THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - É “la rentrée” na França, o mês de volta às aulas, o retorno ao normal, após as férias, muitas vezes marcado por conflitos sociais renovados. Mas ninguém esperava que a França se revoltasse com os churrascos.
Churrasco tornou-se uma palavra em todas as primeiras páginas, tema de debates acalorados na TV e fonte de uma crise de identidade nacional desde que Sandrine Rousseau, parlamentar do Partido Verde, declarou em 27 de agosto que “temos que mudar nossa mentalidade para que comer um entrecôte grelhado não seja mais um símbolo de virilidade”.
L’horreur!
Políticos de todo o espectro político - da extrema-direita ao Partido Comunista - entraram em erupção. Acusaram Rousseau de impugnar o profundo apego gaulês à carne marmorizada preparada pelas delicadas incisões dos açougueiros franceses, insultando e “desconstruindo” os homens, projetando guerras de gênero em agradáveis encontros de verão e geralmente espalhando melancolia.
“Parem com essa loucura!” Eric Ciotti, parlamentar dos Republicanos, escreveu no Twitter. Outro membro do partido, Nadine Morano, disse: “Chega de acusar nossos meninos de tudo!”
Fabien Roussel, secretário-geral do Partido Comunista, adotou uma abordagem diferente: “O consumo de carne está ligado ao que você tem em sua carteira, não na calcinha ou na cueca”.
Rousseau, membro sênior do Partido Europa Ecologia - Os Verdes, disse em uma entrevista que ficou surpresa com a polêmica. Seu argumento era que “se você quer resolver a crise climática, você tem que reduzir o consumo de carne, e isso não vai acontecer enquanto a masculinidade for construída em torno da carne”.
Ela não ofereceu nenhuma evidência conclusiva da virilidade envolvida, ou simbolizada por, aquecer carvão, colocar salsichas e pedaços de carne vermelha em uma grelha e ficar ali de peito nu na fumaça ondulante para cozinhá-los.
Mas um estudo conhecido como INCA, realizado a cada sete anos pelos ministérios da agricultura e da saúde da França, sugere que os homens franceses comem 59% mais carne do que as mulheres.
A sociedade francesa, sugeriu Rousseau, tem sua cabeça predominantemente masculina enterrada na areia quando se trata de combater as mudanças climáticas, apesar de um verão de seca severa e incêndios florestais.
“Esses homens reagem como se eu estivesse arrancando seus corações e pulmões!” ela disse. “No entanto, depois de um verão como este, claramente precisamos pensar em como substituir o convívio em torno da carne crua em um churrasco. Podemos grelhar pimentões. Podemos fazer um piquenique. Podemos reimaginar o que tem valor.”
Isso seria um ajuste difícil na França, onde o apego ao “terroir” - a terra, as características especiais de uma determinada parcela dela, a natureza de seu solo, as características do gado que ali pasta - é passional. A Feira Agrícola anual de Paris, onde os fazendeiros exibem seu robusto gado premiado, é um grande evento nacional, a ponto de muitos políticos terem perdido qualquer esperança de altos cargos por não parecerem à vontade acariciando o traseiro de uma vaca.
E este país, a terra das batatas fritas, vai contentar-se com pimentões grelhados?
Parece improvável, mas os tempos estão mudando. O planeta está aquecendo. A França acaba de passar pelo segundo verão mais quente em mais de um século. As Nações Unidas estimam que as emissões da pecuária representam cerca de 14% de todos os gases de efeito estufa produzidos pelo homem, incluindo o metano.
Já na campanha para as eleições presidenciais francesas deste ano, ficou claro que a politização dos alimentos já havia percorrido um longo caminho. O país dividiu-se entre a multidão da carne vermelha, principalmente à direita, e a brigada da quinoa e do tofu que pregava as virtudes das nozes e legumes, concentrada no Partido Verde.
A terra da gastronomia tornou-se a terra do debate acalorado sobre o simbolismo cultural e político da comida. Tradicionalistas detectam sinais da “cultura de cancelamento” importada dos EUA na tentativa de colocar o bife e o cordeiro na categoria de proibidos para salvar o planeta. Há até uma palavra nova - a “mangeosphère”, algo como a “esfera alimentar” - cunhada pelo jornal francês Le Monde para essas discussões sobre a semiologia de um sanduíche de presunto ou uma maçã.
Roussel, então candidato presidencial do Partido Comunista, foi duramente criticado em janeiro por dizer que todos os franceses deveriam ter direito à comida tradicional. “Um bom vinho, uma boa carne, um bom queijo, é a gastronomia francesa”, disse.
O comentário foi imediatamente atacado como xenófobo, com Rousseau na vanguarda de seus críticos. Que tal cuscuz e sushi? E os milhões de muçulmanos franceses, que não bebem vinho? E os veganos que não estão muito interessados em “boa carne?”
No entanto, a popularidade de Roussel aumentou rapidamente, e aplausos estrondosos em comícios saudaram seu grito de: “O que vamos comer? Tofu e soja? Tenha dó!”
A esquerda francesa está dividida. Roussel representa a ala que rejeita a reformulação total da dieta francesa - ele prometeu muita carne vermelha no festival anual de música organizado pelo jornal comunista L’Humanité no final deste mês - enquanto os Verdes e o Partido França Insubmissa insistem que a mudança é necessária.
“Há uma diferença entre os sexos na maneira como consumimos carne, e as pessoas que decidem se tornar vegetarianas são em sua maioria mulheres”, disse Clémentine Autain, paramentar do Partido França Insubmissa, à BFMTV em uma forte defesa de Rousseau. “Então, se queremos ir em direção à igualdade, temos que atacar a virilidade.”
Ela não disse como faria isso.
Julien Odoul, membro do Reagrupamento Nacional de extrema direita de Marine Le Pen, não ficou impressionado. Ele declarou que os homens sempre comeram mais carne do que as mulheres e que “não é virilidade, é a natureza”. Ele prometeu seguir uma “dieta Cro-Magnon”, uma alusão aos primeiros humanos das cavernas no sudoeste francês.
Morano, o representante dos Republicanos de centro-direita, pediu a suspensão imediata da “desconstrução” dos homens franceses. Jacques Derrida, o filósofo francês que morreu em 2004, cunhou esse termo, mas geralmente o aplicou a textos ao invés de homens franceses.
Quanto a Rousseau, ela disse: “Não sou contra os homens. Sou contra um sistema patriarcal que está colocando o planeta contra a parede”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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