THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando adolescente e no início da casa dos 20 anos, a atriz Lizzy Caplan, depois de adiar a entrada na faculdade para estrelar um episódio piloto que nunca virou série, mas antes de começar a participar de comédias e dramas de audiência modesta, tinha um tipo. Apesar dos sprays bronzeadores e de alguns papéis como loira, raramente conseguia convencer os produtores a vê-la como a heroína, a garota legal. Em vez disso, interpretava a melhor amiga nervosa. “Consegui variar bastante meu leque de atuações e ocasionalmente era a melhor amiga vadia. Essa é a história de toda morena”, contou, às gargalhadas.
O comentário jocoso foi feito em uma videochamada, no início de abril, em sua casa no norte de Londres. (Ela e o marido, o ator inglês Tom Riley, passam metade do ano lá e a outra metade em Los Angeles.) Apareceu vestindo uma camiseta de gola esgarçada, com o cabelo em um coque desgrenhado, falando depressa e de forma afiada e sagaz. Entusiasmo e desapego irônico, ceticismo e dinamismo parecem bem entranhados nela, mesmo pelo computador.
Jesse Eisenberg, que contracena com Caplan em A Nova Vida de Toby, da FX, fez uma observação semelhante em entrevista por telefone: “O que é incomum e distinto nela é certo cansaço bem-humorado do mundo, certo desânimo, mas também esperança.”
Esse temperamento contrastante e irrequieto levou Caplan, de 40 anos, a passar a carreira adulta interpretando mulheres que resistem à categorização em séries como Party Down, Masters of Sex, Truth Be Told e A Nova Vida de Toby. Em 30 de abril, apareceu como Alex Forrest, mulher famosa e letalmente complicada, na adaptação da Paramount+ de Atração Fatal.
Essas mulheres não são simpáticas e nem sempre são as heroínas. Frequentemente, são muito infelizes, muito voláteis, muito neuróticas para segurar os arcos convencionais de uma história. Mas, nas mãos e nos grandes olhos azuis cinzentos de Caplan, atraem compulsivamente o espectador. Em uma era anterior, ela poderia ter sido chamada de “símbolo sexual do homem que pensa” (a história de toda morena). Nesta, é uma estrela para todos os homens e mulheres que pensam demais. “Acho que eu não saberia o que fazer com uma mulher muito simpática e certinha. Só me sinto atraída por confusão”, refletiu.
Carreira
Caplan cresceu em Los Angeles, a filha mais nova de uma família judia reformista. Seus pais não eram da área, embora um tio, relações-públicas especializado em crises, às vezes trabalhasse com estrelas de Hollywood. Quando tinha 13 anos, sua mãe morreu de câncer, e pouco tempo depois entrou em uma escola de música e artes cênicas. Tinha se candidatado como pianista, mas o interesse pela música logo diminuiu. Para permanecer no programa, começou a representar. “Atuar parecia ser uma coisa que eu podia fingir, porque todo mundo era tão bom em tudo”, afirmou, com sua típica autodepreciação. Mas a arte da interpretação também parecia algo mais. Depois da morte da mãe, ela teve o que descreveu como “uma estranha caixa de demônios”. Ela sentia que a atuação exigia e recompensava isso: “Foi incrível descobrir que eu poderia pôr isso no trabalho de interpretação e ressignificar essa coisa horrível que aconteceu comigo.”
Foi contratada pelo primeiro agente aos 15 anos. Este conseguiu que ela fizesse um teste para a amada série da NBC Freaks and Geeks. Caplan apareceu em vários episódios. Alguns anos depois de terminar o ensino médio, quando estava começando a se perguntar se a vaga na Universidade de Nova York ainda estava de pé, conseguiu o papel de Janis Ian, a melhor amiga nervosa, em Meninas Malvadas, comédia de 2004 escrita por Tina Fey.
Com orçamento de US$ 7 milhões e faturamento de US$ 130 milhões, o filme virou uma sensação modesta. Caplan pensou que também poderia se tornar uma sensação. Em vez disso, ficou sem trabalho durante um ano.
O trabalho continuou esporádico, até que, aos 26 anos, foi contratada para Party Down, sitcom do Starz, substituindo de última hora uma atriz que engravidara. Interpretou Casey, comediante malsucedida que matava o tempo e pagava o aluguel trabalhando em um bufê. Para Caplan, que já tivera vários empregos na indústria de serviços, Casey parecia mais próxima dela do que qualquer outra personagem que já tinha interpretado: “Ela é supercínica, mas otimista e esperançosa.”
Quando Party Down foi abruptamente cancelada, começou a trabalhar na série da Showtime Masters of Sex, drama sobre os primeiros sexólogos pesquisadores William Masters e Virginia Johnson. Michelle Ashford, a showrunner, admirava a naturalidade de Caplan: “Você não sente que está assistindo a uma atriz; parece que está olhando para uma amiga.” O papel lhe rendeu uma indicação ao Emmy.
Masters of Sex terminou em 2016. Desde então, ela tem trabalhado regularmente. E, se deliberadamente evitou fazer sempre um tipo, confessou ter uma preferência: “O que é empolgante no trabalho é pegar uma mulher que, à primeira vista, parece rejeitada ou, Deus me livre, desagradável, que faz coisas sem sentido para uma pessoa comum, e então descobrir como fazer com que todas essas decisões pareçam muito autênticas, reais e corretas. Porque todo mundo acha que está fazendo a coisa certa.”
Em A Nova Vida de Toby, Libby, a personagem de Caplan, aparece no início como uma personagem secundária, observadora sarcástica dos rompimentos e colapsos dos amigos. Em uma reviravolta metaficcional, o fim a revela como o eixo e, possivelmente, a criadora da história. O papel lhe foi oferecido quando estava grávida do primeiro filho, Alfie, agora com um ano e meio, e as filmagens começaram quando ele tinha apenas alguns meses.
Caplan estava preocupada com o destino de sua carreira depois do parto, e a série, segundo ela, lidava com temas que lhe pareciam extremamente relevantes: meia-idade, casamento, maternidade, escolhas de vida. No entanto, se Libby se sente limitada pelas responsabilidades da vida familiar, Caplan estava em um período de lua de mel com a maternidade recente: morando em Nova York, enlouquecendo de alegria toda vez que Alfie sorria, trabalhando com algo que amava.
No verão setentrional passado, assim que A Nova Vida de Toby terminou, Caplan e a família foram de Nova York para Los Angeles, onde teriam início as filmagens de Atração Fatal. Isso significava trocar Libby, mãe casada de dois filhos sufocada pelos subúrbios, por Alex Forrest, solteira com pouca noção de limite.
No filme original de 1987, Alex, interpretada por Glenn Close, era um editora de livros de Nova York que tinha um caso de fim de semana com Dan (Michael Douglas), advogado casado. Alex então persegue Dan, ameaça sua família e cozinha o coelho de estimação da filha dele. Nesta versão, ambientada na Los Angeles de hoje e na de 15 anos atrás, Alex é uma assistente social que lida com vítimas. Os coelhos estão seguros. Há outras mudanças também.
O filme de 1987 fez sucesso nos testes com o público até o fim, que mostrava Dan enfrentando as consequências do caso. O público queria algo menos imparcial. (“Eles querem que a gente aja de forma extremamente preconceituosa e dê cabo da vagabunda”, disse um executivo da Paramount em uma declaração amplamente divulgada.) Uma refilmagem foi organizada. Close inicialmente se recusou a fazê-lo, sentindo que isso traía Alex, que, claramente, sofria de uma doença mental grave. Por fim, concordou.
Caplan e a showrunner, Alexandra Cunningham, tentaram criar empatia, transformando a demoníaca Alex em uma mulher complicada. Cunningham (Dirty John - O Golpe do Amor) escreveu o papel para Caplan, porque acreditava que ela conseguiria captar “a sagacidade e a inteligência, o humor e a instabilidade, a reatividade e a raiva, tudo presente ao mesmo tempo”. E suspeitava que Caplan pudesse fazer com que os espectadores simpatizassem com uma mulher que, de outro modo, condenariam.
Encontrar compaixão pelos solitários, pelos loucos, pelos tristes, pelas mulheres com estranhas caixas de demônios definiu a carreira madura de Caplan. Mas ela não consegue e não quer ser de outra maneira: “Acho que esse é o segredo para tudo: descobrir como ter compaixão pelo maior número de pessoas possível.”
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