BANGCOC - Nutthapong Srimuong bolou as rimas antes de o dia clarear.
"O país cuja capital se transformou em um campo de mortes Cujo mapa é escrito e apagado pelas botas do exército O país que aponta uma arma em tua garganta. Onde você tem de escolher se comerá a verdade ou balas."
O poder da junta militar da Tailândia já passou o limite dos quatro anos. As restrições à liberdade de expressão mostraramescassos sinais de diminuir. As eleições, prometidas várias vezes, nunca se concretizaram.
Em outubro, um grupo de músicos chamado Rap Against Dictatorship, liderado por Nutthapong, 30 anos, lançou o videoclipe "What My Country's Got". Em uma semana, o vídeo teve 20 milhões de visualizações online, em um país de 70 milhões de habitantes com aversão à contestação por causa das sentenças de prisão para quem se opõe ao governo.
"Os tailandeses aprenderam que a política não tem a ver com sua vida, mas eu quero as pessoas saibam que têm direito ao voto e à democracia", disse Nutthapong, que usa o pseudônimo Liberate P, o P de "povo". "Eu queria que esta canção tivesse nossas vozes, mas nunca imaginei que pudesse ter um impacto tão grande. Ela mostra que até o povo está cansado e quer mudança".
Em 2014, o grupo militar Conselho Nacional da Paz e da Ordem liderou o 12.º golpe da Tailândia dede quea monarquia absoluta foi abolida em 1932. Depois de repetidos adiamentos, Prayuth Chan-ocha, líder do golpe e atualmente primeiro-ministro, marcou as eleições para 24 de março, e os resultados preliminaresestão atualmente em disputa; tanto a junta governante quanto o principal partido de oposição reivindicam um mandato para formar o próximo governo. Os resultados oficiais só sairão em maio.
O país ganhou as manchetes com as proibições políticas da junta, que prendeu pessoas, por exemplo, por lerem em público a obra 1984, de George Orwell, ou por acenarem rapidamente à saudação de Jogos Vorazes. Centenas de tailandeses foram enviados a campos para "correção de atitude". Uma lei sobre crimes de computador e outra sobre perturbar a ordem pública são usadas para prender ativistas, apontam grupos de direitos humanos.
Enquantocrescia o número de tailandeses que ouviam "What My Country's Got", o governo respondeu com seu próprio rap, "Thailand 4.0". "Há muitos tailandeses talentosos quando trabalhamos juntos", dizia a letra, que acompanhava um vídeo em que uma garota de óculos construía um robô.
Prayuth criticou "What My Country's Got". Seguiram-se os boatos de uma investigação criminal, e Nutthapong ficou com medo de ser preso. Mas Prayuth era candidato ao cargo de primeiro-ministro, e prender o rapper do vídeo viral não seria uma boa estratégia para sua campanha.
Nutthapong cresceu em Chanthaburi, uma província do leste da Tailândia, e se sentiu atraído pelo rap americano. Estudou arquitetura em Bangcoc. Onze anos depois, ainda não concluiu a tese: o rap atrapalhou o seu diploma. Além disso, ele começou a trabalhar sobre alguns dos episódios mais negros da história da Tailândia em suas letras. O público apreciou.
Apesar das ameaças de prisão, os universitários realizam comícios contra a junta. Um cidadão de 40 anos, herdeiro de uma empresa de peças de automóveis, fundou seu próprio partido político. Para milhões de outros, ouvir um hino rap de contestação é uma válvula de escape.
"Eles acham que vamos ficar calados para sempre?", questionou Nutthapong. "Eles têm uma opinião tão ruim assim do povo tailandês?". / Ryn Jirenuwat contribuiu com a reportagem.
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA