Turista americana experimenta visão do Brasil sobre cirurgias estéticas durante emergência


Durante uma viagem, a americana Sushma Subramanian precisou levar à filha em uma emergência depois de uma queda; a menina teve auxílio de um cirurgião plástico para ajudar na recuperação

Por Sushma Subramanian
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qualquer pessoa com um filho pequeno sabe que ele está constantemente em perigo iminente. Tentar evitar o próximo acidente quase mortal ou desfigurante é uma tarefa interminável dos pais.

Eu estava fazendo o meu melhor em um lado do chuveiro em nosso hotel no Rio de Janeiro, tentando acertar a temperatura da água antes de ir confortar minha filha de 2 anos, Anika, que estava tentando escapar do banho do outro lado.

'Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio.' Foto: Maria Chimishkyan/The New York Times
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Mas era tarde demais. Anika caiu no piso escorregadio, seu rosto bateu em uma borda afiada. Não pensei que fosse sério até ver manchas de sangue no chão. Fechei a água e a levantei para ver o ferimento, um buraco enorme em sua bochecha. Ela ficou tão chocada que nem chorou. Peguei uma toalha e gritei para meu marido que precisávamos de um médico imediatamente.

Como eu estava no Brasil na época, em vez de em minha casa na Virgínia, tive uma nova perspectiva sobre como a sociedade trata o desejo de beleza como um sinal de florescimento humano e não de mera vaidade. As diferenças que observei na relação da sociedade brasileira com a beleza - em comparação com a que cresci nos Estados Unidos - me obrigaram a refletir sobre meu passado e repensar o que eu queria para minha filha.

A meia hora seguinte foi uma confusão tentando estancar o sangramento, lutando para encontrar um pronto-socorro que aceitasse uma criança de 2 anos, tentando me comunicar com taxistas com minhas habilidades inexistentes na língua portuguesa e enviando mensagens de texto para um amigo brasileiro que aparentemente não estava verificando seu telefone, pedindo ajuda. Finalmente, levamos Anika a um hospital.

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Quando o sangramento parou, a carne ao redor de sua ferida estava aberta, como se tivesse sido cortada. Pude ver que seu ferimento era o mais profundo possível sem expor os ossos.

Meus primeiros pensamentos foram sobre o futuro dela, sobre suas chances de ser âncora de jornal ou atriz ou influencer, se ela quisesse isso, ou de encontrar um parceiro, o que imediatamente me envergonhou.

Quando eu era mais jovem, um dos meus desejos mais intensos era ser bonita, e não quero dizer naturalmente. Eu tinha uma aparência boa, com o grau normal de insegurança sobre ela. No entanto, eu sabia que a maneira como me apresentava através do meu cabelo, meu rosto e minhas roupas dizia algo sobre meu gosto, minha capacidade de entender o mundo e interpretá-lo por mim mesma. Foi uma maneira de exercer meu senso de identidade.

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O problema é que eu não tinha permissão para isso. Para meus pais imigrantes, que se mudaram da Índia para os Estados Unidos quando tinham 30 anos, beleza era frivolidade. O importante era trabalhar muito e estudar muito. Todo o resto era uma distração. Éramos de classe média - meus pais se formaram engenheiros -, mas eles chegaram a este país com praticamente nenhum dinheiro e sabiam o que significava ser pobre. Para eles, minhas preocupações estéticas devem ter soado muito estranhas.

Foi só quando eu tinha 20 e poucos anos - quando finalmente tive confiança para fazer o que realmente queria, que era experimentar uma boa maquiagem, produtos de cabelo sofisticados e roupas mais elegantes - que desenvolvi um relacionamento mais saudável com minha aparência. Percebi então que querer ter uma boa aparência não era um sinal de minha superficialidade. Era normal e humano. E como sempre pensei, era mais do que isso; a própria beleza era um investimento que poderia levar a mais sucesso.

Foi nisso que pensei quando uma enfermeira do pronto-socorro disse que, em alguns casos, eles chamavam um cirurgião plástico. Concordamos que era isso que queríamos e, em cerca de uma hora, o cirurgião apareceu. Calmamente, ele instruiu uma enfermeira a manter a cabeça de minha filha imóvel e me fez prender seus braços enquanto aplicava anestesia local e trabalhava nos pontos.

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“Tira isso!” Anika gritou ao ver a agulha entrar. Sussurrei que não demoraria muito. Enquanto isso, eu observava, maravilhada com a habilidade do cirurgião. Havia um conjunto de pontos mais profundos destinados a manter a ferida unida para aliviar a tensão na superfície. Depois, havia os pontos intradérmicos logo abaixo da camada superior da pele para evitar a formação de linhas parecidas com trilhos de trem.

“Não se preocupe”, ele me disse depois. “O Brasil tem os melhores cirurgiões plásticos do mundo.” Ele me garantiu que as cicatrizes seriam mínimas. Nossa conta total pela cirurgia plástica foi de apenas 500 dólares.

