Coletânea reúne todas as canções de Schumann (ou quase) em dez horas de gravação


Amigos de longa data se unem para lançar uma das maiores coleções de obras do compositor romântico alemão

Por David Allen

Ao ouvir as canções de Robert Schumann, em 1988, Christian Gerhaher, que na época era estudante de filosofia em Munique, teve a ideia de perguntar a Gerold Huber, pianista que ele conhecia desde os tempos da escola, se eles poderiam começar a tocar algumas músicas juntos.

O barítono Christian Gerhaher (à esq.) e o pianista Gerold Huber ensaiam em Munique. Foto: Daniel Etter/The New York Times

Três décadas depois, Gerhaher e Huber se tornaram, há muito, a maior parceria do canto lírico, e em agosto voltaram às origens com o lançamento de uma caixa com 11 CDs dedicados à obra de Schumann pela Sony. Conforme anunciado na capa, os discos contêm "todas as canções".

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"Gerold e eu cantamos Schumann há 33 anos. Ele compôs quase 300 canções, mas o que é surpreendente é que cada música é incrível, uma revelação de possibilidades, de pensamentos, de beleza. Acho que só há uma música de que não gosto muito", disse Gerhaher, de 52 anos. (A canção é Der Handschuh.)

Schumann tem tido uma presença incerta no repertório das canções de arte. Embora ciclos como Dichterliebe sejam pedras de toque, grande parte de sua produção permanece esquecida. Gerhaher pode citar apenas duas tentativas anteriores de algo comparável à gravação das obras completas, embora nenhum lançamento anterior seja tão coeso quanto esse.

O barítono Dietrich Fischer-Dieskau, um dos principais intérpretes da canção alemã no século 20, gravou cerca de metade das canções de Schumann na década de 1970. Graham Johnson, acompanhante com gostos enciclopédicos, compilou um conjunto muito abrangente pela gravadora Hyperion entre 1996 e 2009. Mas dividiu as músicas entre diferentes vocalistas.

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Isso faz de Gerhaher o primeiro cantor a terminar um levantamento completo por conta própria (embora tenha contado com a ajuda de colegas em obras escritas para a voz feminina ou para grupos). Huber está ao piano o tempo todo, e o objetivo é finalmente dar a Schumann o que lhe é devido como conhecedor de letras – de acordo com Gerhaher, "um dos compositores mais cultos da história".

Schumann compôs suas canções em dois períodos. O primeiro, a partir de 1840, foi visto como o auge do romantismo. O segundo foi recebido com ceticismo, se é que foi ouvido, mas, cada vez mais, Gerhaher considera esse período o mais rico. Schumann escreveu essas canções entre 1849 e 1852, não muito antes de pular no rio Reno, em 1854, e morrer em um asilo psiquiátrico dois anos depois. Como a maioria de suas obras posteriores, as últimas canções foram consideradas menos importantes para alguns ouvidos, já que preconceitos antiquados em relação à saúde mental levaram a uma incompreensão de seu tom experimental.

Gerhaher vai na direção contrária e cita o Concerto para Violino e as Variações Fantasma como mais uma prova de que essa visão está errada. "Dizer que o falecido Schumann era doente, mental e espiritualmente fraco, é uma suposição perigosa. A presunção de que algo é fraco sempre anda de mãos dadas com a presunção de que entendemos outra coisa muito bem. Acho que isso está errado em ambos os casos."

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Com isso em mente, Gerhaher escolheu cinco canções tardias para iniciar sua nova gravação. Aqui estão trechos editados de seus comentários.

'Schneeglöckchen' (Op. 96, Nº 2)

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Em Op. 96, você tem cinco canções. A segunda e a quarta são muito perturbadoras e tratam do sofrimento humano. A terceira, no meio, é um poema de August von Platen que explica que as palavras não podem transmitir o que tentam transmitir. As três canções descrevem a situação horrível da humanidade: ser jogada no mundo e nem mesmo ser capaz de se comunicar corretamente.

