Quem deu o primeiro beijo? A arqueologia tem uma resposta


Casal de pesquisadores passa a história do beijo a limpo

Por Franz Lidz

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Esta é uma história de amor: na primavera de 2008, muito antes de apresentarem evidências do primeiro beijo registrado na história da humanidade, Sophie Lund Rasmussen e Troels Pank Arboll tocaram os lábios no seu primeiro beijo de boa-noite. Eles tinham se conhecido uma semana antes num pub perto da Universidade de Copenhague, onde eram estudantes de graduação. “Perguntei ao meu primo se ele conhecia algum cara solteiro, legal, barbudo e de cabelo comprido”, disse Rasmussen. “E ele respondeu: ‘Claro, vou apresentar um cara assim a você’”.

Arboll, por sua vez, vinha procurando alguém que compartilhasse de seu interesse pela assiriologia, o estudo das línguas mesopotâmicas e de suas fontes escritas. “Pouquíssimas pessoas sabem o que um assiriologista faz de verdade”, disse ele.

O Cilindro Barton, escavado na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e datado de cerca de 2.400 aC.  Foto: The University of Pennsylvania Museum of Archeology and Anthropology via The New York Times
continua após a publicidade

“Eu sei”, disse Rasmussen, que tinha cursado algumas das mesmas disciplinas.

Arboll, hoje professor de Assiriologia na universidade, disse: “Quando ouvi isso, sabia que ela era um bom partido”.

Eles se casaram três anos depois. Rasmussen é agora ecologista na Unidade de Pesquisa de Conservação da Vida Selvagem da Universidade de Oxford e na Universidade de Aalborg, na Dinamarca.

continua após a publicidade

Certa noite, durante um jantar em 2022, o casal ficou debatendo – como fazem os cientistas apaixonados – um novo estudo genético que ligava as variantes modernas de herpes ao beijo na boca da Idade do Bronze, aproximadamente 3.300 a.C. a 1200 a.C. Nos materiais suplementares do artigo, uma breve história do beijo apontava o sul da Ásia como seu local de origem e dizia que o primeiro registro de beijo datava de 1500 a.C., época em que relatos orais estavam sendo vertidos em manuscritos védicos em sânscrito.

A autora do artigo, pesquisadora da Universidade de Cambridge, sugeria que o costume – um precursor do beijo labial que consistia em esfregar e apertar os narizes – evoluiu para os amassos de hoje. Ela observava que por volta de 300 a.C. – mais ou menos quando foi publicado o manual indiano do sexo, o Kama Sutra – o beijo tinha se espalhado pelo Mediterrâneo com o regresso das tropas de Alexandre, o Grande, do norte da Índia.

Mas o casal discordava. “Falei para a Sophie que conhecia registros ainda mais antigos, escritos em sumério e acadiano”, disse Arboll, cuja especialidade são relatos antigos de diagnósticos médicos, prescrições e rituais de cura.

continua após a publicidade

“Então, depois do jantar, fomos verificar”, disse Rasmussen, especialista em ouriços.

Eles consultaram textos cuneiformes em tábuas de argila da Mesopotâmia (atual Iraque e Síria) e do Egito para identificar exemplos claros de beijos íntimos. Sua investigação resultou num comentário publicado recentemente na revista Science que levou o primeiro registro de beijo para mil anos antes e derrubou a hipótese de que pessoas de uma região específica teriam sido as primeiras a beijar.

O casal dinamarquês afirma que o beijo era um elemento generalizado e bem estabelecido das relações amorosas no Oriente Médio pelo menos desde o final do terceiro milênio a.C. “Beijar não foi um costume que surgiu abruptamente em um único ponto de origem”, disse Arboll. “Parece ter sido comum em várias culturas”.

continua após a publicidade
Uma tábua de argila babilônica mostrando um casal nu abraçado em uma cama, por volta de 1.800 a.C. De acordo com um novo estudo, o beijo íntimo é 1.000 anos mais antigo e era muito mais difundido do que se pensava anteriormente. Foto: The British Museum via The New York Times

Gravado em argila

Arboll e Rasmussen propuseram que o primeiro relato de beijo foi gravado no Cilindro Barton, uma peça de argila que data de cerca de 2.400 a.C. O objeto foi descoberto na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e recebeu o nome de George Barton, professor de línguas semíticas no Bryn Mawr College, que o traduziu dezenove anos depois. Hoje está no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia, onde, de 1922 a 1931, Barton lecionou línguas semíticas e história da religião.

continua após a publicidade

A narrativa do artefato fala sobre o mito de criação sumério e sobre problemas com o abastecimento de alimentos em Nippur, capital religiosa da Babilônia e centro da adoração a Enlil, governante do cosmos. Na segunda coluna do texto, uma divindade masculina, possivelmente Enlil, faz sexo com a deusa-mãe Ninhursag, irmã de Enlil, e depois a beija. Durante essas travessuras, a divindade masculina planta a semente de “sete gêmeos de divindades” no ventre dela.

