BRUXELAS - Depois que a Grã-Bretanha votou a favor da saída da União Europeia, em junho de 2016, seus líderes entraram em pânico. O bloco mergulhara na crise da imigração, e forças populistas contrárias à UE estavam ganhando apoio. A decisão da Grã-Bretanha parecia prenunciar o início de uma dissolução maior.
Dois anos mais tarde, o Brexit parece uma decisão cada vez mais autodestrutiva, aumentando a sensação, mesmo do lado populista, de que, se a saída é isto, então não, muito obrigado. Nada uniu mais a União Europeia do que o rompimento caótico da Grã-Bretanha. “Um país está saindo e mergulhou no caos total, tornando-se ridículo aos olhos dos seus parceiros europeus”, disse Rosa Balfour, pesquisadora sênior do German Marshall Fund de Bruxelas.
Os desafios com que a Europa se defronta - lento crescimento, zona do euro, governança, imigração, dívida, segurança das fronteiras e populismo - não desapareceram absolutamente. Tampouco a Europa chegou ao consenso a respeito de sua solução. A simples perspectiva de perder um país como a Grã-Bretanha, considerada tão pragmática e importante no mundo, é algo muito grave. Mas, no conjunto, embora todas as partes devam sofrer com o Brexit, particularmente no caso de uma saída sem acordo, os analistas tendem a concordar que a União Europeia, que continuará sendo o maior mercado mundial, provavelmente terá dias melhores do que a Grã-Bretanha.
Cada vez mais, a experiência britânica se destaca como um sinal de alerta. Até líderes populistas e nacionalistas de sucesso, como Matteo Salvini e Luigi Di Maio na Itália, Viktor Orban na Hungria, Jaroslaw Kaczynski na Polônia e a Alternativa para a Alemanha, abandonaram a ideia de deixar o euro ou a União Europeia e, ao contrário, estão trabalhando para alterar o funcionamento do bloco internamente.
“Os defensores do Brexit não fizeram bem nenhum para a Europa”, afirmou Denis MacShane, ex-ministro para a Europa do governo Tony Blair. “Frexit, Grexit e Italexit e todo o resto desapareceram. A ideia de deixar a UE e o euro foi largada de repente, como uma tonelada de tijolos, pelos populistas da direita e da esquerda, como o Syriza na Grécia e o Podemos na Espanha”. “Por algum tempo, surgiram na Holanda vozes favoráveis a um possível Nexit, mas, com o Brexit, estas vozes se calaram”, disse o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte.
Marietje Schaake, membro holandês do Parlamento Europeu, afirmou que a Grã-Bretanha está implodindo. "Estamos vendo na política o predomínio da emoção sobre a substância, e agora a situação parece estar escapando do controle”. A ameaça à coesão europeia não acabou. A União Europeia continuará sendo um inimigo conveniente para os populistas que procuram ganhar pontos políticos em casa. As vozes pró-Europa e os burocratas de Bruxelas poderão ainda ser derrotadas nas eleições ao Parlamento Europeu em maio.
“O medo agora não é perdermos pedaços, mas nos esvaziarmos internamente”, afirmou Nathalie Tocci, diretora do Instituto de Assuntos Internacionais da Itália. “As pessoas apreciam o fato de que, do lado positivo, precisam dela (União Europeia), e do lado negativo, elas não podem sair desta enrascada tão facilmente”.
Será muito mais difícil para os que, ao contrário da Grã-Bretanha, usam a moeda comum europeia. Se a Grã-Bretanha, com uma economia razoável e conexões globais, está tendo tanto trabalho para sair, que isto sirva de lição para países menos estáveis como Itália, Espanha, Grécia ou os da Europa Central, disse Tocci.
A crescente popularidade da União Europeia nos países membros desde o Brexit é visível nas pesquisas do Eurobarometer. Em uma delas, realizada em abril do ano passado entre 27.601 cidadãos de todos os países membros, em média, 60% dos entrevistados acharam que a adesão à UE é uma coisa positiva, e 67% acreditaram que a adesão está beneficiando o seu país - a maior porcentagem desde 1983.
Países como a Hungria e a Polônia beneficiam-se enormemente com a participação no bloco apesar da retórica anti-Europa dos seus líderes, destacou Stefano Stefanini, um ex-embaixador italiano. O caso italiano é mais complexo, afirmou, porque o euro se tornou uma espécie de prisão para a Itália. “Ela não pode desvalorizar, nem fazer gastos deficitários”, prosseguiu. À medida que as eleições parlamentares europeias se aproximam, são numerosas as preocupações, inclusive a influência que os líderes populistas da Itália, Hungria e Polônia exercerão na próxima Comissão Europeia.
“O fato de a Grã-Bretanha estar em más condições não significa que nós estejamos bem”, afirmou Rem Korteweg, pesquisador sênior do Clingendael Institute, um grupo de pensadores holandeses. Segundo Simon Tilford, pesquisador sênior da Chatham House de Londres, o colapso britânico servirá para dissuadir outros, mas também deixa claro que “é basicamente impossível deixar a União Europeia. Seráentão sustentável ir em frente, mesmo que a UE continue tendo um desempenho medíocre?”