Há outro Schneeglöckchen (Campânula) no Liederalbum für die Jügend (Op. 79), mas nesse caso a campânula é considerada algo bom, porque sinaliza o fim do inverno. O poema anônimo que Schumann utiliza na Op. 96, porém, é mais difícil de entender. Uma voz diz a uma campânula: você tem de sair, uma tempestade está chegando. Mas por quê? É o fim do inverno; a flor não tem nada a temer. A voz responde que o "Liverei" – o uniforme – da campânula são pétalas brancas, com a borda verde.

Por que o poema fala em uniforme? Procurei em alguns livros sobre uniformes e encontrei um semelhante para uma cavalaria chamada Subdivisão de Scheither, parte do regimento de Hanover na Guerra dos Sete Anos. Houve uma batalha em Moys, perto de Görlitz, na qual essa subdivisão foi derrotada pela Áustria. Um cavaleiro ferido ficou para trás e não conseguiu voltar para casa. No poema a voz diz que você tem de ir para casa. Isso é tão perturbador, mesmo que eu não consiga provar a conexão.

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'Himmel und Erde' (Op. 96, Nº 5)

Essa última canção, Céu e Terra, é a resolução para o ciclo do Op. 96. A primeira canção é Nachtlied de Goethe; começa com os dois substantivos "Gipfel" (colinas) e "Wipfel" (a copa das árvores). Já a última, de Wilfried von der Neun, começa com o inverso, com "Wipfel" e depois "Gipfel". Você é confrontado com esses opostos, depois é confrontado com o céu, e vê que essas oposições já não são importantes; caminham de mãos dadas. Isso faz com que eu me lembre do filósofo alemão medieval Nicholas von Kues, que escreveu sobre a "coincidentia oppositorum" – a união de opostos.

'An den Mond' (Op. 95, Nº 2)

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No começo, não dá para entender esse ciclo. Basta conferir a primeira canção, Die Tochter Jephtas (Filha de Jefté), e a terceira, Dem Helden (Para o herói). As três canções são textos de Byron. O que isso significa?

Em 1847, Fanny Mendelssohn morreu, Felix Mendelssohn logo depois, e Schumann incluiu poemas de Byron em seu livro de poesia. A primeira canção é uma homenagem póstuma a Fanny. A filha de Jefté era uma guerreira sem nome; ela lutou por seu pai, o rei, mas não conseguiu um nome. Este foi o destino de Fanny: era uma compositora, mas não alcançou a fama. Para o Herói fala do papel de Felix nesses anos, especialmente para Schumann: o esplêndido herói da música.

Entre as duas está Sobre a Lua. O poema diz: olha, lua, você é uma espécie de estrela, mas uma estrela fria, porque reflete a luz quente do sol – você é apenas uma memória, triste, fria, uma memória dura. Foi assim que Schumann combinou a morte de seus dois amigos.

'Die Blume der Ergebung' (Op. 83, Nº 2)

Esse ciclo é muito abstrato. Tem três canções que representam três maneiras de musicar um poema. A primeira, Resignação, é a mais avançada e a que tem a composição mais trabalhada; a segunda é uma canção estrófica variada; a terceira, Der Einsiedler (O eremita), é uma canção estrófica perfeita. Em A Flor da Resignação temos cinco estrofes, e no meio da terceira estrofe vemos a palavra "Liebesschalen" (literalmente, "potes de amor"). Esse é o centro da estrofe do meio dessas três canções, a criação de uma terceira pessoa por um casal. Não pode ser um erro contínuo que Schumann tivesse essa tendência maníaca de conceber combinações.

'Requiem' (Op. 90, Nº 7)

O Op. 90 talvez seja meu ciclo favorito. Há uma espiral descendente. É muito sombrio; fala de aceitar a vaidade do mundo e a tristeza da solidão. Começamos mais uma vez com uma canção de enquadramento, a canção de um ferreiro que está ajudando Fausto em suas viagens, ingenuamente, sem saber que este está seduzindo sua esposa. No meio, temos dois exemplos da perda de fé na vida. A quarta é uma canção maravilhosa sobre o amor que desaparece e a morte que assume o controle.

Em seguida, Schumann acrescentou esse Requiem em homenagem ao poeta Nikolaus Lenau, que ele pensava estar morto, mas que de fato morreu por volta do dia da primeira execução dessas canções. Temos essas ilusões de eternidade, de vida sem fim. É tão cheio de sentimento, uma união de espiritualidade e sensualidade.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Ao ouvir as canções de Robert Schumann, em 1988, Christian Gerhaher, que na época era estudante de filosofia em Munique, teve a ideia de perguntar a Gerold Huber, pianista que ele conhecia desde os tempos da escola, se eles poderiam começar a tocar algumas músicas juntos.

O barítono Christian Gerhaher (à esq.) e o pianista Gerold Huber ensaiam em Munique. Foto: Daniel Etter/The New York Times

Três décadas depois, Gerhaher e Huber se tornaram, há muito, a maior parceria do canto lírico, e em agosto voltaram às origens com o lançamento de uma caixa com 11 CDs dedicados à obra de Schumann pela Sony. Conforme anunciado na capa, os discos contêm "todas as canções".

"Gerold e eu cantamos Schumann há 33 anos. Ele compôs quase 300 canções, mas o que é surpreendente é que cada música é incrível, uma revelação de possibilidades, de pensamentos, de beleza. Acho que só há uma música de que não gosto muito", disse Gerhaher, de 52 anos. (A canção é Der Handschuh.)

Schumann tem tido uma presença incerta no repertório das canções de arte. Embora ciclos como Dichterliebe sejam pedras de toque, grande parte de sua produção permanece esquecida. Gerhaher pode citar apenas duas tentativas anteriores de algo comparável à gravação das obras completas, embora nenhum lançamento anterior seja tão coeso quanto esse.

O barítono Dietrich Fischer-Dieskau, um dos principais intérpretes da canção alemã no século 20, gravou cerca de metade das canções de Schumann na década de 1970. Graham Johnson, acompanhante com gostos enciclopédicos, compilou um conjunto muito abrangente pela gravadora Hyperion entre 1996 e 2009. Mas dividiu as músicas entre diferentes vocalistas.

Isso faz de Gerhaher o primeiro cantor a terminar um levantamento completo por conta própria (embora tenha contado com a ajuda de colegas em obras escritas para a voz feminina ou para grupos). Huber está ao piano o tempo todo, e o objetivo é finalmente dar a Schumann o que lhe é devido como conhecedor de letras – de acordo com Gerhaher, "um dos compositores mais cultos da história".

Schumann compôs suas canções em dois períodos. O primeiro, a partir de 1840, foi visto como o auge do romantismo. O segundo foi recebido com ceticismo, se é que foi ouvido, mas, cada vez mais, Gerhaher considera esse período o mais rico. Schumann escreveu essas canções entre 1849 e 1852, não muito antes de pular no rio Reno, em 1854, e morrer em um asilo psiquiátrico dois anos depois. Como a maioria de suas obras posteriores, as últimas canções foram consideradas menos importantes para alguns ouvidos, já que preconceitos antiquados em relação à saúde mental levaram a uma incompreensão de seu tom experimental.

Gerhaher vai na direção contrária e cita o Concerto para Violino e as Variações Fantasma como mais uma prova de que essa visão está errada. "Dizer que o falecido Schumann era doente, mental e espiritualmente fraco, é uma suposição perigosa. A presunção de que algo é fraco sempre anda de mãos dadas com a presunção de que entendemos outra coisa muito bem. Acho que isso está errado em ambos os casos."

Com isso em mente, Gerhaher escolheu cinco canções tardias para iniciar sua nova gravação. Aqui estão trechos editados de seus comentários.

'Schneeglöckchen' (Op. 96, Nº 2)

Em Op. 96, você tem cinco canções. A segunda e a quarta são muito perturbadoras e tratam do sofrimento humano. A terceira, no meio, é um poema de August von Platen que explica que as palavras não podem transmitir o que tentam transmitir. As três canções descrevem a situação horrível da humanidade: ser jogada no mundo e nem mesmo ser capaz de se comunicar corretamente.