Gonzalo Rubio, assiriologista da Penn State University, disse que a parte mais convincente da história é a sequência dos eventos. “Nas representações do ato de beijar na literatura suméria, os seres primeiro têm relações sexuais e só depois se beijam”, disse ele. “É um tipo de preliminar, só que acontece depois”.

O beijo sumério era só um beijo? Arboll disse que, nos registros mais antigos, o beijo era descrito como parte de atos eróticos, tendo os lábios como foco. Ele e Rasmussen descobriram que, em acadiano – língua semítica que tem parentesco com o hebraico e o árabe de hoje –, as referências ao beijo se enquadravam em duas categorias maiores: o “amigável-parental” e o “romântico-sexual”.

continua após a publicidade

A primeira é uma demonstração de afeto familiar, respeito ou submissão, como quando um súdito real beija os pés do soberano. “O beijo sexual-romântico ocorre no ato sexual ou em relações de amor”, disse Arboll. Ao contrário da variedade amigável-parental, não é culturalmente universal.

“Beijos labiais foram observados em chimpanzés e bonobos, nossos parentes vivos mais próximos”, acrescentou Rasmussen. Enquanto o beijo do chimpanzé determina a compatibilidade, os bonobos beijam para promover excitação sexual – seu contato erótico varia de sexo oral a intensa atividade de línguas. “As práticas de beijo desses primatas sugerem algo fundamental que remonta aos primórdios da história da humanidade”, disse Rasmussen.

Troels Pank Arbøll, à esquerda, e a Dra. Sophie Lund Rasmussen afirmam que o beijo era uma parte bem estabelecida do romance no Oriente Médio desde o final do terceiro milênio aC.  Foto: Mathias Eis/The New York Times

Prova de química

A história escrita suméria remonta ao século 27 a.C. e termina mais ou menos um milênio depois, quando a civilização entrou em colapso depois de uma invasão dos elamitas. Coube aos republicanos da Roma antiga, para quem beijar era ao mesmo tempo uma ciência e uma arte sublime, formular uma hierarquia dos beijos e dar a cada tipo um nome apropriado. O osculum, beijo casto mas afetuoso na mão ou na bochecha, era usado como saudação; o basium era o beijo de boca fechada, nos lábios, entre amigos íntimos; o savium era a coisa toda – o que hoje chamamos de beijo de língua.

Em The Science of Kissing: What Our Lips Are Telling Us [algo como “A ciência do beijo: o que nossos lábios nos dizem”, em tradução livre], Sheril Kirshenbaum escreve sobre a química da atração e explica como um beijo une duas pessoas numa troca de cores, sabores e texturas. Rasmussen acredita que o beijo evoluiu como uma forma de avaliar potenciais parceiros por seu cheiro.

“Tanto para humanos quanto para ouriços, o que importa é encontrar o parceiro mais forte e saudável, para produzir descendentes mais fortes e saudáveis”, disse ela. “Então você avalia inconscientemente a pessoa por meio de sinais químicos como mau hálito, que pode indicar dentes ruins, o que pode indicar genes ruins”.

Rasmussen relembrou aquele primeiro beijo com Arboll, que trazia o aroma do chá de hibisco que ela tinha acabado de fazer para ele. O que é um beijo? Na sua memória, ecoava um verso do poeta Robert Herrick: “O amálgama doce e seguro, cola e cal do amor”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Esta é uma história de amor: na primavera de 2008, muito antes de apresentarem evidências do primeiro beijo registrado na história da humanidade, Sophie Lund Rasmussen e Troels Pank Arboll tocaram os lábios no seu primeiro beijo de boa-noite. Eles tinham se conhecido uma semana antes num pub perto da Universidade de Copenhague, onde eram estudantes de graduação. “Perguntei ao meu primo se ele conhecia algum cara solteiro, legal, barbudo e de cabelo comprido”, disse Rasmussen. “E ele respondeu: ‘Claro, vou apresentar um cara assim a você’”.

Arboll, por sua vez, vinha procurando alguém que compartilhasse de seu interesse pela assiriologia, o estudo das línguas mesopotâmicas e de suas fontes escritas. “Pouquíssimas pessoas sabem o que um assiriologista faz de verdade”, disse ele.

O Cilindro Barton, escavado na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e datado de cerca de 2.400 aC.  Foto: The University of Pennsylvania Museum of Archeology and Anthropology via The New York Times

“Eu sei”, disse Rasmussen, que tinha cursado algumas das mesmas disciplinas.

Arboll, hoje professor de Assiriologia na universidade, disse: “Quando ouvi isso, sabia que ela era um bom partido”.

Eles se casaram três anos depois. Rasmussen é agora ecologista na Unidade de Pesquisa de Conservação da Vida Selvagem da Universidade de Oxford e na Universidade de Aalborg, na Dinamarca.

Certa noite, durante um jantar em 2022, o casal ficou debatendo – como fazem os cientistas apaixonados – um novo estudo genético que ligava as variantes modernas de herpes ao beijo na boca da Idade do Bronze, aproximadamente 3.300 a.C. a 1200 a.C. Nos materiais suplementares do artigo, uma breve história do beijo apontava o sul da Ásia como seu local de origem e dizia que o primeiro registro de beijo datava de 1500 a.C., época em que relatos orais estavam sendo vertidos em manuscritos védicos em sânscrito.

A autora do artigo, pesquisadora da Universidade de Cambridge, sugeria que o costume – um precursor do beijo labial que consistia em esfregar e apertar os narizes – evoluiu para os amassos de hoje. Ela observava que por volta de 300 a.C. – mais ou menos quando foi publicado o manual indiano do sexo, o Kama Sutra – o beijo tinha se espalhado pelo Mediterrâneo com o regresso das tropas de Alexandre, o Grande, do norte da Índia.

Mas o casal discordava. “Falei para a Sophie que conhecia registros ainda mais antigos, escritos em sumério e acadiano”, disse Arboll, cuja especialidade são relatos antigos de diagnósticos médicos, prescrições e rituais de cura.

“Então, depois do jantar, fomos verificar”, disse Rasmussen, especialista em ouriços.

Eles consultaram textos cuneiformes em tábuas de argila da Mesopotâmia (atual Iraque e Síria) e do Egito para identificar exemplos claros de beijos íntimos. Sua investigação resultou num comentário publicado recentemente na revista Science que levou o primeiro registro de beijo para mil anos antes e derrubou a hipótese de que pessoas de uma região específica teriam sido as primeiras a beijar.

O casal dinamarquês afirma que o beijo era um elemento generalizado e bem estabelecido das relações amorosas no Oriente Médio pelo menos desde o final do terceiro milênio a.C. “Beijar não foi um costume que surgiu abruptamente em um único ponto de origem”, disse Arboll. “Parece ter sido comum em várias culturas”.

Uma tábua de argila babilônica mostrando um casal nu abraçado em uma cama, por volta de 1.800 a.C. De acordo com um novo estudo, o beijo íntimo é 1.000 anos mais antigo e era muito mais difundido do que se pensava anteriormente. Foto: The British Museum via The New York Times

Gravado em argila

Arboll e Rasmussen propuseram que o primeiro relato de beijo foi gravado no Cilindro Barton, uma peça de argila que data de cerca de 2.400 a.C. O objeto foi descoberto na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e recebeu o nome de George Barton, professor de línguas semíticas no Bryn Mawr College, que o traduziu dezenove anos depois. Hoje está no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia, onde, de 1922 a 1931, Barton lecionou línguas semíticas e história da religião.

A narrativa do artefato fala sobre o mito de criação sumério e sobre problemas com o abastecimento de alimentos em Nippur, capital religiosa da Babilônia e centro da adoração a Enlil, governante do cosmos. Na segunda coluna do texto, uma divindade masculina, possivelmente Enlil, faz sexo com a deusa-mãe Ninhursag, irmã de Enlil, e depois a beija. Durante essas travessuras, a divindade masculina planta a semente de “sete gêmeos de divindades” no ventre dela.

Gonzalo Rubio, assiriologista da Penn State University, disse que a parte mais convincente da história é a sequência dos eventos. “Nas representações do ato de beijar na literatura suméria, os seres primeiro têm relações sexuais e só depois se beijam”, disse ele. “É um tipo de preliminar, só que acontece depois”.

O beijo sumério era só um beijo? Arboll disse que, nos registros mais antigos, o beijo era descrito como parte de atos eróticos, tendo os lábios como foco. Ele e Rasmussen descobriram que, em acadiano – língua semítica que tem parentesco com o hebraico e o árabe de hoje –, as referências ao beijo se enquadravam em duas categorias maiores: o “amigável-parental” e o “romântico-sexual”.

A primeira é uma demonstração de afeto familiar, respeito ou submissão, como quando um súdito real beija os pés do soberano. “O beijo sexual-romântico ocorre no ato sexual ou em relações de amor”, disse Arboll. Ao contrário da variedade amigável-parental, não é culturalmente universal.

“Beijos labiais foram observados em chimpanzés e bonobos, nossos parentes vivos mais próximos”, acrescentou Rasmussen. Enquanto o beijo do chimpanzé determina a compatibilidade, os bonobos beijam para promover excitação sexual – seu contato erótico varia de sexo oral a intensa atividade de línguas. “As práticas de beijo desses primatas sugerem algo fundamental que remonta aos primórdios da história da humanidade”, disse Rasmussen.

Troels Pank Arbøll, à esquerda, e a Dra. Sophie Lund Rasmussen afirmam que o beijo era uma parte bem estabelecida do romance no Oriente Médio desde o final do terceiro milênio aC.  Foto: Mathias Eis/The New York Times

Prova de química

A história escrita suméria remonta ao século 27 a.C. e termina mais ou menos um milênio depois, quando a civilização entrou em colapso depois de uma invasão dos elamitas. Coube aos republicanos da Roma antiga, para quem beijar era ao mesmo tempo uma ciência e uma arte sublime, formular uma hierarquia dos beijos e dar a cada tipo um nome apropriado. O osculum, beijo casto mas afetuoso na mão ou na bochecha, era usado como saudação; o basium era o beijo de boca fechada, nos lábios, entre amigos íntimos; o savium era a coisa toda – o que hoje chamamos de beijo de língua.

Em The Science of Kissing: What Our Lips Are Telling Us [algo como “A ciência do beijo: o que nossos lábios nos dizem”, em tradução livre], Sheril Kirshenbaum escreve sobre a química da atração e explica como um beijo une duas pessoas numa troca de cores, sabores e texturas. Rasmussen acredita que o beijo evoluiu como uma forma de avaliar potenciais parceiros por seu cheiro.

“Tanto para humanos quanto para ouriços, o que importa é encontrar o parceiro mais forte e saudável, para produzir descendentes mais fortes e saudáveis”, disse ela. “Então você avalia inconscientemente a pessoa por meio de sinais químicos como mau hálito, que pode indicar dentes ruins, o que pode indicar genes ruins”.

Rasmussen relembrou aquele primeiro beijo com Arboll, que trazia o aroma do chá de hibisco que ela tinha acabado de fazer para ele. O que é um beijo? Na sua memória, ecoava um verso do poeta Robert Herrick: “O amálgama doce e seguro, cola e cal do amor”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Esta é uma história de amor: na primavera de 2008, muito antes de apresentarem evidências do primeiro beijo registrado na história da humanidade, Sophie Lund Rasmussen e Troels Pank Arboll tocaram os lábios no seu primeiro beijo de boa-noite. Eles tinham se conhecido uma semana antes num pub perto da Universidade de Copenhague, onde eram estudantes de graduação. “Perguntei ao meu primo se ele conhecia algum cara solteiro, legal, barbudo e de cabelo comprido”, disse Rasmussen. “E ele respondeu: ‘Claro, vou apresentar um cara assim a você’”.

Arboll, por sua vez, vinha procurando alguém que compartilhasse de seu interesse pela assiriologia, o estudo das línguas mesopotâmicas e de suas fontes escritas. “Pouquíssimas pessoas sabem o que um assiriologista faz de verdade”, disse ele.

O Cilindro Barton, escavado na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e datado de cerca de 2.400 aC.  Foto: The University of Pennsylvania Museum of Archeology and Anthropology via The New York Times

“Eu sei”, disse Rasmussen, que tinha cursado algumas das mesmas disciplinas.

Arboll, hoje professor de Assiriologia na universidade, disse: “Quando ouvi isso, sabia que ela era um bom partido”.

Eles se casaram três anos depois. Rasmussen é agora ecologista na Unidade de Pesquisa de Conservação da Vida Selvagem da Universidade de Oxford e na Universidade de Aalborg, na Dinamarca.

Certa noite, durante um jantar em 2022, o casal ficou debatendo – como fazem os cientistas apaixonados – um novo estudo genético que ligava as variantes modernas de herpes ao beijo na boca da Idade do Bronze, aproximadamente 3.300 a.C. a 1200 a.C. Nos materiais suplementares do artigo, uma breve história do beijo apontava o sul da Ásia como seu local de origem e dizia que o primeiro registro de beijo datava de 1500 a.C., época em que relatos orais estavam sendo vertidos em manuscritos védicos em sânscrito.

A autora do artigo, pesquisadora da Universidade de Cambridge, sugeria que o costume – um precursor do beijo labial que consistia em esfregar e apertar os narizes – evoluiu para os amassos de hoje. Ela observava que por volta de 300 a.C. – mais ou menos quando foi publicado o manual indiano do sexo, o Kama Sutra – o beijo tinha se espalhado pelo Mediterrâneo com o regresso das tropas de Alexandre, o Grande, do norte da Índia.

Mas o casal discordava. “Falei para a Sophie que conhecia registros ainda mais antigos, escritos em sumério e acadiano”, disse Arboll, cuja especialidade são relatos antigos de diagnósticos médicos, prescrições e rituais de cura.

“Então, depois do jantar, fomos verificar”, disse Rasmussen, especialista em ouriços.

Eles consultaram textos cuneiformes em tábuas de argila da Mesopotâmia (atual Iraque e Síria) e do Egito para identificar exemplos claros de beijos íntimos. Sua investigação resultou num comentário publicado recentemente na revista Science que levou o primeiro registro de beijo para mil anos antes e derrubou a hipótese de que pessoas de uma região específica teriam sido as primeiras a beijar.

O casal dinamarquês afirma que o beijo era um elemento generalizado e bem estabelecido das relações amorosas no Oriente Médio pelo menos desde o final do terceiro milênio a.C. “Beijar não foi um costume que surgiu abruptamente em um único ponto de origem”, disse Arboll. “Parece ter sido comum em várias culturas”.

Uma tábua de argila babilônica mostrando um casal nu abraçado em uma cama, por volta de 1.800 a.C. De acordo com um novo estudo, o beijo íntimo é 1.000 anos mais antigo e era muito mais difundido do que se pensava anteriormente. Foto: The British Museum via The New York Times

Gravado em argila

Arboll e Rasmussen propuseram que o primeiro relato de beijo foi gravado no Cilindro Barton, uma peça de argila que data de cerca de 2.400 a.C. O objeto foi descoberto na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e recebeu o nome de George Barton, professor de línguas semíticas no Bryn Mawr College, que o traduziu dezenove anos depois. Hoje está no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia, onde, de 1922 a 1931, Barton lecionou línguas semíticas e história da religião.