O Brasil, aprendi, se orgulha de seu grande número de cirurgiões plásticos qualificados. O país reconhece o “direito à beleza”, que na prática significa subsidiar quase meio milhão de cirurgias por ano, segundo Carmen Alvaro Jarrín, autora de A Biopolítica da Beleza: Cidadania Cosmética e Capital Afetivo no Brasil. Na década de 1950, um famoso cirurgião plástico convenceu o presidente de que a feiura pode causar um sofrimento psicológico doloroso e que o tratamento deveria ser coberto. Enquanto a princípio ele se referia a pessoas com deformidades congênitas e vítimas de queimaduras, a maioria dos procedimentos cobertos hoje é puramente estética.

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Quando voltei para a Virgínia após o acidente de minha filha, fiquei imaginando qual teria sido o tratamento dela se tivesse acontecido aqui (nos Estados Unidos). A cobertura de saúde da maioria dos países se aplica apenas a cuidados reconstrutivos, não estéticos. O Brasil, um ponto fora da curva, vê mais continuidade entre os dois, “provavelmente um meio de impor sua própria agenda, mas eles também têm razão”, diz Alexander Edmonds, autor de Pretty Modern: Beauty, Sex, and Plastic Surgery in Brazil.

Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio. Embora seu procedimento possa ser considerado reconstrutivo em vez de cosmético, o fato dela poder se consultar com um cirurgião plástico dependeria de onde ela fosse tratada. Por exemplo, hospitais frequentados por pacientes do Medicaid têm menos probabilidade de oferecer a opção de um cirurgião plástico, e o Medicaid não cobre cirurgia estética, a menos que o procedimento seja clinicamente necessário - o que, no caso de minha filha, não era.

Os padrões de beleza continuam a aumentar, mas o acesso a cuidados cosméticos é rarefeito.

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Quando fui ao consultório do pediatra da minha filha para tirar os pontos, a enfermeira hesitou no início. Ela nunca tinha visto pontos como os dela, com a linha visível apenas na entrada e na saída. Ela chamou dois médicos para verificar se ela estava agindo corretamente. Nenhum deles sabia ao certo, mas quando puxado por uma das pontas, o fio saía com facilidade. Perguntei como seriam os cuidados daqui para frente para minimizar as cicatrizes. Protetor solar, todos disseram.

Já se passaram meses desde a queda de minha filha e sua ferida está cicatrizando, junto com minha ansiedade. Minha filha ainda está processando o choque do que aconteceu com ela.

Se a cicatriz não desaparecer completamente sozinha, quando ela for mais velha e se ela quiser, podemos buscar tratamentos, que teremos que pagar do próprio bolso. Felizmente, podemos pagar. Não precisarei mentir para ela sobre o que sei ser verdade, que cuidar de nossa aparência é uma grande parte de como exercemos nosso poder no mundo. Fazer isso não é superficial, assim como o desinteresse não é uma marca de superioridade moral. Ela não precisará usar sua cicatriz como um símbolo de força, e sua incapacidade de conviver com ela não será uma falha de personalidade. Ela pode querer se sentir bonita. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qualquer pessoa com um filho pequeno sabe que ele está constantemente em perigo iminente. Tentar evitar o próximo acidente quase mortal ou desfigurante é uma tarefa interminável dos pais.

Eu estava fazendo o meu melhor em um lado do chuveiro em nosso hotel no Rio de Janeiro, tentando acertar a temperatura da água antes de ir confortar minha filha de 2 anos, Anika, que estava tentando escapar do banho do outro lado.

'Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio.' Foto: Maria Chimishkyan/The New York Times

Mas era tarde demais. Anika caiu no piso escorregadio, seu rosto bateu em uma borda afiada. Não pensei que fosse sério até ver manchas de sangue no chão. Fechei a água e a levantei para ver o ferimento, um buraco enorme em sua bochecha. Ela ficou tão chocada que nem chorou. Peguei uma toalha e gritei para meu marido que precisávamos de um médico imediatamente.

Como eu estava no Brasil na época, em vez de em minha casa na Virgínia, tive uma nova perspectiva sobre como a sociedade trata o desejo de beleza como um sinal de florescimento humano e não de mera vaidade. As diferenças que observei na relação da sociedade brasileira com a beleza - em comparação com a que cresci nos Estados Unidos - me obrigaram a refletir sobre meu passado e repensar o que eu queria para minha filha.

A meia hora seguinte foi uma confusão tentando estancar o sangramento, lutando para encontrar um pronto-socorro que aceitasse uma criança de 2 anos, tentando me comunicar com taxistas com minhas habilidades inexistentes na língua portuguesa e enviando mensagens de texto para um amigo brasileiro que aparentemente não estava verificando seu telefone, pedindo ajuda. Finalmente, levamos Anika a um hospital.

