THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Dois anos e meio atrás, quando me pediram para ajudar a escrever o relatório mais confiável sobre as mudanças climáticas nos Estados Unidos, hesitei. Será que realmente precisávamos de mais um alerta sobre as terríveis consequências das mudanças climáticas neste país? A resposta, legalmente, era sim: o Congresso determina que a Avaliação Nacional do Clima seja atualizada a cada quatro anos. Mas, depois de quatro avaliações e de seis relatórios das Nações Unidas desde 1990, eu não achava que a novidade de que precisávamos para enfrentar as mudanças climáticas fosse mais um relatório.
No final, eu disse sim, mas com relutância. Para ser franca, estava cansada de advertir as pessoas sobre como as coisas poderiam ficar ruins. Os cientistas deram o alarme inúmeras vezes seguidas, mas a temperatura continua subindo. Eventos extremos como ondas de calor, inundações e secas estão ficando mais graves e frequentes, exatamente como previmos. Os fatos provaram que tínhamos razão. Mas isso não parecia ter a menor importância.
Nosso relatório, traz alertas ainda mais terríveis. São muitos os novos motivos para desespero. Graças aos recentes avanços científicos, agora conseguimos associar as mudanças climáticas a desastres específicos e temos uma compreensão melhor de como os ciclos de feedback do sistema climático podem piorar ainda mais o aquecimento. Agora também conseguimos prever com mais confiança resultados catastróficos se as emissões globais continuarem na trajetória atual. Mas, para mim, a descoberta mais surpreendente da Quinta Avaliação Nacional do Clima é esta: também houve um progresso genuíno.
Estou acostumada com números impressionantes e há muitos deles neste relatório. Os seres humanos lançaram cerca de 1,6 trilhões de toneladas de carbono na atmosfera desde a Revolução Industrial – mais do que o peso de todos os seres vivos na Terra juntos. Mas, enquanto escrevíamos o relatório, tomei conhecimento de outros números ainda mais surpreendentes. Na última década, o custo da energia eólica diminuiu 70% e o da energia solar, 90%. As energias renováveis agora representam 80% da nova capacidade de produção de eletricidade. As emissões de gases de efeito estufa no nosso país estão caindo, ao mesmo tempo que o PIB e a população crescem.
No relatório, fomos incumbidos de projetar as mudanças climáticas futuras. Mostramos como seriam os Estados Unidos se o mundo aquecesse 2 graus Celsius. Não seria um cenário bonito: mais ondas de calor, mais noites desconfortavelmente quentes, mais chuvas torrenciais, mais secas. Se as emissões de gases de efeito estufa continuarem aumentando, vamos chegar a esse ponto nas próximas décadas. Se caírem um pouco, talvez consigamos evitar esse quadro até meados do século. Mas nossas descobertas também proporcionaram um vislumbre de esperança: se as emissões caírem drasticamente, como o relatório sugere que pode acontecer, talvez nunca cheguemos aos 2 graus Celsius. Pela primeira vez na minha carreira senti algo estranho: otimismo. E essa simples constatação foi suficiente para me convencer de que valia a pena publicar mais um relatório sobre o clima.
Algo mudou nos Estados Unidos – e não só no clima. Os governos estaduais, locais e tribais de todo o país começaram a agir. Alguns políticos agora fazem campanha sobre as mudanças climáticas, em vez de as ignorarem ou mentirem sobre elas. Em 2022, o Congresso aprovou legislação climática federal – algo que há muito eu considerava impossível.
E embora enfatize a urgência de limitar o aquecimento para evitar riscos terríveis, o relatório também traz uma nova mensagem: está ao nosso alcance. Agora sabemos como fazer os cortes drásticos nas emissões que precisaríamos para limitar o aquecimento, e é muito possível fazê-lo de uma forma sustentável, saudável e justa. A conversa avançou e o papel dos cientistas mudou. Não estamos mais só alertando sobre o perigo. Estamos mostrando o caminho para a segurança.
Eu estava errada sobre os relatórios anteriores: eles eram importantes, sim. Enquanto os cientistas climáticos alertavam o mundo sobre a catástrofe, um pequeno exército de cientistas, engenheiros, formuladores de políticas públicas e outros atores começava a trabalhar. Eles nos ajudaram a avançar em direção aos nossos objetivos climáticos. Nossos alertas surtiram efeito.
Para limitar o aquecimento global, precisamos de muito mais gente a bordo. Não vai ser fácil: exigirá mudanças em grande escala nas infraestruturas e no comportamento, bem como a remoção de carbono da atmosfera. E nem todos estão a bordo, ainda. A indústria dos combustíveis fósseis, em particular, continua ignorando a ciência. As empresas de petróleo, gás e carvão já fizeram planos para infraestruturas que, se utilizadas como pretendido, explodiriam a meta de 1,5 graus Celsius do acordo de Paris nas próximas décadas.
Para evitar isso, precisamos chegar às pessoas que ainda não foram tocadas pelos nossos alertas. Não estou falando da indústria de combustíveis fósseis, nem me preocupo muito em conquistar o pequeno mas barulhento grupo de negacionistas climáticos. Mas acredito que podemos alcançar muitas pessoas que travam quando ouvem mais um alerta terrível ou veem mais um relatório como o que acabamos de publicar.
A razão é que agora temos uma história melhor para contar. As evidências são claras: responder às mudanças climáticas não só criará um mundo melhor para nossos filhos e netos, mas também deixará o mundo melhor para nós, agora mesmo.
A eliminação das fontes de emissões de gases de efeito estufa deixará o ar e a água mais limpos, a economia mais forte e a qualidade de vida melhor. Pode salvar centenas de milhares ou mesmo milhões de vidas em todo o país só com os benefícios da qualidade do ar. A utilização mais sensata da terra pode limitar as mudanças climáticas e proteger a biodiversidade. As mudanças climáticas afetam mais fortemente as comunidades que mais sofrem na nossa sociedade: pessoas com baixa renda, pessoas não brancas, crianças e idosos. E a ação climática pode ser uma oportunidade para reparar legados de racismo, negligência e injustiça.
Eu ainda poderia contar histórias assustadoras sobre um futuro devastado pelas mudanças climáticas – e essas histórias seriam verdadeiras, pelo menos na trajetória em que estamos hoje. Mas também é verdade que temos uma oportunidade única na história da humanidade, não só de prevenir os piores efeitos, mas de fazer um mundo melhor agora mesmo. Seria uma pena desperdiçar esta oportunidade. Então não quero mais falar só sobre os problemas. Quero falar sobre as soluções. Este será meu último alerta.
Kate Marvel, cientista climática da organização ambiental sem fins lucrativos Project Drawdown, foi a autora principal da Quinta Avaliação Nacional do Clima. Anteriormente, foi pesquisadora na Universidade de Columbia e no Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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