A narrativa do artefato fala sobre o mito de criação sumério e sobre problemas com o abastecimento de alimentos em Nippur, capital religiosa da Babilônia e centro da adoração a Enlil, governante do cosmos. Na segunda coluna do texto, uma divindade masculina, possivelmente Enlil, faz sexo com a deusa-mãe Ninhursag, irmã de Enlil, e depois a beija. Durante essas travessuras, a divindade masculina planta a semente de “sete gêmeos de divindades” no ventre dela.

Gonzalo Rubio, assiriologista da Penn State University, disse que a parte mais convincente da história é a sequência dos eventos. “Nas representações do ato de beijar na literatura suméria, os seres primeiro têm relações sexuais e só depois se beijam”, disse ele. “É um tipo de preliminar, só que acontece depois”.

O beijo sumério era só um beijo? Arboll disse que, nos registros mais antigos, o beijo era descrito como parte de atos eróticos, tendo os lábios como foco. Ele e Rasmussen descobriram que, em acadiano – língua semítica que tem parentesco com o hebraico e o árabe de hoje –, as referências ao beijo se enquadravam em duas categorias maiores: o “amigável-parental” e o “romântico-sexual”.

A primeira é uma demonstração de afeto familiar, respeito ou submissão, como quando um súdito real beija os pés do soberano. “O beijo sexual-romântico ocorre no ato sexual ou em relações de amor”, disse Arboll. Ao contrário da variedade amigável-parental, não é culturalmente universal.

“Beijos labiais foram observados em chimpanzés e bonobos, nossos parentes vivos mais próximos”, acrescentou Rasmussen. Enquanto o beijo do chimpanzé determina a compatibilidade, os bonobos beijam para promover excitação sexual – seu contato erótico varia de sexo oral a intensa atividade de línguas. “As práticas de beijo desses primatas sugerem algo fundamental que remonta aos primórdios da história da humanidade”, disse Rasmussen.

Troels Pank Arbøll, à esquerda, e a Dra. Sophie Lund Rasmussen afirmam que o beijo era uma parte bem estabelecida do romance no Oriente Médio desde o final do terceiro milênio aC.  Foto: Mathias Eis/The New York Times

Prova de química

A história escrita suméria remonta ao século 27 a.C. e termina mais ou menos um milênio depois, quando a civilização entrou em colapso depois de uma invasão dos elamitas. Coube aos republicanos da Roma antiga, para quem beijar era ao mesmo tempo uma ciência e uma arte sublime, formular uma hierarquia dos beijos e dar a cada tipo um nome apropriado. O osculum, beijo casto mas afetuoso na mão ou na bochecha, era usado como saudação; o basium era o beijo de boca fechada, nos lábios, entre amigos íntimos; o savium era a coisa toda – o que hoje chamamos de beijo de língua.

Em The Science of Kissing: What Our Lips Are Telling Us [algo como “A ciência do beijo: o que nossos lábios nos dizem”, em tradução livre], Sheril Kirshenbaum escreve sobre a química da atração e explica como um beijo une duas pessoas numa troca de cores, sabores e texturas. Rasmussen acredita que o beijo evoluiu como uma forma de avaliar potenciais parceiros por seu cheiro.

“Tanto para humanos quanto para ouriços, o que importa é encontrar o parceiro mais forte e saudável, para produzir descendentes mais fortes e saudáveis”, disse ela. “Então você avalia inconscientemente a pessoa por meio de sinais químicos como mau hálito, que pode indicar dentes ruins, o que pode indicar genes ruins”.

Rasmussen relembrou aquele primeiro beijo com Arboll, que trazia o aroma do chá de hibisco que ela tinha acabado de fazer para ele. O que é um beijo? Na sua memória, ecoava um verso do poeta Robert Herrick: “O amálgama doce e seguro, cola e cal do amor”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Esta é uma história de amor: na primavera de 2008, muito antes de apresentarem evidências do primeiro beijo registrado na história da humanidade, Sophie Lund Rasmussen e Troels Pank Arboll tocaram os lábios no seu primeiro beijo de boa-noite. Eles tinham se conhecido uma semana antes num pub perto da Universidade de Copenhague, onde eram estudantes de graduação. “Perguntei ao meu primo se ele conhecia algum cara solteiro, legal, barbudo e de cabelo comprido”, disse Rasmussen. “E ele respondeu: ‘Claro, vou apresentar um cara assim a você’”.

Arboll, por sua vez, vinha procurando alguém que compartilhasse de seu interesse pela assiriologia, o estudo das línguas mesopotâmicas e de suas fontes escritas. “Pouquíssimas pessoas sabem o que um assiriologista faz de verdade”, disse ele.

