A produção de leite é cruel para as vacas?


Um pequeno grupo de cientistas do bem-estar dos animais  procura responder a esta pergunta. Diante de um crescente movimento contra a produção, muitos pecuaristas começaram a modificar as suas práticas

Por Andrew Jacobs
Atualização: Correção:

SCHODACK LANDING, NovaYork - As 1.500 vacas Jersey que Nathan Chittenden e sua família criam no norte do estado de Nova York aparentemente levam uma vida sem preocupações. Elas passam os dias à toa em seus estábulos ventilados e comendo sua ração em cochos. Três vezes ao dia, elas fazem fila no salão de ordenha, onde bombas controladas por computador retiram vários galões de leite morno dos seus úberes, processo que dura aproximadamente alguns minutos.

Chittenden, 42, criador de gado leiteiro da terceira geração, cuja família alimenta com mamadeira cada bezerro recém-nascido, expressa sua afeição por seus animais. É um sentimento que vimos recentemente quando vacas prenhas enfiaram as cabeças pelo cercado de madeira para lamber a sua mão.

Enfrentando um crescente movimento anti-laticínios, muitos fazendeiros estão alterando suas práticas. Foto: Lauren Lancaster/The New York Times
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“Eu sou o encarregado de todas estas vidas do berço ao túmulo, e é importante saber que este animal passa toda a sua vida sem sofrer”, ele disse, acariciando a uma delas particularmente insistente. “Seria uma pessoa má se eu deixasse ela sofrer”.

Os ativistas do movimento pelo bem-estar dos animais têm uma visão bastante diferente a respeito das fazendas como a de Chittenden que sacia o apetite de leite, queijo e iogurte da nação. Para eles, os produtores de leite são as engrenagens de um sistema desumano de produção industrial de alimentos que condena estes dóceis ruminantes a uma vida miserável. Após anos de campanhas bem-sucedidas para a formação da opinião pública contra outras práticas da pecuária que datam de séculos, eles agora tomaram como alvo a indústria de laticínios de US$ 620 bilhões.

Algumas de suas exigências são indiscutíveis: as vacas de leite são engravidadas repetidamente por inseminação artificial e os seus filhotes são afastados no nascimento. As novilhas são confinadas em estábulos individuais e os seus chifres incipientes são destruídos quando elas têm cerca de oito semanas de vida. Os machos não têm tanta sorte. Logo depois do nascimento, são levados para fazendas de criação de vitelos ou de produção de gado onde acabam como carne de hambúrguer.

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As típicas vacas de leite nos Estados Unidos passam toda a sua vida em um ambiente com piso de concreto, e embora possam viver 20 anos, a maioria delas é enviada para o matadouro depois de quatro ou cinco anos, quando param de produzir leite.

“As pessoas têm esta imagem da fazenda Old MacDonald’s, com vacas felizes em pastos verdejantes, mas isto está muito longe da realidade,” disse Erica Meier, presidente da organização ativista Animal Outlook. “Algumas fazendas talvez sejam menos cruéis do que outras, mas não existe esta coisa de ‘leite sem crueldade’”.

A demonização do setor de laticínios como fundamentalmente cruel foi disseminada por vídeos sobre fazendas filmadas clandestinamente por grupos como o Animal Outlook, que costumam ter um grande público na mídia social. Em outubro, a organização mostrou um vídeo curto filmado às escondidas em uma pequena fazenda familiar no Sul da Califórnia que revelou trabalhadores casualmente chutando e batendo em vacas com bastões de metal, e um bezerro recém-nascido, com o focinho coberto de moscas deixado para morrer na lama. Um segmento mostrou um trator erguendo uma Holstein machucada no ar pelas patas posteriores.

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Stephen Larson, um advogado da Dick Van Dam Dairy, afirmou que as imagens foram encenadas ou tomadas fora de contexto. No início de dezembro, um juiz rejeitou uma ação contra a fazenda movida por outra organização para o bem-estar dos animais, afirmando que não se sustentava. “A acusação de que os donos maltratavam suas vacas é algo que afeta profundamente a família Van Dam, porque a verdade é que eles sempre, há gerações, se preocupam e sempre cuidaram de todas as suas vacas”, disse Larson.

Especialistas do setor e pecuaristas que viram as imagens ficaram revoltados e afirmaram que os abusos apresentados não são comuns. “Estes vídeos enojam todo pecuarista e veterinário, porque nós sabemos que a grande maioria dos fazendeiros nunca faria coisas como estas com os seus animais”, disse a dra. Carie Telgen, presidente da Associação Americana de Profissionais de Medicina Bovina.

O esforço para fazer com que os americanos deixem de consumir derivados do leite está ganhando impulso em um momento em que muitas fazendas do país lutam para obter algum lucro. O consumo de leite caiu 40% desde 1975, uma tendência que está acelerando à medida que aumenta o número de pessoas que adotam o leite de aveia e de amêndoas. Nas últimas décadas, 20 mil produtores de leite deixaram a profissão, o que representa um declínio de 30%, segundo o Departamento da Agricultura. E a pandemia do coronavírus obrigou alguns a jogar fora o leite não vendido porque a demanda dos programas da merenda escolar e dos restaurantes secou.

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A Federação Nacional dos Produtores de Leite, que representa a maioria dos 35 mil produtores de laticínios dos EUA, tenta desfazer este sentimento do público e promover o bem-estar dos animais entre os seus membros. O que significa encorajar visitas mais frequentes do veterinário na fazenda. Exigir que a mão de obra, que ganha baixos salários, faça treinamento regular sobre o manejo das vacas, e ainda a redução gradual do corte da cauda das vacas - uma prática generalizada.

“Não acredito que haja fazendeiros por aí que não procurem o melhor para aumentar os cuidados e o bem-estar dos seus animais”, disse Emily Yeiser Stepp, que dirige a iniciativa para o cuidado dos animais há 12 anos. “Entretanto, não podemos deixar de dar atenção aos valores dos consumidores. Devemos fazer o melhor possível para dar a eles motivação para continuarem a comprar derivados do leite”.

Nate Chittenden, um fazendeiro de leite da Dutch Hollow Farm com suas vacas Foto: Lauren Lancaster/The New York Times
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O que os cientistas veem

Entre os que se encontram na batalha para conquistar os corações e as mentes dos consumidores de laticínios está um pequeno grupo de cientistas que se dedicam ao bem-estar dos animais e trabalham em silêncio para dar respostas a questões complexas: As vacas são obrigadas a passar toda a sua vida confinadas e infelizes em estábulos? A separação de um recém-nascido da mãe resultará em uma angústia mensurável? E há maneiras de melhorar a vida de uma vaca leiteira que sejam saudáveis do ponto de vista científico e economicamente viáveis?

Marina von Keyserlingk, uma pesquisadora da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e pioneira amplamente conhecida no campo do bem-estar animal, fez alguns progressos na tentativa de compreender se certos aspectos do moderno manejo do gado pode levar a um sofrimento evitável.

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Marina cresceu em uma fazenda, e diz que tem facilidade para aproximar-se dos fazendeiros ressentidos pelo fato de receberem lições de profissionais urbanos que não conhecem a criação animal. Parte do seu trabalho consiste em ajudar a convencer fazendeiros que têm dificuldade para aceitar as melhorias do bem-estar animal com o respaldo da ciência.

“Quando eu era menina, castrei milhares de bezerros sem precisar de medicamentos analgésicos e nunca pensei em dizer ao meu pai: ‘Isto não é bom’,” ela disse. “Mas agora eu castraria um bezerro sem um remédio contra a dor? É claro que não”.

Prever toda a vida dos animais é notoriamente impossível, mas os cientistas como von Keyserlingk criaram experimentos que procuram quantificar os desejos bovinos e aprender se algumas práticas de criadores produzem uma piora da saúde e uma produção de leite de qualidade abaixo da média.

Os estudos que ela e outros cientistas planejaram incluem a ideia de instalar portões giratórios no interior dos estábulos para avaliar se as vacas prenhes preferem permanecer em seus ambientes fechados com clima controlado e ruminar sua comida preferida ou sair para pastar. Eles constataram que o desejo das vacas de sair depende do tempo (elas evitam a chuva e a neve) e o momento do dia (preferem sair à noite).

Um experimento procurou determinar se deixar duas bezerras juntas em lugar de mantê-las isoladas em suas baias, poderia melhorar o seu aprendizado. (E constataram que isto ocorre, e que uma companhia também as torna menos temerosos e mais fáceis de gerenciar.) 

Pesquisas realizadas por cientistas do bem-estar animal levaram o setor a adotar uma série de mudanças. Muitos grandes laticínios começaram a deixar diversas vacas juntas, abandonando a antiga tradição de mantê-las solitárias amarradas em baias no estábulo. Outros estudos nos últimos 20 anos concluíram que não havia nenhum benefício higiênico em cortar a cauda de uma vaca, que elas aliás usam para espantar as moscas.

(Até pouco tempo atrás, acreditava-se que uma cauda abanando espalhava fezes e bactérias, mas osfazendeiros principalmente achavam as caudas incômodas.)

Outras mudanças promovidas pelos cientistas levaram à adoção de remédios para aliviar a dor durante a retirada dos chifres, processo que há muito revolta os ativistas do bem-estar animal, mas que é necessário, segundo os veterinários, para proteger os trabalhadores e impedir graves ferimentos nas próprias vacas.

Na fazenda

A fazenda de Chittenden é totalmente povoada por vacas Jerseys, uma raça pequena, parda, encarnada por Elsie the Cow, a mascote de Borden Dairy com uma guirlanda de margaridas, que transmitiu a várias gerações de americanos pitorescas noções da vaca leiteira adorável e feliz. As de raça Jersey são conhecidas por sua disposição tranquila, e por produzir um leite de elevado teor de leitelho (buttermilk).

Homem loquaz, cujas mãos envelhecidas pelo tempo e pelo trabalhorefletem toda uma vida de labuta, Chittenden disse que os preços baixos, as regras ambientais cada vez mais rigorosas, e uma maior atenção dos grupos preocupados para com o bem-estar dos animais tornaram os últimos cinco anos particularmente estressantes. Ele e outros fazendeiros afirmam que as acusações de maus tratos generalizados dos animais destes ativistas são exageradas, retrucando que vacas infelizes produzem leite fraco.

“Felizmente para mim, um animal mais bem tratado é melhor para os meus resultados, porque estes animais nunca produzem mais leite do que quando estão bem alimentados, bem cuidados e não sofrem nenhuma forma de estresse”, afirmou.

Spencer Fenniman, que ajuda a cuidar da fazenda Hawthorne Valley, um laticínio de Ghent, Nova York, aprecia particularmente os chifres das vacas. E gosta de mostrar aos visitantes que os anéis no chifre do animal revelam a sua idade. Do contrário, ele teria dificuldade para distinguir Nutmeg de Martha ou de qualquer uma das outras 70 vacas normandas e suíças marrom que pastam nos campos verdejantes da fazenda. Embora tenha havido alguns acidentes nos últimos dez anos, ele disse que é raro que uma vaca use os chifres como arma, e o próprio Elvis, o touro, o único macho do rebanho, é dócil. Como constatou recentemente quando um grupo de humanos entrou no recinto cercado.

Há outra coisa impressionante nas vacas. Muitas delas passam meses com a sua cria. Permitir que um bezerro mame reduz a quantidade de leite disponível para consumo humano, mas, diz Fenniman, suas vacas retribuem abundantemente produzindo quantidades extras de leite mais rico e mais doce.

“Acho que devemos reconhecer que tirar o leite dos mamíferos é algo que subverte um processo natural”, ele disse. “Mas nós podemos retribuí-los com certa liberdade, que inclui a luz e o ar dos pastos”./ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

SCHODACK LANDING, NovaYork - As 1.500 vacas Jersey que Nathan Chittenden e sua família criam no norte do estado de Nova York aparentemente levam uma vida sem preocupações. Elas passam os dias à toa em seus estábulos ventilados e comendo sua ração em cochos. Três vezes ao dia, elas fazem fila no salão de ordenha, onde bombas controladas por computador retiram vários galões de leite morno dos seus úberes, processo que dura aproximadamente alguns minutos.

Chittenden, 42, criador de gado leiteiro da terceira geração, cuja família alimenta com mamadeira cada bezerro recém-nascido, expressa sua afeição por seus animais. É um sentimento que vimos recentemente quando vacas prenhas enfiaram as cabeças pelo cercado de madeira para lamber a sua mão.

Enfrentando um crescente movimento anti-laticínios, muitos fazendeiros estão alterando suas práticas. Foto: Lauren Lancaster/The New York Times

“Eu sou o encarregado de todas estas vidas do berço ao túmulo, e é importante saber que este animal passa toda a sua vida sem sofrer”, ele disse, acariciando a uma delas particularmente insistente. “Seria uma pessoa má se eu deixasse ela sofrer”.

Os ativistas do movimento pelo bem-estar dos animais têm uma visão bastante diferente a respeito das fazendas como a de Chittenden que sacia o apetite de leite, queijo e iogurte da nação. Para eles, os produtores de leite são as engrenagens de um sistema desumano de produção industrial de alimentos que condena estes dóceis ruminantes a uma vida miserável. Após anos de campanhas bem-sucedidas para a formação da opinião pública contra outras práticas da pecuária que datam de séculos, eles agora tomaram como alvo a indústria de laticínios de US$ 620 bilhões.

Algumas de suas exigências são indiscutíveis: as vacas de leite são engravidadas repetidamente por inseminação artificial e os seus filhotes são afastados no nascimento. As novilhas são confinadas em estábulos individuais e os seus chifres incipientes são destruídos quando elas têm cerca de oito semanas de vida. Os machos não têm tanta sorte. Logo depois do nascimento, são levados para fazendas de criação de vitelos ou de produção de gado onde acabam como carne de hambúrguer.

As típicas vacas de leite nos Estados Unidos passam toda a sua vida em um ambiente com piso de concreto, e embora possam viver 20 anos, a maioria delas é enviada para o matadouro depois de quatro ou cinco anos, quando param de produzir leite.

“As pessoas têm esta imagem da fazenda Old MacDonald’s, com vacas felizes em pastos verdejantes, mas isto está muito longe da realidade,” disse Erica Meier, presidente da organização ativista Animal Outlook. “Algumas fazendas talvez sejam menos cruéis do que outras, mas não existe esta coisa de ‘leite sem crueldade’”.

A demonização do setor de laticínios como fundamentalmente cruel foi disseminada por vídeos sobre fazendas filmadas clandestinamente por grupos como o Animal Outlook, que costumam ter um grande público na mídia social. Em outubro, a organização mostrou um vídeo curto filmado às escondidas em uma pequena fazenda familiar no Sul da Califórnia que revelou trabalhadores casualmente chutando e batendo em vacas com bastões de metal, e um bezerro recém-nascido, com o focinho coberto de moscas deixado para morrer na lama. Um segmento mostrou um trator erguendo uma Holstein machucada no ar pelas patas posteriores.

Stephen Larson, um advogado da Dick Van Dam Dairy, afirmou que as imagens foram encenadas ou tomadas fora de contexto. No início de dezembro, um juiz rejeitou uma ação contra a fazenda movida por outra organização para o bem-estar dos animais, afirmando que não se sustentava. “A acusação de que os donos maltratavam suas vacas é algo que afeta profundamente a família Van Dam, porque a verdade é que eles sempre, há gerações, se preocupam e sempre cuidaram de todas as suas vacas”, disse Larson.

Especialistas do setor e pecuaristas que viram as imagens ficaram revoltados e afirmaram que os abusos apresentados não são comuns. “Estes vídeos enojam todo pecuarista e veterinário, porque nós sabemos que a grande maioria dos fazendeiros nunca faria coisas como estas com os seus animais”, disse a dra. Carie Telgen, presidente da Associação Americana de Profissionais de Medicina Bovina.

O esforço para fazer com que os americanos deixem de consumir derivados do leite está ganhando impulso em um momento em que muitas fazendas do país lutam para obter algum lucro. O consumo de leite caiu 40% desde 1975, uma tendência que está acelerando à medida que aumenta o número de pessoas que adotam o leite de aveia e de amêndoas. Nas últimas décadas, 20 mil produtores de leite deixaram a profissão, o que representa um declínio de 30%, segundo o Departamento da Agricultura. E a pandemia do coronavírus obrigou alguns a jogar fora o leite não vendido porque a demanda dos programas da merenda escolar e dos restaurantes secou.

A Federação Nacional dos Produtores de Leite, que representa a maioria dos 35 mil produtores de laticínios dos EUA, tenta desfazer este sentimento do público e promover o bem-estar dos animais entre os seus membros. O que significa encorajar visitas mais frequentes do veterinário na fazenda. Exigir que a mão de obra, que ganha baixos salários, faça treinamento regular sobre o manejo das vacas, e ainda a redução gradual do corte da cauda das vacas - uma prática generalizada.

“Não acredito que haja fazendeiros por aí que não procurem o melhor para aumentar os cuidados e o bem-estar dos seus animais”, disse Emily Yeiser Stepp, que dirige a iniciativa para o cuidado dos animais há 12 anos. “Entretanto, não podemos deixar de dar atenção aos valores dos consumidores. Devemos fazer o melhor possível para dar a eles motivação para continuarem a comprar derivados do leite”.

Nate Chittenden, um fazendeiro de leite da Dutch Hollow Farm com suas vacas Foto: Lauren Lancaster/The New York Times

O que os cientistas veem

Entre os que se encontram na batalha para conquistar os corações e as mentes dos consumidores de laticínios está um pequeno grupo de cientistas que se dedicam ao bem-estar dos animais e trabalham em silêncio para dar respostas a questões complexas: As vacas são obrigadas a passar toda a sua vida confinadas e infelizes em estábulos? A separação de um recém-nascido da mãe resultará em uma angústia mensurável? E há maneiras de melhorar a vida de uma vaca leiteira que sejam saudáveis do ponto de vista científico e economicamente viáveis?

Marina von Keyserlingk, uma pesquisadora da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e pioneira amplamente conhecida no campo do bem-estar animal, fez alguns progressos na tentativa de compreender se certos aspectos do moderno manejo do gado pode levar a um sofrimento evitável.

Marina cresceu em uma fazenda, e diz que tem facilidade para aproximar-se dos fazendeiros ressentidos pelo fato de receberem lições de profissionais urbanos que não conhecem a criação animal. Parte do seu trabalho consiste em ajudar a convencer fazendeiros que têm dificuldade para aceitar as melhorias do bem-estar animal com o respaldo da ciência.

“Quando eu era menina, castrei milhares de bezerros sem precisar de medicamentos analgésicos e nunca pensei em dizer ao meu pai: ‘Isto não é bom’,” ela disse. “Mas agora eu castraria um bezerro sem um remédio contra a dor? É claro que não”.

Prever toda a vida dos animais é notoriamente impossível, mas os cientistas como von Keyserlingk criaram experimentos que procuram quantificar os desejos bovinos e aprender se algumas práticas de criadores produzem uma piora da saúde e uma produção de leite de qualidade abaixo da média.

Os estudos que ela e outros cientistas planejaram incluem a ideia de instalar portões giratórios no interior dos estábulos para avaliar se as vacas prenhes preferem permanecer em seus ambientes fechados com clima controlado e ruminar sua comida preferida ou sair para pastar. Eles constataram que o desejo das vacas de sair depende do tempo (elas evitam a chuva e a neve) e o momento do dia (preferem sair à noite).

Um experimento procurou determinar se deixar duas bezerras juntas em lugar de mantê-las isoladas em suas baias, poderia melhorar o seu aprendizado. (E constataram que isto ocorre, e que uma companhia também as torna menos temerosos e mais fáceis de gerenciar.) 

Pesquisas realizadas por cientistas do bem-estar animal levaram o setor a adotar uma série de mudanças. Muitos grandes laticínios começaram a deixar diversas vacas juntas, abandonando a antiga tradição de mantê-las solitárias amarradas em baias no estábulo. Outros estudos nos últimos 20 anos concluíram que não havia nenhum benefício higiênico em cortar a cauda de uma vaca, que elas aliás usam para espantar as moscas.

(Até pouco tempo atrás, acreditava-se que uma cauda abanando espalhava fezes e bactérias, mas osfazendeiros principalmente achavam as caudas incômodas.)

Outras mudanças promovidas pelos cientistas levaram à adoção de remédios para aliviar a dor durante a retirada dos chifres, processo que há muito revolta os ativistas do bem-estar animal, mas que é necessário, segundo os veterinários, para proteger os trabalhadores e impedir graves ferimentos nas próprias vacas.

Na fazenda

A fazenda de Chittenden é totalmente povoada por vacas Jerseys, uma raça pequena, parda, encarnada por Elsie the Cow, a mascote de Borden Dairy com uma guirlanda de margaridas, que transmitiu a várias gerações de americanos pitorescas noções da vaca leiteira adorável e feliz. As de raça Jersey são conhecidas por sua disposição tranquila, e por produzir um leite de elevado teor de leitelho (buttermilk).

Homem loquaz, cujas mãos envelhecidas pelo tempo e pelo trabalhorefletem toda uma vida de labuta, Chittenden disse que os preços baixos, as regras ambientais cada vez mais rigorosas, e uma maior atenção dos grupos preocupados para com o bem-estar dos animais tornaram os últimos cinco anos particularmente estressantes. Ele e outros fazendeiros afirmam que as acusações de maus tratos generalizados dos animais destes ativistas são exageradas, retrucando que vacas infelizes produzem leite fraco.

“Felizmente para mim, um animal mais bem tratado é melhor para os meus resultados, porque estes animais nunca produzem mais leite do que quando estão bem alimentados, bem cuidados e não sofrem nenhuma forma de estresse”, afirmou.

Spencer Fenniman, que ajuda a cuidar da fazenda Hawthorne Valley, um laticínio de Ghent, Nova York, aprecia particularmente os chifres das vacas. E gosta de mostrar aos visitantes que os anéis no chifre do animal revelam a sua idade. Do contrário, ele teria dificuldade para distinguir Nutmeg de Martha ou de qualquer uma das outras 70 vacas normandas e suíças marrom que pastam nos campos verdejantes da fazenda. Embora tenha havido alguns acidentes nos últimos dez anos, ele disse que é raro que uma vaca use os chifres como arma, e o próprio Elvis, o touro, o único macho do rebanho, é dócil. Como constatou recentemente quando um grupo de humanos entrou no recinto cercado.

Há outra coisa impressionante nas vacas. Muitas delas passam meses com a sua cria. Permitir que um bezerro mame reduz a quantidade de leite disponível para consumo humano, mas, diz Fenniman, suas vacas retribuem abundantemente produzindo quantidades extras de leite mais rico e mais doce.

“Acho que devemos reconhecer que tirar o leite dos mamíferos é algo que subverte um processo natural”, ele disse. “Mas nós podemos retribuí-los com certa liberdade, que inclui a luz e o ar dos pastos”./ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

SCHODACK LANDING, NovaYork - As 1.500 vacas Jersey que Nathan Chittenden e sua família criam no norte do estado de Nova York aparentemente levam uma vida sem preocupações. Elas passam os dias à toa em seus estábulos ventilados e comendo sua ração em cochos. Três vezes ao dia, elas fazem fila no salão de ordenha, onde bombas controladas por computador retiram vários galões de leite morno dos seus úberes, processo que dura aproximadamente alguns minutos.

Chittenden, 42, criador de gado leiteiro da terceira geração, cuja família alimenta com mamadeira cada bezerro recém-nascido, expressa sua afeição por seus animais. É um sentimento que vimos recentemente quando vacas prenhas enfiaram as cabeças pelo cercado de madeira para lamber a sua mão.

Enfrentando um crescente movimento anti-laticínios, muitos fazendeiros estão alterando suas práticas. Foto: Lauren Lancaster/The New York Times

“Eu sou o encarregado de todas estas vidas do berço ao túmulo, e é importante saber que este animal passa toda a sua vida sem sofrer”, ele disse, acariciando a uma delas particularmente insistente. “Seria uma pessoa má se eu deixasse ela sofrer”.

Os ativistas do movimento pelo bem-estar dos animais têm uma visão bastante diferente a respeito das fazendas como a de Chittenden que sacia o apetite de leite, queijo e iogurte da nação. Para eles, os produtores de leite são as engrenagens de um sistema desumano de produção industrial de alimentos que condena estes dóceis ruminantes a uma vida miserável. Após anos de campanhas bem-sucedidas para a formação da opinião pública contra outras práticas da pecuária que datam de séculos, eles agora tomaram como alvo a indústria de laticínios de US$ 620 bilhões.

Algumas de suas exigências são indiscutíveis: as vacas de leite são engravidadas repetidamente por inseminação artificial e os seus filhotes são afastados no nascimento. As novilhas são confinadas em estábulos individuais e os seus chifres incipientes são destruídos quando elas têm cerca de oito semanas de vida. Os machos não têm tanta sorte. Logo depois do nascimento, são levados para fazendas de criação de vitelos ou de produção de gado onde acabam como carne de hambúrguer.

As típicas vacas de leite nos Estados Unidos passam toda a sua vida em um ambiente com piso de concreto, e embora possam viver 20 anos, a maioria delas é enviada para o matadouro depois de quatro ou cinco anos, quando param de produzir leite.

“As pessoas têm esta imagem da fazenda Old MacDonald’s, com vacas felizes em pastos verdejantes, mas isto está muito longe da realidade,” disse Erica Meier, presidente da organização ativista Animal Outlook. “Algumas fazendas talvez sejam menos cruéis do que outras, mas não existe esta coisa de ‘leite sem crueldade’”.

