TAIPEI, TAIWAN - Durante as décadas em que foi governada pelos britânicos e depois de ser entregue à China, Hong Kong foi um reduto de liberdade de expressão no mundo chinês. A mídia internacional e os grupos de defesa dos direitos humanos estabeleceram ali suas sedes, e o local servia como santuário para fugitivos políticos, desde líderes estudantis da Praça Tiananmen até Edward Snowden.
Mas conforme Pequim apertou o cerco do poder contra a antiga colônia, Hong Kong foi substituída por Taiwan, uma ilha independente que emergiu como uma das democracias mais vibrantes da Ásia. Agora, Taiwan atrai dissidentes, grupos de defesa dos direitos humanos e eventos que antes gravitavam naturalmente em torno de Hong Kong.
Um festival de cinema de direitos humanos realizado em Hong Kong no ano passado terá a edição deste ano realizada em Taiwan. Um editor de Hong Kong que foi abduzido por agentes chineses dois anos atrás e depois libertado vai reabrir sua livraria em Taiwan.
No ano passado, os Repórteres sem Fronteiras anunciaram que abririam seu primeiro escritório asiático em Taipei, capital de Taiwan, depois de pensarem na ideia (e desistirem) de se instalar em Hong Kong.
Quando os britânicos devolveram Hong Kong à China, em 1997, o acordo de “um país, dois sistemas” foi pensado para conferir ao território um “alto grau de autonomia” até 2047, no mínimo. Mas depois dos protestos de 2014, quando milhares de moradores de Hong Kong foram às ruas para exigir mais democracia, a China se mostrou mais disposta a intervir. Em 2016, a detenção de cinco editores de Hong Kong por parte da China, em razão de seu envolvimento na publicação de livros a respeito de lideranças chinesas, foi vista como um prenúncio da morte da liberdade de expressão.
Lam Wing-kee, um dos cinco editores detidos, que afirmou ter sido mantido em confinamento solitário por cinco meses e pressionado a fazer uma confissão pública, planeja agora reabrir em Taiwan sua livraria, antes localizada em Hong Kong.
“Nós, de Hong Kong, queremos aprender as lições de Taiwan", disse Lam. “Os taiwaneses querem saber como os chineses fazem para controlar Hong Kong a partir do continente”.
O crescente reconhecimento de Taiwan como um dos ambientes de expressão mais livres da Ásia é em si uma mudança dramática. Até 1987, a ilha era comandada por um brutal regime militar, controlado pelo ditador Chiang Kai-shek, que fugiu da revolução comunista na China continental em 1949 e, posteriormente, por seu filho.
As liberdades de Taiwan foram conquistadas a um alto preço. Em 7 de abril, Taiwan comemora o Dia da Liberdade de Expressão, no aniversário da morte de Deng Nan-jung, defensor da liberdade de expressão que, 29 anos atrás, imolou-se enquanto a polícia se preparava para invadir seu escritório e detê-lo por ter publicado uma versão revisada da constituição. A morte de Deng deu início a protestos que ajudaram a levar a ilha no sentido de um governo mais democrático e mais livre.
Os taiwaneses também estão arrumando problemas com as autoridades da China e até de Hong Kong. No ano passado, o ativista taiwanês Lee Ming-cheh foi detido ao entrar na China. Ele apresentou o que pareceu ser uma confissão forçada antes de ser condenado a cinco anos na prisão por subversão contra o estado. O caso teve um efeito assustador em Taiwan porque o tribunal usou como provas conteúdo que Lee tinha compartilhado nas redes sociais enquanto estava em Taiwan.
Em novembro, o cineasta taiwanês Kevin H. J. Lee disse que teve negado seu visto de entrada para Hong Kong. Ele acredita que as autoridades viram um trailer de seu novo documentário, “Self-Censorship".
“Quando vejo a situação em Hong Kong, lembro-me de Taiwan antes do fim da lei marcial. Como Hong Kong pôde chegar a esse ponto?”, disse Lee em março.