Há outro Schneeglöckchen (Campânula) no Liederalbum für die Jügend (Op. 79), mas nesse caso a campânula é considerada algo bom, porque sinaliza o fim do inverno. O poema anônimo que Schumann utiliza na Op. 96, porém, é mais difícil de entender. Uma voz diz a uma campânula: você tem de sair, uma tempestade está chegando. Mas por quê? É o fim do inverno; a flor não tem nada a temer. A voz responde que o "Liverei" – o uniforme – da campânula são pétalas brancas, com a borda verde.

Por que o poema fala em uniforme? Procurei em alguns livros sobre uniformes e encontrei um semelhante para uma cavalaria chamada Subdivisão de Scheither, parte do regimento de Hanover na Guerra dos Sete Anos. Houve uma batalha em Moys, perto de Görlitz, na qual essa subdivisão foi derrotada pela Áustria. Um cavaleiro ferido ficou para trás e não conseguiu voltar para casa. No poema a voz diz que você tem de ir para casa. Isso é tão perturbador, mesmo que eu não consiga provar a conexão.

'Himmel und Erde' (Op. 96, Nº 5)

Essa última canção, Céu e Terra, é a resolução para o ciclo do Op. 96. A primeira canção é Nachtlied de Goethe; começa com os dois substantivos "Gipfel" (colinas) e "Wipfel" (a copa das árvores). Já a última, de Wilfried von der Neun, começa com o inverso, com "Wipfel" e depois "Gipfel". Você é confrontado com esses opostos, depois é confrontado com o céu, e vê que essas oposições já não são importantes; caminham de mãos dadas. Isso faz com que eu me lembre do filósofo alemão medieval Nicholas von Kues, que escreveu sobre a "coincidentia oppositorum" – a união de opostos.

'An den Mond' (Op. 95, Nº 2)

No começo, não dá para entender esse ciclo. Basta conferir a primeira canção, Die Tochter Jephtas (Filha de Jefté), e a terceira, Dem Helden (Para o herói). As três canções são textos de Byron. O que isso significa?

Em 1847, Fanny Mendelssohn morreu, Felix Mendelssohn logo depois, e Schumann incluiu poemas de Byron em seu livro de poesia. A primeira canção é uma homenagem póstuma a Fanny. A filha de Jefté era uma guerreira sem nome; ela lutou por seu pai, o rei, mas não conseguiu um nome. Este foi o destino de Fanny: era uma compositora, mas não alcançou a fama. Para o Herói fala do papel de Felix nesses anos, especialmente para Schumann: o esplêndido herói da música.

Entre as duas está Sobre a Lua. O poema diz: olha, lua, você é uma espécie de estrela, mas uma estrela fria, porque reflete a luz quente do sol – você é apenas uma memória, triste, fria, uma memória dura. Foi assim que Schumann combinou a morte de seus dois amigos.

'Die Blume der Ergebung' (Op. 83, Nº 2)

Esse ciclo é muito abstrato. Tem três canções que representam três maneiras de musicar um poema. A primeira, Resignação, é a mais avançada e a que tem a composição mais trabalhada; a segunda é uma canção estrófica variada; a terceira, Der Einsiedler (O eremita), é uma canção estrófica perfeita. Em A Flor da Resignação temos cinco estrofes, e no meio da terceira estrofe vemos a palavra "Liebesschalen" (literalmente, "potes de amor"). Esse é o centro da estrofe do meio dessas três canções, a criação de uma terceira pessoa por um casal. Não pode ser um erro contínuo que Schumann tivesse essa tendência maníaca de conceber combinações.

'Requiem' (Op. 90, Nº 7)

O Op. 90 talvez seja meu ciclo favorito. Há uma espiral descendente. É muito sombrio; fala de aceitar a vaidade do mundo e a tristeza da solidão. Começamos mais uma vez com uma canção de enquadramento, a canção de um ferreiro que está ajudando Fausto em suas viagens, ingenuamente, sem saber que este está seduzindo sua esposa. No meio, temos dois exemplos da perda de fé na vida. A quarta é uma canção maravilhosa sobre o amor que desaparece e a morte que assume o controle.

Em seguida, Schumann acrescentou esse Requiem em homenagem ao poeta Nikolaus Lenau, que ele pensava estar morto, mas que de fato morreu por volta do dia da primeira execução dessas canções. Temos essas ilusões de eternidade, de vida sem fim. É tão cheio de sentimento, uma união de espiritualidade e sensualidade.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Ao ouvir as canções de Robert Schumann, em 1988, Christian Gerhaher, que na época era estudante de filosofia em Munique, teve a ideia de perguntar a Gerold Huber, pianista que ele conhecia desde os tempos da escola, se eles poderiam começar a tocar algumas músicas juntos.

O barítono Christian Gerhaher (à esq.) e o pianista Gerold Huber ensaiam em Munique. Foto: Daniel Etter/The New York Times

Três décadas depois, Gerhaher e Huber se tornaram, há muito, a maior parceria do canto lírico, e em agosto voltaram às origens com o lançamento de uma caixa com 11 CDs dedicados à obra de Schumann pela Sony. Conforme anunciado na capa, os discos contêm "todas as canções".

"Gerold e eu cantamos Schumann há 33 anos. Ele compôs quase 300 canções, mas o que é surpreendente é que cada música é incrível, uma revelação de possibilidades, de pensamentos, de beleza. Acho que só há uma música de que não gosto muito", disse Gerhaher, de 52 anos. (A canção é Der Handschuh.)

Schumann tem tido uma presença incerta no repertório das canções de arte. Embora ciclos como Dichterliebe sejam pedras de toque, grande parte de sua produção permanece esquecida. Gerhaher pode citar apenas duas tentativas anteriores de algo comparável à gravação das obras completas, embora nenhum lançamento anterior seja tão coeso quanto esse.

O barítono Dietrich Fischer-Dieskau, um dos principais intérpretes da canção alemã no século 20, gravou cerca de metade das canções de Schumann na década de 1970. Graham Johnson, acompanhante com gostos enciclopédicos, compilou um conjunto muito abrangente pela gravadora Hyperion entre 1996 e 2009. Mas dividiu as músicas entre diferentes vocalistas.

Isso faz de Gerhaher o primeiro cantor a terminar um levantamento completo por conta própria (embora tenha contado com a ajuda de colegas em obras escritas para a voz feminina ou para grupos). Huber está ao piano o tempo todo, e o objetivo é finalmente dar a Schumann o que lhe é devido como conhecedor de letras – de acordo com Gerhaher, "um dos compositores mais cultos da história".

Schumann compôs suas canções em dois períodos. O primeiro, a partir de 1840, foi visto como o auge do romantismo. O segundo foi recebido com ceticismo, se é que foi ouvido, mas, cada vez mais, Gerhaher considera esse período o mais rico. Schumann escreveu essas canções entre 1849 e 1852, não muito antes de pular no rio Reno, em 1854, e morrer em um asilo psiquiátrico dois anos depois. Como a maioria de suas obras posteriores, as últimas canções foram consideradas menos importantes para alguns ouvidos, já que preconceitos antiquados em relação à saúde mental levaram a uma incompreensão de seu tom experimental.

Gerhaher vai na direção contrária e cita o Concerto para Violino e as Variações Fantasma como mais uma prova de que essa visão está errada. "Dizer que o falecido Schumann era doente, mental e espiritualmente fraco, é uma suposição perigosa. A presunção de que algo é fraco sempre anda de mãos dadas com a presunção de que entendemos outra coisa muito bem. Acho que isso está errado em ambos os casos."

Com isso em mente, Gerhaher escolheu cinco canções tardias para iniciar sua nova gravação. Aqui estão trechos editados de seus comentários.

'Schneeglöckchen' (Op. 96, Nº 2)

Em Op. 96, você tem cinco canções. A segunda e a quarta são muito perturbadoras e tratam do sofrimento humano. A terceira, no meio, é um poema de August von Platen que explica que as palavras não podem transmitir o que tentam transmitir. As três canções descrevem a situação horrível da humanidade: ser jogada no mundo e nem mesmo ser capaz de se comunicar corretamente.

Há outro Schneeglöckchen (Campânula) no Liederalbum für die Jügend (Op. 79), mas nesse caso a campânula é considerada algo bom, porque sinaliza o fim do inverno. O poema anônimo que Schumann utiliza na Op. 96, porém, é mais difícil de entender. Uma voz diz a uma campânula: você tem de sair, uma tempestade está chegando. Mas por quê? É o fim do inverno; a flor não tem nada a temer. A voz responde que o "Liverei" – o uniforme – da campânula são pétalas brancas, com a borda verde.