Quando o sangramento parou, a carne ao redor de sua ferida estava aberta, como se tivesse sido cortada. Pude ver que seu ferimento era o mais profundo possível sem expor os ossos.

Meus primeiros pensamentos foram sobre o futuro dela, sobre suas chances de ser âncora de jornal ou atriz ou influencer, se ela quisesse isso, ou de encontrar um parceiro, o que imediatamente me envergonhou.

Quando eu era mais jovem, um dos meus desejos mais intensos era ser bonita, e não quero dizer naturalmente. Eu tinha uma aparência boa, com o grau normal de insegurança sobre ela. No entanto, eu sabia que a maneira como me apresentava através do meu cabelo, meu rosto e minhas roupas dizia algo sobre meu gosto, minha capacidade de entender o mundo e interpretá-lo por mim mesma. Foi uma maneira de exercer meu senso de identidade.

O problema é que eu não tinha permissão para isso. Para meus pais imigrantes, que se mudaram da Índia para os Estados Unidos quando tinham 30 anos, beleza era frivolidade. O importante era trabalhar muito e estudar muito. Todo o resto era uma distração. Éramos de classe média - meus pais se formaram engenheiros -, mas eles chegaram a este país com praticamente nenhum dinheiro e sabiam o que significava ser pobre. Para eles, minhas preocupações estéticas devem ter soado muito estranhas.

Foi só quando eu tinha 20 e poucos anos - quando finalmente tive confiança para fazer o que realmente queria, que era experimentar uma boa maquiagem, produtos de cabelo sofisticados e roupas mais elegantes - que desenvolvi um relacionamento mais saudável com minha aparência. Percebi então que querer ter uma boa aparência não era um sinal de minha superficialidade. Era normal e humano. E como sempre pensei, era mais do que isso; a própria beleza era um investimento que poderia levar a mais sucesso.

Foi nisso que pensei quando uma enfermeira do pronto-socorro disse que, em alguns casos, eles chamavam um cirurgião plástico. Concordamos que era isso que queríamos e, em cerca de uma hora, o cirurgião apareceu. Calmamente, ele instruiu uma enfermeira a manter a cabeça de minha filha imóvel e me fez prender seus braços enquanto aplicava anestesia local e trabalhava nos pontos.

“Tira isso!” Anika gritou ao ver a agulha entrar. Sussurrei que não demoraria muito. Enquanto isso, eu observava, maravilhada com a habilidade do cirurgião. Havia um conjunto de pontos mais profundos destinados a manter a ferida unida para aliviar a tensão na superfície. Depois, havia os pontos intradérmicos logo abaixo da camada superior da pele para evitar a formação de linhas parecidas com trilhos de trem.

“Não se preocupe”, ele me disse depois. “O Brasil tem os melhores cirurgiões plásticos do mundo.” Ele me garantiu que as cicatrizes seriam mínimas. Nossa conta total pela cirurgia plástica foi de apenas 500 dólares.

O Brasil, aprendi, se orgulha de seu grande número de cirurgiões plásticos qualificados. O país reconhece o “direito à beleza”, que na prática significa subsidiar quase meio milhão de cirurgias por ano, segundo Carmen Alvaro Jarrín, autora de A Biopolítica da Beleza: Cidadania Cosmética e Capital Afetivo no Brasil. Na década de 1950, um famoso cirurgião plástico convenceu o presidente de que a feiura pode causar um sofrimento psicológico doloroso e que o tratamento deveria ser coberto. Enquanto a princípio ele se referia a pessoas com deformidades congênitas e vítimas de queimaduras, a maioria dos procedimentos cobertos hoje é puramente estética.

Quando voltei para a Virgínia após o acidente de minha filha, fiquei imaginando qual teria sido o tratamento dela se tivesse acontecido aqui (nos Estados Unidos). A cobertura de saúde da maioria dos países se aplica apenas a cuidados reconstrutivos, não estéticos. O Brasil, um ponto fora da curva, vê mais continuidade entre os dois, “provavelmente um meio de impor sua própria agenda, mas eles também têm razão”, diz Alexander Edmonds, autor de Pretty Modern: Beauty, Sex, and Plastic Surgery in Brazil.

Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio. Embora seu procedimento possa ser considerado reconstrutivo em vez de cosmético, o fato dela poder se consultar com um cirurgião plástico dependeria de onde ela fosse tratada. Por exemplo, hospitais frequentados por pacientes do Medicaid têm menos probabilidade de oferecer a opção de um cirurgião plástico, e o Medicaid não cobre cirurgia estética, a menos que o procedimento seja clinicamente necessário - o que, no caso de minha filha, não era.

Os padrões de beleza continuam a aumentar, mas o acesso a cuidados cosméticos é rarefeito.

Quando fui ao consultório do pediatra da minha filha para tirar os pontos, a enfermeira hesitou no início. Ela nunca tinha visto pontos como os dela, com a linha visível apenas na entrada e na saída. Ela chamou dois médicos para verificar se ela estava agindo corretamente. Nenhum deles sabia ao certo, mas quando puxado por uma das pontas, o fio saía com facilidade. Perguntei como seriam os cuidados daqui para frente para minimizar as cicatrizes. Protetor solar, todos disseram.

Já se passaram meses desde a queda de minha filha e sua ferida está cicatrizando, junto com minha ansiedade. Minha filha ainda está processando o choque do que aconteceu com ela.

Se a cicatriz não desaparecer completamente sozinha, quando ela for mais velha e se ela quiser, podemos buscar tratamentos, que teremos que pagar do próprio bolso. Felizmente, podemos pagar. Não precisarei mentir para ela sobre o que sei ser verdade, que cuidar de nossa aparência é uma grande parte de como exercemos nosso poder no mundo. Fazer isso não é superficial, assim como o desinteresse não é uma marca de superioridade moral. Ela não precisará usar sua cicatriz como um símbolo de força, e sua incapacidade de conviver com ela não será uma falha de personalidade. Ela pode querer se sentir bonita. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qualquer pessoa com um filho pequeno sabe que ele está constantemente em perigo iminente. Tentar evitar o próximo acidente quase mortal ou desfigurante é uma tarefa interminável dos pais.

Eu estava fazendo o meu melhor em um lado do chuveiro em nosso hotel no Rio de Janeiro, tentando acertar a temperatura da água antes de ir confortar minha filha de 2 anos, Anika, que estava tentando escapar do banho do outro lado.

'Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio.' Foto: Maria Chimishkyan/The New York Times

Mas era tarde demais. Anika caiu no piso escorregadio, seu rosto bateu em uma borda afiada. Não pensei que fosse sério até ver manchas de sangue no chão. Fechei a água e a levantei para ver o ferimento, um buraco enorme em sua bochecha. Ela ficou tão chocada que nem chorou. Peguei uma toalha e gritei para meu marido que precisávamos de um médico imediatamente.

Como eu estava no Brasil na época, em vez de em minha casa na Virgínia, tive uma nova perspectiva sobre como a sociedade trata o desejo de beleza como um sinal de florescimento humano e não de mera vaidade. As diferenças que observei na relação da sociedade brasileira com a beleza - em comparação com a que cresci nos Estados Unidos - me obrigaram a refletir sobre meu passado e repensar o que eu queria para minha filha.

A meia hora seguinte foi uma confusão tentando estancar o sangramento, lutando para encontrar um pronto-socorro que aceitasse uma criança de 2 anos, tentando me comunicar com taxistas com minhas habilidades inexistentes na língua portuguesa e enviando mensagens de texto para um amigo brasileiro que aparentemente não estava verificando seu telefone, pedindo ajuda. Finalmente, levamos Anika a um hospital.

Quando o sangramento parou, a carne ao redor de sua ferida estava aberta, como se tivesse sido cortada. Pude ver que seu ferimento era o mais profundo possível sem expor os ossos.

Meus primeiros pensamentos foram sobre o futuro dela, sobre suas chances de ser âncora de jornal ou atriz ou influencer, se ela quisesse isso, ou de encontrar um parceiro, o que imediatamente me envergonhou.

Quando eu era mais jovem, um dos meus desejos mais intensos era ser bonita, e não quero dizer naturalmente. Eu tinha uma aparência boa, com o grau normal de insegurança sobre ela. No entanto, eu sabia que a maneira como me apresentava através do meu cabelo, meu rosto e minhas roupas dizia algo sobre meu gosto, minha capacidade de entender o mundo e interpretá-lo por mim mesma. Foi uma maneira de exercer meu senso de identidade.

O problema é que eu não tinha permissão para isso. Para meus pais imigrantes, que se mudaram da Índia para os Estados Unidos quando tinham 30 anos, beleza era frivolidade. O importante era trabalhar muito e estudar muito. Todo o resto era uma distração. Éramos de classe média - meus pais se formaram engenheiros -, mas eles chegaram a este país com praticamente nenhum dinheiro e sabiam o que significava ser pobre. Para eles, minhas preocupações estéticas devem ter soado muito estranhas.

Foi só quando eu tinha 20 e poucos anos - quando finalmente tive confiança para fazer o que realmente queria, que era experimentar uma boa maquiagem, produtos de cabelo sofisticados e roupas mais elegantes - que desenvolvi um relacionamento mais saudável com minha aparência. Percebi então que querer ter uma boa aparência não era um sinal de minha superficialidade. Era normal e humano. E como sempre pensei, era mais do que isso; a própria beleza era um investimento que poderia levar a mais sucesso.

Foi nisso que pensei quando uma enfermeira do pronto-socorro disse que, em alguns casos, eles chamavam um cirurgião plástico. Concordamos que era isso que queríamos e, em cerca de uma hora, o cirurgião apareceu. Calmamente, ele instruiu uma enfermeira a manter a cabeça de minha filha imóvel e me fez prender seus braços enquanto aplicava anestesia local e trabalhava nos pontos.

