amigos em Xinjiang o informaram que seu cunhado foi detido. “Com frequência, as famílias não sabem para onde seus entes queridos presos são levados”, disse ele.
“Então, ficamos sabendo de alguém que foi sentenciado, ou preso. Quase todas as famílias têm um parente em situação parecida.” Paul Mozur, Austin Ramzy, Christiaan Triebert e Christoph Koettl contribuíram com a reportagem. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA