Rostos de pedra às margens do Danúbio são retratos da evolução


Quando a agricultura se espalhou pela Europa, as culturas se misturaram

Por James Gorman

LEPENSKI VIR, SÉRVIA - São rostos que assombram. Há cerca de oito mil anos, ao longo de possivelmente dois séculos, artistas que viveram nesse assentamento às margens do Danúbio esculpiram cerca de 100 pedras de arenito com rostos e desenhos abstratos. Os rostos são simples, com olhos amplos e redondos, um nariz estilizado e bocas abertas, voltadas para baixo. Sua expressão não parece feliz.

Os arqueólogos dizem que as cabeças parecem uma mistura de traços de humanos e de peixes. As gargantas e piscinas desse trecho do Danúbio já foram hábitat do esturjão e outros peixes grandes. Talvez um povo pescador tenha imaginado que suas almas migrariam para os peixes após a morte. Muitas dessas esculturas eram mantidas em estranhas habitações em forma de trapézio, com chão de calcário.

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Lepenski Vir - Vir significa redemoinho em sérvio - foi habitada pela primeira vez há mais de 12 mil anos, e intermitentemente ao longo de milhares de anos. Os arqueólogos escavaram o local entre 1965 e 1970, quando a maior parte do local foi inundada durante a construção de uma represa no Danúbio. Há outros locais de idade comparável, e alguns deles também apresentam pedras esculpidas, em ambas as margens dessa altura do Danúbio, conhecida agora como Portões de Ferro. Mas somente em Lepenski Vir encontramos pedras esculpidas com rostos.

Estudos de DNA antigo que estabelecem os padrões da migração humana para a Europa, análise química de ossos e peças de cerâmica e estudos arqueológicos de práticas funerárias determinam que Lepenski Vir estava no exato momento em que agricultores do Oriente Próximo começaram a migrar para o Sudeste Europeu, encontrando os caçadores-coletores que viviam ali.

Foram necessários alguns milhares de anos para que a agricultura se espalhasse pela Europa. Para os arqueólogos, essa transição marca a mudança do mesolítico para o neolítico. Lepenski Vir oferece um instantâneo desse processo bem no seu início. David Reich, especialista em DNA humano antigo e migração humana da Universidade Harvard obteve DNA de ossos encontrados em Lepenski Vir. “É um verdadeiro tesouro de material", disse Reich.

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Ele e seus colegas obtiveram o DNA de quatro indivíduos. Dois puderam ser identificados como agricultores do Oriente Próximo. E estudos da composição química de seus ossos mostraram que eles não cresceram em Lepenski Vir, tendo imigrado de outro lugar. Um deles tinha uma mistura de ascendência de agricultores e caçadores-coletores, e se alimentava de peixe.

Lepenski Vir é o único sítio às margens do Danúbio onde encontramos rostos esculpidos. Esculturas de 6300-5900 a.C. Foto: Mickey Mystique, via Wikimedia Commons

Outro tinha ascendência de caçador-coletor. A datação dos ossos revelou a amplitude de suas épocas. A ossada de ascendência misturada era de 6070 a.C., cerca de oito mil anos atrás. Os agricultores seriam de 6200-5600 a.C. E o caçador-coletor provavelmente seria anterior aos demais.

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O DNA dessa população de caçadores-coletores contribui para uma pequena parte da ascendência europeia de hoje, disse Reich. Os europeus representam agora uma mistura da contribuição genética de ondas de imigração. De acordo com ele, o sítio arqueológico é um marco fundamental da “paisagem perdida das variações humanas".

Outro indício da mistura entre duas culturas é uma mudança nas práticas funerárias. Em toda a Europa, os coletores do mesolítico deixavam o cadáver deitado e estendido. Os agricultores imigrantes do Oriente Próximo trouxeram uma forma diferente de lidar com a morte, deixando o corpo em posição agachada ou fetal.

A análise de DNA revelou que alguns dos mortos de ascendência oriental foram enterrados de acordo com os costumes dos coletores. Outros foram enterrados à maneira dos agricultores. Os agricultores também trouxeram seus animais. Há ossos de pelo menos um cachorro, o que pode um dia ajudar a iluminar a obscura história da domesticação canina, que hoje parece ter ocorrido separadamente na Ásia e na Europa. E há também a questão dos porcos.

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Os pesquisadores descobriram que os agricultores trouxeram consigo seus porcos, mas, no decorrer de três mil anos, esses porcos cruzaram com o javali selvagem europeu. Hoje, o DNA desses porcos originais se perdeu. “Os primeiros dois mil anos de domesticação ocorridos na Anatólia não deixaram quase nenhum traço no genoma moderno dos porcos domésticos", disse Laurent Frantz, da Universidade Queen Mary, em Londres.

Em relação aos rostos, a pesca era importante no Danúbio até os agricultores chegarem, e continuou importante por muito tempo depois disso. A cerâmica que era usada no preparo de grãos em outras partes da Europa era usada no preparo do peixe em Lepenski Vir. 

E os estranhos rostos não são observados em nenhum outro lugar. Há cerca de 100 esculturas do tipo em Lepenski Vir. Nos assentamentos vizinhos, havia às vezes esculturas com formas semelhantes às encontradas nas cabeças de pedra de Lepenski Vir, mas nenhuma das cabeças de pedra da região tem rosto.

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Os agricultores não as trouxeram consigo. Os caçadores-coletores não as produziam antes da chegada dos agricultores. O fenômeno não se espalhou para o restante da Europa. Tenho na minha mesa réplicas de duas das cabeças que comprei quando visitei o museu em Lepenski Vir. Quando olho para elas, sinto um estranho e distante parentesco com os artistas, as almas que se foram, e o esturjão./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LEPENSKI VIR, SÉRVIA - São rostos que assombram. Há cerca de oito mil anos, ao longo de possivelmente dois séculos, artistas que viveram nesse assentamento às margens do Danúbio esculpiram cerca de 100 pedras de arenito com rostos e desenhos abstratos. Os rostos são simples, com olhos amplos e redondos, um nariz estilizado e bocas abertas, voltadas para baixo. Sua expressão não parece feliz.

Os arqueólogos dizem que as cabeças parecem uma mistura de traços de humanos e de peixes. As gargantas e piscinas desse trecho do Danúbio já foram hábitat do esturjão e outros peixes grandes. Talvez um povo pescador tenha imaginado que suas almas migrariam para os peixes após a morte. Muitas dessas esculturas eram mantidas em estranhas habitações em forma de trapézio, com chão de calcário.

Lepenski Vir - Vir significa redemoinho em sérvio - foi habitada pela primeira vez há mais de 12 mil anos, e intermitentemente ao longo de milhares de anos. Os arqueólogos escavaram o local entre 1965 e 1970, quando a maior parte do local foi inundada durante a construção de uma represa no Danúbio. Há outros locais de idade comparável, e alguns deles também apresentam pedras esculpidas, em ambas as margens dessa altura do Danúbio, conhecida agora como Portões de Ferro. Mas somente em Lepenski Vir encontramos pedras esculpidas com rostos.

Estudos de DNA antigo que estabelecem os padrões da migração humana para a Europa, análise química de ossos e peças de cerâmica e estudos arqueológicos de práticas funerárias determinam que Lepenski Vir estava no exato momento em que agricultores do Oriente Próximo começaram a migrar para o Sudeste Europeu, encontrando os caçadores-coletores que viviam ali.

Foram necessários alguns milhares de anos para que a agricultura se espalhasse pela Europa. Para os arqueólogos, essa transição marca a mudança do mesolítico para o neolítico. Lepenski Vir oferece um instantâneo desse processo bem no seu início. David Reich, especialista em DNA humano antigo e migração humana da Universidade Harvard obteve DNA de ossos encontrados em Lepenski Vir. “É um verdadeiro tesouro de material", disse Reich.

Ele e seus colegas obtiveram o DNA de quatro indivíduos. Dois puderam ser identificados como agricultores do Oriente Próximo. E estudos da composição química de seus ossos mostraram que eles não cresceram em Lepenski Vir, tendo imigrado de outro lugar. Um deles tinha uma mistura de ascendência de agricultores e caçadores-coletores, e se alimentava de peixe.

Lepenski Vir é o único sítio às margens do Danúbio onde encontramos rostos esculpidos. Esculturas de 6300-5900 a.C. Foto: Mickey Mystique, via Wikimedia Commons

Outro tinha ascendência de caçador-coletor. A datação dos ossos revelou a amplitude de suas épocas. A ossada de ascendência misturada era de 6070 a.C., cerca de oito mil anos atrás. Os agricultores seriam de 6200-5600 a.C. E o caçador-coletor provavelmente seria anterior aos demais.

O DNA dessa população de caçadores-coletores contribui para uma pequena parte da ascendência europeia de hoje, disse Reich. Os europeus representam agora uma mistura da contribuição genética de ondas de imigração. De acordo com ele, o sítio arqueológico é um marco fundamental da “paisagem perdida das variações humanas".

Outro indício da mistura entre duas culturas é uma mudança nas práticas funerárias. Em toda a Europa, os coletores do mesolítico deixavam o cadáver deitado e estendido. Os agricultores imigrantes do Oriente Próximo trouxeram uma forma diferente de lidar com a morte, deixando o corpo em posição agachada ou fetal.

A análise de DNA revelou que alguns dos mortos de ascendência oriental foram enterrados de acordo com os costumes dos coletores. Outros foram enterrados à maneira dos agricultores. Os agricultores também trouxeram seus animais. Há ossos de pelo menos um cachorro, o que pode um dia ajudar a iluminar a obscura história da domesticação canina, que hoje parece ter ocorrido separadamente na Ásia e na Europa. E há também a questão dos porcos.

Os pesquisadores descobriram que os agricultores trouxeram consigo seus porcos, mas, no decorrer de três mil anos, esses porcos cruzaram com o javali selvagem europeu. Hoje, o DNA desses porcos originais se perdeu. “Os primeiros dois mil anos de domesticação ocorridos na Anatólia não deixaram quase nenhum traço no genoma moderno dos porcos domésticos", disse Laurent Frantz, da Universidade Queen Mary, em Londres.

Em relação aos rostos, a pesca era importante no Danúbio até os agricultores chegarem, e continuou importante por muito tempo depois disso. A cerâmica que era usada no preparo de grãos em outras partes da Europa era usada no preparo do peixe em Lepenski Vir. 

E os estranhos rostos não são observados em nenhum outro lugar. Há cerca de 100 esculturas do tipo em Lepenski Vir. Nos assentamentos vizinhos, havia às vezes esculturas com formas semelhantes às encontradas nas cabeças de pedra de Lepenski Vir, mas nenhuma das cabeças de pedra da região tem rosto.

Os agricultores não as trouxeram consigo. Os caçadores-coletores não as produziam antes da chegada dos agricultores. O fenômeno não se espalhou para o restante da Europa. Tenho na minha mesa réplicas de duas das cabeças que comprei quando visitei o museu em Lepenski Vir. Quando olho para elas, sinto um estranho e distante parentesco com os artistas, as almas que se foram, e o esturjão./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LEPENSKI VIR, SÉRVIA - São rostos que assombram. Há cerca de oito mil anos, ao longo de possivelmente dois séculos, artistas que viveram nesse assentamento às margens do Danúbio esculpiram cerca de 100 pedras de arenito com rostos e desenhos abstratos. Os rostos são simples, com olhos amplos e redondos, um nariz estilizado e bocas abertas, voltadas para baixo. Sua expressão não parece feliz.

Os arqueólogos dizem que as cabeças parecem uma mistura de traços de humanos e de peixes. As gargantas e piscinas desse trecho do Danúbio já foram hábitat do esturjão e outros peixes grandes. Talvez um povo pescador tenha imaginado que suas almas migrariam para os peixes após a morte. Muitas dessas esculturas eram mantidas em estranhas habitações em forma de trapézio, com chão de calcário.

Lepenski Vir - Vir significa redemoinho em sérvio - foi habitada pela primeira vez há mais de 12 mil anos, e intermitentemente ao longo de milhares de anos. Os arqueólogos escavaram o local entre 1965 e 1970, quando a maior parte do local foi inundada durante a construção de uma represa no Danúbio. Há outros locais de idade comparável, e alguns deles também apresentam pedras esculpidas, em ambas as margens dessa altura do Danúbio, conhecida agora como Portões de Ferro. Mas somente em Lepenski Vir encontramos pedras esculpidas com rostos.

Estudos de DNA antigo que estabelecem os padrões da migração humana para a Europa, análise química de ossos e peças de cerâmica e estudos arqueológicos de práticas funerárias determinam que Lepenski Vir estava no exato momento em que agricultores do Oriente Próximo começaram a migrar para o Sudeste Europeu, encontrando os caçadores-coletores que viviam ali.

Foram necessários alguns milhares de anos para que a agricultura se espalhasse pela Europa. Para os arqueólogos, essa transição marca a mudança do mesolítico para o neolítico. Lepenski Vir oferece um instantâneo desse processo bem no seu início. David Reich, especialista em DNA humano antigo e migração humana da Universidade Harvard obteve DNA de ossos encontrados em Lepenski Vir. “É um verdadeiro tesouro de material", disse Reich.

Ele e seus colegas obtiveram o DNA de quatro indivíduos. Dois puderam ser identificados como agricultores do Oriente Próximo. E estudos da composição química de seus ossos mostraram que eles não cresceram em Lepenski Vir, tendo imigrado de outro lugar. Um deles tinha uma mistura de ascendência de agricultores e caçadores-coletores, e se alimentava de peixe.

Lepenski Vir é o único sítio às margens do Danúbio onde encontramos rostos esculpidos. Esculturas de 6300-5900 a.C. Foto: Mickey Mystique, via Wikimedia Commons

Outro tinha ascendência de caçador-coletor. A datação dos ossos revelou a amplitude de suas épocas. A ossada de ascendência misturada era de 6070 a.C., cerca de oito mil anos atrás. Os agricultores seriam de 6200-5600 a.C. E o caçador-coletor provavelmente seria anterior aos demais.

O DNA dessa população de caçadores-coletores contribui para uma pequena parte da ascendência europeia de hoje, disse Reich. Os europeus representam agora uma mistura da contribuição genética de ondas de imigração. De acordo com ele, o sítio arqueológico é um marco fundamental da “paisagem perdida das variações humanas".

Outro indício da mistura entre duas culturas é uma mudança nas práticas funerárias. Em toda a Europa, os coletores do mesolítico deixavam o cadáver deitado e estendido. Os agricultores imigrantes do Oriente Próximo trouxeram uma forma diferente de lidar com a morte, deixando o corpo em posição agachada ou fetal.

A análise de DNA revelou que alguns dos mortos de ascendência oriental foram enterrados de acordo com os costumes dos coletores. Outros foram enterrados à maneira dos agricultores. Os agricultores também trouxeram seus animais. Há ossos de pelo menos um cachorro, o que pode um dia ajudar a iluminar a obscura história da domesticação canina, que hoje parece ter ocorrido separadamente na Ásia e na Europa. E há também a questão dos porcos.

Os pesquisadores descobriram que os agricultores trouxeram consigo seus porcos, mas, no decorrer de três mil anos, esses porcos cruzaram com o javali selvagem europeu. Hoje, o DNA desses porcos originais se perdeu. “Os primeiros dois mil anos de domesticação ocorridos na Anatólia não deixaram quase nenhum traço no genoma moderno dos porcos domésticos", disse Laurent Frantz, da Universidade Queen Mary, em Londres.

Em relação aos rostos, a pesca era importante no Danúbio até os agricultores chegarem, e continuou importante por muito tempo depois disso. A cerâmica que era usada no preparo de grãos em outras partes da Europa era usada no preparo do peixe em Lepenski Vir. 

E os estranhos rostos não são observados em nenhum outro lugar. Há cerca de 100 esculturas do tipo em Lepenski Vir. Nos assentamentos vizinhos, havia às vezes esculturas com formas semelhantes às encontradas nas cabeças de pedra de Lepenski Vir, mas nenhuma das cabeças de pedra da região tem rosto.

Os agricultores não as trouxeram consigo. Os caçadores-coletores não as produziam antes da chegada dos agricultores. O fenômeno não se espalhou para o restante da Europa. Tenho na minha mesa réplicas de duas das cabeças que comprei quando visitei o museu em Lepenski Vir. Quando olho para elas, sinto um estranho e distante parentesco com os artistas, as almas que se foram, e o esturjão./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LEPENSKI VIR, SÉRVIA - São rostos que assombram. Há cerca de oito mil anos, ao longo de possivelmente dois séculos, artistas que viveram nesse assentamento às margens do Danúbio esculpiram cerca de 100 pedras de arenito com rostos e desenhos abstratos. Os rostos são simples, com olhos amplos e redondos, um nariz estilizado e bocas abertas, voltadas para baixo. Sua expressão não parece feliz.

Os arqueólogos dizem que as cabeças parecem uma mistura de traços de humanos e de peixes. As gargantas e piscinas desse trecho do Danúbio já foram hábitat do esturjão e outros peixes grandes. Talvez um povo pescador tenha imaginado que suas almas migrariam para os peixes após a morte. Muitas dessas esculturas eram mantidas em estranhas habitações em forma de trapézio, com chão de calcário.

Lepenski Vir - Vir significa redemoinho em sérvio - foi habitada pela primeira vez há mais de 12 mil anos, e intermitentemente ao longo de milhares de anos. Os arqueólogos escavaram o local entre 1965 e 1970, quando a maior parte do local foi inundada durante a construção de uma represa no Danúbio. Há outros locais de idade comparável, e alguns deles também apresentam pedras esculpidas, em ambas as margens dessa altura do Danúbio, conhecida agora como Portões de Ferro. Mas somente em Lepenski Vir encontramos pedras esculpidas com rostos.

Estudos de DNA antigo que estabelecem os padrões da migração humana para a Europa, análise química de ossos e peças de cerâmica e estudos arqueológicos de práticas funerárias determinam que Lepenski Vir estava no exato momento em que agricultores do Oriente Próximo começaram a migrar para o Sudeste Europeu, encontrando os caçadores-coletores que viviam ali.

Foram necessários alguns milhares de anos para que a agricultura se espalhasse pela Europa. Para os arqueólogos, essa transição marca a mudança do mesolítico para o neolítico. Lepenski Vir oferece um instantâneo desse processo bem no seu início. David Reich, especialista em DNA humano antigo e migração humana da Universidade Harvard obteve DNA de ossos encontrados em Lepenski Vir. “É um verdadeiro tesouro de material", disse Reich.

Ele e seus colegas obtiveram o DNA de quatro indivíduos. Dois puderam ser identificados como agricultores do Oriente Próximo. E estudos da composição química de seus ossos mostraram que eles não cresceram em Lepenski Vir, tendo imigrado de outro lugar. Um deles tinha uma mistura de ascendência de agricultores e caçadores-coletores, e se alimentava de peixe.

Lepenski Vir é o único sítio às margens do Danúbio onde encontramos rostos esculpidos. Esculturas de 6300-5900 a.C. Foto: Mickey Mystique, via Wikimedia Commons

Outro tinha ascendência de caçador-coletor. A datação dos ossos revelou a amplitude de suas épocas. A ossada de ascendência misturada era de 6070 a.C., cerca de oito mil anos atrás. Os agricultores seriam de 6200-5600 a.C. E o caçador-coletor provavelmente seria anterior aos demais.

O DNA dessa população de caçadores-coletores contribui para uma pequena parte da ascendência europeia de hoje, disse Reich. Os europeus representam agora uma mistura da contribuição genética de ondas de imigração. De acordo com ele, o sítio arqueológico é um marco fundamental da “paisagem perdida das variações humanas".

Outro indício da mistura entre duas culturas é uma mudança nas práticas funerárias. Em toda a Europa, os coletores do mesolítico deixavam o cadáver deitado e estendido. Os agricultores imigrantes do Oriente Próximo trouxeram uma forma diferente de lidar com a morte, deixando o corpo em posição agachada ou fetal.

A análise de DNA revelou que alguns dos mortos de ascendência oriental foram enterrados de acordo com os costumes dos coletores. Outros foram enterrados à maneira dos agricultores. Os agricultores também trouxeram seus animais. Há ossos de pelo menos um cachorro, o que pode um dia ajudar a iluminar a obscura história da domesticação canina, que hoje parece ter ocorrido separadamente na Ásia e na Europa. E há também a questão dos porcos.

Os pesquisadores descobriram que os agricultores trouxeram consigo seus porcos, mas, no decorrer de três mil anos, esses porcos cruzaram com o javali selvagem europeu. Hoje, o DNA desses porcos originais se perdeu. “Os primeiros dois mil anos de domesticação ocorridos na Anatólia não deixaram quase nenhum traço no genoma moderno dos porcos domésticos", disse Laurent Frantz, da Universidade Queen Mary, em Londres.

Em relação aos rostos, a pesca era importante no Danúbio até os agricultores chegarem, e continuou importante por muito tempo depois disso. A cerâmica que era usada no preparo de grãos em outras partes da Europa era usada no preparo do peixe em Lepenski Vir. 

E os estranhos rostos não são observados em nenhum outro lugar. Há cerca de 100 esculturas do tipo em Lepenski Vir. Nos assentamentos vizinhos, havia às vezes esculturas com formas semelhantes às encontradas nas cabeças de pedra de Lepenski Vir, mas nenhuma das cabeças de pedra da região tem rosto.

Os agricultores não as trouxeram consigo. Os caçadores-coletores não as produziam antes da chegada dos agricultores. O fenômeno não se espalhou para o restante da Europa. Tenho na minha mesa réplicas de duas das cabeças que comprei quando visitei o museu em Lepenski Vir. Quando olho para elas, sinto um estranho e distante parentesco com os artistas, as almas que se foram, e o esturjão./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LEPENSKI VIR, SÉRVIA - São rostos que assombram. Há cerca de oito mil anos, ao longo de possivelmente dois séculos, artistas que viveram nesse assentamento às margens do Danúbio esculpiram cerca de 100 pedras de arenito com rostos e desenhos abstratos. Os rostos são simples, com olhos amplos e redondos, um nariz estilizado e bocas abertas, voltadas para baixo. Sua expressão não parece feliz.

Os arqueólogos dizem que as cabeças parecem uma mistura de traços de humanos e de peixes. As gargantas e piscinas desse trecho do Danúbio já foram hábitat do esturjão e outros peixes grandes. Talvez um povo pescador tenha imaginado que suas almas migrariam para os peixes após a morte. Muitas dessas esculturas eram mantidas em estranhas habitações em forma de trapézio, com chão de calcário.

Lepenski Vir - Vir significa redemoinho em sérvio - foi habitada pela primeira vez há mais de 12 mil anos, e intermitentemente ao longo de milhares de anos. Os arqueólogos escavaram o local entre 1965 e 1970, quando a maior parte do local foi inundada durante a construção de uma represa no Danúbio. Há outros locais de idade comparável, e alguns deles também apresentam pedras esculpidas, em ambas as margens dessa altura do Danúbio, conhecida agora como Portões de Ferro. Mas somente em Lepenski Vir encontramos pedras esculpidas com rostos.

Estudos de DNA antigo que estabelecem os padrões da migração humana para a Europa, análise química de ossos e peças de cerâmica e estudos arqueológicos de práticas funerárias determinam que Lepenski Vir estava no exato momento em que agricultores do Oriente Próximo começaram a migrar para o Sudeste Europeu, encontrando os caçadores-coletores que viviam ali.

Foram necessários alguns milhares de anos para que a agricultura se espalhasse pela Europa. Para os arqueólogos, essa transição marca a mudança do mesolítico para o neolítico. Lepenski Vir oferece um instantâneo desse processo bem no seu início. David Reich, especialista em DNA humano antigo e migração humana da Universidade Harvard obteve DNA de ossos encontrados em Lepenski Vir. “É um verdadeiro tesouro de material", disse Reich.

Ele e seus colegas obtiveram o DNA de quatro indivíduos. Dois puderam ser identificados como agricultores do Oriente Próximo. E estudos da composição química de seus ossos mostraram que eles não cresceram em Lepenski Vir, tendo imigrado de outro lugar. Um deles tinha uma mistura de ascendência de agricultores e caçadores-coletores, e se alimentava de peixe.

Lepenski Vir é o único sítio às margens do Danúbio onde encontramos rostos esculpidos. Esculturas de 6300-5900 a.C. Foto: Mickey Mystique, via Wikimedia Commons

Outro tinha ascendência de caçador-coletor. A datação dos ossos revelou a amplitude de suas épocas. A ossada de ascendência misturada era de 6070 a.C., cerca de oito mil anos atrás. Os agricultores seriam de 6200-5600 a.C. E o caçador-coletor provavelmente seria anterior aos demais.

O DNA dessa população de caçadores-coletores contribui para uma pequena parte da ascendência europeia de hoje, disse Reich. Os europeus representam agora uma mistura da contribuição genética de ondas de imigração. De acordo com ele, o sítio arqueológico é um marco fundamental da “paisagem perdida das variações humanas".

Outro indício da mistura entre duas culturas é uma mudança nas práticas funerárias. Em toda a Europa, os coletores do mesolítico deixavam o cadáver deitado e estendido. Os agricultores imigrantes do Oriente Próximo trouxeram uma forma diferente de lidar com a morte, deixando o corpo em posição agachada ou fetal.

A análise de DNA revelou que alguns dos mortos de ascendência oriental foram enterrados de acordo com os costumes dos coletores. Outros foram enterrados à maneira dos agricultores. Os agricultores também trouxeram seus animais. Há ossos de pelo menos um cachorro, o que pode um dia ajudar a iluminar a obscura história da domesticação canina, que hoje parece ter ocorrido separadamente na Ásia e na Europa. E há também a questão dos porcos.

Os pesquisadores descobriram que os agricultores trouxeram consigo seus porcos, mas, no decorrer de três mil anos, esses porcos cruzaram com o javali selvagem europeu. Hoje, o DNA desses porcos originais se perdeu. “Os primeiros dois mil anos de domesticação ocorridos na Anatólia não deixaram quase nenhum traço no genoma moderno dos porcos domésticos", disse Laurent Frantz, da Universidade Queen Mary, em Londres.

Em relação aos rostos, a pesca era importante no Danúbio até os agricultores chegarem, e continuou importante por muito tempo depois disso. A cerâmica que era usada no preparo de grãos em outras partes da Europa era usada no preparo do peixe em Lepenski Vir. 

E os estranhos rostos não são observados em nenhum outro lugar. Há cerca de 100 esculturas do tipo em Lepenski Vir. Nos assentamentos vizinhos, havia às vezes esculturas com formas semelhantes às encontradas nas cabeças de pedra de Lepenski Vir, mas nenhuma das cabeças de pedra da região tem rosto.

Os agricultores não as trouxeram consigo. Os caçadores-coletores não as produziam antes da chegada dos agricultores. O fenômeno não se espalhou para o restante da Europa. Tenho na minha mesa réplicas de duas das cabeças que comprei quando visitei o museu em Lepenski Vir. Quando olho para elas, sinto um estranho e distante parentesco com os artistas, as almas que se foram, e o esturjão./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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