O Cilindro Barton, escavado na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e datado de cerca de 2.400 aC.  Foto: The University of Pennsylvania Museum of Archeology and Anthropology via The New York Times

“Eu sei”, disse Rasmussen, que tinha cursado algumas das mesmas disciplinas.

Arboll, hoje professor de Assiriologia na universidade, disse: “Quando ouvi isso, sabia que ela era um bom partido”.

Eles se casaram três anos depois. Rasmussen é agora ecologista na Unidade de Pesquisa de Conservação da Vida Selvagem da Universidade de Oxford e na Universidade de Aalborg, na Dinamarca.

Certa noite, durante um jantar em 2022, o casal ficou debatendo – como fazem os cientistas apaixonados – um novo estudo genético que ligava as variantes modernas de herpes ao beijo na boca da Idade do Bronze, aproximadamente 3.300 a.C. a 1200 a.C. Nos materiais suplementares do artigo, uma breve história do beijo apontava o sul da Ásia como seu local de origem e dizia que o primeiro registro de beijo datava de 1500 a.C., época em que relatos orais estavam sendo vertidos em manuscritos védicos em sânscrito.

A autora do artigo, pesquisadora da Universidade de Cambridge, sugeria que o costume – um precursor do beijo labial que consistia em esfregar e apertar os narizes – evoluiu para os amassos de hoje. Ela observava que por volta de 300 a.C. – mais ou menos quando foi publicado o manual indiano do sexo, o Kama Sutra – o beijo tinha se espalhado pelo Mediterrâneo com o regresso das tropas de Alexandre, o Grande, do norte da Índia.

Mas o casal discordava. “Falei para a Sophie que conhecia registros ainda mais antigos, escritos em sumério e acadiano”, disse Arboll, cuja especialidade são relatos antigos de diagnósticos médicos, prescrições e rituais de cura.

“Então, depois do jantar, fomos verificar”, disse Rasmussen, especialista em ouriços.

Eles consultaram textos cuneiformes em tábuas de argila da Mesopotâmia (atual Iraque e Síria) e do Egito para identificar exemplos claros de beijos íntimos. Sua investigação resultou num comentário publicado recentemente na revista Science que levou o primeiro registro de beijo para mil anos antes e derrubou a hipótese de que pessoas de uma região específica teriam sido as primeiras a beijar.

O casal dinamarquês afirma que o beijo era um elemento generalizado e bem estabelecido das relações amorosas no Oriente Médio pelo menos desde o final do terceiro milênio a.C. “Beijar não foi um costume que surgiu abruptamente em um único ponto de origem”, disse Arboll. “Parece ter sido comum em várias culturas”.

Uma tábua de argila babilônica mostrando um casal nu abraçado em uma cama, por volta de 1.800 a.C. De acordo com um novo estudo, o beijo íntimo é 1.000 anos mais antigo e era muito mais difundido do que se pensava anteriormente. Foto: The British Museum via The New York Times

Gravado em argila

Arboll e Rasmussen propuseram que o primeiro relato de beijo foi gravado no Cilindro Barton, uma peça de argila que data de cerca de 2.400 a.C. O objeto foi descoberto na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e recebeu o nome de George Barton, professor de línguas semíticas no Bryn Mawr College, que o traduziu dezenove anos depois. Hoje está no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia, onde, de 1922 a 1931, Barton lecionou línguas semíticas e história da religião.

A narrativa do artefato fala sobre o mito de criação sumério e sobre problemas com o abastecimento de alimentos em Nippur, capital religiosa da Babilônia e centro da adoração a Enlil, governante do cosmos. Na segunda coluna do texto, uma divindade masculina, possivelmente Enlil, faz sexo com a deusa-mãe Ninhursag, irmã de Enlil, e depois a beija. Durante essas travessuras, a divindade masculina planta a semente de “sete gêmeos de divindades” no ventre dela.

Gonzalo Rubio, assiriologista da Penn State University, disse que a parte mais convincente da história é a sequência dos eventos. “Nas representações do ato de beijar na literatura suméria, os seres primeiro têm relações sexuais e só depois se beijam”, disse ele. “É um tipo de preliminar, só que acontece depois”.

O beijo sumério era só um beijo? Arboll disse que, nos registros mais antigos, o beijo era descrito como parte de atos eróticos, tendo os lábios como foco. Ele e Rasmussen descobriram que, em acadiano – língua semítica que tem parentesco com o hebraico e o árabe de hoje –, as referências ao beijo se enquadravam em duas categorias maiores: o “amigável-parental” e o “romântico-sexual”.

A primeira é uma demonstração de afeto familiar, respeito ou submissão, como quando um súdito real beija os pés do soberano. “O beijo sexual-romântico ocorre no ato sexual ou em relações de amor”, disse Arboll. Ao contrário da variedade amigável-parental, não é culturalmente universal.

“Beijos labiais foram observados em chimpanzés e bonobos, nossos parentes vivos mais próximos”, acrescentou Rasmussen. Enquanto o beijo do chimpanzé determina a compatibilidade, os bonobos beijam para promover excitação sexual – seu contato erótico varia de sexo oral a intensa atividade de línguas. “As práticas de beijo desses primatas sugerem algo fundamental que remonta aos primórdios da história da humanidade”, disse Rasmussen.

Troels Pank Arbøll, à esquerda, e a Dra. Sophie Lund Rasmussen afirmam que o beijo era uma parte bem estabelecida do romance no Oriente Médio desde o final do terceiro milênio aC.  Foto: Mathias Eis/The New York Times

Prova de química

A história escrita suméria remonta ao século 27 a.C. e termina mais ou menos um milênio depois, quando a civilização entrou em colapso depois de uma invasão dos elamitas. Coube aos republicanos da Roma antiga, para quem beijar era ao mesmo tempo uma ciência e uma arte sublime, formular uma hierarquia dos beijos e dar a cada tipo um nome apropriado. O osculum, beijo casto mas afetuoso na mão ou na bochecha, era usado como saudação; o basium era o beijo de boca fechada, nos lábios, entre amigos íntimos; o savium era a coisa toda – o que hoje chamamos de beijo de língua.

Em The Science of Kissing: What Our Lips Are Telling Us [algo como “A ciência do beijo: o que nossos lábios nos dizem”, em tradução livre], Sheril Kirshenbaum escreve sobre a química da atração e explica como um beijo une duas pessoas numa troca de cores, sabores e texturas. Rasmussen acredita que o beijo evoluiu como uma forma de avaliar potenciais parceiros por seu cheiro.

“Tanto para humanos quanto para ouriços, o que importa é encontrar o parceiro mais forte e saudável, para produzir descendentes mais fortes e saudáveis”, disse ela. “Então você avalia inconscientemente a pessoa por meio de sinais químicos como mau hálito, que pode indicar dentes ruins, o que pode indicar genes ruins”.

Rasmussen relembrou aquele primeiro beijo com Arboll, que trazia o aroma do chá de hibisco que ela tinha acabado de fazer para ele. O que é um beijo? Na sua memória, ecoava um verso do poeta Robert Herrick: “O amálgama doce e seguro, cola e cal do amor”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Esta é uma história de amor: na primavera de 2008, muito antes de apresentarem evidências do primeiro beijo registrado na história da humanidade, Sophie Lund Rasmussen e Troels Pank Arboll tocaram os lábios no seu primeiro beijo de boa-noite. Eles tinham se conhecido uma semana antes num pub perto da Universidade de Copenhague, onde eram estudantes de graduação. “Perguntei ao meu primo se ele conhecia algum cara solteiro, legal, barbudo e de cabelo comprido”, disse Rasmussen. “E ele respondeu: ‘Claro, vou apresentar um cara assim a você’”.

Arboll, por sua vez, vinha procurando alguém que compartilhasse de seu interesse pela assiriologia, o estudo das línguas mesopotâmicas e de suas fontes escritas. “Pouquíssimas pessoas sabem o que um assiriologista faz de verdade”, disse ele.

O Cilindro Barton, escavado na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e datado de cerca de 2.400 aC.  Foto: The University of Pennsylvania Museum of Archeology and Anthropology via The New York Times

“Eu sei”, disse Rasmussen, que tinha cursado algumas das mesmas disciplinas.

Arboll, hoje professor de Assiriologia na universidade, disse: “Quando ouvi isso, sabia que ela era um bom partido”.

Eles se casaram três anos depois. Rasmussen é agora ecologista na Unidade de Pesquisa de Conservação da Vida Selvagem da Universidade de Oxford e na Universidade de Aalborg, na Dinamarca.

Certa noite, durante um jantar em 2022, o casal ficou debatendo – como fazem os cientistas apaixonados – um novo estudo genético que ligava as variantes modernas de herpes ao beijo na boca da Idade do Bronze, aproximadamente 3.300 a.C. a 1200 a.C. Nos materiais suplementares do artigo, uma breve história do beijo apontava o sul da Ásia como seu local de origem e dizia que o primeiro registro de beijo datava de 1500 a.C., época em que relatos orais estavam sendo vertidos em manuscritos védicos em sânscrito.

A autora do artigo, pesquisadora da Universidade de Cambridge, sugeria que o costume – um precursor do beijo labial que consistia em esfregar e apertar os narizes – evoluiu para os amassos de hoje. Ela observava que por volta de 300 a.C. – mais ou menos quando foi publicado o manual indiano do sexo, o Kama Sutra – o beijo tinha se espalhado pelo Mediterrâneo com o regresso das tropas de Alexandre, o Grande, do norte da Índia.

Mas o casal discordava. “Falei para a Sophie que conhecia registros ainda mais antigos, escritos em sumério e acadiano”, disse Arboll, cuja especialidade são relatos antigos de diagnósticos médicos, prescrições e rituais de cura.

“Então, depois do jantar, fomos verificar”, disse Rasmussen, especialista em ouriços.

Eles consultaram textos cuneiformes em tábuas de argila da Mesopotâmia (atual Iraque e Síria) e do Egito para identificar exemplos claros de beijos íntimos. Sua investigação resultou num comentário publicado recentemente na revista Science que levou o primeiro registro de beijo para mil anos antes e derrubou a hipótese de que pessoas de uma região específica teriam sido as primeiras a beijar.

O casal dinamarquês afirma que o beijo era um elemento generalizado e bem estabelecido das relações amorosas no Oriente Médio pelo menos desde o final do terceiro milênio a.C. “Beijar não foi um costume que surgiu abruptamente em um único ponto de origem”, disse Arboll. “Parece ter sido comum em várias culturas”.

Uma tábua de argila babilônica mostrando um casal nu abraçado em uma cama, por volta de 1.800 a.C. De acordo com um novo estudo, o beijo íntimo é 1.000 anos mais antigo e era muito mais difundido do que se pensava anteriormente. Foto: The British Museum via The New York Times

Gravado em argila

Arboll e Rasmussen propuseram que o primeiro relato de beijo foi gravado no Cilindro Barton, uma peça de argila que data de cerca de 2.400 a.C. O objeto foi descoberto na antiga cidade suméria de Nippur em 1899 e recebeu o nome de George Barton, professor de línguas semíticas no Bryn Mawr College, que o traduziu dezenove anos depois. Hoje está no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia, onde, de 1922 a 1931, Barton lecionou línguas semíticas e história da religião.

A narrativa do artefato fala sobre o mito de criação sumério e sobre problemas com o abastecimento de alimentos em Nippur, capital religiosa da Babilônia e centro da adoração a Enlil, governante do cosmos. Na segunda coluna do texto, uma divindade masculina, possivelmente Enlil, faz sexo com a deusa-mãe Ninhursag, irmã de Enlil, e depois a beija. Durante essas travessuras, a divindade masculina planta a semente de “sete gêmeos de divindades” no ventre dela.

Gonzalo Rubio, assiriologista da Penn State University, disse que a parte mais convincente da história é a sequência dos eventos. “Nas representações do ato de beijar na literatura suméria, os seres primeiro têm relações sexuais e só depois se beijam”, disse ele. “É um tipo de preliminar, só que acontece depois”.

O beijo sumério era só um beijo? Arboll disse que, nos registros mais antigos, o beijo era descrito como parte de atos eróticos, tendo os lábios como foco. Ele e Rasmussen descobriram que, em acadiano – língua semítica que tem parentesco com o hebraico e o árabe de hoje –, as referências ao beijo se enquadravam em duas categorias maiores: o “amigável-parental” e o “romântico-sexual”.

A primeira é uma demonstração de afeto familiar, respeito ou submissão, como quando um súdito real beija os pés do soberano. “O beijo sexual-romântico ocorre no ato sexual ou em relações de amor”, disse Arboll. Ao contrário da variedade amigável-parental, não é culturalmente universal.

“Beijos labiais foram observados em chimpanzés e bonobos, nossos parentes vivos mais próximos”, acrescentou Rasmussen. Enquanto o beijo do chimpanzé determina a compatibilidade, os bonobos beijam para promover excitação sexual – seu contato erótico varia de sexo oral a intensa atividade de línguas. “As práticas de beijo desses primatas sugerem algo fundamental que remonta aos primórdios da história da humanidade”, disse Rasmussen.

Troels Pank Arbøll, à esquerda, e a Dra. Sophie Lund Rasmussen afirmam que o beijo era uma parte bem estabelecida do romance no Oriente Médio desde o final do terceiro milênio aC.  Foto: Mathias Eis/The New York Times

Prova de química

A história escrita suméria remonta ao século 27 a.C. e termina mais ou menos um milênio depois, quando a civilização entrou em colapso depois de uma invasão dos elamitas. Coube aos republicanos da Roma antiga, para quem beijar era ao mesmo tempo uma ciência e uma arte sublime, formular uma hierarquia dos beijos e dar a cada tipo um nome apropriado. O osculum, beijo casto mas afetuoso na mão ou na bochecha, era usado como saudação; o basium era o beijo de boca fechada, nos lábios, entre amigos íntimos; o savium era a coisa toda – o que hoje chamamos de beijo de língua.

Em The Science of Kissing: What Our Lips Are Telling Us [algo como “A ciência do beijo: o que nossos lábios nos dizem”, em tradução livre], Sheril Kirshenbaum escreve sobre a química da atração e explica como um beijo une duas pessoas numa troca de cores, sabores e texturas. Rasmussen acredita que o beijo evoluiu como uma forma de avaliar potenciais parceiros por seu cheiro.

“Tanto para humanos quanto para ouriços, o que importa é encontrar o parceiro mais forte e saudável, para produzir descendentes mais fortes e saudáveis”, disse ela. “Então você avalia inconscientemente a pessoa por meio de sinais químicos como mau hálito, que pode indicar dentes ruins, o que pode indicar genes ruins”.

Rasmussen relembrou aquele primeiro beijo com Arboll, que trazia o aroma do chá de hibisco que ela tinha acabado de fazer para ele. O que é um beijo? Na sua memória, ecoava um verso do poeta Robert Herrick: “O amálgama doce e seguro, cola e cal do amor”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.