“Tira isso!” Anika gritou ao ver a agulha entrar. Sussurrei que não demoraria muito. Enquanto isso, eu observava, maravilhada com a habilidade do cirurgião. Havia um conjunto de pontos mais profundos destinados a manter a ferida unida para aliviar a tensão na superfície. Depois, havia os pontos intradérmicos logo abaixo da camada superior da pele para evitar a formação de linhas parecidas com trilhos de trem.

“Não se preocupe”, ele me disse depois. “O Brasil tem os melhores cirurgiões plásticos do mundo.” Ele me garantiu que as cicatrizes seriam mínimas. Nossa conta total pela cirurgia plástica foi de apenas 500 dólares.

O Brasil, aprendi, se orgulha de seu grande número de cirurgiões plásticos qualificados. O país reconhece o “direito à beleza”, que na prática significa subsidiar quase meio milhão de cirurgias por ano, segundo Carmen Alvaro Jarrín, autora de A Biopolítica da Beleza: Cidadania Cosmética e Capital Afetivo no Brasil. Na década de 1950, um famoso cirurgião plástico convenceu o presidente de que a feiura pode causar um sofrimento psicológico doloroso e que o tratamento deveria ser coberto. Enquanto a princípio ele se referia a pessoas com deformidades congênitas e vítimas de queimaduras, a maioria dos procedimentos cobertos hoje é puramente estética.

Quando voltei para a Virgínia após o acidente de minha filha, fiquei imaginando qual teria sido o tratamento dela se tivesse acontecido aqui (nos Estados Unidos). A cobertura de saúde da maioria dos países se aplica apenas a cuidados reconstrutivos, não estéticos. O Brasil, um ponto fora da curva, vê mais continuidade entre os dois, “provavelmente um meio de impor sua própria agenda, mas eles também têm razão”, diz Alexander Edmonds, autor de Pretty Modern: Beauty, Sex, and Plastic Surgery in Brazil.

Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio. Embora seu procedimento possa ser considerado reconstrutivo em vez de cosmético, o fato dela poder se consultar com um cirurgião plástico dependeria de onde ela fosse tratada. Por exemplo, hospitais frequentados por pacientes do Medicaid têm menos probabilidade de oferecer a opção de um cirurgião plástico, e o Medicaid não cobre cirurgia estética, a menos que o procedimento seja clinicamente necessário - o que, no caso de minha filha, não era.

Os padrões de beleza continuam a aumentar, mas o acesso a cuidados cosméticos é rarefeito.

Quando fui ao consultório do pediatra da minha filha para tirar os pontos, a enfermeira hesitou no início. Ela nunca tinha visto pontos como os dela, com a linha visível apenas na entrada e na saída. Ela chamou dois médicos para verificar se ela estava agindo corretamente. Nenhum deles sabia ao certo, mas quando puxado por uma das pontas, o fio saía com facilidade. Perguntei como seriam os cuidados daqui para frente para minimizar as cicatrizes. Protetor solar, todos disseram.

Já se passaram meses desde a queda de minha filha e sua ferida está cicatrizando, junto com minha ansiedade. Minha filha ainda está processando o choque do que aconteceu com ela.

Se a cicatriz não desaparecer completamente sozinha, quando ela for mais velha e se ela quiser, podemos buscar tratamentos, que teremos que pagar do próprio bolso. Felizmente, podemos pagar. Não precisarei mentir para ela sobre o que sei ser verdade, que cuidar de nossa aparência é uma grande parte de como exercemos nosso poder no mundo. Fazer isso não é superficial, assim como o desinteresse não é uma marca de superioridade moral. Ela não precisará usar sua cicatriz como um símbolo de força, e sua incapacidade de conviver com ela não será uma falha de personalidade. Ela pode querer se sentir bonita. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qualquer pessoa com um filho pequeno sabe que ele está constantemente em perigo iminente. Tentar evitar o próximo acidente quase mortal ou desfigurante é uma tarefa interminável dos pais.

Eu estava fazendo o meu melhor em um lado do chuveiro em nosso hotel no Rio de Janeiro, tentando acertar a temperatura da água antes de ir confortar minha filha de 2 anos, Anika, que estava tentando escapar do banho do outro lado.

'Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio.' Foto: Maria Chimishkyan/The New York Times

Mas era tarde demais. Anika caiu no piso escorregadio, seu rosto bateu em uma borda afiada. Não pensei que fosse sério até ver manchas de sangue no chão. Fechei a água e a levantei para ver o ferimento, um buraco enorme em sua bochecha. Ela ficou tão chocada que nem chorou. Peguei uma toalha e gritei para meu marido que precisávamos de um médico imediatamente.

Como eu estava no Brasil na época, em vez de em minha casa na Virgínia, tive uma nova perspectiva sobre como a sociedade trata o desejo de beleza como um sinal de florescimento humano e não de mera vaidade. As diferenças que observei na relação da sociedade brasileira com a beleza - em comparação com a que cresci nos Estados Unidos - me obrigaram a refletir sobre meu passado e repensar o que eu queria para minha filha.

A meia hora seguinte foi uma confusão tentando estancar o sangramento, lutando para encontrar um pronto-socorro que aceitasse uma criança de 2 anos, tentando me comunicar com taxistas com minhas habilidades inexistentes na língua portuguesa e enviando mensagens de texto para um amigo brasileiro que aparentemente não estava verificando seu telefone, pedindo ajuda. Finalmente, levamos Anika a um hospital.

Quando o sangramento parou, a carne ao redor de sua ferida estava aberta, como se tivesse sido cortada. Pude ver que seu ferimento era o mais profundo possível sem expor os ossos.

Meus primeiros pensamentos foram sobre o futuro dela, sobre suas chances de ser âncora de jornal ou atriz ou influencer, se ela quisesse isso, ou de encontrar um parceiro, o que imediatamente me envergonhou.

Quando eu era mais jovem, um dos meus desejos mais intensos era ser bonita, e não quero dizer naturalmente. Eu tinha uma aparência boa, com o grau normal de insegurança sobre ela. No entanto, eu sabia que a maneira como me apresentava através do meu cabelo, meu rosto e minhas roupas dizia algo sobre meu gosto, minha capacidade de entender o mundo e interpretá-lo por mim mesma. Foi uma maneira de exercer meu senso de identidade.

O problema é que eu não tinha permissão para isso. Para meus pais imigrantes, que se mudaram da Índia para os Estados Unidos quando tinham 30 anos, beleza era frivolidade. O importante era trabalhar muito e estudar muito. Todo o resto era uma distração. Éramos de classe média - meus pais se formaram engenheiros -, mas eles chegaram a este país com praticamente nenhum dinheiro e sabiam o que significava ser pobre. Para eles, minhas preocupações estéticas devem ter soado muito estranhas.

Foi só quando eu tinha 20 e poucos anos - quando finalmente tive confiança para fazer o que realmente queria, que era experimentar uma boa maquiagem, produtos de cabelo sofisticados e roupas mais elegantes - que desenvolvi um relacionamento mais saudável com minha aparência. Percebi então que querer ter uma boa aparência não era um sinal de minha superficialidade. Era normal e humano. E como sempre pensei, era mais do que isso; a própria beleza era um investimento que poderia levar a mais sucesso.

Foi nisso que pensei quando uma enfermeira do pronto-socorro disse que, em alguns casos, eles chamavam um cirurgião plástico. Concordamos que era isso que queríamos e, em cerca de uma hora, o cirurgião apareceu. Calmamente, ele instruiu uma enfermeira a manter a cabeça de minha filha imóvel e me fez prender seus braços enquanto aplicava anestesia local e trabalhava nos pontos.

“Tira isso!” Anika gritou ao ver a agulha entrar. Sussurrei que não demoraria muito. Enquanto isso, eu observava, maravilhada com a habilidade do cirurgião. Havia um conjunto de pontos mais profundos destinados a manter a ferida unida para aliviar a tensão na superfície. Depois, havia os pontos intradérmicos logo abaixo da camada superior da pele para evitar a formação de linhas parecidas com trilhos de trem.

“Não se preocupe”, ele me disse depois. “O Brasil tem os melhores cirurgiões plásticos do mundo.” Ele me garantiu que as cicatrizes seriam mínimas. Nossa conta total pela cirurgia plástica foi de apenas 500 dólares.

O Brasil, aprendi, se orgulha de seu grande número de cirurgiões plásticos qualificados. O país reconhece o “direito à beleza”, que na prática significa subsidiar quase meio milhão de cirurgias por ano, segundo Carmen Alvaro Jarrín, autora de A Biopolítica da Beleza: Cidadania Cosmética e Capital Afetivo no Brasil. Na década de 1950, um famoso cirurgião plástico convenceu o presidente de que a feiura pode causar um sofrimento psicológico doloroso e que o tratamento deveria ser coberto. Enquanto a princípio ele se referia a pessoas com deformidades congênitas e vítimas de queimaduras, a maioria dos procedimentos cobertos hoje é puramente estética.

Quando voltei para a Virgínia após o acidente de minha filha, fiquei imaginando qual teria sido o tratamento dela se tivesse acontecido aqui (nos Estados Unidos). A cobertura de saúde da maioria dos países se aplica apenas a cuidados reconstrutivos, não estéticos. O Brasil, um ponto fora da curva, vê mais continuidade entre os dois, “provavelmente um meio de impor sua própria agenda, mas eles também têm razão”, diz Alexander Edmonds, autor de Pretty Modern: Beauty, Sex, and Plastic Surgery in Brazil.

Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio. Embora seu procedimento possa ser considerado reconstrutivo em vez de cosmético, o fato dela poder se consultar com um cirurgião plástico dependeria de onde ela fosse tratada. Por exemplo, hospitais frequentados por pacientes do Medicaid têm menos probabilidade de oferecer a opção de um cirurgião plástico, e o Medicaid não cobre cirurgia estética, a menos que o procedimento seja clinicamente necessário - o que, no caso de minha filha, não era.

Os padrões de beleza continuam a aumentar, mas o acesso a cuidados cosméticos é rarefeito.

Quando fui ao consultório do pediatra da minha filha para tirar os pontos, a enfermeira hesitou no início. Ela nunca tinha visto pontos como os dela, com a linha visível apenas na entrada e na saída. Ela chamou dois médicos para verificar se ela estava agindo corretamente. Nenhum deles sabia ao certo, mas quando puxado por uma das pontas, o fio saía com facilidade. Perguntei como seriam os cuidados daqui para frente para minimizar as cicatrizes. Protetor solar, todos disseram.

Já se passaram meses desde a queda de minha filha e sua ferida está cicatrizando, junto com minha ansiedade. Minha filha ainda está processando o choque do que aconteceu com ela.

Se a cicatriz não desaparecer completamente sozinha, quando ela for mais velha e se ela quiser, podemos buscar tratamentos, que teremos que pagar do próprio bolso. Felizmente, podemos pagar. Não precisarei mentir para ela sobre o que sei ser verdade, que cuidar de nossa aparência é uma grande parte de como exercemos nosso poder no mundo. Fazer isso não é superficial, assim como o desinteresse não é uma marca de superioridade moral. Ela não precisará usar sua cicatriz como um símbolo de força, e sua incapacidade de conviver com ela não será uma falha de personalidade. Ela pode querer se sentir bonita. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Qualquer pessoa com um filho pequeno sabe que ele está constantemente em perigo iminente. Tentar evitar o próximo acidente quase mortal ou desfigurante é uma tarefa interminável dos pais.

Eu estava fazendo o meu melhor em um lado do chuveiro em nosso hotel no Rio de Janeiro, tentando acertar a temperatura da água antes de ir confortar minha filha de 2 anos, Anika, que estava tentando escapar do banho do outro lado.

'Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio.' Foto: Maria Chimishkyan/The New York Times

Mas era tarde demais. Anika caiu no piso escorregadio, seu rosto bateu em uma borda afiada. Não pensei que fosse sério até ver manchas de sangue no chão. Fechei a água e a levantei para ver o ferimento, um buraco enorme em sua bochecha. Ela ficou tão chocada que nem chorou. Peguei uma toalha e gritei para meu marido que precisávamos de um médico imediatamente.

Como eu estava no Brasil na época, em vez de em minha casa na Virgínia, tive uma nova perspectiva sobre como a sociedade trata o desejo de beleza como um sinal de florescimento humano e não de mera vaidade. As diferenças que observei na relação da sociedade brasileira com a beleza - em comparação com a que cresci nos Estados Unidos - me obrigaram a refletir sobre meu passado e repensar o que eu queria para minha filha.

A meia hora seguinte foi uma confusão tentando estancar o sangramento, lutando para encontrar um pronto-socorro que aceitasse uma criança de 2 anos, tentando me comunicar com taxistas com minhas habilidades inexistentes na língua portuguesa e enviando mensagens de texto para um amigo brasileiro que aparentemente não estava verificando seu telefone, pedindo ajuda. Finalmente, levamos Anika a um hospital.

Quando o sangramento parou, a carne ao redor de sua ferida estava aberta, como se tivesse sido cortada. Pude ver que seu ferimento era o mais profundo possível sem expor os ossos.

Meus primeiros pensamentos foram sobre o futuro dela, sobre suas chances de ser âncora de jornal ou atriz ou influencer, se ela quisesse isso, ou de encontrar um parceiro, o que imediatamente me envergonhou.

Quando eu era mais jovem, um dos meus desejos mais intensos era ser bonita, e não quero dizer naturalmente. Eu tinha uma aparência boa, com o grau normal de insegurança sobre ela. No entanto, eu sabia que a maneira como me apresentava através do meu cabelo, meu rosto e minhas roupas dizia algo sobre meu gosto, minha capacidade de entender o mundo e interpretá-lo por mim mesma. Foi uma maneira de exercer meu senso de identidade.

O problema é que eu não tinha permissão para isso. Para meus pais imigrantes, que se mudaram da Índia para os Estados Unidos quando tinham 30 anos, beleza era frivolidade. O importante era trabalhar muito e estudar muito. Todo o resto era uma distração. Éramos de classe média - meus pais se formaram engenheiros -, mas eles chegaram a este país com praticamente nenhum dinheiro e sabiam o que significava ser pobre. Para eles, minhas preocupações estéticas devem ter soado muito estranhas.

Foi só quando eu tinha 20 e poucos anos - quando finalmente tive confiança para fazer o que realmente queria, que era experimentar uma boa maquiagem, produtos de cabelo sofisticados e roupas mais elegantes - que desenvolvi um relacionamento mais saudável com minha aparência. Percebi então que querer ter uma boa aparência não era um sinal de minha superficialidade. Era normal e humano. E como sempre pensei, era mais do que isso; a própria beleza era um investimento que poderia levar a mais sucesso.

Foi nisso que pensei quando uma enfermeira do pronto-socorro disse que, em alguns casos, eles chamavam um cirurgião plástico. Concordamos que era isso que queríamos e, em cerca de uma hora, o cirurgião apareceu. Calmamente, ele instruiu uma enfermeira a manter a cabeça de minha filha imóvel e me fez prender seus braços enquanto aplicava anestesia local e trabalhava nos pontos.

“Tira isso!” Anika gritou ao ver a agulha entrar. Sussurrei que não demoraria muito. Enquanto isso, eu observava, maravilhada com a habilidade do cirurgião. Havia um conjunto de pontos mais profundos destinados a manter a ferida unida para aliviar a tensão na superfície. Depois, havia os pontos intradérmicos logo abaixo da camada superior da pele para evitar a formação de linhas parecidas com trilhos de trem.

“Não se preocupe”, ele me disse depois. “O Brasil tem os melhores cirurgiões plásticos do mundo.” Ele me garantiu que as cicatrizes seriam mínimas. Nossa conta total pela cirurgia plástica foi de apenas 500 dólares.

O Brasil, aprendi, se orgulha de seu grande número de cirurgiões plásticos qualificados. O país reconhece o “direito à beleza”, que na prática significa subsidiar quase meio milhão de cirurgias por ano, segundo Carmen Alvaro Jarrín, autora de A Biopolítica da Beleza: Cidadania Cosmética e Capital Afetivo no Brasil. Na década de 1950, um famoso cirurgião plástico convenceu o presidente de que a feiura pode causar um sofrimento psicológico doloroso e que o tratamento deveria ser coberto. Enquanto a princípio ele se referia a pessoas com deformidades congênitas e vítimas de queimaduras, a maioria dos procedimentos cobertos hoje é puramente estética.

Quando voltei para a Virgínia após o acidente de minha filha, fiquei imaginando qual teria sido o tratamento dela se tivesse acontecido aqui (nos Estados Unidos). A cobertura de saúde da maioria dos países se aplica apenas a cuidados reconstrutivos, não estéticos. O Brasil, um ponto fora da curva, vê mais continuidade entre os dois, “provavelmente um meio de impor sua própria agenda, mas eles também têm razão”, diz Alexander Edmonds, autor de Pretty Modern: Beauty, Sex, and Plastic Surgery in Brazil.

Nosso sistema nos Estados Unidos torna o tipo de tratamento hospitalar que minha filha recebeu uma questão de privilégio. Embora seu procedimento possa ser considerado reconstrutivo em vez de cosmético, o fato dela poder se consultar com um cirurgião plástico dependeria de onde ela fosse tratada. Por exemplo, hospitais frequentados por pacientes do Medicaid têm menos probabilidade de oferecer a opção de um cirurgião plástico, e o Medicaid não cobre cirurgia estética, a menos que o procedimento seja clinicamente necessário - o que, no caso de minha filha, não era.

Os padrões de beleza continuam a aumentar, mas o acesso a cuidados cosméticos é rarefeito.

Quando fui ao consultório do pediatra da minha filha para tirar os pontos, a enfermeira hesitou no início. Ela nunca tinha visto pontos como os dela, com a linha visível apenas na entrada e na saída. Ela chamou dois médicos para verificar se ela estava agindo corretamente. Nenhum deles sabia ao certo, mas quando puxado por uma das pontas, o fio saía com facilidade. Perguntei como seriam os cuidados daqui para frente para minimizar as cicatrizes. Protetor solar, todos disseram.

Já se passaram meses desde a queda de minha filha e sua ferida está cicatrizando, junto com minha ansiedade. Minha filha ainda está processando o choque do que aconteceu com ela.

Se a cicatriz não desaparecer completamente sozinha, quando ela for mais velha e se ela quiser, podemos buscar tratamentos, que teremos que pagar do próprio bolso. Felizmente, podemos pagar. Não precisarei mentir para ela sobre o que sei ser verdade, que cuidar de nossa aparência é uma grande parte de como exercemos nosso poder no mundo. Fazer isso não é superficial, assim como o desinteresse não é uma marca de superioridade moral. Ela não precisará usar sua cicatriz como um símbolo de força, e sua incapacidade de conviver com ela não será uma falha de personalidade. Ela pode querer se sentir bonita. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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