A demonização do setor de laticínios como fundamentalmente cruel foi disseminada por vídeos sobre fazendas filmadas clandestinamente por grupos como o Animal Outlook, que costumam ter um grande público na mídia social. Em outubro, a organização mostrou um vídeo curto filmado às escondidas em uma pequena fazenda familiar no Sul da Califórnia que revelou trabalhadores casualmente chutando e batendo em vacas com bastões de metal, e um bezerro recém-nascido, com o focinho coberto de moscas deixado para morrer na lama. Um segmento mostrou um trator erguendo uma Holstein machucada no ar pelas patas posteriores.

Stephen Larson, um advogado da Dick Van Dam Dairy, afirmou que as imagens foram encenadas ou tomadas fora de contexto. No início de dezembro, um juiz rejeitou uma ação contra a fazenda movida por outra organização para o bem-estar dos animais, afirmando que não se sustentava. “A acusação de que os donos maltratavam suas vacas é algo que afeta profundamente a família Van Dam, porque a verdade é que eles sempre, há gerações, se preocupam e sempre cuidaram de todas as suas vacas”, disse Larson.

Especialistas do setor e pecuaristas que viram as imagens ficaram revoltados e afirmaram que os abusos apresentados não são comuns. “Estes vídeos enojam todo pecuarista e veterinário, porque nós sabemos que a grande maioria dos fazendeiros nunca faria coisas como estas com os seus animais”, disse a dra. Carie Telgen, presidente da Associação Americana de Profissionais de Medicina Bovina.

O esforço para fazer com que os americanos deixem de consumir derivados do leite está ganhando impulso em um momento em que muitas fazendas do país lutam para obter algum lucro. O consumo de leite caiu 40% desde 1975, uma tendência que está acelerando à medida que aumenta o número de pessoas que adotam o leite de aveia e de amêndoas. Nas últimas décadas, 20 mil produtores de leite deixaram a profissão, o que representa um declínio de 30%, segundo o Departamento da Agricultura. E a pandemia do coronavírus obrigou alguns a jogar fora o leite não vendido porque a demanda dos programas da merenda escolar e dos restaurantes secou.

A Federação Nacional dos Produtores de Leite, que representa a maioria dos 35 mil produtores de laticínios dos EUA, tenta desfazer este sentimento do público e promover o bem-estar dos animais entre os seus membros. O que significa encorajar visitas mais frequentes do veterinário na fazenda. Exigir que a mão de obra, que ganha baixos salários, faça treinamento regular sobre o manejo das vacas, e ainda a redução gradual do corte da cauda das vacas - uma prática generalizada.

“Não acredito que haja fazendeiros por aí que não procurem o melhor para aumentar os cuidados e o bem-estar dos seus animais”, disse Emily Yeiser Stepp, que dirige a iniciativa para o cuidado dos animais há 12 anos. “Entretanto, não podemos deixar de dar atenção aos valores dos consumidores. Devemos fazer o melhor possível para dar a eles motivação para continuarem a comprar derivados do leite”.

Nate Chittenden, um fazendeiro de leite da Dutch Hollow Farm com suas vacas Foto: Lauren Lancaster/The New York Times

O que os cientistas veem

Entre os que se encontram na batalha para conquistar os corações e as mentes dos consumidores de laticínios está um pequeno grupo de cientistas que se dedicam ao bem-estar dos animais e trabalham em silêncio para dar respostas a questões complexas: As vacas são obrigadas a passar toda a sua vida confinadas e infelizes em estábulos? A separação de um recém-nascido da mãe resultará em uma angústia mensurável? E há maneiras de melhorar a vida de uma vaca leiteira que sejam saudáveis do ponto de vista científico e economicamente viáveis?

Marina von Keyserlingk, uma pesquisadora da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e pioneira amplamente conhecida no campo do bem-estar animal, fez alguns progressos na tentativa de compreender se certos aspectos do moderno manejo do gado pode levar a um sofrimento evitável.

Marina cresceu em uma fazenda, e diz que tem facilidade para aproximar-se dos fazendeiros ressentidos pelo fato de receberem lições de profissionais urbanos que não conhecem a criação animal. Parte do seu trabalho consiste em ajudar a convencer fazendeiros que têm dificuldade para aceitar as melhorias do bem-estar animal com o respaldo da ciência.

“Quando eu era menina, castrei milhares de bezerros sem precisar de medicamentos analgésicos e nunca pensei em dizer ao meu pai: ‘Isto não é bom’,” ela disse. “Mas agora eu castraria um bezerro sem um remédio contra a dor? É claro que não”.

Prever toda a vida dos animais é notoriamente impossível, mas os cientistas como von Keyserlingk criaram experimentos que procuram quantificar os desejos bovinos e aprender se algumas práticas de criadores produzem uma piora da saúde e uma produção de leite de qualidade abaixo da média.

Os estudos que ela e outros cientistas planejaram incluem a ideia de instalar portões giratórios no interior dos estábulos para avaliar se as vacas prenhes preferem permanecer em seus ambientes fechados com clima controlado e ruminar sua comida preferida ou sair para pastar. Eles constataram que o desejo das vacas de sair depende do tempo (elas evitam a chuva e a neve) e o momento do dia (preferem sair à noite).

Um experimento procurou determinar se deixar duas bezerras juntas em lugar de mantê-las isoladas em suas baias, poderia melhorar o seu aprendizado. (E constataram que isto ocorre, e que uma companhia também as torna menos temerosos e mais fáceis de gerenciar.) 

Pesquisas realizadas por cientistas do bem-estar animal levaram o setor a adotar uma série de mudanças. Muitos grandes laticínios começaram a deixar diversas vacas juntas, abandonando a antiga tradição de mantê-las solitárias amarradas em baias no estábulo. Outros estudos nos últimos 20 anos concluíram que não havia nenhum benefício higiênico em cortar a cauda de uma vaca, que elas aliás usam para espantar as moscas.

(Até pouco tempo atrás, acreditava-se que uma cauda abanando espalhava fezes e bactérias, mas osfazendeiros principalmente achavam as caudas incômodas.)

Outras mudanças promovidas pelos cientistas levaram à adoção de remédios para aliviar a dor durante a retirada dos chifres, processo que há muito revolta os ativistas do bem-estar animal, mas que é necessário, segundo os veterinários, para proteger os trabalhadores e impedir graves ferimentos nas próprias vacas.

Na fazenda

A fazenda de Chittenden é totalmente povoada por vacas Jerseys, uma raça pequena, parda, encarnada por Elsie the Cow, a mascote de Borden Dairy com uma guirlanda de margaridas, que transmitiu a várias gerações de americanos pitorescas noções da vaca leiteira adorável e feliz. As de raça Jersey são conhecidas por sua disposição tranquila, e por produzir um leite de elevado teor de leitelho (buttermilk).

Homem loquaz, cujas mãos envelhecidas pelo tempo e pelo trabalhorefletem toda uma vida de labuta, Chittenden disse que os preços baixos, as regras ambientais cada vez mais rigorosas, e uma maior atenção dos grupos preocupados para com o bem-estar dos animais tornaram os últimos cinco anos particularmente estressantes. Ele e outros fazendeiros afirmam que as acusações de maus tratos generalizados dos animais destes ativistas são exageradas, retrucando que vacas infelizes produzem leite fraco.

“Felizmente para mim, um animal mais bem tratado é melhor para os meus resultados, porque estes animais nunca produzem mais leite do que quando estão bem alimentados, bem cuidados e não sofrem nenhuma forma de estresse”, afirmou.

Spencer Fenniman, que ajuda a cuidar da fazenda Hawthorne Valley, um laticínio de Ghent, Nova York, aprecia particularmente os chifres das vacas. E gosta de mostrar aos visitantes que os anéis no chifre do animal revelam a sua idade. Do contrário, ele teria dificuldade para distinguir Nutmeg de Martha ou de qualquer uma das outras 70 vacas normandas e suíças marrom que pastam nos campos verdejantes da fazenda. Embora tenha havido alguns acidentes nos últimos dez anos, ele disse que é raro que uma vaca use os chifres como arma, e o próprio Elvis, o touro, o único macho do rebanho, é dócil. Como constatou recentemente quando um grupo de humanos entrou no recinto cercado.

Há outra coisa impressionante nas vacas. Muitas delas passam meses com a sua cria. Permitir que um bezerro mame reduz a quantidade de leite disponível para consumo humano, mas, diz Fenniman, suas vacas retribuem abundantemente produzindo quantidades extras de leite mais rico e mais doce.

“Acho que devemos reconhecer que tirar o leite dos mamíferos é algo que subverte um processo natural”, ele disse. “Mas nós podemos retribuí-los com certa liberdade, que inclui a luz e o ar dos pastos”./ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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