Por que o poema fala em uniforme? Procurei em alguns livros sobre uniformes e encontrei um semelhante para uma cavalaria chamada Subdivisão de Scheither, parte do regimento de Hanover na Guerra dos Sete Anos. Houve uma batalha em Moys, perto de Görlitz, na qual essa subdivisão foi derrotada pela Áustria. Um cavaleiro ferido ficou para trás e não conseguiu voltar para casa. No poema a voz diz que você tem de ir para casa. Isso é tão perturbador, mesmo que eu não consiga provar a conexão.

'Himmel und Erde' (Op. 96, Nº 5)

Essa última canção, Céu e Terra, é a resolução para o ciclo do Op. 96. A primeira canção é Nachtlied de Goethe; começa com os dois substantivos "Gipfel" (colinas) e "Wipfel" (a copa das árvores). Já a última, de Wilfried von der Neun, começa com o inverso, com "Wipfel" e depois "Gipfel". Você é confrontado com esses opostos, depois é confrontado com o céu, e vê que essas oposições já não são importantes; caminham de mãos dadas. Isso faz com que eu me lembre do filósofo alemão medieval Nicholas von Kues, que escreveu sobre a "coincidentia oppositorum" – a união de opostos.

'An den Mond' (Op. 95, Nº 2)

No começo, não dá para entender esse ciclo. Basta conferir a primeira canção, Die Tochter Jephtas (Filha de Jefté), e a terceira, Dem Helden (Para o herói). As três canções são textos de Byron. O que isso significa?

Em 1847, Fanny Mendelssohn morreu, Felix Mendelssohn logo depois, e Schumann incluiu poemas de Byron em seu livro de poesia. A primeira canção é uma homenagem póstuma a Fanny. A filha de Jefté era uma guerreira sem nome; ela lutou por seu pai, o rei, mas não conseguiu um nome. Este foi o destino de Fanny: era uma compositora, mas não alcançou a fama. Para o Herói fala do papel de Felix nesses anos, especialmente para Schumann: o esplêndido herói da música.

Entre as duas está Sobre a Lua. O poema diz: olha, lua, você é uma espécie de estrela, mas uma estrela fria, porque reflete a luz quente do sol – você é apenas uma memória, triste, fria, uma memória dura. Foi assim que Schumann combinou a morte de seus dois amigos.

'Die Blume der Ergebung' (Op. 83, Nº 2)

Esse ciclo é muito abstrato. Tem três canções que representam três maneiras de musicar um poema. A primeira, Resignação, é a mais avançada e a que tem a composição mais trabalhada; a segunda é uma canção estrófica variada; a terceira, Der Einsiedler (O eremita), é uma canção estrófica perfeita. Em A Flor da Resignação temos cinco estrofes, e no meio da terceira estrofe vemos a palavra "Liebesschalen" (literalmente, "potes de amor"). Esse é o centro da estrofe do meio dessas três canções, a criação de uma terceira pessoa por um casal. Não pode ser um erro contínuo que Schumann tivesse essa tendência maníaca de conceber combinações.

'Requiem' (Op. 90, Nº 7)

O Op. 90 talvez seja meu ciclo favorito. Há uma espiral descendente. É muito sombrio; fala de aceitar a vaidade do mundo e a tristeza da solidão. Começamos mais uma vez com uma canção de enquadramento, a canção de um ferreiro que está ajudando Fausto em suas viagens, ingenuamente, sem saber que este está seduzindo sua esposa. No meio, temos dois exemplos da perda de fé na vida. A quarta é uma canção maravilhosa sobre o amor que desaparece e a morte que assume o controle.

Em seguida, Schumann acrescentou esse Requiem em homenagem ao poeta Nikolaus Lenau, que ele pensava estar morto, mas que de fato morreu por volta do dia da primeira execução dessas canções. Temos essas ilusões de eternidade, de vida sem fim. É tão cheio de sentimento, uma união de espiritualidade e sensualidade.

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